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Fatores de risco cardiovasculares em coorte de profissionais da área médica: 15 anos de evolução

Resumos

FUNDAMENTO: Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), as doenças cardiovasculares (DCV) são responsáveis por 16,7 milhões de mortes/ano. Evidências mostram que as DCV resultam da interação entre fatores de risco variados, presentes desde a infância. OBJETIVO: Verificar, em profissionais da área médica, a presença e evolução de alguns fatores de risco cardiovasculares (FRCV) em um intervalo de 15 anos. MÉTODOS: Analisamos um grupo de indivíduos ao ingressar na faculdade de medicina e repetimos a análise 15 anos depois, comparando os dados encontrados. Utilizamos questionários sobre FRCV (hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabete melito (DM), dislipidemia e história familiar de DCV precoce, tabagismo, etilismo e sedentarismo). O colesterol, a glicemia, a PA, o peso, a altura, o índice de massa corpórea (IMC) foram determinados. RESULTADOS: Comparamos 100 indivíduos (sendo 64,0% homens com idade média de 19,9 anos), com os 72 (sendo 62,5% homens, 34,8 anos) incluídos 15 anos após. Houve aumento na prevalência de HAS (6,0% vs 16,7%, p = 0,024), excesso de peso (9,0% vs 26,4%, p = 0,002) e dislipidemia (4,0% vs 19,14%, p = 0,002). Os demais FRCV não se modificaram. Na análise dos valores de pressão arterial sistólica (PAS), pressão arterial diastólica (PAD), colesterol, glicemia e IMC, encontramos elevação na média de todas variáveis (p < 0,05). Houve correlação positiva entre valores de PAS, PAD, IMC e glicemia no intervalo de tempo avaliado (p < 0,05). CONCLUSÃO: Em profissionais da área médica, encontramos elevação na PAS, PAD, glicemia, IMC e colesterol em 15 anos. Na análise da prevalência de FRCV, houve aumento de hipertensão arterial, excesso de peso e dislipidemia.

Fatores de risco; pessoal de saúde; estudos transversais


FUNDAMENTO: Según la Organización Mundial de Salud (OMS), las enfermedades cardiovasculares (ECV) son responsables de 16,7 millones de muertes/año. Evidencias muestran que las ECV resultan de la interacción entre factores de riesgo variados, presentes desde la infancia. OBJETIVO: Verificar, en profesionales del área médica, la presencia y evolución de algunos factores de riesgo cardiovasculares (FRCV) en un intervalo de 15 años. MÉTODOS: Analizamos a un grupo de individuos al ingresar en la facultad de medicina y hemos repetido el análisis tras 15 años, comparando los datos encontrados. Utilizamos cuestionarios sobre FRCV (hipertensión arterial sistémica (HAS), diabetes melito (DM), dislipidemia e historia familiar de ECV precoz, tabaquismo, etilismo y sedentarismo). El colesterol, la glucemia, el PA, el peso, la altura, el índice de masa corpórea (IMC) fueron determinados. RESULTADOS: Comparamos a 100 individuos (siendo el 64% varones con edad promedio de 19,9 años), con los 72 (siendo un 62,5% varones, 34,8 años) incluidos 15 años después. Hubo un aumento en la prevalencia de HAS (6,0% vs 16,7%, p = 0,024), exceso de peso (9,0% vs 26,4%, p = 0,002) y dislipidemia (4,0% vs 19,14%, p = 0,002). Los demás FRCV no se modificaron. En el análisis de los valores de presión arterial sistólica (PAS), presión arterial diastólica (PAD), colesterol, glucemia e IMC, encontramos elevación en el promedio de todas las variables (p < 0,05). Hubo correlación positiva entre valores de PAS, PAD, IMC y glucemia en el intervalo de tiempo evaluado (p < 0,05). CONCLUSIÓN: En profesionales del área médica, encontramos elevación en la PAS, PAD, glucemia, IMC y colesterol en 15 años. En el análisis de la prevalencia de FRCV, hubo aumento de hipertensión arterial, exceso de peso y dislipidemia.

Factores de riesgo; personal de salud; estudios transversales


BACKGROUND: According to the World Health Organization (WHO), cardiovascular diseases (CVD) account for 16.7 million deaths per year. Evidence shows that CVD result from the interaction of multiple risk factors that are present from childhood. OBJECTIVE: To evaluate the presence and evolution of several cardiovascular risk factors (CVRF) among medical professionals, in a period of 15 years. METHODS: We analyzed a group of individuals when they entered medical school, and repeated the analysis after 15 years, comparing the data found. We used CVRF questionnaires (systemic arterial hypertension (SAH); diabetes mellitus (DM); dyslipidemia and family history of premature CVD; smoking habit; alcoholism; and sedentary lifestyle). Cholesterol, blood glucose, BP, weight, height, body mass index (BMI) values were determined. RESULTS: We compared 100 subjects (64.0% men with a mean age of 19.9 years) with a total of 72 subjects (62.5% men, 34.8 years) that were included in the study 15 years later. There was an increase in the prevalence of hypertension (6.0% vs 16.7%, p = 0.024), overweight (9.0% vs 26.4%, p = 0.002), and dyslipidemia (4.0% vs 19.14%, p = 0.002). The other CVRF remained unchanged. Analyzing the values of systolic blood pressure (SBP); diastolic blood pressure (DBP); cholesterol; glucose; and BMI, we found an increase in the mean values of all variables (p < 0.05). We observed a positive correlation between the values of SBP, DBP, BMI, and blood glucose measured in the time interval (p < 0.05). CONCLUSION: Among medical professionals, there was an elevation in SBP, DBP, glucose, BMI, and cholesterol values in 15 years. In the CVRF prevalence analysis, we found an increase in the prevalence of hypertension, overweight, and dyslipidemia.

Risk factors; health personnel; cross-sectional studies


ARTIGOS ORIGINAIS

EPIDEMIOLOGIA

Fatores de risco cardiovasculares em coorte de profissionais da área médica - 15 anos de evolução

Thiago de Souza Veiga Jardim; Paulo César Brandão Veiga Jardim; Wattusy Estefane Cunha de Araújo; Luciana Muniz Sanches Siqueira Veiga Jardim; Claudia Maria Salgado

Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO - Brasil

Correspondência Correspondência: Thiago de Souza Veiga Jardim Rua 54 n. 450/503A - Edf. Al Maré - Jardim Goiás 74810-220 - Goiânia, GO - Brasil E-mail: thiagoveiga@cardiol.br, thiagoloirin@hotmail.com

RESUMO

FUNDAMENTO: Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), as doenças cardiovasculares (DCV) são responsáveis por 16,7 milhões de mortes/ano. Evidências mostram que as DCV resultam da interação entre fatores de risco variados, presentes desde a infância.

OBJETIVO: Verificar, em profissionais da área médica, a presença e evolução de alguns fatores de risco cardiovasculares (FRCV) em um intervalo de 15 anos.

MÉTODOS: Analisamos um grupo de indivíduos ao ingressar na faculdade de medicina e repetimos a análise 15 anos depois, comparando os dados encontrados. Utilizamos questionários sobre FRCV (hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabete melito (DM), dislipidemia e história familiar de DCV precoce, tabagismo, etilismo e sedentarismo). O colesterol, a glicemia, a PA, o peso, a altura, o índice de massa corpórea (IMC) foram determinados.

RESULTADOS: Comparamos 100 indivíduos (sendo 64,0% homens com idade média de 19,9 anos), com os 72 (sendo 62,5% homens, 34,8 anos) incluídos 15 anos após. Houve aumento na prevalência de HAS (6,0% vs 16,7%, p = 0,024), excesso de peso (9,0% vs 26,4%, p = 0,002) e dislipidemia (4,0% vs 19,14%, p = 0,002). Os demais FRCV não se modificaram. Na análise dos valores de pressão arterial sistólica (PAS), pressão arterial diastólica (PAD), colesterol, glicemia e IMC, encontramos elevação na média de todas variáveis (p < 0,05). Houve correlação positiva entre valores de PAS, PAD, IMC e glicemia no intervalo de tempo avaliado (p < 0,05).

CONCLUSÃO: Em profissionais da área médica, encontramos elevação na PAS, PAD, glicemia, IMC e colesterol em 15 anos. Na análise da prevalência de FRCV, houve aumento de hipertensão arterial, excesso de peso e dislipidemia.

Palavras-chave: Fatores de risco, pessoal de saúde/tendências, estudos transversais.

Introdução

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), as doenças cardiovasculares (DCV) são responsáveis por 16,7 milhões de mortes por ano. As projeções para 2020 mantêm esses agravos como principal causa de morte e incapacitação, e, atualmente, as regiões em desenvolvimento contribuem mais marcadamente para o ônus dessas doenças do que as regiões desenvolvidas1. No Brasil, estima-se que as DCV respondam por mais de 30,0% dos óbitos em sujeitos a partir dos 20 anos de idade2.

A literatura apresenta claras evidências de que as DCV manifestas na idade adulta resultam de uma complexa interação entre fatores de risco variados presentes desde a infância e adolescência3.

Grande parte desses conhecimentos acerca dos fatores de risco cardiovasculares (FRCV) advém do consagrado estudo de Framingham4. Trata-se de uma das primeiras coortes onde foi demonstrada a importância de alguns fatores de risco para o desenvolvimento de doenças cardíacas e cerebrovasculares. Em 2004, Yusuf e cols. publicaram o estudo INTERHEART5, que foi uma investigação de caso-controle internacional, delineada para avaliar de forma sistematizada a importância de fatores de risco para doença arterial coronariana ao redor do mundo. Nessa avaliação, 9 fatores de risco explicaram mais de 90,0% do risco atribuível para IAM. Embora com algumas diferenças regionais, esses dados contemporâneos confirmaram os fatores de risco tradicionais, previamente estabelecidos5.

Os dados referentes aos FRCV são escassos na América Latina6. No Brasil, a situação não é diferente. Isto ocorre tanto no que se refere à incidência e quanto à prevalência, mas especialmente com relação à avaliação evolutiva destes FRCV na população7-12.

O conhecimento sobre os FRCV, a presença destes fatores em populações de baixa idade, sua evolução ao longo do tempo, assim como a avaliação de comportamentos de risco, podem contribuir de maneira significativa para ações que modifiquem a história natural destes riscos, permitindo a prevenção do aparecimento das doenças cardiovasculares11-13.

Com este objetivo, estudamos em uma população, que inicialmente era de estudantes de medicina, e no momento seguinte, era constituída por profissionais da área médica, a presença e a evolução dos fatores de risco cardiovasculares em um intervalo de 15 anos.

Métodos

O projeto de pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Médica Humana e Animal do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás.

Trata-se de um estudo de coorte histórica, em que a população estudada foi composta por acadêmicos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás que iniciaram o curso no ano de 1993. Os mesmos indivíduos foram reavaliados após 15 anos, já como profissionais dentro das diversas especialidades médicas. Sendo assim, o estudo foi desenvolvido em duas etapas.

Foram excluídos aqueles que não concordaram em participar em qualquer etapa do estudo, os portadores de cardiopatia congênita, de diabete melito tipo 1, e aqueles que não estavam inscritos no Conselho Regional de Medicina, à época da segunda etapa do estudo.

Na primeira fase, os sujeitos da pesquisa foram selecionados em datas pré-determinadas agendadas com a direção da faculdade, e, na segunda fase, foram localizados através do Conselho Regional de Medicina de Goiás, por contato telefônico e posterior agendamento de entrevista para coleta de dados. Para indivíduos que não residiam na grande Goiânia, essa coleta foi realizada por telefone. Os dados referidos, nesses casos específicos, foram considerados para análise final. Todos os participantes foram informados sobre os procedimentos do estudo em 1993 e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, sendo o mesmo procedimento repetido na etapa posterior.

O questionário utilizado em 1993 foi novamente aplicado após 15 anos, sendo as mesmas variáveis interrogadas. Foram elas: idade, sexo, diagnóstico e tratamento prévio de hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia ou diabete. Os indivíduos foram questionados ainda sobre a ocorrência de evento cardiovascular maior (infarto agudo do miocárdio - IAM, acidente vascular cerebral - AVC, ou necessidade de revascularização do miocárdio - RVM).

Quanto aos hábitos de vida, foi analisado o histórico de tabagismo (fumante ou não fumante), etilismo (ingestão de bebida alcoólica ou não) e prática de atividade física (sedentário - sem qualquer atividade física, atividade física irregular - quando menos de 30 minutos por três vezes/semana e regular - quando maior ou igual a 30 minutos três vezes/semana). A presença de doença cardiovascular precoce em familiar de primeiro grau (< 65 anos para mulheres e < 55 anos para homens) também foi considerada.

Medidas objetivas

Na primeira e segunda etapas, as seguintes variáveis foram avaliadas com as mesmas metodologias do estudo:

Peso - indivíduos vestidos com roupas leves e sem calçados, com utilização de balança eletrônica da marca Plenna Lithium, com capacidade máxima de 150 kg e precisão de 100 g.

Altura - indivíduos descalços, utilizando estadiômetro SECCA a laser, modelo 206, com precisão de 0,1 cm.

Índice de massa corpórea (IMC) - através da fórmula estabelecida por Quetelet (IMC = peso em kg/altura2 em metro)14. Valores de IMC > 25 kg/m2 foram considerados como excesso de peso15.

Pressão arterial (PA) - aparelhos semiautomáticos da marca OMRON HEM705 CP aferidos foram utilizados. As medidas foram realizadas após 5 minutos de repouso, no membro superior direito, com o indivíduo na posição sentada e com o braço apoiado. Foram realizadas duas medidas, com intervalo de dois minutos. Para fins de análise dos dados, foi considerada a segunda medida da pressão arterial, tendo a hipertensão arterial definida por valores maiores ou iguais à 140/90 mmHg16.

Circunferência da cintura (CC) - aferida apenas na segunda etapa do estudo (no ponto médio entre a última costela e a crista ilíaca ao final da expiração), com fita métrica graduada em centímetros. Considerada aumentada se maior de 88 cm para mulheres e maior de 102 cm para homens15.

Dados colhidos por telefone

A coleta de dados por telefone foi realizada com 11 indivíduos. Nesses casos, foram utilizados o peso e a altura referidos. Aos mesmos, foram solicitadas a aferição da pressão arterial com aparelho calibrado utilizado na prática diária do médico e a medida da circunferência da cintura, seguindo as recomendações previstas no estudo. Por se tratarem de profissionais da saúde, não houve dificuldades para a execução de tais procedimentos e os dados foram considerados confiáveis.

Dados laboratoriais

Na primeira etapa, após 12 horas de jejum, a dosagem da glicemia e colesterol foi realizada em amostra de sangue colhida através de punção digital com lanceta, e a leitura realizada através de método de fita utilizando os aparelhos de HEMOGLUCOTEST e o REFLOTRON, respectivamente.

Para a segunda etapa, foram utilizados os exames de glicemia de jejum e perfil lipídico, realizados até 6 meses antes do preenchimento do questionário, desde que colhidos após 12 horas de jejum e seguindo a recomendação da não ingestão de bebida alcoólica por 48 h, antecedendo a coleta. Apenas 5 indivíduos não possuíam os resultados dos exames necessários que se enquadrassem nesses requisitos, sendo que nestes foi realizada nova coleta. O método utilizado para dosagem do colesterol total (CT), HDL colesterol (HDL), triglicérides séricos (TG) e da glicemia plasmática foi o colorimétrico-enzimático para todos os sujeitos incluídos na análise, mesmo que a coleta não tenha sido realizada no mesmo laboratório. O valor do LDL colesterol foi estimado pela fórmula de Friedewald, onde LDL = CT - (HDL+ TG/5)17.

Foram considerados como dislipidêmicos aqueles que possuíam valores de colesterol total iguais ou acima de 200 mg/dl. Optou-se por não utilizar as frações do colesterol e o triglicérides nesta avaliação, pois estes dados não eixstiam na análise inicial da amostra, impossibilitando assim a comparação.

Apesar de a metodologia empregada para dosagem de colesterol e glicemia não ser a mesma nas duas etapas do estudo, já existe na literatura uma ampla documentação em relação à correlação entre os valores obtidos por estes métodos, não havendo com isso prejuízo na análise dos dados18-21.

Banco de dados e análise de estatística

Os dados foram armazenados em banco de dados próprio, estruturado no programa Excel (Microsoft) e analisados comparativamente. A análise estatística foi realizada através do software SPSS (Statistical Package of Social Science, versão 15.0, Chicago, IL, USA). O teste de Kolmogorov-Smirnov foi utilizado para analisar se as variáveis contínuas apresentavam distribuição normal. O teste t de Student para amostras pareadas foi usado para comparar as variáveis numéricas do estudo, expressas em média e desvio-padrão. A análise comparativa dos FRCV entre 1993-2008 foi realizada utilizando o teste do qui-quadrado e o teste de Fisher. A análise da correlação das variáveis numéricas entre as duas etapas do estudo foi realizada pelo teste de correlação de Pearson. Foram considerados significantes valores de p < 0,05.

Financiamento

O presente estudo foi parcialmente financiado com recursos da Bolsa de auxílio à Pesquisa da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).

Resultados

O banco de dados da primeira etapa do estudo foi composto por 100 indivíduos, dos quais, após 15 anos, 74 (74,0%) foram localizados para a segunda fase da análise. Foram excluídos dois indivíduos, um por não concordar em participar e um outro por ter sido diagnosticado, nesse intervalo, como diabético tipo 1, sendo os dados de 72 médicos utilizados para a análise dos dados.

Dos 100 indivíduos estudados em 1993, 39,0% eram do sexo feminino, com idade média de 19,9 anos (mínimo de 18 e máximo de 22 anos). No grupo estudado em 2008, a idade média foi de 34,8 anos (mínimo 33 e máximo 37), com 37,5% destes sendo do sexo feminino.

Na primeira etapa do trabalho, nenhum dos acadêmicos de medicina afirmou ser portador de hipertensão arterial, dislipidemia ou diabete. Já na segunda análise, em relação ao conhecimento sobre hipertensão arterial, um indivíduo afirmou ser hipertenso e estar sob tratamento. Para dislipidemia, esse número foi maior, com 6 sujeitos afirmando serem portadores de desvio do perfil lipídico, e que apenas três (50%) estavam sob tratamento (farmacológico ou não). Não houve referência ao conhecimento sobre diabete tipo 2.

Não foram descritos eventos cardiovasculares precoces em familiares de primeiro grau em 1993, sendo referidos eventos por 15 indivíduos em 2008.

Nenhum evento cardiovascular ocorreu no grupo avaliado após 15 anos de evolução.

Na análise das prevalências dos fatores de risco cardiovasculares na população estudada entre 1993-2008, houve um aumento significativo de hipertensão arterial sistêmica, excesso de peso e dislipidemia. Para os demais FRCV (sedentarismo, tabagismo e etilismo), as alterações não foram significativas (Tabela 1).

A comparação dos valores de pressão arterial sistólica (PAS), pressão arterial diastólica (PAD), IMC, glicemia e colesterol nos dois momentos mostrou elevação dos valores médios com diferença significativa em todas as variáveis (Tabela 2).

Ao avaliarmos as mesmas variáveis por sexo, verificamos que no sexo masculino há elevação significativa em todas as variáveis (pressão sistólica e diastólica, IMC, glicemia e colesterol), enquanto que no sexo feminino há elevação significativa apenas no IMC, glicemia e colesterol (Tabelas 3 e 4).

Não houve diferença entre a prevalência dos FRCV, ao avaliarmos cada um dos sexos separadamente, exceção feita ao excesso de peso. Nessa variável, entre os homens, encontramos 6 (13,33%) indivíduos com IMC > 25 kg/m2 em 1993, enquanto que, em 2008, já eram 14 (31,1%) jovens com esta classificação de IMC (p < 0,001).

Na análise de correlação entre os valores obtidos em 1993 e 2008, verificamos correlação positiva entre valores de pressão arterial sistólica, diastólica, IMC e glicemia (p < 0,001). Para o colesterol, tal correlação não foi demonstrada (r = 0,186, p = 0,117;) (Figura 1).


A circunferência da cintura foi avaliada apenas na segunda etapa do trabalho, impossibilitando a comparação. Foram encontrados 9 (12,5%) indivíduos com aumento da CC, sendo três mulheres e 6 homens.

Discussão

Este estudo detectou um aumento significativo na prevalência de alguns fatores de risco cardiovasculares (excesso de peso, dislipidemia e hipertensão arterial sistêmica) na população estudada. Estes achados não se repetiram nos outros fatores de risco cardiovasculares analisados. Tabagismo, sedentarismo e etilismo foram aspectos comportamentais que não se alteraram de forma significativa ao longo do período avaliado.

O aumento da prevalência e do excesso de peso ao longo do tempo já foi detectado por alguns estudos brasileiros, entre eles os estudos de Ciorlia e Lotufo, com análises de evolução do IMC em populações específicas9,22. Além disso, a epidemia de obesidade já é uma realidade em países desenvolvidos, e também vem sendo observado nos países em desenvolvimento23,24. O nosso grupo de estudo, mesmo sendo diferenciado por sua educação formal na área de saúde, não apresentou evolução diferente. Ainda assim, as prevalências de excesso de peso foram menores nos dois momentos da análise, quando comparadas com as da população de capitais brasileiras nas mesmas faixas etárias25.

A prevalência da dislipidemia, mesmo tendo se elevado de forma significativa ao longo do estudo, foi muito inferior aos dados da literatura produzida no Brasil, nos dois momentos da avaliação. Levantamentos de indivíduos, de 9 capitais, com idade média de 35,4 anos, nesse aspecto bastante semelhante à população da segunda etapa da nossa análise, indicam prevalência de colesterol total > 200 mg/dl de 38,0% para o sexo masculino e 42,0% para o feminino26. Nossos dados mostraram apenas 19,4% para ambos os sexos.

Ao compararmos o número de indivíduos hipertensos, no grupo por nós estudado nos dois momentos, com a população de Goiânia27 dividida por faixa etária, encontramos menores índices de HAS em nosso grupo nos dois períodos, apesar da detecção do aumento da prevalência de HAS, ao longo dos 15 anos. Essas informações corroboram a relação entre hipertensão arterial e baixos níveis de escolaridade, uma vez que a população do nosso estudo é composta, no primeiro momento, por universitários, e, no segundo momento, por profissionais com curso superior completo, portanto, com maior grau de instrução quando comparada à população geral de Goiânia.

Nosso estudo demonstrou que mesmo entre os fatores de risco cardiovasculares que aumentaram sua prevalência de forma significativa ao longo dos 15 anos de seguimento, estas prevalências foram menores do que na população geral. Esses dados são superponíveis aos encontrados no Physicians Health Study28, onde demonstrou-se uma prevalência de fatores de risco cardiovasculares substancialmente menor entre os médicos americanos quando comparados à população geral.

Dados de um inquérito domiciliar do Ministério da Saúde revelaram prevalência de tabagismo variando de 12,9-25,2%, dependendo da cidade analisada, com aumento desta prevalência em indivíduos com menor grau de escolaridade e de maiores faixas etárias25. Levando-se em consideração as prevalências de 1,0% e 5,6% nos dois momentos da nossa pesquisa, concluímos que os profissionais de saúde analisados neste estudo fumam menos do que a população geral, obedecendo ao mesmo padrão de distribuição por idade da população das capitais brasileiras.

No grupo que investigamos, o sedentarismo foi identificado em 35,0% na primeira fase e 27,8% na segunda, mas esta redução não teve significância estatística. Na população de 9 capitais brasileiras, esse fator de risco para doenças cardiovasculares variou de 28,2% a 54,5%, entretanto, diferentemente do que encontramos, a população tendeu a ser mais ativa entre os 15 a 24 anos. Outro dado interessante é a ausência da influência do grau de escolaridade sobre a prevalência de sedentarismo25, dados que confirmam os nossos achados.

O consumo de álcool não apresentou variação significativa, com prevalências nos dois momentos estudados semelhantes às da população de capitais brasileiras. Devemos destacar que a tendência ao aumento do consumo de bebidas alcoólicas com o aumento da idade e do grau de escolaridade25 não foi encontrada em nosso estudo.

Separando a evolução das prevalências dos fatores de risco por sexo, entre os dois momentos, encontramos diferença apenas no excesso de peso, sendo maior no sexo masculino. Todos os demais FRCV, quando analisados por sexo, não se modificaram ao longo dos anos. Tal fato sugere que, nesse grupo de indivíduos, a evolução dessas prevalências ocorre de forma homogênea entre os dois sexos, exceção feita ao excesso de peso. Entretanto, a amostra não foi grande o suficiente para demonstrar com segurança diferenças na evolução entre os sexos.

Na análise numérica dos níveis de pressão, valores de colesterol, glicemia e IMC, ficou demonstrada a elevação significativa em todas estas variáveis ao longo dos 15 anos, talvez pelo próprio envelhecimento da população estudada. Observando essas mesmas variáveis por sexo. Detectamos aumento significativo de IMC, glicemia e colesterol em ambos os sexos, enquanto que para a pressão arterial (sistólica e diastólica) o aumento só foi significativo para o sexo masculino.

No estudo da correlação entre os valores obtidos em 1993 com os de 2008, encontramos uma nítida correlação positiva entre PAD, PAS, glicemia e IMC, ou seja, os mesmos indivíduos que apresentavam níveis mais altos em 1993, apresentaram-nos em 2008. Já os valores de colesterol não se correlacionaram entre os dois momentos do estudo. Em uma análise mais detalhada desses dados, foi observada maior correlação (valores de r maiores) para a pressão arterial sistólica e índice de massa corpórea, sugerindo que a monitorização e a abordagem mais agressiva sobre o controle destas variáveis poderiam ter maior impacto como medidas de promoção de saúde, apesar dos valores de p terem mostrado resultados significativos em relação à comparação de todas as variáveis acima consideradas.

Conforme já sugeriram Monego e Jardim, ao estudarem os determinantes de risco para doenças cardiovasculares em escolares29, estes dados podem ser utilizados em estratégias de intervenção precoce sobre fatores de risco modificáveis.

Algumas limitações do nosso trabalho devem ser mencionadas. Uma delas reside no fato da não localização, em 2008, de todos os indivíduos avaliados em 1993. Isto se justifica pelo longo intervalo de tempo entre as duas coletas de dados, sendo que neste período não foi mantido nenhum contato com esses sujeitos da pesquisa. Apesar disto, a reavaliação de mais de 70% dos indivíduos do grupo inicial torna a amostra representativa e permite as conclusões apresentadas.

As amostras de glicemia e perfil lipídico na segunda avaliação também merecem menção. Essas amostras foram obtidas em laboratórios diferentes e, em uma parte desses médicos (11 indivíduos, 15,27% da amostra estudada na segunda avaliação), os resultados foram obtidos por via telefônica. Um dado a ser destacado é que a metodologia empregada na análise das variáveis bioquímicas foi a mesma (colorimétrico-enzimático), independente da variação do laboratório ou da coleta ter sido realizada por via telefônica. Salienta-se ainda a qualidade das informações colhidas por via telefônica, já que se tratavam de profissionais médicos.

Outra limitação a ser observada foi a utilização, nas duas etapas da investigação, de metodologias diferentes para análise do colesterol e glicemia. Apesar da metodologia empregada não ter sido a mesma, já existe na literatura uma ampla documentação que confirma a correlação entre os valores obtidos por tais métodos, não havendo com isso prejuízo na análise dos dados18-21. Além disso, a análise do perfil lipídico e da glicemia sérica amplia as possibilidades de abordagens futuras dessa população no que diz respeito a esses fatores, que são importantes determinantes de risco cardiovascular.

Conclusões

Em uma coorte de profissionais da área médica, houve elevação na PAS, PAD, glicemia, IMC e colesterol, em 15 anos de evolução. Na análise da prevalência de fatores de risco cardiovascular, observou-se aumento da prevalência de hipertensão arterial sistêmica, excesso de peso e dislipidemia.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi parcialmente financiado pela Bolsa de auxílio à Pesquisa da Sociedade Brasileira de Cardiologia.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Thiago de Souza Veiga Jardim pela Universidade Federal de Goiás.

Artigo recebido em 22/08/09; revisado recebido em 27/01/10; aceito em 11/03/10.

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  • Correspondência:

    Thiago de Souza Veiga Jardim
    Rua 54 n. 450/503A - Edf. Al Maré - Jardim Goiás
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Recebido
      22 Ago 2009
    • Revisado
      27 Jan 2010
    • Aceito
      11 Mar 2010
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