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Incidência de complicações pulmonares na cirurgia de revascularização do miocárdio

Resumos

FUNDAMENTO: No período do peri-operatório, os cuidados têm sido cada vez mais criteriosos, entretanto, as complicações pulmonares após a abordagem cirúrgica ainda são frequentes, predispondo o paciente a um maior tempo de internação ou ao óbito. OBJETIVO: Descrever a incidência de complicações pulmonares e identificar a sua associação com tempos de circulação extracorpórea (CEC); cirurgia e isquemia; número de enxertos; localização e tempo de drenos após cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM). MÉTODOS: Nesta coorte contemporânea, foram estudados 202 pacientes em hospital universitário de referência para cardiologia no sul do Brasil, submetidos à CRM eletiva com ponte safena e artéria mamária interna com CEC, no período de abril/2006 a novembro/2007. Os desfechos considerados foram: tempo de ventilação mecânica; surgimento de pneumonia; atelectasia; derrame pleural; hora da retirada e localização dos drenos; e tempo de internação. RESULTADOS: Observou-se algum tipo de complicação pulmonar em 90 dos 202 pacientes. A frequência de derrame pleural foi de 84% e a de atelectasia foi de 65%. Apresentaram associação com complicações pulmonares os tempos de CEC (p = 0,003), cirúrgico (p = 0,040) e isquemia (p = 0,001); o tempo de permanência de drenos (p = 0,050) e a localização pleural dos drenos (p = 0,033), além de idade (p = 0,001), fração de ejeção (p = 0,010), diagnóstico de asma (p = 0,047) e exame radiológico de tórax pré-operatório anormal (p = 0,029). CONCLUSÃO: Variáveis relacionadas à complexidade do ato cirúrgico e comorbidades pré-existentes estão associadas a uma alta incidência de complicações pulmonares no pós-operatório. Esses dados reforçam a importância da avaliação clínica peri-operatória para detecção precoce de complicação respiratória após CRM.

Revascularização miocárdica; complicações pós-operatórias; cirurgia torácica; derrame pleural; assistência perioperatória


BACKGROUND: Despite the increasingly careful attempts to reduce perioperative risks, pulmonary complications following surgery are still very common, leading to longer length of hospital stays or death. OBJECTIVE: To describe the incidence of pulmonary complications and identify their association with duration of extracorporeal circulation (ECC), surgery and ischemia, number of bypass grafts performed, location of drains and length of drainage following myocardial revascularization (MRV). METHODS: This contemporaneous cohort consisted of 202 patients undergoing elective myocardial revascularization (MRV) with saphenous vein graft and internal mammary artery graft and ECC, at a referral university cardiology hospital in Southern Brazil, from April 2006 to November 2007. The following outcomes were analyzed: duration of mechanical ventilation; pneumonia onset; atelectasis; pleural effusion; location of drains and time of removal; and length of hospital stay. RESULTS: Of the 202 patients, 90 developed some sort of pulmonary complication. The incidence of pleural effusion was 84%, whereas atelectasis was 65%. The following variables were associated with pulmonary complications: duration of ECC (p = 0.003), surgery (p = 0.040) and ischemia (p = 0.001); length of drainage (p = 0.050) and location of pleural drains (p = 0.033); age (p = 0.001); ejection fraction (p = 0.010); diagnosis of asthma (p = 0.047) and preoperative abnormal chest X-ray findings (p = 0.029). CONCLUSION: Variables related to the complexity of the surgery and preexisting comorbidities are associated with a high incidence of postoperative pulmonary complications. These data reinforce the importance of having patients undergo perioperative clinical assessment to detect early respiratory complications after MRV.

Myocardial revascularization; postoperative complications; thoracic surgery; pleural effusion; perioperative care


FUNDAMENTO: En el período del peri-operatorio, los cuidados han sido cada vez más criteriosos, entre tanto, las complicaciones pulmonares después del abordaje quirúrgico aun son frecuentes, predisponiendo al paciente a un mayor tiempo de internación o al óbito. OBJETIVO: Describir la incidencia de complicaciones pulmonares y identificar su asociación con tiempos de circulación extracorporal (CEC); cirugía e isquemia; número de injertos; localización y tiempo de drenajes después de cirugía de revascularización del miocardio (CRM). MÉTODOS: En esta cohorte contemporánea, fueron estudiados 202 pacientes en hospital universitario de referencia para cardiología en el sur del Brasil, sometidos a la CRM electiva con puente safena y arteria mamaria interna con CEC, en el período de abril/2006 a noviembre/2007. Los desenlaces considerados fueron: tiempo de ventilación mecánica; surgimiento de neumonía; atelectasia; derrame pleural; hora de la retirada y localización de los drenajes; y tiempo de internación. RESULTADOS: Se observó algún tipo de complicación pulmonar en 90 de los 202 pacientes. La frecuencia de derrame pleural fue de 84% y la de atelectasia fue de 65%. Presentaron asociación con complicaciones pulmonares los tiempos de CEC (p = 0,003), quirúrgico (p = 0,040)e isquemia (p = 0,001); el tiempo de permanencia de drenajes (p = 0,050) y la localización pleural de los drenajes (p = 0,033), además de edad (p = 0,001), fracción de eyección (p = 0,010), diagnóstico de asma (p = 0,047) y examen radiológico de tórax pre-operatorio anormal (p = 0,029). CONCLUSIÓN: Variables relacionadas a la complejidad del acto quirúrgico y comorbilidades pre-existentes están asociadas a una alta incidencia de complicaciones pulmonares en el post-operatorio. Esos datos refuerzan la importancia de la evaluación clínica peri-operatoria para detección precoz de complicación respiratoria después de CRM.

Revascularización miocárdica; complicaciones post-operatorias; cirugía torácica; derrame pleural; asistencia perioperatoria


ARTIGO ORIGINAL

CIRURGIA CARDÍACA - ADULTOS

Incidência de complicações pulmonares na cirurgia de revascularização do miocárdio

Leila D. N. OrtizI; Camila W. SchaanI; Camila P. LeguisamoI; Katiane TremarinI; Waldo L. L. D. MattosI,II; Renato A. K. KalilI,II; Lucia C. PellandaI,II

IInstituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul/Fundação Universitária de Cardiologia

IIUniversidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS - Brasil

Correspondência Correspondência: Leila D. N. Ortiz Av. Princesa Isabel, 395 - Santana Porto Alegre, RS - Brasil E-mail: ldnortiz@ibest.com.br, ppgfuc@cardiologia.org.br

RESUMO

FUNDAMENTO: No período do peri-operatório, os cuidados têm sido cada vez mais criteriosos, entretanto, as complicações pulmonares após a abordagem cirúrgica ainda são frequentes, predispondo o paciente a um maior tempo de internação ou ao óbito.

OBJETIVO: Descrever a incidência de complicações pulmonares e identificar a sua associação com tempos de circulação extracorpórea (CEC); cirurgia e isquemia; número de enxertos; localização e tempo de drenos após cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM).

MÉTODOS: Nesta coorte contemporânea, foram estudados 202 pacientes em hospital universitário de referência para cardiologia no sul do Brasil, submetidos à CRM eletiva com ponte safena e artéria mamária interna com CEC, no período de abril/2006 a novembro/2007. Os desfechos considerados foram: tempo de ventilação mecânica; surgimento de pneumonia; atelectasia; derrame pleural; hora da retirada e localização dos drenos; e tempo de internação.

RESULTADOS: Observou-se algum tipo de complicação pulmonar em 90 dos 202 pacientes. A frequência de derrame pleural foi de 84% e a de atelectasia foi de 65%. Apresentaram associação com complicações pulmonares os tempos de CEC (p = 0,003), cirúrgico (p = 0,040) e isquemia (p = 0,001); o tempo de permanência de drenos (p = 0,050) e a localização pleural dos drenos (p = 0,033), além de idade (p = 0,001), fração de ejeção (p = 0,010), diagnóstico de asma (p = 0,047) e exame radiológico de tórax pré-operatório anormal (p = 0,029).

CONCLUSÃO: Variáveis relacionadas à complexidade do ato cirúrgico e comorbidades pré-existentes estão associadas a uma alta incidência de complicações pulmonares no pós-operatório. Esses dados reforçam a importância da avaliação clínica peri-operatória para detecção precoce de complicação respiratória após CRM. (Arq Bras Cardiol. 2010; [online]. ahead print, PP.0-0)

Palavras-chave: Revascularização miocárdica, complicações pós-operatórias, cirurgia torácica, derrame pleural, assistência perioperatória.

Introdução

Com avanços na cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM) e no desenvolvimento e aperfeiçoamento de cuidados peri-operatórios, houve uma diminuição da morbimortalidade desse procedimento, permitindo a realização da CRM em pacientes cada vez mais complexos1-3. Todavia, os estudos demonstram que, apesar dessa evolução, o comprometimento da função pulmonar ainda é frequente após a abordagem cirúrgica. Esse comprometimento tem origem multifatorial, destacando-se, dentre outras, as variáveis cirúrgicas, como o tempo de circulação extracorpórea (CEC); tempo cirúrgico; tempo de isquemia; número de enxertos; tempo e localização de drenos como possíveis preditoras das complicações pulmonares pós-operatórias na CRM4-7.

Assim, é importante buscar possíveis fatores associados a complicações pulmonares, com a finalidade de elaborar estratégias preventivas mais eficazes na redução dessas complicações.

A fisioterapia pode ser um colaborador na prevenção de complicações no pós-operatório (PO), principalmente quando o fisioterapeuta compreende as alterações ocorridas na cirurgia e suas consequências, tornando dessa forma mais eficaz o seu manejo no tratamento a ser tomado com este paciente8.

Portanto, o presente estudo tem como objetivo avaliar a possível associação entre as variáveis cirúrgicas e as complicações respiratórias no pós-operatório de CRM em um hospital universitário de referência em cardiologia.

Materiais e métodos

Este estudo de coorte contemporâneo foi realizado no Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul/Fundação Universitária de Cardiologia (ICFUC), em Porto Alegre, e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da instituição. A coleta de dados foi realizada por investigadores treinados, no período de abril de 2006 a novembro de 2007. Foram coletados dados de 202 pacientes submetidos à cirurgia eletiva de CRM com ponte safena (PS) e artéria mamária interna (AMI), com CEC, acompanhados do pré-operatório à alta hospitalar e que assinaram termo de consentimento livre e esclarecido. Algumas variáveis apresentaram perda por não constarem informações no prontuário. Foram excluídos os pacientes que não aceitaram realizar o estudo, as cirurgias realizadas de emergência, as cirurgias realizadas sem a utilização da CEC e a CRM associada à cirurgia de valva.

Avaliação pré-operatória

A coleta foi realizada em dois dias da semana selecionados através de sorteio com tabela de números aleatórios. Os dados do paciente foram coletados em prontuário e registrados em uma ficha de avaliação de forma detalhada, contendo dados de identificação; data de internação; data da cirurgia; peso e altura; calculando o índice de massa corpórea (IMC): peso/altura2, considerado como normal = 24,9 kg/m2, sobrepeso = 25 a 29,9 kg/m2 e obeso > 30 kg/m2; fatores de risco para doença coronariana (hipertensão arterial sistêmica, diabete melito; doenças associadas prévias como acidente vascular cerebral (AVC), angina, infarto agudo do miocárdio (IAM), doença pulmonar crônica (DPOC)); foram registrados procedimentos de rotina realizados pelo médico para a avaliação pré-operatória: classificação funcional da New York Heart Association (NYHA), fração de ejeção (FE), gasometria arterial, hemograma, exame radiológico de tórax (sendo selecionados todos os laudos que não fossem normais, avaliados pelo radiologista). O paciente foi questionado sobre etilismo e hábito tabágico: foi considerado ex-tabagista quem possui história prévia e parou de fumar até 6 meses antes da cirurgia; tabagista quem fuma ou fumou até 6 meses antes da CRM e não-tabagista quem nunca fumou.

Avaliação intra-operatória

A CRM foi realizada através de esternotomia mediana, com o uso de enxertos AMI e VS. Todos os pacientes foram submetidos à anestesia geral, intubação orotraqueal, suporte ventilatório controlado e utilização de CEC. Durante o procedimento cirúrgico, foram registrados em prontuário o tempo de sala cirúrgica, tempo de CEC, tempo de isquemia, número e tipo de enxerto e colocação de drenos.

Avaliação pós-operatória

Na unidade pós-operatória, foi observada em prontuário a evolução clínica do paciente; registrando-se a saída do paciente da ventilação mecânica, o surgimento de condições patológicas como pneumonia (definida pela presença de um infiltrado pulmonar de aparecimento recente ou progressão de um infiltrado existente), febre, leucocitose, secreção traqueal purulenta e diagnóstico médico em prontuário9, atelectasia (definida como uma aeração menor do que o normal de uma porção ou de todo pulmão, com consequente redução de volume)10, baseada na conclusão do relatório radiológico; derrame pleural (caracterizado pelo acúmulo de líquido na cavidade pleural, demonstrado em exame radiológico de tórax nas incidências póstero-anterior e perfil)10,11; Síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) (definida por apresentar início agudo, oxigenação com razão entre pressão de oxigênio arterial parcial e fração inspirada de oxigênio < 200 mmHg, a despeito da pressão expiratória final positiva (PEEP)); infiltrado pulmonar bilateral em exame radiológico de tórax, pressão de cunha da artéria pulmonar < 18 mmHg ou nenhuma evidência clínica de hipertensão atrial esquerda12; duração de internação hospitalar e óbito neste período. No período pós-operatório foram coletados novamente os exames de rotina: exame radiológico de tórax, gasometria arterial e hemograma.

Análise estatística

O tamanho da amostra foi estimado com base em dados da literatura com incidência de complicações em torno de 30% após a CRM5-7, com intervalo de confiança com amplitude de 10, alfa 0,05 e poder de 80%.

As análises foram realizadas através do programa SPSS versão 15.0.

As variáveis quantitativas foram descritas através de médias e desvios-padrão ou medianas e intervalos interquartis (Percentil 25 - Percentil 75). As variáveis qualitativas foram descritas através de distribuição de frequências absoluta e relativa.

Foi utilizado o Coeficiente de Correlação de Spearman para avaliar a correlação entre os desfechos quantitativos e as variáveis preditoras quantitativas ou perfil clínico quantitativo. Para avaliar a diferença entre variáveis quantitativas em relação a variáveis qualitativas (dicotômicas) ou perfil clínico qualitativo (dicotômico), foi utilizado o Teste t de Student, desde que os desfechos apresentassem distribuição normal, e nos demais casos o teste não-paramétrico de Mann-Whitney.

Utilizou-se o teste do Qui-quadrado para avaliar a associação entre os desfechos qualitativos e as variáveis preditoras qualitativas ou perfil clínico qualitativo. Para avaliar os desfechos quantitativos em relação à história de tabagismo foi utilizado o Teste não-paramétrico Kruskal-Wallis.

Foi considerado significativo um p < 0,05.

Foi aplicada a Análise de Regressão Linear Múltipla com método de seleção automática "stepwise" para avaliar a relação entre os tempos de internação e de ventilação mecânica e o perfil clínico e as variáveis preditoras cirúrgicas que se mostraram estatisticamente significativas na análise bivariada.

Resultados

Foram estudados 202 pacientes submetidos à CRM, cujas características gerais da população são apresentadas na Tabela 1. A média de idade foi de 62 anos, sendo 70% do sexo masculino, 45% ex-fumantes e 13% dos pacientes apresentando história prévia de DPOC.

As variáveis cirúrgicas abordadas podem ser observadas na Tabela 2, onde o número de enxertos médio foi de 2,8 por cirurgia, com um tempo médio cirúrgico de 4,3 horas.

A Tabela 3 apresenta a incidência de complicações durante a internação hospitalar no pós-operatório. Observou-se algum tipo de comprometimento pulmonar em 90 dos 202 pacientes. A frequência de derrame pleural foi de 84% e a de atelectasia foi de 65%. Os pacientes apresentaram uma mediana de 11 horas para o tempo de ventilação mecânica (8-16) e uma média de 12,7 dias de internação. Ocorreram 11 óbitos após CRM (5,4%).

A Tabela 4 apresenta as correlações entre tempo de ventilação mecânica (TVM) e tempo de internação e variáveis pré e transoperatórias, tendo sido observadas associações estatisticamente significativas em relação ao tempo de ventilação mecânica com a fração de ejeção, história prévia de asma, e com os tempos de CEC, isquemia e sala de cirurgia. Em relação ao tempo de internação, foram significativas as associações com a idade, pacientes ex-fumantes, exame radiológico de tórax com alterações, história prévia de hipertensão e asma, e com o tempo de isquemia. As variáveis para tempo de ventilação mecânica e para tempo de internação apresentaram correlações fracas, porém significativas entre as características clínicas e as variáveis cirúrgicas.

Na Tabela 5, são apresentadas as análises bivariáveis entre ventilação mecânica > 24 horas, pneumonia, atelectasia e derrame pleural e variáveis pré e transoperatórias. Foi observada associação entre ventilação mecânica acima de 24 horas com o tempo de permanência dos drenos, pneumonia com exame radiológico de tórax anormal no pré-operatório, atelectasia com a localização dos drenos e derrame pleural com o tempo de sala cirúrgica.

A Tabela 6 apresenta os resultados após o ajuste no modelo de regressão linear múltipla, demonstrando que idade, exame radiológico de tórax pré-operatório com alterações, asma, HAS e AVC prévio permaneceram associados de forma independente com o tempo de internação.

Discussão

Nesta coorte contemporânea, observou-se que as complicações pulmonares são frequentes, pois mais de 87% dos pacientes apresentaram pelo menos um acometimento pulmonar ao longo da internação. A ocorrência de complicações pulmonares no período PO está estreitamente relacionada à presença de fatores de risco associados ao ato cirúrgico, à anestesia e às comorbidades pré-existentes dos pacientes4,5.

Em concordância com a literatura, observou-se associação entre complicações no PO, com variáveis relacionadas à complexidade do ato cirúrgico e comorbidades prévias na CRM.

É importante ressaltar que os critérios para estabelecimento de diagnóstico de complicações pulmonares foram bastante amplos, sem necessariamente considerar sua relevância clínica.

Neste trabalho, observou-se uma mortalidade de 5,4% após a CRM, semelhante à relatada na literatura para cirurgias eletivas em centro de referência7.

Independente de outros fatores, a anestesia geral, somada ao ato cirúrgico, é responsável por alterar a função pulmonar no PO, visto que a anestesia geral promove depressão dos centros respiratórios, ou seja, quanto maior o tempo necessário de sedação, maior o risco de comprometimento pulmonar13,14.

O uso da CEC desencadeia alterações fisiológicas secundárias à exposição do sangue à superfície plástica dos tubos, dos oxigenadores e dos filtros, levando ao aumento da água extravascular na circulação pulmonar, o que origina o preenchimento alveolar por células inflamatórias e que acarreta a inativação do surfactante pulmonar e o colabamento de algumas áreas. Este quadro pode levar à modificação da relação ventilação/perfusão pulmonar; à diminuição da complacência e à alteração do trabalho respiratório no período PO, dificultando o desmame e aumentando o tempo de permanência em ventilação mecânica15.

Em nossos resultados, a ventilação mecânica prolongada (acima de 24 horas) apresentou associação como o tempo de permanência dos drenos. São descritos na literatura os prejuízos na função pulmonar causados pela presença de drenos torácicos, principalmente na região intercostal, que pode levar à alteração na mecânica ventilatória, levando a hipoventilação pulmonar, estando desta forma mais suscetível ao desenvolvimento de complicações pulmonares, assim como à dor gerada pelo próprio dreno, que propicia um maior risco de prolongamento do tempo de ventilação mecânica15,16.

O uso de drenos e sua localização, especialmente na região pleural, pode estar relacionado com lesão da pleura na retirada a artéria mamária interna durante a cirurgia, desta forma, o uso do dreno pode estar relacionado à redução da função pulmonar, por aumentar o trabalho respiratório através das mudanças nas trocas gasosas e da mecânica pulmonar, diminuindo volumes pulmonares, predispondo ao acúmulo de secreções, com possibilidade de obstrução ao fluxo aéreo e, assim, levando ao surgimento de atelectasias4,16-18. Este estudo apresentou associação entre a localização dos drenos e o surgimento de atelectasias, ou seja, houve maior acometimento desta complicação, quando o paciente usou dois drenos, no mediastino e na posição pleural, em relação aos pacientes que usaram dreno somente no mediastino, este dado também pode demonstrar que, quanto maior o número de drenos maior a probabilidade de desenvolver complicações pulmonares.

Além das comorbidades pré-existentes, o tempo cirúrgico extenso pode estar relacionado diretamente à complexidade do caso, onde se pressupõe que, quanto maior o tempo de cirurgia é maior o número de procedimentos realizados. Assim, cirurgias com o tempo superior a 210 minutos são consideradas um fator de risco importante para complicações pulmonares no pós-operatório14. Em concordância com a literatura, devido a um tempo elevado de sala cirúrgica, observamos uma incidência maior de derrame pleural na amostra, possivelmente pelas reações inflamatórias pleurais desencadeadas pelo próprio ato cirúrgico11,18. Nesta amostra, foi observada uma alta frequência de derrame pleural provavelmente pelo uso de critérios estritamente radiológicos, independente de sua dimensão e repercussão clínica. Em outros estudos, os critérios utilizados também foram baseados em exames radiológicos de tórax, porém com classificações de acordo com o grau de acometimento pulmonar11,18.

Na presente pesquisa, foi encontrada associação entre exames radiológicos de tórax anormal pré-cirúrgico com pneumonia, porém na literatura são escassos estudos que avaliaram esta associação em CRM19, também é importante ressaltar que foram levadas em consideração no exame radiológico alterações de todos os aspectos, com e sem relevância clínica, podendo este ser um viés para o estudo desta variável.

Foram observados também outros fatores, como as comorbidades pré-existentes e o estado clínico do paciente antes da cirurgia, que fizeram com que a internação destes fosse mais prolongada em função da sua condição mais suscetível ao surgimento de complicações antes e depois da cirurgia5,20.

As limitações deste estudo são inerentes ao seu delineamento, visto que os estudos de coorte estão sujeitos a apresentar vieses de seleção e aferição. Quando da coleta dos dados, foram utilizados prontuários manuseados por vários profissionais, o que trouxe limitação ao pesquisador pelo fato do mesmo depender dos registros no prontuário e não acompanhar diretamente a evolução do paciente no PO. Além disso, são inerentes aos estudos observacionais possíveis fatores de confusão residuais não considerados na análise multivariada. No entanto, todos os cuidados foram empreendidos para extrair a melhor qualidade de informação com a revisão de prontuário detalhada.

As complicações pulmonares observadas no presente estudo foram selecionadas de forma bastante abrangente e consideradas independentes do grau de acometimento, através de laudos radiológicos e de diagnósticos da equipe médica obtidos durante a evolução do paciente, o que pode justificar o número elevado de desfechos no estudo.

Em suma, após muitas décadas, a CRM e os cuidados pré, intra e pós-operatórios evoluíram muito, reduzindo o acometimento de complicações no pós-operatório em relação ao passado. Contudo, as cirurgias estão sendo realizadas em pacientes cada vez mais graves, e condicionando o aparecimento de complicações após a CRM, principalmente as do trato respiratório, como as relatadas neste e em outros estudos20-22.

Desta forma, existe a necessidade de realizar, juntamente aos avanços tecnológicos, uma melhor observação clínica diante dos possíveis fatores de riscos, buscando melhorar cada vez mais a condição do paciente no pós-operatório.

Assim, há ainda muitos aspectos a estudar nessa área, buscando intervenções fisioterápicas efetivas em reduzir cada vez mais os desfechos clínicos significativos para os pacientes. Outros estudos têm demonstrado que a fisioterapia pode desempenhar um papel importante tanto na prevenção como na redução de complicações no PO, através de técnicas como expansão e ventilação pulmonar, manobras de higiene brônquica e treinamento muscular respiratório, entre outros recursos capazes de promover uma melhor recuperação após a CRM23,24.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Leila D. N. Ortiz pelo Instituto de Cardiologia do RS/FUC.

Artigo recebido em 28/04/09; revisado recebido em 31/08/09; aceito em 22/02/10

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  • Correspondência:

    Leila D. N. Ortiz
    Av. Princesa Isabel, 395 - Santana
    Porto Alegre, RS - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010

    Histórico

    • Revisado
      31 Ago 2009
    • Recebido
      28 Abr 2009
    • Aceito
      22 Fev 2010
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