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Trombólise na embolia pulmonar maciça com base na capnografia volumétrica

Resumos

Trata-se do primeiro relato envolvendo uma paciente em pós-operatório recente de neurocirurgia submetida à trombólise química por embolia pulmonar (EP) maciça e, por não apresentar condições clínicas, sem exame de imagem. Dados clínicos, gasométricos e capnográficos permitiram decidir pela trombólise com segurança. O gradiente P(a-et)CO2 passou de 46,4 mmHg para 11,8 mmHg (normal < 5 mmHg) e a fração do espaço morto alveolar end-tidal passou de 0,85 para 0,37 (normal < 0,15) do período pré-trombólise para o sétimo dia pós-trombólise. Conclui-se que a capnografia volumétrica (CV) foi útil no diagnóstico, bem como no acompanhamento clínico da paciente.

Embolia pulmonar; capnografia; terapia trombolítica


This is the first report of a patient submitted to chemical thrombolysis due to massive pulmonary embolism (PE) during the postoperative period of neurosurgery, in whom due to the lack of adequate clinical conditions, no imaging assessment was performed. Clinical, gasometric and capnographic data allowed the decision to perform the thrombolysis with safety. The P(a-et)CO2 gradient decreased from 46.4 mmHg to 11.8 mmHg (normal < 5 mmHg) and the end-tidal alveolar dead space fraction decreased from 0.85 to 0.37 (normal < 0.15) from the pre-thrombolysis period to the 7th day post-thrombolysis. We conclude that the volumetric capnography (VC) was useful in the patient's diagnosis and clinical follow-up.

Pulmonary embolism; capnography; thrombolytic therapy


Se trata del primer relato incluyendo una paciente en postoperatorio reciente de neurocirugía sometida a trombolisis química por embolia pulmonar (EP) maciza y, por no presentar condiciones clínicas, sin examen de imagen. Datos clínicos, gasométricos y capnográficos permitieron decidir por la trombolisis con seguridad. El gradiente P(la-et)CO2 pasó de 46,4 mmHg a 11,8 mmHg (normal < 5 mmHg) y la fracción del espacio muerto alveolar end-tidal pasó de 0,85 a 0,37 (normal < 0,15) del período pretrombolisis al séptimo día post trombolisis. Se concluye que la capnografía volumétrica (CV) fue útil en el diagnóstico, así como en el control clínico de la paciente.

Embolia pulmonar; capnografía; terapia trombolítica


RELATO DE CASO

Trombólise na embolia pulmonar maciça com base na capnografia volumétrica

Marcos Mello Moreira; Renato Giuseppe Giovanni Terzi; Ilma Aparecida Paschoal; Luiz Cláudio Martins; Evandro Pinto da Luz Oliveira; Antonio Luis Eiras Falcão

Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - Campinas, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Marcos Mello Moreira Rua Celso Egídio de Souza Santos, 181 - Jardim Chapadão 13070-570 - Campinas, SP - Brasil E-mail: marcosmm@fcm.unicamp.br

RESUMO

Trata-se do primeiro relato envolvendo uma paciente em pós-operatório recente de neurocirurgia submetida à trombólise química por embolia pulmonar (EP) maciça e, por não apresentar condições clínicas, sem exame de imagem. Dados clínicos, gasométricos e capnográficos permitiram decidir pela trombólise com segurança. O gradiente P(a-et)CO2 passou de 46,4 mmHg para 11,8 mmHg (normal < 5 mmHg) e a fração do espaço morto alveolar end-tidal passou de 0,85 para 0,37 (normal < 0,15) do período pré-trombólise para o sétimo dia pós-trombólise. Conclui-se que a capnografia volumétrica (CV) foi útil no diagnóstico, bem como no acompanhamento clínico da paciente.

Palavras-chave: Embolia pulmonar, capnografia, terapia trombolítica.

Introdução

A embolia pulmonar (EP) é uma afecção frequente e de difícil confirmação diagnóstica. Os estudos nacionais mostram que em torno de 3% a 5% das necropsias verifica-se a presença de êmbolos nos vasos pulmonares e, em 68% destes casos, é a causa do óbito. Estima-se que em 75% dos casos, o diagnóstico não é realizado1 e os exames clássicos de imagem nem sempre estão disponíveis, sobretudo em hospitais secundários. Contrapondo-se a essa realidade, a capnografia volumétrica (CV) é um exame não invasivo, realizado à beira do leito e disponível mesmo em hospitais menores. A CV pode auxiliar na suspeita diagnóstica da EP2-4.

Neste relato, apresenta-se o caso de uma paciente que, a despeito do uso de anticoagulantes, evoluiu com alteração súbita do quadro hemodinâmico por suposta EP maciça. Diante da rápida deterioração do quadro hemodinâmico, embora não confirmado o diagnóstico por imagem de EP, foi submetida à trombólise química. A CV foi realizada antes da trombólise e durante os 7 dias subsequentes.

Relato de caso

Uma paciente do sexo feminino, de 22 anos, internada em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de hospital terciário, que, após a exérese de tumor cerebral frontal (astrocitoma), cursou com diabetes insípido de difícil controle e quadro séptico com discreto comprometimento hemodinâmico. No 24º dia de pós-operatório, a paciente encontrava-se em processo de retirada da prótese ventilatória (VM), com os seguintes parâmetros: FiO2 = 0,30; respiração espontânea (30 rpm), PEEP = 5 cmH2O; pHa = 7,50; PaO2 = 62,2 mmHg; PaCO2 = 27,6 mmHg; HCO3 = 21,8 mmol/l; BE = -0,1 mmol/l; SatO2 = 94,8%; Relação PaO2/FiO2 = 207.

Subitamente, a paciente apresentou dificuldade respiratória, hipoxemia e piora hemodinâmica. Com a hipótese diagnóstica de EP maciça, foi realizado um ecocardiograma transtorácico, que evidenciou dilatação moderada de câmaras direitas, refluxo tricúspide moderado e pressão sistólica da artéria pulmonar = 50 mmHg. O ecocardiograma (ECG) revelou a presença de S1Q3T3.

Após esse episódio, houve reajuste do VM para: FiO2 = 1; SIMV (12/38 rpm); PEEP = 8 cmH2O e VT = 500 ml; a gasometria arterial colhida a seguir revelou: pH = 7,26; PaO2 = 44,5 mmHg; PaCO2 = 54,6 mmHg; HCO3 = 23,7 mmol/l; BE = -2,7 mmol/l; SatO2 = 71,7%; Relação PaO2/FiO2 = 44,5. Foi introduzida dobutamina visando melhora da função hemodinâmica. Três horas após, ainda no ventilador mecânico, apresentou os seguintes parâmetros: FiO2 = 1; SIMV (14/27 rpm); PEEP = 10 cmH2O; VT = 500 ml, a gasometria arterial mostrou: pH = 7,22; PaO2 = 50,7 mmHg; PaCO2 = 54,7 mmHg; HCO3 = 21,3 mmol/l; BE = -6,2 mmol/l; SatO2 = 82,3%; Relação PaO2/FiO2 = 50,7.

Pela CV, foi determinada a pressão expiratória final de CO2 (PetCO2) (CO2SMO PLUS 8100 Dixtal/Novametrix®) que, associada à gasometria arterial (Radiometer ABL 700®), permitiu o cálculo de diferentes índices derivados, tais como a fração do espaço morto alveolar end-tidal (AVDSf), a fração tardia do espaço morto alveolar (fDlate), o gradiente artério-alveolar de CO2 [P(a-et)CO2]; e o Slope da fase III do espirograma de CO2 (Slp III).

Dada a rápida deterioração do quadro, risco iminente de morte e com valores da CV indicativos de aumento do espaço morto alveolar - compatíveis com EP2-7 -, a equipe médica, após consentimento informado da família, optou pelo tratamento trombolítico com alteplase (EV 100 mg / 2 horas).

Discussão

Recente revisão sistemática da literatura8 conclui que a hemorragia é a mais frequente das complicações da trombólise, cujo risco situa-se entre 6-20%, sendo a hemorragia intracerebral a mais temida. Por isso, o risco de hemorragia é o que define as contraindicações para a trombólise. Essas contraindicações relativas são o sangramento ativo ou doença intracraniana recente (com menos de 6 semanas), trauma, biópsia visceral, sangramento gastrointestinal, distúrbios da coagulação, insuficiência renal ou hepática, punção de vaso não passível de compressão e pericardite. Apresentando profunda instabilidade hemodinâmica (FC = 168 bpm, PAM = 52 mmHg, SpO2 = 83% e FiO2 = 1), a paciente não apresentava condições clínicas de ser transportada a fim de realizar o exame de imagem (angiotomografia helicoidal). No entanto, a paciente pode ser avaliada pela CV, a qual apresentou valores sugestivos de EP2-7.

A capnografia estima o valor do espaço morto alveolar2-7. A associação dos resultados da CV com a gasometria arterial permite o cálculo de vários índices, cujas variáveis inferem a extensão do espaço morto alveolar e, consequentemente, a presença e a extensão de áreas ocluídas do sistema arterial pulmonar2-7.

Foram determinados os seguintes parâmetros capnográficos:

1. PetCO29;

2. Slp III9;

3. P(a-et)CO26(valor normal < 5 mmHg);

4. AVDSf, calculada pela fórmula: PaCO2 - PetCO2 / PaCO2, onde PetCO2 é o CO2end-tidal7 (valor normal < 0,15);

5. fDlate, obtida pela extrapolação do volume corrente expirado em 15% da capacidade pulmonar total (CPT) estimada: fDlate = PaCO2-Pet(15% CPT)CO2 / PaCO25 (valor normal < 0,12).

Na vigência de um evento embólico, acentua-se a desigualdade na relação ventilação/perfusão e, como consequência, alteram-se as variáveis que expressam o espaço morto alveolar2-7. Quanto maior o valor calculado, maior o grau de obstrução da rede vascular e, com isso, maior o espaço morto alveolar, inferindo-se que há correlação entre a extensão da área sem perfusão e o valor encontrado2-7. As variáveis estudadas tenderam à normalização após o tratamento trombolítico, indicando a ocorrência de recanalização de vasos.

Segue abaixo o comportamento das variáveis capnográficas avaliadas:

• PetCO2 (valor de referência 36,7 ± 3,7 mmHg)9: 8,2 (pré-trombólise); 13,1 (pós-24h); 17,7 (pós-48h); 16,4 (pós-72h); 19,9 (pós-96h); 19,0 (pós-120h); 20,3 (pós-144h); 20,4 mmHg (pós-168h);

• Slp III (valor de referência 7,5 ± 2,4 mmHg/l)9: 0,26 (pré-trombólise); 0,77 (pós-24h) ; 3,96 (pós-48h); 8,77 (pós-72h); 7,62 (pós-96h); 5,07 (pós-120h); 6,6 (pós-144h); 8,47mmHg/l (pós-168h);

• fDlate5: 0,85 (pré-trombólise); 0,68 (pós-24h); 0,54 (pós-48h); 0,55 (pós-72h); 0,39 (pós-96h); 0,38 (pós-120h); 0,41 (pós-144h); 0,31 (pós-168h).

Para efeito de ilustração, seguem (Figuras 1 e 2) somente duas variáveis capnográficas [P(a-et)CO2 e AVDSf] que, quando associadas à gasometria arterial, podem ser facilmente obtidas por qualquer capnógrafo disponível no mercado, realizadas à beira do leito e em qualquer hospital.



Nesse dramático relato de caso, pode-se observar que, quando criteriosamente aplicada, a CV é útil no auxílio diagnóstico e acompanhamento terapêutico de pacientes que estejam impossibilitados ou não de realizarem o exame de imagem. O CV mostrou-se ainda uma ferramenta útil ao corroborar na decisão da conduta clínica na fase inicial da avaliação e na resolução da EP, pois, com a progressiva reperfusão pulmonar, houve redução do espaço morto alveolar e, com isso, tendência à normalização das variáveis capnográficas.

Poder-se-ia argumentar que o aumento do espaço morto deveu-se à presença da PEEP. Porém, Blanch e cols.10 mostraram que não há alteração do espaço morto quando a PEEP encontra-se nos valores em que ocorreu o presente relato. Nesse caso, todas as medidas de CV foram feitas com PEEP de 5 cmH2O.

Após a terapêutica trombolítica e a estabilização do quadro hemodinâmico, realizou-se uma tomografia computadorizada de crânio, que não evidenciou sangramento. A paciente evoluiu com alta da UTI e, posteriormente, com alta hospitalar.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de doutorado de Marcos Mello Moreira pela Universidade Estadual de campinas - UNICAMP.

Artigo recebido em 30/03/09; revisado recebido em 06/08/09; aceito em 17/12/09.

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  • Correspondência:

    Marcos Mello Moreira
    Rua Celso Egídio de Souza Santos, 181 - Jardim Chapadão
    13070-570 - Campinas, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Out 2010

    Histórico

    • Aceito
      17 Dez 2009
    • Revisado
      06 Ago 2009
    • Recebido
      30 Mar 2009
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