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Variáveis biopsicossociais e atitudes frente ao tratamento influenciam a hipertensão complicada

Resumos

FUNDAMENTO: A hipertensão complicada pode ser influenciada pelas características dos pacientes hipertensos. OBJETIVO: Associar a condição de hipertensão complicada com variáveis biossociais, tais como as atitudes e as crenças sobre a doença e o tratamento e o bem-estar subjetivo. MÉTODOS: Foram estudados 251 hipertensos não complicados (PAS > 140 mmHg e/ou 90 < PAD < 110 mmHg para pacientes sem tratamento e PAD < 110 mmHg para pacientes com tratamento, sem lesões em órgãos-alvo e outras doenças) e 260 hipertensos complicados (PAD > 110 mmHg com ou sem tratamento, com lesões em órgãos-alvo ou outras doenças). RESULTADOS: Os hipertensos complicados foram significativamente diferentes dos não complicados (p < 0,05) em relação a: 1 - Predomínio de homens, não brancos (53,0%), maior índice de massa corporal (29,5 ± 4,6 vs 28,5 ± 4,0 kg/m²), mais de 10 anos de doença (54,0%), realização de tratamento anterior (53,0%) e referência de tristeza em relação a sua vida como um todo (74,0%); 2 - Os hipertensos complicados nunca levam os remédios quando viajam (59,0%), nem os providenciam antes de acabarem (71,0%) e raramente seguem as orientações sobre alimentação (69,0%); 3 - Os hipertensos não complicados apontaram mais enxaqueca, dor articular e, entre as mulheres, presença de menopausa e tratamento de reposição hormonal; 4 - Dos que tinham a pressão controlada (< 140/90 mmHg), 61,9% eram hipertensos não complicados; e 5 - Os hipertensos complicados desconheciam que o tratamento pode evitar problemas renais e desconheciam ainda que a hipertensão também pode acometer pessoas jovens. CONCLUSÃO: Hipertensos complicados apresentaram mais características estruturais e psicossociais desfavoráveis, mais atitudes negativas frente ao tratamento e desconhecem a doença.

Hipertensão; Hipertensão; recusa do paciente ao tratamento; hipertensão


BACKGROUND: Complicated hypertension can be influenced by the characteristics of hypertensive patients. OBJECTIVE: To associate the condition of complicated hypertension with biosocial variables such as attitudes and beliefs about the disease and treatment and subjective well-being. METHODS: We studied 251 uncomplicated hypertensive patients (SBP > 140 mmHg and/or 90 < DBP < 110 mmHg for patients under no treatment and DBP <110mmHg for patients under treatment without target organ damage and other diseases) and 260 complicated hypertensive patients (DBP > 110 mmHg with or without treatment, with target organ damage or other diseases). RESULTS: Complicated hypertensive patients were significantly different from uncomplicated ones (p <0.05) in relation to: 1 - Prevalence of men, not white (53.0%), higher body mass index (29.5 ± 4.6 vs 28.5 ± 4.0 kg/m²), over 10 years of disease (54.0%), completion of previous treatment (53.0%) and reports of sadness about life as a whole (74.0%) 2 - Complicated hypertensive patients never bring the drugs when they travel (59.0%), nor do they buy them before running out the drugs (71.0%) and rarely follow eating guidelines (69.0%) 3 - Uncomplicated hypertensive patients showed no more migraines, joint pain and, among women, menopausal status and hormone replacement therapy, and 4 - Of those who had pressure control (< 140/90 mmHg), 61.9% were uncomplicated hypertensive patients; and 5 - Complicated hypertensive patients were not aware that treatment can prevent kidney problems and they thought that young people do not have high blood pressure. CONCLUSION: Complicated hypertensive patients showed more negative structural and psychosocial characteristics, more negative attitudes towards treatment and are unaware of the disease.

Hypertension; Hypertension; treatment refusal; hypertension


Variáveis biopsicossociais e atitudes frente ao tratamento influenciam a hipertensão complicada

Angela Maria Geraldo PierinI; Elaine dos Santos JesusI; Mônica Aparecida de Oliveira AugustoI; Josiane GusmãoII; Kátia OrtegaII; Décio Mion JrII

IEscola de Enfermagem - Universidade de São Paulo, São Paulo, SP - Brasil

IIUnidade de Hipertensão - Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Angela Maria Geraldo Pierin Rua Heitor Penteado, 250 ap. 63 - Sumaré 05438-000 - São Paulo, SP - Brasil E-mail: pierin@usp.br

RESUMO

FUNDAMENTO: A hipertensão complicada pode ser influenciada pelas características dos pacientes hipertensos.

OBJETIVO: Associar a condição de hipertensão complicada com variáveis biossociais, tais como as atitudes e as crenças sobre a doença e o tratamento e o bem-estar subjetivo.

MÉTODOS: Foram estudados 251 hipertensos não complicados (PAS > 140 mmHg e/ou 90 < PAD < 110 mmHg para pacientes sem tratamento e PAD < 110 mmHg para pacientes com tratamento, sem lesões em órgãos-alvo e outras doenças) e 260 hipertensos complicados (PAD > 110 mmHg com ou sem tratamento, com lesões em órgãos-alvo ou outras doenças).

RESULTADOS: Os hipertensos complicados foram significativamente diferentes dos não complicados (p < 0,05) em relação a: 1 - Predomínio de homens, não brancos (53,0%), maior índice de massa corporal (29,5 ± 4,6 vs 28,5 ± 4,0 kg/m2), mais de 10 anos de doença (54,0%), realização de tratamento anterior (53,0%) e referência de tristeza em relação a sua vida como um todo (74,0%); 2 - Os hipertensos complicados nunca levam os remédios quando viajam (59,0%), nem os providenciam antes de acabarem (71,0%) e raramente seguem as orientações sobre alimentação (69,0%); 3 - Os hipertensos não complicados apontaram mais enxaqueca, dor articular e, entre as mulheres, presença de menopausa e tratamento de reposição hormonal; 4 - Dos que tinham a pressão controlada (< 140/90 mmHg), 61,9% eram hipertensos não complicados; e 5 - Os hipertensos complicados desconheciam que o tratamento pode evitar problemas renais e desconheciam ainda que a hipertensão também pode acometer pessoas jovens.

CONCLUSÃO: Hipertensos complicados apresentaram mais características estruturais e psicossociais desfavoráveis, mais atitudes negativas frente ao tratamento e desconhecem a doença.

Palavras-chave: Hipertensão/complicações/terapia, recusa do paciente ao tratamento, hipertensão/aspectos psicossociais.

Introdução

Estudos epidemiológicos demonstram que níveis elevados de pressão arterial aumentam o risco de doença vascular cerebral1, doenças arteriais coronarianas2, insuficiência cardíaca congestiva3, insuficiência renal crônica4 e acometimento vascular5. Além disso, a hipertensão arterial apresenta prevalência elevada e, em nosso meio, sua frequência varia entre 22,3% e 43,9%6. Entretanto, os índices de controle da doença são baixos, em torno de 30,0%7,8, dentre outros fatores, principalmente devido à baixa adesão ao tratamento. Nesse sentido, é importante identificar fatores que possam interferir no processo de adesão, sejam relacionados ao paciente, à doença, ao tratamento e aos aspectos institucionais, dentre outros.

Dentre os aspectos relacionados ao hipertenso que podem influenciar a adesão ao tratamento, ressaltam-se o gênero, idade, etnia, estado civil, escolaridade e nível socioeconômico. Também as crenças de saúde e hábitos de vida merecem destaque. Em relação à doença, são relevantes o conhecimento, a cronicidade, a ausência de sintomas e as consequências tardias. Custo, efeitos indesejáveis das drogas, esquemas complexos e piora da qualidade de vida são fatores relativos ao tratamento medicamentoso anti-hipertensivo9, nesse sentido, os métodos usados para reduzir a pressão arterial não devem interferir negativamente na qualidade de vida do paciente10.

Outro ponto que se destaca é que geralmente os hipertensos podem apresentar comorbidades ou lesões em órgãos-alvo ("hipertensos complicados"), que requerem outros tratamentos específicos e que podem aumentar a dificuldade do controle da hipertensão arterial. Dentre as comorbidades mais frequentes, estão o diabete melito, as insuficiência cardíaca e renal, a doença coronariana e o acidente vascular cerebral, que aumentam o risco de mortalidade cardiovascular.

Nesse contexto, os profissionais da área da saúde, que atuam junto aos hipertensos, têm papel fundamental no sentido de caracterizar a problemática do hipertenso, levando em consideração todos os aspectos relacionados às suas características, de modo que, embasados em dados reais e concretos, tenham condições para planejar e prestar assistência individualizada a fim de favorecer a adesão ao tratamento, com o controle efetivo da doença.

Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo associar a condição de hipertensão complicada e não complicada com as seguintes variáveis: 1) biossociais; 2) atitudes e crenças sobre a doença e tratamento; 2) controle da pressão arterial; e 4) sentimento em relação à vida como um todo.

Métodos

O estudo foi realizado no serviço ambulatorial da Liga de Hipertensão do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, após aprovação pelo Comitê de Ética. O estudo teve como critérios de inclusão: hipertensos acima de 18 anos, de ambos os sexos, sem restrição de raça, com concordância do paciente para a participação no estudo e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Uma amostra de conveniência de 511 hipertensos foi composta, com recusa mínima para participação no estudo.

Os hipertensos foram classificados em complicados ou não complicados. O grupo não complicado incluiu 251 pacientes com pressão sistólica > 140 mmHg e/ou pressão diastólica < 110 mmHg e > 90 mmHg para pacientes sem tratamento, e pressão diastólica < 110 mmHg para pacientes com tratamento medicamentoso, ou seja, hipertensos estágio um ou dois6, que não apresentavam lesões em órgãos-alvo clinicamente evidentes ou doenças associadas (infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral, diabete melito, insuficiência cardíaca, insuficiência renal e/ou nefropatias). O grupo complicado incluiu 260 hipertensos com pressão diastólica > 110 mmHg com ou sem tratamento, ou seja hipertensos estágio três6, ou hipertensos com pressão diastólica < 110 ou > 110 mmHg, que apresentassem lesões em órgãos-alvo clinicamente evidentes ou outras doenças associadas, conforme descritas anteriormente.

Os dados foram coletados através de entrevista com os pacientes, utilizando-se um formulário próprio, com dados de identificação, aspecto econômico e social, fatores que podem interferir na adesão ao tratamento, crenças e conhecimento sobre a doença e sobre o tratamento. Os valores da pressão arterial considerados foram os resultados da média da 4ª e da 5ª medidas, de uma sequência de 5 realizadas com aparelho automático validado (DIXTAL DX2710)11, tipo oscilométrico, com o paciente sentado, braço apoiado na altura do coração, com uso de manguito de tamanho adequado, em ambiente calmo, sem estar com a bexiga cheia, sem ter fumado, ingerido bebida cafeínada ou refeições há pelo menos 30 minutos, além de não ter realizado atividade física há 60 a 90 minutos. Para avaliar o sentimento do hipertenso em relação à sua vida, foi usado um diagrama com 7 figuras de faces, Escala de Faces de Andrews, que é uma escala visual intervalar de 7 pontos, composta por faces estilizadas, referindo-se ao estado de humor que predominou frente à questão "Qual dessas faces melhor representa sua vida como um todo?"12.

As variáveis classificatórias são apresentadas descritivamente em tabelas contendo frequências absolutas (n) e relativas (%). A relação entre as variáveis foram avaliadas com o teste qui-quadrado, teste da razão de verossimilhança ou teste exato de Fisher.

As variáveis quantitativas são apresentadas em tabelas contendo média e desvio-padrão. Nas variáveis quantitativas, estão incluídos idade, circunferência abdominal, índice de massa corporal e valores da pressão arterial. As médias, segundo os fatores, foram comparadas com testes paramétricos (teste t de Student ou análise de variância) ou com testes não paramétricos (teste da soma de postos de Wilcoson ou Kruskal-Wallis). O nível de significância adotado foi 0,05. Os dados foram processados no sistema SPSS 7.5.

Resultados

Características dos hipertensos

Foram estudados 511 hipertensos, com predomínio do sexo feminino (67,9), da cor branca (56,4%), casados (66,9%), escolaridade de 1º Grau (57,9%), pessoas que exerciam atividades do lar (43,2%) e renda familiar de até 5 salários mínimos (56,0%). A média de idade manteve-se na 5ª década (53 ± 11 anos), o índice de massa corporal permaneceu no limite superior da faixa de sobrepeso (29,04 ± 4,35 kg/m2). Em relação à medida da cintura, 32,9% dos homens tinham circunferência abdominal maior que 102 cm e 74,1% das mulheres acima de 88 cm, que são os limites máximos tolerados. A média de pressão arterial foi de 151/92 mmHg. Quanto aos hábitos de vida, 13,4% eram tabagistas e um terço ex-tabagistas; 9,0% eram etilistas e 15,0% ex-etilistas. Apenas 22,6% referiram praticar atividade física regularmente. Em relação ao diagnóstico da doença, a maioria (65,8%) sabia ser hipertenso há mais de 5 anos e cerca da metade (51,5%) não tinha o hábito de medir a pressão, e os que mediam o faziam em serviços de saúde, em casa ou na farmácia.

Variáveis que se associaram com os hipertensos complicados e não complicados

Nas características biossociais e antropométricas, os hipertensos complicados eram (p < 0,05) mais do sexo masculino, não brancos, responsáveis pela renda familiar, com níveis mais elevados de pressão arterial, do índice de massa corporal e da circunferência abdominal (Tabela 1).

Em relação às atitudes frente ao tratamento da hipertensão, os hipertensos complicados informaram mais atitudes negativas (p < 0,05), pois nunca ou raramente levam os remédios quando viajam, não adquirem os medicamentos antes que acabem e também nunca ou raramente seguem as orientações sobre a alimentação (Tabela 2).

Verificou-se também que os hipertensos complicados foram significativamente distintos (p < 0,05) dos não complicados por apresentarem mais referência de dificuldade de ereção e emagrecimento. Em contrapartida, os hipertensos não complicados referiram mais sintomas como enxaqueca e dor nas articulações. Dentre as mulheres, as hipertensas não complicadas estavam mais na menopausa e faziam tratamento de reposição hormonal (p < 0,05). Como esperado, os níveis de pressão arterial foram mais elevados nos hipertensos complicados e, dentre o total dos hipertensos que apresentaram a pressão controlada (< 140/90 mmHg), a maioria (61,9%) era de hipertensos não complicados (Tabela 3).

Destaca-se ainda que a condição de ser hipertenso complicado se associou com as seguintes variáveis (p < 0,05): procurou o serviço por conta própria, tem mais tempo de hipertensão, já fez tratamento anterior, faz uso de tratamento medicamentoso anti-hipertensivo e já usou outros tratamentos, como remédios caseiros e chás. Por outro lado, os não complicados mediram a pressão e estava normal há menos tempo. Em relação ao conhecimento sobre a doença, o grupo complicado apresentou pouco conhecimento, achando que o tratamento não pode evitar problemas renais e que pessoas jovens não têm pressão alta (Tabela 4).

De acordo com os dados da Tabela 5, ao serem questionados como se sentiam em relação à sua vida como um todo, os hipertensos não complicados apontaram mais a face 1, que se relaciona a um maior grau de contentamento, e os complicados, a face 7, que caracteriza um menor grau de satisfação em relação à sua vida como um todo (p < 0,05).

Discussão

O presente estudo mostrou que houve distinção entre os grupos de hipertensos complicados e não complicados quanto às características socioestruturais, controle da hipertensão, atitudes e conhecimento sobre a doença e tratamento, predominando no grupo complicado, variáveis que podem interferir na obtenção de êxito na realização do tratamento.

Os principais resultados mostraram que os hipertensos complicados eram mais do sexo masculino, não brancos e responsáveis pela renda familiar. A variável gênero merece atenção, pois pode estar respaldada no fato de que as mulheres, por sua condição específica, demonstram maior conscientização com sua saúde, o que pode resultar em maior adesão ao tratamento. Estudos têm revelado a relação entre hipertensão e gênero13-15.

Investigação sobre a prevalência da hipertensão arterial referida, sobre a percepção de sua origem e formas de controle em área metropolitana de São Paulo, mostrou que as mulheres foram as que mais procuraram por assistência. Pondera-se que as mulheres parecem ter uma percepção mais acurada de sua condição de saúde e também desenvolvem maiores relações com os serviços de saúde em razão de seus atributos e funções reprodutivas16. Outro estudo, realizado em um ambulatório de um hospital-escola da cidade de São Paulo, evidenciou que a falta de conhecimento sobre a doença e o tratamento também se associou com o sexo masculino e níveis de pressão arterial mais elevados17.

Da mesma forma que o gênero, a etnia também tem se associado com a hipertensão. No presente estudo, a maioria dos hipertensos complicados era formada por não brancos (negra, mulata, mestiça), o que confirma a prevalência de maiores complicações nessas etnias, como revelado no estudo em que a prevalência de acidente vascular cerebral foi significantemente maior em hipertensos negros ou mulatos do que em brancos, atendidos em um serviço de referência para hipertensão arterial da cidade de Salvador, BA18. Também nessa mesma cidade, relacionou-se raça e adesão ao tratamento em um ambulatório de hipertensão. Os dados mostraram que os pacientes de cor branca aderiram mais às consultas e ao tratamento do que os pacientes de raça negra. Os negros compareceram menos ao tratamento e apresentaram níveis pressóricos mais elevados19.

Deve-se destacar que a associação entre etnia e hipertensão está intimamente relacionada às condições socioeconômicas pouco favoráveis a que essas pessoas estão sujeitas, o que pode ser exemplificado pelo fato de que, no grupo dos hipertensos complicados, os responsáveis pela renda familiar eram os próprios pacientes. Tal situação pode demandar mais preocupações, o que talvez possa ser decorrente da maior responsabilidade na sua vida diária, às vezes deixando de lado os cuidados com a própria saúde.

Vários fatores de estilo de vida parecem influenciar diretamente os níveis da pressão arterial, sendo a obesidade um dos mais importantes, o que pode ser referendado pelo achado de que a média do índice de massa corporal dos hipertensos estudados esteve no limite superior da faixa de sobrepeso. Quando analisados os dois grupos estudados, os hipertensos complicados apresentaram níveis mais elevados de pressão arterial, do índice de massa corporal e da média da circunferência abdominal.

A pandemia da obesidade atual é de grande importância, pois afeta profundamente a qualidade de vida das pessoas, tornando-se um grande problema na sociedade, por ser um importante fator de risco cardiovascular. A literatura sobre esse assunto é ampla e contundente.

Investigação de Carneiro e cols.20 mostrou maior prevalência de hipertensão entre os indivíduos com obesidade grau III (67,1% hipertensos com IMC > 40 kg/m2) em relação àqueles com sobrepeso (23,0% hipertensos com IMC > 25 e < 29,9 kg/m2). Após estratificação por idade, o maior aumento do risco de hipertensão ocorreu entre os jovens, grupo no qual este risco alcançou valor 7,5 vezes maior que nos indivíduos com índice de massa corporal entre 25 e 29,9 kg/m2 20.

Em relação à obesidade abdominal, dados que foram avaliados em um estudo, que analisou a circunferência da cintura e o índice de massa corporal como prognosticadores da hipertensão arterial, indicaram aumento significativo da prevalência da hipertensão com o aumento da circunferência da cintura, para o total de homens. Para as mulheres, independentemente da faixa etária, a prevalência da hipertensão aumentou tanto com o aumento do índice de massa corporal, quanto com o aumento da circunferência da cintura21.

Em outro estudo, observou-se que idade, triglicerídeos, circunferência da cintura e sexo foram fatores de risco independentes associados à hipertensão22. Além de que a obesidade abdominal é um dos componentes da síndrome metabólica e tem sido relacionada com maior risco cardiovascular23.

Acrescentam-se ao cenário de fatores intervenientes na consecução adequada do tratamento anti-hipertensivo, as atitudes frente ao mesmo. Os hipertensos complicados, quando comparados aos não complicados, apresentam mais comportamentos que podem influenciar negativamente, como nunca ou raramente levar os remédios quando viajam, não seguir as orientações sobre alimentação e não providenciar os remédios antes que acabem. Dessa forma, a adesão ao tratamento fica prejudicada, com consequente controle menos satisfatório da hipertensão arterial. Os comportamentos e as atitudes estão arraigados na conduta das pessoas e requerem da equipe de saúde conhecimento e habilidade de práticas de educação a fim de se obter mudanças ou minimizar atitudes que possam comprometer a realização adequada do tratamento.

A educação das pessoas com doenças crônicas, como a hipertensão, tem como finalidade influenciar o comportamento do paciente na obtenção de mudanças e manutenção das mesmas. Os objetivos se relacionam a: ajudar o paciente a entender, conhecer e aceitar a doença; conhecer e reconhecer comportamentos de risco; informar sobre decisões do tratamento e diagnóstico; negociar e cumprir propostas de tratamento; e enfrentar problemas de manutenção do tratamento16. Assim, o tratamento do paciente portador de doença crônica deve favorecer a adaptação a tal condição, instrumentalizando-o para que, por meio de seus próprios recursos, desenvolva mecanismos que permitam conhecer seu processo saúde/doença de modo a identificar, evitar e prevenir complicações, agravos e, sobretudo, mortalidade precoce24.

A presença de comorbidades associadas à hipertensão complicada, como por exemplo o diabete, já era um fato esperado, tendo em vista que fazia parte dos critérios de inclusão para este grupo. Porém, a hipertensão arterial e o diabete melito representam importantes problemas de saúde pública em nosso meio, em função das altas taxas de prevalências, suas complicações, além de se configurarem como importantes fatores de risco associados às doenças cardiovasculares, que por sua vez ocupam o primeiro lugar no perfil de morbimortalidade.

A sobrevida dos pacientes, as barreiras para o acesso aos serviços de saúde, aspectos do comportamento que determinam a procura espontânea de cuidados preventivos ou curativos são fatores que podem influenciar na prevalência de complicações de órgãos-alvo da hipertensão arterial em pacientes avaliados ambulatorialmente18.

Ressaltam-se ainda os custos sociais e econômicos, decorrentes da assistência à saúde, a aposentadoria precoce, o absenteísmo ao trabalho e outras incapacidades.

Em relação à presença de outros problemas de saúde, os hipertensos não complicados apresentaram mais sintomas, como por exemplo enxaqueca, o que pode ser explicado pela maior concentração de mulheres neste grupo e tal alteração está mais presente no sexo feminino25. Ainda em relação às mulheres não complicadas, verificou-se que realizavam mais tratamento de reposição hormonal, quando comparadas com as hipertensas complicadas. A relação entre o tratamento de reposição hormonal após a menopausa e a proteção para as doenças cardiovasculares ainda é bastante discutida, porém, estudo de Scuteri e colegas verificou que, em hipertensas sob essa terapia, houve pequena redução da pressão sistólica26. Além disso, as mulheres tendem a procurar mais pela assistência e parecem ter uma percepção mais acurada de sua condição de saúde, desenvolvendo maiores relações com os serviços de saúde em razão de seus atributos e funções reprodutivas.

Destaca-se ainda que a referência de "dificuldade de ereção" foi mais apontada pelos hipertensos complicados, o que pode ser justificada principalmente pela associação da hipertensão arterial e diabete, pelo uso de número maior de medicamentos, pelas outras comorbidades como insuficiência renal ou até porque neste grupo a maioria era do sexo masculino.

Outros achados que podem influenciar a condição dos hipertensos complicados foram maior tempo de doença e de tratamento associados a pouco conhecimento, como não saber que o tratamento pode evitar problemas renais e que pessoas jovens podem ter hipertensão arterial. O conhecimento sobre a doença e sobre o tratamento também é uma variável a ser considerada no contexto da adesão ao tratamento.

De um modo geral, dados de estudos7,27,28 mostram que os hipertensos possuem a informação sobre sua problemática de saúde, porém não estão devidamente controlados. A discrepância entre ter informação a respeito da doença e tratamento e conseguir controlar a pressão arterial aponta para a diferença essencial entre conhecimento e adesão.

Acrescenta-se ainda que, na tentativa de se avaliar como se sentiam em relação à sua vida como um todo, que seria uma possibilidade de avaliação de qualidade de vida, a presente investigação verificou que os hipertensos complicados apontaram mais insatisfação do que os hipertensos não complicados. A relação entre características da personalidade e adesão ao tratamento é controversa, porém, variáveis, como sentimento de bem-estar, socialização e capacidade de ser igual a outros, são elementos de medida da personalidade e podem se associar com a adesão ao tratamento, contribuindo para o controle da doença29,30.

Conclusão

Entre os hipertensos complicados, características estruturais e psicossociais desfavoráveis, atitudes negativas frente ao tratamento e desconhecimento sobre a doença podem ter tido influência no baixo percentual de controle da pressão arterial verificado.

Não se descarta a possibilidade de limitações do estudo, comum em estudos observacionais, tais como possibilidades de viés de seleção, envolvimento de fatores de confusão e achados ocasionais na análise. Porém, considera-se que os profissionais da área da saúde que atuam junto aos hipertensos devem prover estratégias diferenciadas e planejar suas ações para prestar uma assistência ampla e de qualidade que atenda às reais necessidades destes pacientes.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 20/05/09; revisado recebido em 21/08/09; aceito em 09/06/10.

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  • Correspondência:
    Angela Maria Geraldo Pierin
    Rua Heitor Penteado, 250 ap. 63 - Sumaré
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010

    Histórico

    • Recebido
      20 Maio 2009
    • Aceito
      09 Jun 2010
    • Revisado
      21 Ago 2009
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