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Modelos de predição de risco: são eles realmente necessários?

EDITORIAL

Modelos de predição de risco: são eles realmente necessários?

Domingo M. BraileI, II, III; Rosangela MonteiroIII, IV; Ricardo BrandauIII; Fabio B. JateneIV

IFaculdade Estadual de Medicina de São José Rio Preto, São José do Rio Preto, SP

IIFaculdade de Ciências Médicas Unicamp, Campinas, SP

IIIEscritório Editorial da Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular São José do Rio Preto, SP

IVInstituto do Coração (InCor) HC-FMUSP, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Domingo M. Braile Av. Juscelino K. Oliveira, 1505 - Jardim Tarraf I 15091-450 - São José do Rio Preto, SP - Brasil E-mail: domingo@braile.com.br

Palavras-chave: Procedimentos cirúrgicos cardíacos/mortalidade, medição de risco/métodos, prognóstico.

Os modelos de predição de risco têm ocupado cada vez mais espaço nas publicações científicas e também no dia a dia de profissionais e instituições médico-hospitalares1-9.

Criados inicialmente com o objetivo de analisar a probabilidade de complicações e óbitos de pacientes submetidos a intervenções, esses modelos de predição possibilitam realizar um balanço dos riscos e benefícios do procedimento. Apesar de nenhum sistema de predição ser suficientemente abrangente para estimar o resultado específico para cada paciente, a estratificação de risco possibilita a pacientes e médicos conhecerem o provável risco de complicações ou óbito para o grupo de indivíduos com perfil de risco similar, submetidos ao procedimento proposto, colaborando na tomada de decisões.

Além disso, esses modelos multivariados de avaliação de risco têm sido aplicados na comparação do desempenho de instituições ou mesmo de profissionais individualmente, configurando como uma forma objetiva de mensurar a qualidade dos serviços de saúde, e auxiliando na adequação da alocação de recursos. Ainda que sejam alvo de muitas críticas, os modelos de avaliação de risco, obviamente, são superiores à comparação de números absolutos, tais como taxas de mortalidade, na avaliação de desempenho de grupos ou hospitais.

Em sua maioria, os sistemas de predição desenvolvidos em cirurgia cardíaca foram desenvolvidos a partir de grandes populações de pacientes, resultantes, muitas vezes, de estudos multicêntricos. A partir desses dados são estabelecidos escores de risco baseados nos fatores identificados como preditores de óbito ou complicações.

O fato é que, desde o primeiro escore de risco a se tornar amplamente conhecido - o índice Parsonnet, na década de 80 do século passado -, uma grande variedade desses instrumentos tem sido proposta, dentre eles o Cleveland Clinic score, French score, Pons score, Ontario Province score, o Society of Thoracic Surgery (STS) Scoring System, o EuroSCORE e o Bernstein-Parsonnet.

Embora não exista um modelo de estratificação de risco ideal, esse deveria reunir as seguintes características: facilidade de implementação, objetividade, acurácia na predição da mortalidade observada e ter uso difundido.

Em meta-análise recentemente publicada10, os autores verificaram que os EuroSCORE e o Parsonnet apresentam melhor performance em termos de discriminação, acurácia e calibração dentre 14 modelos de predição de risco para permanência prolongada em UTI após cirurgia cardiovascular, apesar de ambos terem sido originalmente desenvolvidos para predizer mortalidade.

Diversos centros passaram a aplicar o EuroSCORE, entretanto surgiram resultados discrepantes entre a mortalidade esperada e a observada, especialmente em pacientes de alto risco. Parolari e cols11,12, dentre outros autores, apontam que o EuroSCORE superestima a mortalidade.

Em decorrência dos avanços no cuidado perioperatório em cirurgia cardiovascular, muitos pacientes que morreriam no período em que o EuroSCORE e Parsonnet foram criados, agora sobreviveriam, mas ainda teriam alta probabilidade de desenvolver complicações. Assim, considerando-se que as técnicas cirúrgicas e de cuidado pós-operatório estão em constante evolução, bem como o perfil dos doentes, os escores devem ser dinâmicos e submetidos a constante atualização. O STS score é atualizado quase que anualmente, enquanto o EuroSCORE somente agora, mais de 10 anos após sua proposição, está sendo submetido a sua primeira revisão. Vários autores defendem que o EuroSCORE está ultrapassado e que os resultados da cirurgia melhoraram significativamente na última década, especialmente entre os idosos13-15. Apesar disso, o EuroSCORE é o mais utilizado internacionalmente, inclusive no Brasil16-28 e, de maneira geral, tem se mostrado eficiente mesmo quando aplicado a populações não europeias, apesar de apresentar limitações.

Dentro desse contexto, o desenvolvimento de um escore nacional, com base no perfil de risco dos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca no Brasil e refletindo verdadeiramente a nossa prática clínica, possivelmente será o próximo passo.

Muitos grupos ainda apresentam barreiras na adoção de escores de risco na prática clínica diária, dentre outros motivos, por preferirem empregar as informações clínicas de maneira intuitiva ou por acreditarem que os escores não são eficientes na avaliação do risco individual29.

Finalmente, os sistemas de estratificação de risco constituem interessantes e importantes instrumentos a serem usados na prática clínica diária, entretanto suas limitações devem ser conhecidas. Além disso, a experiência clínica individual e a habilidade do profissional que emprega esses instrumentos é indispensável para uma correta interpretação dos resultados.

Artigo recebido em 15/11/10, revisado recebido em 15/11/10, aceito em 18/11/10.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010
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