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Predição da síndrome metabólica em crianças por indicadores antropométricos

Resumos

FUNDAMENTO: Devido à necessidade de mensurar as variáveis antropométricas, bioquímicas e hemodinâmicas para o diagnóstico da síndrome metabólica, percebe-se a dificuldade da avaliação de grandes populações, principalmente em crianças, provocada pelo difícil acesso e pelo caráter invasivo. É premente a necessidade de desenvolverem-se formas diagnósticas de fácil aplicação, boa precisão e baixo custo, com a finalidade de predizer a síndrome metabólica já nas idades iniciais. OBJETIVO: Verificar a prevalência da síndrome metabólica em crianças e testar os indicadores antropométricos com capacidade preditiva. MÉTODOS: Estudo transversal realizado com 109 crianças, de 7 a 11 anos. Utilizou-se o critério National Cholesterol Education Program para o diagnóstico da síndrome metabólica, adaptado à idade. Como possíveis preditores, foram testados: índice de massa corporal (IMC), circunferência da cintura (CC), relação cintura/quadril (RCQ), índice de conicidade (índice C) e o percentual de gordura corporal. RESULTADOS: A prevalência da síndrome metabólica foi de 13,3% e 36% para meninos e meninas, respectivamente. Os principais indicadores antropométricos foram: IMC = 0,81 (0,69 - 0,94), CC = 0,79 (0,64 - 0,94), gordura corporal = 0,79 (0,66 - 0,92) e RCQ = 0,37 (0,21 - 0,54). CONCLUSÃO: Foram considerados fatores preditores da síndrome metabólica a CC superior a 78 cm, a gordura corporal superior a 41% e o IMC superior a 24,5 kg/m². O índice C e a RCQ não foram considerados preditores.

Síndrome metabólica; criança; previsões; sobrepeso; obesidade


BACKGROUND: Because of the need to measure anthropometric, biochemical and hemodynamic variables for the diagnosis of metabolic syndrome, we realize how difficult it is to analyze large populations, especially children, due to the poor accessibility and the invasive character. There is an urgent need to develop easy-to-use, accurate and low-cost diagnostic tools in order to predict metabolic syndrome at early ages. OBJECTIVE: To verify the prevalence of metabolic syndrome in children and to test predictive anthropometric indicators. METHODS: Cross-sectional study conducted among 109 children aged 7 to 11 years. The age-adjusted National Cholesterol Education Program definition was used for the diagnosis of metabolic syndrome. The following parameters were tested as possible predictors: body mass index (BMI), waist circumference (WC), waist-to-hip ratio (WHR), conicity index (C index), and body fat percentage. RESULTS: The prevalence of metabolic syndrome was 13.3% and 36% for boys and girls, respectively. The main anthropometric indicators were: BMI = 0.81 (0.69 - 0.94), WC = 0.79 (0.64 - 0.94), body fat = 0.79 (0.66 - 0.92) and WHR = 0.37 (0.21 - 0.54). CONCLUSION: WC higher than 78 cm, body fat higher than 41%, and BMI higher than 24.5 kg/m² were considered predictors of metabolic syndrome. The C index and WHR were not considered predictors.

Metabolic syndrome; child; prediction; overweight; obesity


FUNDAMENTO: Debido a la necesidad de medir las variables antropométricas, bioquímicas y hemodinámicas para el diagnóstico del síndrome metabólico, se percibe la dificultad de la evaluación de grandes poblaciones, principalmente en niños, provocada por el difícil acceso y por el carácter invasivo. Es urgente la necesidad de desarrollar formas diagnósticas de fácil aplicación, buena precisión y bajo costo, con la finalidad de predecir el síndrome metabólico ya en las edades iniciales. OBJETIVO: Verificar la prevalencia del síndrome metabólico en niños y probar los indicadores antropométricos con capacidad predictiva. MÉTODOS: Estudio transversal realizado con 109 niños, de 7 a 11 años. Se utilizó el criterio National Cholesterol Education Program para el diagnóstico del síndrome metabólico, adaptado a la edad. Como posibles predictores, fueron probados: índice de masa corporal (IMC), circunferencia de la cintura (CC), relación cintura/cadera (RCC), índice de conicidad (índice C) y el porcentual de grasa corporal. RESULTADOS: La prevalencia del síndrome metabólico fue de 13,3% y 36% para niños y niñas, respectivamente. Los principales indicadores antropométricos fueron: IMC = 0,81 (0,69 - 0,94), CC = 0,79 (0,64 - 0,94), grasa corporal = 0,79 (0,66 - 0,92) y RCC = 0,37 (0,21 - 0,54). CONCLUSIÓN: Fueron considerados factores predictores del síndrome metabólico la CC superior a 78 cm, la grasa corporal superior a 41% y el IMC superior a 24,5 kg/m². El índice C y la RCC no fueron considerados predictores.

Síndrome metabólico; niño; previsiones; sobrepeso; obesidad


Predição da síndrome metabólica em crianças por indicadores antropométricos

Aparecido Pimentel FerreiraI,II,III; Cristiane Batisti FerreiraIII; Ciro José BritoIV; Francisco José Gondim PitangaVII; Clayton Franco MoraesIV; Luciana Ansaneli NavesV; Otávio de Toledo NóbregaV; Nancí Maria de FrançaIV

IUniversidade Paulista - UNIP

IIUniversidade Centro de Ensino Superior - UniCESP

IIIUniversidade Planalto do Distrito Federal - UNIPLAN

IVUniversidade Católica de Brasília - UCB

VUniversidade de Brasília - UnB, Brasília, DF

VIUniversidade Federal de Sergipe - UFS, Aracaju, SE

VIIUniversidade Federal da Bahia - UFBA, Salvador, BA - Brasil

Correspondência Correspondência: Aparecido Pimentel Ferreira Quadra 210, Lote 2, Edifício Cris Village, Apto 1704 - Águas Claras 71930-750 - Brasília, DF - Brasil E-mail: cidopimentel@yahoo.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: Devido à necessidade de mensurar as variáveis antropométricas, bioquímicas e hemodinâmicas para o diagnóstico da síndrome metabólica, percebe-se a dificuldade da avaliação de grandes populações, principalmente em crianças, provocada pelo difícil acesso e pelo caráter invasivo. É premente a necessidade de desenvolverem-se formas diagnósticas de fácil aplicação, boa precisão e baixo custo, com a finalidade de predizer a síndrome metabólica já nas idades iniciais.

OBJETIVO: Verificar a prevalência da síndrome metabólica em crianças e testar os indicadores antropométricos com capacidade preditiva.

MÉTODOS: Estudo transversal realizado com 109 crianças, de 7 a 11 anos. Utilizou-se o critério National Cholesterol Education Program para o diagnóstico da síndrome metabólica, adaptado à idade. Como possíveis preditores, foram testados: índice de massa corporal (IMC), circunferência da cintura (CC), relação cintura/quadril (RCQ), índice de conicidade (índice C) e o percentual de gordura corporal.

RESULTADOS: A prevalência da síndrome metabólica foi de 13,3% e 36% para meninos e meninas, respectivamente. Os principais indicadores antropométricos foram: IMC = 0,81 (0,69 – 0,94), CC = 0,79 (0,64 – 0,94), gordura corporal = 0,79 (0,66 – 0,92) e RCQ = 0,37 (0,21 – 0,54).

CONCLUSÃO: Foram considerados fatores preditores da síndrome metabólica a CC superior a 78 cm, a gordura corporal superior a 41% e o IMC superior a 24,5 kg/m². O índice C e a RCQ não foram considerados preditores.

Palavras-chave: Síndrome metabólica, criança, previsões, sobrepeso, obesidade.

Introdução

A síndrome metabólica (SM) é um grupo de distúrbios que inclui obesidade, resistência à insulina, elevados níveis de triglicerídeos, baixos níveis de HDL e hipertensão arterial. A notoriedade da SM deve-se à sua associação no desenvolvimento de doenças cardiovasculares (DCV) e diabetes mellitus tipo 2 (DMT2)1, bem como à prevalência elevada e crescente em algumas populações2.

A partir do entendimento de que poucos estudos demonstraram a prevalência geral da SM no Brasil, destacam-se as contribuições dos estudos de Ferreira e cols.3 em segmentos etários específicos, com prevalência de 17,3% em crianças obesas. O estudo de Oliveira e cols.4 apresentam prevalência de 30% em adultos; no estudo de Karnikowski e cols.5, constatou-se 25,6% de idosos sindrômicos. Contudo, estudos envolvendo SM suscitam atenção especial em idades iniciais, pois esse diagnóstico tem se desenvolvido precocemente6,7.

Em populações pediátricas, o excesso de gordura corporal tem mostrado forte associação à hipertensão arterial, dislipidemias, resistência à insulina, hiperinsulinemia e DMT22,3,7. Apesar de a prevalência de DCV e da SM mostrar-se menor em crianças, sua ocorrência tem, no excesso de gordura, corporal seu mais importante fator de risco. Nesse sentido, sua incidência aumenta consideravelmente em crianças obesas3.

Para o diagnóstico da SM, a pesquisa necessita mensurar variáveis antropométricas, bioquímicas, hemodinâmicas e hormonais, o que demanda integração do pesquisador a equipes multiprofissionais de saúde. Vale lembrar que a dificuldade da avaliação de grandes populações, principalmente de crianças, deve-se ao difícil acesso e ao caráter invasivo.

É premente a necessidade de desenvolverem-se formas diagnósticas de fácil aplicação, boa precisão e baixo custo, com a finalidade de predizer a SM nas idades iniciais. Como o excesso de gordura parece ser o centro etiológico do desenvolvimento da síndrome em crianças, variáveis correlatas têm sido indicadas na detecção do excesso de peso infantil e consequentes problemas correlacionados3,7. Entre essas, podemos citar o índice de massa corporal (IMC), a circunferência da cintura, a relação cintura/quadril (RCQ), o índice de conicidade e do percentual de gordura corporal.

Pode-se afirmar, com base nesses dados, que o objetivo deste trabalho é verificar a prevalência da SM em crianças de diferentes classificações nutricionais, estratificadas pelo sexo, e identificar os indicadores antropométricos que podem predizer a ocorrência de SM.

Métodos

O estudo foi aprovado pelo comitê de ética da Universidade Católica de Brasília (Parecer nº 051/2005) e pela Secretaria Regional de Ensino de Taguatinga. Os pais dos avaliados assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,que autorizava a participação de seus filhos.

Este estudo caracterizou-se por ser epidemiológico, de corte transversal, de base populacional e adotou um intervalo de confiança (IC) de 95% para escolas públicas da cidade-satélite de Taguatinga, Brasília (DF). As escolas e as turmas foram escolhidas aleatoriamente, com preservação da proporcionalidade dos alunos matriculados.

As crianças foram classificadas de acordo com o índice de massa corporal/idade (IMC/idade)2. Aquelas que estavam acima do percentil 95 foram consideradas obesas; as crianças que estavam entre os percentis 85 e 95, com sobrepeso; e aquelas que estavam entre os percentis 5 e 75, eutróficas.

Foram analisadas 958 crianças em dez escolas públicas, com observação de uma prevalência de 10,6% (n = 102) e 7,7% (n = 74) para sobrepeso e obesidade, respectivamente, o que totalizava uma frequência de 18,3% de crianças acima do peso. Após essa análise inicial, 109 sujeitos com diferentes classificações nutricionais, de ambos os sexos e com idade entre 7 e 11 anos, participaram do estudo. O número de participantes com sobrepeso e obesidade foi assumido a partir da prevalência observada previamente nessa população. Assim, uma amostra de 78 crianças com sobrepeso e obesidade, selecionadas anteriormente pelo método aleatório simples, por meio de uma tabela de aleatoriedade, participou do estudo. Para essa amostra, estimou-se que 71 sujeitos seria o número adequado (P < 0,05) para representar a população de crianças com sobrepeso e obesidade, matriculadas na rede pública de ensino.

Além disso, um subgrupo de 31 crianças, classificado como eutrófico, fez parte do grupo controle, para a composição total da amostra investigada.

Para mensuração do peso e da estatura de cada participante, utilizaram-se, respectivamente, uma balança da marca Plena com visor digital (resolução 0,1 kg) e um estadiômetro da marca Seca (resolução 0,1 cm). As circunferências da cintura (CC) e do quadril (CQ) foram obtidas utilizando-se uma fita métrica da marca Seca (resolução 0,1 cm), e foi determinada, posteriormente, a relação cintura/quadril (RCQ).

Foi calculado o IMC = peso / estatura2 e o índice de conicidade, por meio da seguinte equação matemática8:

A gordura corporal foi mensurada pela absortometria de raios X de dupla energia (DXA). Foi realizada análise de corpo inteiro em aparelho da marca Lunar, modelo DPX-IQ, software 4.6A, conforme recomendações do fabricante. A gordura corporal relativa foi estimada como percentual de gordura total3.

A pressão arterial foi aferida por método auscultatório em duplicata, com uso do esfigmomanômetro da marca Premium e adequação do tamanho do manguito à circunferência braquial. A primeira medida foi realizada após cinco minutos de repouso na posição supina, e a segunda, aproximadamente 25 minutos após a primeira aferição, com permanência imóvel do avaliado durante esse período. Foi considerada a média entre as duas medidas. Registraram-se as pressões sistólica (PAS) e diastólica (PAD) correspondentes às fases I e V dos sons de Korotkoff.

A coleta de sangue foi realizada no Hospital da Universidade Católica de Brasília. As análises bioquímicas foram realizadas após jejum de 12 horas. A coleta foi realizada em tubo a vácuo com gel separador, sem anticoagulante. Para dosagem de colesterol, triglicerídeos, lipoproteínas de alta densidade (HDL) e glicose, utilizou-se kit enzimático colorimétrico processado no aparelho Autohumalyzer A5 (Human, 2004). Para a dosagem de insulina, foi utilizado o Automated Chemiluminescence System ACS-180 (Ciba-Corning Diagnostic Corp., 1995, EUA).

Diagnóstico da síndrome metabólica e fatores de risco cardiovascular

Para diagnóstico da SM, foi utilizada a definição modificada do National Cholesterol Education Programs - Adult Treatment Panel III (NCEP, 2001)8, que consiste na presença de, pelo menos, três dos seguintes fatores: obesidade (caracterizada pela obesidade abdominal), dislipidemia (altos níveis de triglicerídeos ou baixo nível de HDL), hipertensão arterial e hiperglicemia de jejum. Entretanto, os pontos de coorte foram adaptados à idade da população estudada: triglicerídeos > 110 mg/dl; HDL < 38 mg/dl; hipertensão arterial (diastólica ou sistólica) > percentil 95 ajustado para idade, estatura e sexo9. A obesidade foi caracterizada por meio do IMC acima do percentil 9510. A resistência à insulina foi determinada pelo método da homeostase glicêmica (HOMA), que é o produto da insulina de jejum (µUI/ml) e da glicemia de jejum (mmol/l) dividido por 22,511. As crianças que apresentaram HOMA > percentil 90 foram consideradas resistentes à insulina.

A presença dos fatores de riscos cardiovasculares foi determinada de acordo com os valores anormais aos níveis citados das variáveis: IMC, triglicerídeos, HDL, pressão arterial, glicemia de jejum e resistência à insulina.

Análise estatística

Para a seleção dos pontos de coorte de cada um dos indicadores antropométricos estudados que identificassem a SM, foi adotada a análise a partir da técnica das curvas ROC (receiver operating characteristic).

A curva ROC foi gerada pela plotagem da sensibilidade no eixo y em função de 1 - especificidade - no eixo x. Por um lado, a sensibilidade refere-se à porcentagem dos indivíduos que apresentaram o desfecho (no presente estudo, a SM) e que foram corretamente diagnosticados por meio do indicador (isto é, verdadeiro-positivo). Por outro lado, a especificidade descreve a porcentagem dos indivíduos que não apresentaram o desfecho e foram corretamente diagnosticados por meio do indicador (isto é, verdadeiro-negativo).

O critério utilizado para obtenção dos pontos de coorte foram os valores com sensibilidade e especificidade mais próximos entre si e não inferiores a 60%12. A significância estatística de cada análise foi verificada pela área sob a curva ROC e pelo intervalo de confiança a 95% (IC95%). Nesse sentido, um indicador perfeito apresenta a área sob a curva ROC de 1,00, ao passo que a linha diagonal representa a área sob a curva ROC de 0,50. Para um indicador apresentar uma habilidade discriminatória significativa, a área sob a curva ROC deve estar compreendida entre 1,00 e 0,50, e quanto maior a área, maior o poder discriminatório do respectivo indicador.

O IC95% é outro determinante da capacidade preditiva. Portanto, para o indicador antropométrico verificado ser considerado preditor significativo da SM, o limite inferior do IC (Li-IC) não pode ser < 0,5013. A análise estatística dos dados foi realizada por meio dos programas Statatm, versão 9.1, e SPSS 11.513.

Resultados

A SM foi encontrada tanto em meninos quanto em meninas. Contudo, no sexo masculino, foi observada a menor prevalência em comparação ao sexo feminino, com 13,3% e 36%, respectivamente (P = 0,04).

Foi possível notar diferença significativa na prevalência da SM quando essa foi verificada conforme o estado nutricional, haja vista que o quadro foi encontrado somente em crianças obesas (23,6%; P = 0,001).

As Tabelas 1 e 2 apresentam os pontos de coorte e os respectivos valores de sensibilidade e especificidade dos indicadores antropométricas na predição da SM para o grupo total e para as crianças obesas, respectivamente.

De acordo com as Tabelas 1 e 2, as variáveis antropométricas IMC, CC e DXA foram consideradas preditoras da SM tanto para o grupo total quanto para o grupo obeso, em que o limite inferior se apresentou acima de 0,50 (Li - IC > 0,50). Já a RCQ e o índice de conicidade foram preditores da SM somente quando analisado o grupo total, sem que se observasse o mesmo no grupo de crianças obesas, pois ambas as variáveis, conforme estabelecido na metodologia, não apresentaram valores confiáveis de sensibilidade e especificidade (Li - IC < 0,50). Nesse sentido, a Figura 113 apresenta as curvas ROC das variáveis testadas quando a análise foi efetuada para o grupo total.


Discussão

O diagnóstico da SM é obtido por medidas antropométricas, metabólicas e hemodinâmicas. Entretanto, trata-se de mensurações invasivas, principalmente às crianças. Além disso, a mensuração de variáveis bioquímicas é onerosa, o que complica sua aplicação epidemiológica, devido ao risco de contaminação.

O presente estudo apresenta uma proposta simples, de fácil aplicabilidade e barata para ser utilizada como variável preditora do diagnóstico da SM. Em nossas condições, medidas simples como CC e IMC apresentaram excelentes valores de sensibilidade e especificidade para a predição da SM em crianças.

A capacidade tanto da CC quanto do IMC como preditores da SM corrobora a forte associação da gordura corporal ao desfecho do fenômeno, uma vez que a gordura corporal, principalmente de localização abdominal, está relacionada à resistência à insulina e a outros aspectos associados à SM14-18.

A análise da sensibilidade e especificidade da RCQ mostrou que essa variável não foi preditora da SM, inclusive quando verificada a razão de prevalência para calcular o risco das crianças que se classificavam acima do ponto de coorte estabelecido previamente e o desfecho (síndrome metabólica). Vale dizer, com base nesses dados, que essa variável não foi significativa.

Em outro estudo, Ferreira e cols.19 verificaram que, entre vários indicadores antropométricos analisados, a RCQ foi a que apresentou correlações mais fracas em comparação às demais variáveis consideradas, pela Organização Mundial da Saúde, bons indicadores de gordura corporal em crianças.

O índice de conicidade mede, predominantemente, a gordura central e, apesar de muito utilizado na população adulta e de ter grande associação com doenças cardiovasculares, não mostrou boa sensibilidade e especificidade para crianças na predição da SM. Sabe-se que o excesso de gordura corporal na região abdominal está relacionado a distúrbios metabólicos e fortemente associado à SM, inclusive em crianças3,20.

No presente estudo, o índice de conicidade não se mostrou um bom preditor da SM, apesar da capacidade de estimar predominantemente a gordura visceral. Possivelmente, isso se deve à característica peculiar das crianças do presente estudo, que estavam abaixo da idade da puberdade e, consequentemente, distantes do pico de estatura, quando comparados à população adulta, em que houve a validação da variável como preditora das doenças cardiovasculares8. Assim, duas hipóteses podem ser aventadas: (i) o índice de conicidade não é eficiente para estimar a gordura visceral em crianças abaixo da fase pubertária; e (ii) esse índice não é eficiente para predizer SM na faixa etária estudada.

Uma limitação deste estudo consiste na impossibilidade de extrapolação dos resultados para a população geral, pois a casuística não constitui amostra probabilística de crianças com obesidade, sobrepeso ou peso normal. No entanto, os autores pensam que os principais achados apresentados são ilustrativos da população de crianças obesas no país, mas não da população infantil em geral.

Outra limitação está relacionada à dificuldade de estabelecer um diagnóstico definitivo de síndrome metabólica, bem como de associar variáveis antropométricas e metabólicas dessa síndrome, particularmente em populações pediátricas. Assim, carecemos de mais estudos sobre esse tema, particularmente aqueles em que a variabilidade étnica seja considerada. Nesse sentido, uma elevada heterogeneidade genética na população brasileira verificada por meio de estudo de ancestralidade já foi constatada21.

Conclusão

Com base nos resultados encontrados e respeitando as limitações do presente estudo, concluímos que a SM foi encontrada em 23% das crianças obesas, sendo 13,3% nos meninos e 36% nas meninas. Foram considerados fatores preditores da síndrome metabólica a CC superior a 78 cm, gordura corporal superior a 41% e IMC superior a 24,5 kg/m². O índice C e RCQ não foram considerados preditores.

Agradecimentos

Instituto Sabin e Núcleo de Apoio à Pesquisa do Laboratório Sabin.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Aparecido Pimentel Ferreira e Nanci Maria de França pela Universidade Católica de Brasília - UCB.

Artigo recebido em 30/10/09; revisado recebido em 10/08/10; aceito em 22/09/10

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  • Correspondência:
    Aparecido Pimentel Ferreira
    Quadra 210, Lote 2, Edifício Cris Village, Apto 1704 - Águas Claras
    71930-750 - Brasília, DF - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Fev 2011

    Histórico

    • Aceito
      22 Set 2010
    • Revisado
      10 Ago 2010
    • Recebido
      30 Out 2009
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