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Vacinação contra influenza e pneumococo na insuficiência cardíaca: uma recomendação pouco aplicada

Resumos

FUNDAMENTO: A insuficiência cardíaca (IC) cursa com frequentes descompensações e admissões ao serviço de emergência. Vacinação contra Influenza (INF) e Pneumococo (PNM) são recomendadas nas diretrizes, entretanto, as infecções respiratórias são a terceira causa de hospitalização na IC. OBJETIVO: Avaliar a frequência da vacinação contra INF e PNM em pacientes com IC na rede pública. MÉTODOS: Em estudo observacional realizado em Teresópolis, região serrana fluminense, foram utilizadas três estratégias: (I) estudo das requisições para vacina contra INF e/ou PNM na Secretaria Municipal de Saúde, entre 2004 e 2006; (II) inquérito direto a 61 pacientes com IC atendidos na atenção básica sobre sua situação vacinal contra INF e PNM; (III) inquérito direto sobre situação vacinal contra INF e PNM a 81 pacientes com IC crônica descompensada atendidos na única emergência aberta à rede pública. RESULTADOS: Na estratégia I, a vacinação contra INF e/ou PNM foi de 15,3% daqueles com indicações por doenças cardiovasculares e respiratórias. A mediana do tempo entre a indicação e a vacinação foi de 32 dias. Na estratégia II, o percentual de vacinados contra INF, com idade > 60 anos, foi de 23,1%, e de 24,6% contra PMN em todas as idades. Na estratégia III, o percentual de pacientes vacinados contra INF foi de 35,8% e contra PNM foi de 2,5%. CONCLUSÃO: A taxa de vacinação contra INF e PNM em pacientes com IC é muito baixa e ainda menor naqueles descompensados atendidos em serviço de emergência.

Vacinação; influenza humana; pneumonia; insuficiência cardíaca


BACKGROUND: Heart failure (HF) is associated with frequent decompensation and admissions to the emergency service. Influenza (INF) and Pneumococcal (pneumonia) vaccinations are recommended in the guidelines, however, respiratory infections are the third leading cause of hospitalization in heart failure. OBJECTIVE: To assess the frequency of vaccination against INF and PNM in patients with HF in government healthcare units. METHODS: An observational study carried out in Teresópolis, a mountain region in Rio de Janeiro, employed three strategies: (I) study of requests for vaccine against INF and/or PNM in the Health Department of Teresópolis between 2004 and 2006; (II) direct inquiry to 61 patients with heart failure treated in primary care about their vaccination status against INF and PNM; (III) direct inquiry about their vaccination status against INF and PNM to 81 patients with decompensated chronic heart failure treated in the only emergency service open to the public. RESULTS: In strategy I, INF and/or PNM vaccination was 15.3% of those with indications for cardiovascular and respiratory diseases. The median time between indication and vaccination was 32 days. In strategy II, the percentage of patients vaccinated against INF, aged > 60, was 23.1% and 24.6% against PMN at all ages. In strategy III, the percentage of patients vaccinated against INF was 35.8% and against PNM was 2.5%. CONCLUSION: The rate of vaccination against INF and PNM in patients with HF is very low and even lower in those with decompensated HF treated in emergency services.

Vaccination; influenza; human; pneumonia; heart failure


FUNDAMENTO: La insuficiencia cardíaca (IC) cursa con frecuentes descompensaciones y admisiones al servicio de emergencia. Vacunación contra Influenza (INF) y Neumococo (PNM) son recomendadas en las directrices, entre tanto, las infecciones respiratorias son la tercera causa de hospitalización en la IC. OBJETIVO: Evaluar la frecuencia de la vacunación contra INF y PNM en pacientes con IC en la red pública. MÉTODOS: En estudio observacional realizado en Teresópolis, región serrana fluminense, fueron utilizadas tres estrategias: (I) estudio de las requisiciones para vacuna contra INF y/o PNM en la Secretaría Municipal de Salud, entre 2004 y 2006; (II) averiguación directa a 61 pacientes con IC atendidos en la atención básica sobre su situación de vacuna contra INF y PNM; (III) averiguación directa sobre situación de vacuna contra INF y PNM a 81 pacientes con IC crónica descompensada atendidos en la única emergencia abierta a la red pública. RESULTADOS: En la estrategia I, la vacunación contra INF y/o PNM fue de 15,3% de aquellos con indicaciones por enfermedades cardiovasculares y respiratorias. La mediana del tiempo entre la indicación y la vacunación fue de 32 días. En la estrategia II, el porcentual de vacunados contra INF, con edad > 60 años, fue de 23,1%, y de 24,6% contra PMN en todas las edades. En la estrategia III, el porcentual de pacientes vacunados contra INF fue de 35,8% y contra PNM fue de 2,5%. CONCLUSIÓN: La tasa de vacunación contra INF y PNM en pacientes con IC es muy baja y aun menor en aquellos descompensados atendidos en servicio de emergencia.

Vacunación; influenza humana; neumonía; insuficiencia cardíaca


Vacinação contra influenza e pneumococo na insuficiência cardíaca - uma recomendação pouco aplicada

Wolney de Andrade Martins; Margarete Domingues Ribeiro; Lucia Brandão de Oliveira; Luciana da Silva Nogueira de Barros; Ana Cristina da Silva Moreira Jorge; Camila Mirante dos Santos; Daniella de Paiva Almeida; Isaías Fiuza Cabral; Renata Tavares de Souza; Thyago Antônio Biagioni Furquim

Clínica de Insuficiência Cardíaca (CLIC) do Hospital das Clínicas de Teresópolis Costantino Ottaviano (HCTCO) - Centro Universitário Serra dos Órgãos (UNIFESO), Teresópolis, RJ - Brasil

Correspondência Correspondência: Wolney de Andrade Martins Hospital Universitário Antonio Pedro - Serviço de Cardiologia Rua Marquês do Paraná, 303/6º andar - Centro 24030-215 - Niterói, RJ - Brasil E-mail: wolney@cardiol.br

RESUMO

FUNDAMENTO: A insuficiência cardíaca (IC) cursa com frequentes descompensações e admissões ao serviço de emergência. Vacinação contra Influenza (INF) e Pneumococo (PNM) são recomendadas nas diretrizes, entretanto, as infecções respiratórias são a terceira causa de hospitalização na IC.

OBJETIVO: Avaliar a frequência da vacinação contra INF e PNM em pacientes com IC na rede pública.

MÉTODOS: Em estudo observacional realizado em Teresópolis, região serrana fluminense, foram utilizadas três estratégias: (I) estudo das requisições para vacina contra INF e/ou PNM na Secretaria Municipal de Saúde, entre 2004 e 2006; (II) inquérito direto a 61 pacientes com IC atendidos na atenção básica sobre sua situação vacinal contra INF e PNM; (III) inquérito direto sobre situação vacinal contra INF e PNM a 81 pacientes com IC crônica descompensada atendidos na única emergência aberta à rede pública.

RESULTADOS: Na estratégia I, a vacinação contra INF e/ou PNM foi de 15,3% daqueles com indicações por doenças cardiovasculares e respiratórias. A mediana do tempo entre a indicação e a vacinação foi de 32 dias. Na estratégia II, o percentual de vacinados contra INF, com idade > 60 anos, foi de 23,1%, e de 24,6% contra PMN em todas as idades. Na estratégia III, o percentual de pacientes vacinados contra INF foi de 35,8% e contra PNM foi de 2,5%.

CONCLUSÃO: A taxa de vacinação contra INF e PNM em pacientes com IC é muito baixa e ainda menor naqueles descompensados atendidos em serviço de emergência.

Palavras-chave: Vacinação, influenza humana, pneumonia, insuficiência cardíaca.

Introdução

A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica progressiva caracterizada pela falência do músculo cardíaco em bombear sangue suficiente para os sistemas orgânicos. O crescimento dos fatores de risco cardiovascular e a maior longevidade da população contribuem para que a IC tenha caráter epidêmico. A IC cursa com reinternações frequentes e cada uma delas tem peso adicional na piora da curva de sobrevida. Dentre os principais fatores que precipitam as descompensações e hospitalizações, destacam-se a não adesão ao tratamento, a isquemia miocárdica aguda, a pressão arterial elevada e as infecções respiratórias, como pneumonia e doenças virais1-2.

A congestão pulmonar está presente em grande parte dos pacientes com IC e predispõe os mesmos às infecções respiratórias. Dentre elas, destaca-se a influenza pela alta prevalência na comunidade, com ação direta e indireta na mortalidade e na hospitalização dos pacientes mais vulneráveis às complicações virais, em especial, a população idosa. A vacinação contra influenza e contra pneumococo diminuiu a mortalidade global e cardiovascular em idosos, além de ter reduzido o risco de hospitalizações por pneumonia ou morte de todas as causas3-4. As evidências epidemiológicas motivaram os programas de vacinação em populações sob maior risco. As sociedades de especialistas em cardiologia na América do Norte1, Europa5 e América Latina6 incluíram em suas diretrizes a recomendação da vacinação contra influenza e a pneumonia pneumocócica em cardiopatas crônicos. No Brasil, tanto o Ministério da Saúde7 como a Sociedade Brasileira de Cardiologia2 (SBC) também recomendam as vacinas contra influenza e pneumococo para esses pacientes.

Considerada a importância clínica e epidemiológica da IC, a relevância da vacinação como medida profilática e a carência de dados sobre a efetividade da recomendação da vacinação no Brasil, o presente trabalho teve por objetivo estimar a taxa de vacinação contra influenza e pneumococo em pacientes com IC sob acompanhamento ambulatorial e entre os descompensados, na rede pública de Teresópolis, região serrana fluminense.

Métodos

O estudo foi desenvolvido no município de Teresópolis, região serrana fluminense, com temperaturas médias anuais abaixo da média nacional e com 150.268 habitantes no ano de 2007. O atendimento ambulatorial na rede pública é operado pela estratégia de saúde da família (ESF) em 29,5% e complementado pelas demais unidades básicas (UBS) com total de cobertura de 35,3% da população. As unidades secundárias se articulam com a atenção básica pelo sistema de referência e contrarreferência. A ESF é administrada em cogestão entre o SUS e o Centro Universitário Serra dos Órgãos (UNIFESO), instituição de ensino com 6 cursos de graduação na área da saúde, com efetiva inserção de docentes e discentes na referida rede. A maior unidade terciária é o hospital de ensino, de médio porte, conveniado ao SUS, como único serviço de urgência e emergência aberto à rede pública da região à época do estudo.

O estudo foi observacional, transversal e consistido por três estratégias:

Estratégia I

Estudo de todas as "Requisições de Imunobiológicos Especiais" na Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Teresópolis, protocoladas no período entre jan/2004-dez/2006, com especial enfoque para as requisições de vacinação contra influenza e/ou pneumococo com indicação por doenças cardiovasculares e respiratórias para adolescentes e adultos, considerados como aqueles maiores de 12 anos de idade. Considerou-se indicação clínica por IC todas as indicações feitas na ficha de requisição listadas a seguir: "insuficiência cardíaca", "cardiomiopatia", "miocardiopatia", "cardiopatias isquêmica, alcoólica, hipertensiva, reumática, valvar, periparto ou outra etiologia específica". Em um único caso não se conseguiu determinar a indicação.

A vacinação contra influenza e pneumococo em grupos especiais, por indicação clínica, acontece através de referência e agendamento em única unidade central. Não há vacinação contra pneumococo em unidades de ESF ou UBS nem em unidades secundárias ou campanhas nesse município. A vacinação contra pneumococo é exclusiva aos grupos com indicação clínica, composto de várias entidades e situações. Portanto, não há indicação de vacinação baseada em faixa etária.

Estratégia II

Inquérito direto a 61 pacientes com diagnóstico atribuído de IC, atendidos em ESF, UBS ou unidades secundárias sobre sua situação vacinal contra influenza no ano anterior à entrevista e contra pneumococo nos 5 anos anteriores à entrevista. Os pacientes foram admitidos ao protocolo por ordem aleatória de chegada às unidades e apresentaram média de idade de 66,5 ± 11,8 anos, com 52,0% do sexo feminino. De modo aleatório, 8 unidades de ESF, uma UBS e uma unidade secundária foram cobertas na amostragem. Respeitou-se a proporcionalidade de amostragem entre unidades urbanas (seis) e rurais (três) referente à distribuição da população. Para fins de cálculo amostral, trabalhou-se com a prevalência não ajustada de IC de 2,0%. A amostra estudada representou 2,0% do total esperado de pacientes com IC no município.

Estratégia III

Inquérito direto a 81 pacientes com diagnóstico atribuído de IC crônica agudizada atendidos no serviço de emergência sobre sua situação vacinal contra influenza, no ano anterior à entrevista, e contra pneumococo, nos 5 anos anteriores à entrevista. Todos os pacientes encontraram-se descompensados e foram incluídos independentemente das etiologias, níveis de gravidade, causas de descompensação ou outros critérios. A ordem de admissão ao protocolo foi aleatória pela data do atendimento, com coleta direta dos dados, nos plantões cobertos pelos pesquisadores. Na impossibilidade do paciente fornecer a informação pela gravidade de seu quadro clínico, utilizaram-se dados fornecidos pelo familiar ou acompanhante. Foram excluídos os pacientes com IC aguda ("de novo"), como aqueles com síndromes coronarianas agudas ou miocardite, pois não teriam tido o diagnóstico e a oportunidade prévios para vacinação. A coleta dos dados deu-se entre abr/2007-nov/2008. Os pacientes tiveram desfechos variados, como alta para acompanhamento ambulatorial, internação ou óbito. A média de idade do grupo foi de 63,6 ± 14,0 anos, sendo 52,0% do sexo masculino. Esse era o único serviço de emergência aberto à rede pública no município à época da coleta dos dados e a amostra coletada de pacientes descompensados representou 2,7% da estimativa de prevalência geral de IC não ajustada no município, para todas as classes funcionais.

Os dados foram coletados após capacitação dos entrevistadores e treinamento em estudo-piloto. Questionário estruturado foi utilizado e, posteriormente, transferido para planilha eletrônica. Os resultados foram apresentados em valores absolutos e percentuais. A comparação da distribuição das proporções entre os grupos foi feita através do teste qui-quadrado. O nível de significância adotado foi de 5,0%.

O estudo teve aprovação na Comissão de Ética em Pesquisa do UNIFESO, sob o número 060 e 061/2006, assim como a aprovação na Secretaria Municipal de Saúde de Teresópolis. Todos os pacientes das estratégias II e III firmaram termo de consentimento após esclarecimento. Este projeto teve apoio do Programa de Iniciação Científica, Pesquisa e Extensão (PICPE-UNIFESO) e da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).

Resultados

Estratégia I

No triênio analisado, houve um total de 735 vacinações contra pneumococo em todo o município de Teresópolis, com predomínio da população pediátrica com 418 (56,9%), seguida das vacinações nos pacientes com idade > 12 anos por todas as demais indicações clínicas que não cardiovascular ou respiratória com 168 (22,9%). Por último, aqueles por indicação cardiovascular ou respiratória com idade > 12 anos com 149 (20,3%). No período analisado, houve 184 referências de vacinação contra influenza e/ou pneumococo à Unidade Central, das quais foram 131 doses contra pneumococo, 35 contra influenza e 18 contra ambas. A mediana do tempo entre a indicação da vacina pelo médico assistente e a data da vacinação foi de 32 dias, com intervalo de 1 a 377 dias. Demais características dos vacinados contra INF e/ou PNM encontram-se dispostas na Tabela 1.

Dos vacinados contra INF e/ou PNM na unidade central, 183 pacientes tiveram as indicações analisadas e a vacinação por indicação clínica de IC aconteceu em 15,3% dos referenciados por doenças cardiovasculares ou respiratórias. A principal indicação foi "pneumonias de repetição" em pacientes pneumopatas (ver Tabelas 2).

Estratégia II

Dos 61 pacientes avaliados nas unidades primárias e secundárias, o percentual de pacientes com IC vacinados contra influenza foi de 72,1% contra 24,6% que negaram ter recebido a mesma, e ainda 3,3% que desconheciam. Quando tomados em separado aqueles com idade menor que 60 anos, obteve-se 23,1% de vacinados contra influenza em relação ao total de pacientes nesta faixa etária. Com relação à vacinação contra pneumococo, o percentual de pacientes que disseram ter tomado a vacina foi de 24,6%, contra 57,4% que negaram e 18,0% que desconheciam.

Estratégia III

Dos 81 pacientes com IC descompensada atendidos no serviço de emergência, o percentual de pacientes vacinados contra influenza foi de 35,8%, contra 64,2% que negaram ter recebido a mesma. O percentual de pacientes que afirmaram ter recebido a vacina pneumocócica, nos últimos 5 anos, foi de 2,5%, enquanto 62,9% negaram ter recebido a mesma e 34,6% desconheciam a vacina.

Discussão

A incidência de IC nos EUA é de aproximadamente 1.000 por 100.000 habitantes após os 65 anos de idade, dos quais 75,0% dos casos têm a hipertensão arterial sistêmica como a provável etiologia1. A prevalência de IC aumenta linearmente com a idade em ambos os sexos e a gravidade é maior nos extremos de faixa etária6. No Canadá, chega a atingir 350.000, enquanto nos EUA aproximadamente 5 milhões de pessoas têm IC. Na Suécia, a estimativa é de que atinja 2,0% da população8,9. No Brasil, a prevalência de IC é incerta, porém, está em ascensão devido à maior sobrevida da população geral e à maior efetividade dos medicamentos para prolongamento da vida dos pacientes com IC. Por estas razões, a IC representa a principal causa de internação no Sistema Único de Saúde (SUS) nos pacientes acima de 65 anos de idade8.

Nas últimas duas décadas, no Brasil, ocorreu aumento progressivo das taxas de mortalidade hospitalar por IC com reversão nos últimos anos2. As hospitalizações contribuem para o custo total anual de 33,7 bilhões de dólares na economia americana, e no Brasil, no ano de 2002, o custo por paciente internado com IC foi estimado em R$ 4.033,621,8. A maior parte do custo financeiro dos pacientes com IC deve-se às internações frequentes. A relação causal entre infecção respiratória e descompensação clínica tem sido comprovada em diversos estudos epidemiológicos. A vacinação contra infecções respiratórias tem eficácia na relação custo-benefício como medida de saúde pública. Observou-se maior número de admissões hospitalares por IC durante períodos de epidemia de influenza4,9-11.

Além disso, em ambiente nosocomial, os pacientes com IC têm risco aumentado de infecções pulmonares, em especial a pneumonia12. Não houve avaliação de custo-efetividade da vacinação contra influenza e pneumococo em pacientes com IC no Brasil nas bases consultadas. Entretanto, é plausível inferir que a estratégia de vacinação seja muito favorável, até porque outras medidas com maior custo financeiro, como o fornecimento de medicação gratuita aos pacientes ambulatoriais, já foram estudadas com conclusão favorável8.

Ao analisarem-se os resultados das fichas de referência para vacinação na Secretaria Municipal de Saúde (SMS), observou-se o irrelevante número de vacinados frente à magnitude da prevalência da IC. O município de Teresópolis teve cobertura vacinal para influenza, na população-alvo de idosos, de 84,6% em 2004, 97,5% em 2005 e 117,2% em 200613.

Deste modo, pode-se considerar que a baixa taxa de vacinação nos pacientes com IC encontrada neste trabalho não foi advinda da inexistência de condições estruturais que viabilizassem a vacinação contra influenza e pneumococo. As causas da baixa taxa de vacinação podem ser discutidas sobre três eixos: 1) a pouca indicação pelo profissional da saúde; 2) as dificuldades de acesso à vacina e a complexidade do processo de vacinação; e 3) as causas dependentes do paciente.

A inclusão da vacinação em cardiopatas crônicos não está incorporada na prática dos planos de cuidados das unidades da atenção básica e especializada. Tal afirmação é fundamentada na baixa taxa de vacinação contra influenza - vacina disponível uma vez ao ano nas próprias unidades básicas - entre aqueles com idade menor que 60 anos, ou seja, fora da indicação habitual. Neste trabalho, observou-se o predomínio de indicações para vacinação contra pneumococo por parte dos pediatras. Entre as indicações por doenças cardiovasculares e respiratórias em adolescentes e adultos, houve predomínio da indicação pelos pneumologistas em relação aos cardiologistas e generalistas que atendem pacientes com IC.

É provável que a recomendação de vacinação por indicação clínica esteja mais incorporada à prática clínica dos pediatras e pneumologistas que dos cardiologistas e generalistas. As causas da não prescrição das vacinas pelos médicos assistentes não foram objeto deste trabalho, entretanto, é possível que advenham da falta de informação acerca da indicação das vacinas aos pacientes com IC e da disponibilidade das mesmas na rede pública.

Houve predomínio de pacientes femininos e quase totalidade de residência urbana dentre os vacinados contra pneumococo. Tais características demográficas apontam para a provável influência do acesso à vacina como facilitador do processo de vacinação. O tempo mediano entre a indicação da vacina pelo médico assistente e a efetivação da vacinação também foi demasiado longo nesta casuística. O fato da vacina não ser aplicada no mesmo dia em que é solicitada resulta em obstáculos, como custo de transporte, limitação de deslocamento pela dispneia de esforço, disponibilidade de acompanhante e memorização das datas de agendamento. O preconceito dos idosos contra a vacinação, atribuído ao mito dos possíveis efeitos adversos, também corrobora para a baixa aderência. Apesar das alterações imunológicas descritas na IC, como aumento das interleucinas e do fator de necrose tumoral e a hiper-reatividade linfocitária, a resposta imunológica à vacinação pneumocócica é eficaz, com produção de anticorpos contra todos os sorotipos testados12.

A amostra observada na atenção primária apresentou a média de idade esperada para a síndrome na maioria dos estudos clínicos, com discreto predomínio do sexo feminino, o que pode ser explicado pelo maior acesso das mulheres às unidades da atenção básica8. A maior taxa de vacinação contra influenza deveu-se, seguramente, à Campanha Nacional de Vacinação do Idoso, posto que, ao se separar por faixas etárias, vê-se o predomínio dos vacinados entre os maiores de 60 anos, ponto de corte da indicação rotineira da vacina contra influenza.

A disponibilidade da vacina contra influenza anualmente nas UBS e ESF são facilitadores da vacinação. Entretanto, ainda há significativo percentual de não vacinados, o que se explica pela falta de conhecimento da indicação clínica e da segurança da vacina nos pacientes com IC entre os profissionais da saúde.

Singleton e cols.14 observaram que a cobertura vacinal de influenza entre pacientes com doença cardíaca está diretamente associada à idade, pois encontraram 76,7% de indivíduos vacinados acima dos 65 anos, 49,2% entre 50 e 64 anos e, apenas, 22,7% vacinados com idade entre 18 e 49 anos. Hak e cols.15 e Bittner e cols.16 também relataram resultados semelhantes quando pacientes com 65 anos ou mais, com condições clínicas de alto risco, tiveram uma maior taxa de vacinação em relação aos de menor faixa etária. Em estudo nacional realizado na Espanha, corroborou-se a necessidade de políticas de vacinação naqueles em faixas etárias menores, posto que frequentemente são preteridos17. Bittner e cols.16 alertaram que mesmo com as recomendações da Organização Mundial da Saúde e do Centers of Disease Control and Prevention (CDC) para vacinação contra influenza em pacientes com doenças cardiovasculares, a cobertura encontra-se aquém do esperado, mesmo nos países desenvolvidos, uma vez que apenas 34,0% dos pacientes norte-americanos com doença cardiovascular foram vacinados em 2005.

Ao avaliar a cobertura vacinal contra pneumococo na atenção básica, os dados tornam-se ainda mais alarmantes e os estudos mais escassos. Bratzeler e cols.3 afirmaram que 54,1% de toda a população norte-americana acima de 65 anos nunca receberam essa vacina. No presente estudo, observou-se que, nas ESF e UBS, o percentual de pacientes com IC que negaram ter recebido a vacina pneumocócica foi muito inferior à vacina contra influenza e aos dados da literatura.

O número apresentado de 81 pacientes com IC crônica agudizada foi considerado significativo em relação à previsão do número total de pacientes com IC descompensada no município e representou 2,7% do número total de pacientes com IC não ajustado. Os pacientes com IC descompensada podem ser divididos em IC "de novo" ou aguda - geralmente secundários às síndromes coronarianas agudas ou o "crônico agudizado". Esse último foi objeto do presente estudo, geralmente portador de cardiomiopatia das diversas etiologias. Aqueles com IC de novo não tiveram oportunidades do diagnóstico e da vacinação prévia. Os pacientes descompensados constituem, em regra, aqueles nos estágios C e D do American College os Cardiologists/American Heart Association e classe funcional prévia III e IV da New York Heart Association, ou seja, subgrupo ainda mais restrito.

No Serviço de Emergência, houve predomínio de pacientes masculinos, o que reflete a distribuição da síndrome de IC. Em 2007, a IC foi responsável por 2,6% das hospitalizações e 6,0% dos óbitos registrados pelo SUS no Brasil, tendo consumido 3,0% dos recursos utilizados para atender todas as internações realizadas pelo sistema2. Os dados sobre internação por IC disponíveis no Brasil são advindos das impressões diagnósticas levantadas à época da internação e registradas na autorização para internação hospitalar (AIH). Esse registro é sabidamente pouco preciso pela heterogeneidade das nomenclaturas dos diagnósticos afeitos à IC, comorbidades e outros diagnósticos presentes e questões conjunturais do sistema de fatura das internações.

As taxas de vacinação entre os pacientes admitidos descompensados são menores que aqueles da atenção básica. É possível inferir que o evento da descompensação nesse grupo relacione-se com a menor taxa de vacinação e na menor aderência geral à terapêutica. As infecções respiratórias estão entre as causas mais comuns de descompensação em diversas séries. Em nossa instituição, as descompensações por infecções respiratórias ganham o segundo lugar, após a transgressão da restrição hidrossalina e medicamentosa, provavelmente pela maior amplitude térmica na região serrana fluminense, especialmente nos meses do inverno18. O momento da internação hospitalar seria propício à vacinação, entretanto, Bratzer e cols.3 demonstraram que tal prática não é comum.

Os benefícios da vacinação contra influenza e pneumococo não se restringem à prevenção da descompensação da IC por infecções respiratórias. A vacinação tem sido relacionada a outros ganhos, tais como a diminuição de eventos coronários, tanto na prevenção primária como na secundária; redução dos acidentes cerebrovasculares; decréscimo nas internações e custos por outras doenças, principalmente entre os idosos15,19,20. Especula-se o impacto entre a vacinação contra influenza e a redução de mortalidade por doença isquêmica do coração21,22. A vacinação traz benefícios nos desfechos de mortalidade e morbidade para todas as faixas etárias com condições clínicas de risco e se acentua nos mais idosos15. Há relação entre internações, mortalidade por IC e epidemias de influenza, assim como as baixas temperaturas atmosféricas. Pode-se inferir que os locais suscetíveis às maiores amplitudes térmicas e outras condições atmosféricas possam estar sob maior risco das infecções respiratórias9,23. A vacinação previne mortalidade em cardiopatas crônicos nos meses do inverno20.

A conscientização dos profissionais da saúde acerca da importância da vacinação contra influenza e pneumococo em todos os pacientes com IC, independente da faixa etária, é mandatória. Afrodescendentes, não diabéticos e pacientes sem pneumopatias constituem outros subgrupos que também são preteridos da vacinação16. Segundo os resultados deste estudo, a população rural ou em áreas de difícil acesso deve ter estratégia diferenciada na vacinação. A taxa de vacinação contra influenza nos EUA está estável e abaixo das metas traçadas. Pelos resultados ora encontrados, infere-se que nossas taxas são ainda inferiores às norte-americanas.

A facilitação ao acesso à vacina, através das diversas estratégias de distribuição, campanhas, direcionamento para ambulatórios gerais e especializados, pode incrementar a eficiência do processo14,24. A abordagem multiprofissional e sistematizada aos pacientes com IC, conforme praticado nas "Clínicas de Insuficiência Cardíaca", são eficazes na redução de internações através da otimização da terapêutica farmacológica e não farmacológica, incluindo a vacinação. Entretanto, as experiências de atendimento multiprofissional aos pacientes com IC ainda se restringem aos centros universitários, em especial, aos grupos que oferecem transplante cardíaco. Não há políticas públicas com programas voltados aos pacientes com IC atendidos na atenção primária, a exemplo daquelas oferecidas aos diabéticos e hipertensos.

Conclusões

A taxa de vacinação contra influenza e pneumococo em pacientes com IC é muito baixa e ainda menor naqueles descompensados atendidos em serviço de emergência.

Faz-se necessária a implementação de medidas para incrementar a taxa de vacinação contra infecções respiratórias nos pacientes com IC e, desta forma, diminuir as descompensações e as internações.

Agradecimentos

A Secretaria Municipal de Saúde de Teresópolis e a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa no Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi parcialmente financiado pelo Centro Universitário Serra dos Órgãos e FAPERJ.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 10/01/10; revisado recebido em 25/07/10; aceito em 09/08/10.

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  • Correspondência:

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Aceito
      09 Ago 2010
    • Revisado
      25 Jul 2010
    • Recebido
      10 Jan 2010
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