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Triagem pré-participação do atleta jovem: é essa a hora para um consenso?

Exercicio; esportes; exames medicos

PONTO DE VISTA

Triagem pré-participação do atleta jovem: é essa a hora para um consenso?

Roberto PeidroI; Victor FroelicherII; Ricardo SteinIII

IUniversidad de Buenos Aires, Buenos Aires - Argentina

IIStanford University School of Medicine, VA Palo Alto Health Care System, Palo Alto - Estados Unidos

IIILaboratório de Fisiopatologia do Exercício, Hospital de Clínicas de Porto Alegre - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS - Brasil

Correspondência Correspondência: Ricardo Stein Rua João Caetano 20/402 - Petrópolis 90470-260 - Porto Alegre, RS - Brasil E-mail: rstein@cardiol.br, ristein@pq.cnpq.br

Palavras-chave: Exercício, esportes, exames médicos.

Introdução

Em cada nova temporada, os médicos são indagados sobre a necessidade de triagem pré-participação (TPP) para atletas jovens. No início de um novo semestre escolar, com a maior demanda de esportes recreacionais em academias e parques, há um aumento nos pedidos de autorização médica para sua prática. A razão para que a avaliação médica seja feita antes do início da prática de exercícios/esportes é a detecção de problemas cardiovasculares, que poderiam ter sérias consequências com a atividade física intensa. Essas consequências incluem morte súbita, que tem ocorrido até mesmo nos campos de esportes.

Morte súbita em atletas jovens (13 a 35 anos) é uma ocorrência rara (0,5 a 2,0/100.000 atletas/ano), mas parece ocorrer em atletas, duas vezes mais frequentemente do que em não-atletas da mesma idade1. Os esportes competitivos por si só não são responsáveis pelo evento cardiovascular quando o mesmo ocorre, sendo apenas o fator desencadeante em alguém com doença cardiovascular oculta2.

Quando a TPP é planejada, passos importantes devem ser tomados: 1) o teste deve ser validado e geralmente aceito; 2) muito embora a doença esteja em sua fase assintomática, os exames devem ser vistos como necessários; 3) não devem causar nenhum dano ao paciente; 4) devem ser custo-efetivos e 5) as características do teste devem ser aceitáveis. É digno de nota o fato de que os itens 4 e 5 são os mais frequentemente discutidos quando a TPP atlética é a questão.

Os avanços tecnológicos nos oferecem uma variedade de exames complementares, os quais tornam possíveis maior número de diagnósticos. Assim, a implementação dessas práticas deve seguir critérios rigorosos, sempre assegurando-se que o resultado final seja para ajudar o atleta.

Sabe-se que há controvérsias acerca de qual deveria ser o modelo mais adequado para a TPP. Além disso, não está totalmente claro se há uma real necessidade de estender a TPP para indivíduos que praticam esportes por recreação, se crianças devem ser rotineiramente avaliadas e qual seria o melhor intervalo entre as TPP. Na Itália, uma Lei Federal de 1982 tornou mandatório que a TPP seja estendida a todos os cidadãos que pratiquem esportes organizados e competitivos. Os italianos tem um modelo que inclui histórico clínico, exame físico e eletrocardiograma (ECG) de 12 derivações em repouso.

Pelliccia e cols. 3 demonstraram que a inclusão do ECG à TPP foi efetiva na detecção das doenças estruturais mais comuns, principalmente displasia arritmogênica do ventrículo direito (DAVD) e cardiomiopatia hipertrófica (CMH). Entretanto, atletas de todas as equipes nacionais italianas são submetidos a um ecocardiograma como o primeiro passo durante a TPP. Corrado e cols. 4, em um estudo não-randomizado, mostraram uma redução de 89% na morte súbita em atletas italianos na região do Vêneto de 1981 a 2004.

Por outro lado, nos Estados Unidos da América (EUA), o modelo de TPP italiano, o qual é aceito pela FIFA e pelo Comitê de Esportes Olímpicos, entre outros, não foi implementado pela Sociedade Americana de Cardiologia e Sociedade Americana de Medicina Esportiva. Sua principal objeção à ele reside no fato de que eles consideram que a inclusão do ECG em todas as TPP atléticas (para mais de 10 milhões de atletas) não seria custo-efetiva, devido à sua alta taxa de resultados falso-positivos. Entretanto, considerando-se os dados europeus, Wheeler e cols. 5 avaliaram a custo/efetividade da incorporação do ECG de 12 derivações em repouso à TPP em atletas americanos. Eles evidenciaram que a TPP com a adição do ECG foi capaz de salvar 2,06 vidas/ano por 1.000 atletas avaliados, a um custo adicional de U$ 89,00 por atleta e a uma taxa de custo/efetividade de U$ 42.900 por ano de vida salva.

Maron e cols. 6 descreveram a morte súbita de 1.866 jovens atletas entre 1980 e 2006, o que levou a um aumento anual de 6%, considerando a prevalência antes e depois de 1993. Essa porcentagem mais alta de morte súbita pode estar relacionada a um aumento no número de notificações devido aos avanços tecnológicos (por ex. , a Internet). Os autores acima consideraram que a taxa de morte súbita entre atletas norte-americanos não é mais alta do que aquela encontrada na região do Vêneto (Itália) nos últimos anos, mesmo que o ECG não seja mandatório nos EUA7. Além disso, a incidência de morte súbita no Vêneto foi mais alta do que aquela observada nos EUA no período anterior àquele que precedeu a TPP mandatória na Itália. Entretanto, a prevalência de morte súbita foi similar nesses últimos anos em ambos os países. Alguns aspectos relevantes devem ser considerados: 1) a incidência real de morte súbita nos EUA poderia ter sido subestimada devido à falta de registro compulsório; 2) não é possível saber se a implementação da TPP italiana nos EUA iria ou não diminuir a já baixa incidência de morte súbita7.

Como mencionado anteriormente, um dos maiores obstáculos frequentemente citados a fim de não adicionar o ECG de 12 derivações à TPP americana está relacionado à sua especificidade sub-ótima8. Seu uso poderia gerar um alto número de exames falso-positivos, o que resultaria em demanda por testes adicionais, fato este que poderia causar danos psicológicos aos atletas e um incremento nos custos.

No entanto, um documento recente da Sociedade Europeia de Cardiologia9 estabeleceu novos critérios para reduzir a taxa de eletrocardiogramas falso-positivos. Nessa linha, ao serem utilizados tais critérios, a especificidade do ECG aumentou de 90% para 96% em atletas da Universidade de Stanford10.

Há algumas particularidades nos EUA: a) o ECG é muito caro; b) há um grande número de atletas recreacionais; c) o número de médicos especializados em cardiologia esportiva e/ou medicina esportiva é pequeno em relação à população de atletas. Sendo assim, o modelo da TPP italiana seria difícil de implementar no país todo.

Da mesma forma, em países como Argentina e Brasil, o número de médicos com proficiência na interpretação do eletrocardiograma do atleta também é menor do que o desejável. Ainda assim, se somente os dados de Wheeler e cols. 5 forem considerados, o fardo econômico do uso do ECG em países em desenvolvimento seria muito mais baixo do que aquele nos EUA e Europa.

Entretanto, como a triagem pré-participação é vista em países como Argentina e Brasil? Na verdade, as associações desportivas e clubes tem diferentes estratégias em relação a essa questão. Algumas associações não pedem nada e outras exigem apenas um atestado médico no qual a palavra "apto" está escrita. Por outro lado, há algumas que exigem uma variedade de testes, que variam de ECG e exames laboratoriais e de imagem a teste ergométrico e/ou ecocardiograma.

Sabendo com antecedência que não será uma tarefa fácil, sugerimos que o governo trabalhe e dê forte apoio a: associações médicas, responsáveis por instituições esportivas, políticos, agentes de saúde pública, epidemiologistas e parceiros da iniciativa privada, entre outros. Isso significa unir esforços para produzir um modelo uniforme de TPP, como a Itália já fez, de forma bem sucedida.

Um primeiro passo pode ser a adoção do padrão de exame/triagem cardiovascular de 12 pontos da AHA (Tabela 1) ou algo similar e, onde possível, tornar o ECG disponível.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 05/06/10; revisado recebido em 10/06/10; aceito em 14/09/10.

  • 1. Corrado D, Pellicia A, Bjornstad HH, Vanhees L, Biffi A, Borjesson M, et al. Cardiovascular pre-participation screening of young competitive athletes for prevention of sudden death: proposal for a common European protocol. Eur Heart J. 2005;26(5):516-24.
  • 2. Corrado D, Basso C, Rizzoli G, Schiavon M, Thiene G. Does sports activity enhance the risk of sudden death in adolescents and young adults? J Am Coll Cardiol. 2003;42(11):1959-63.
  • 3. Pelliccia A, Di Paolo FM, Corrado D, Buccolieri C, Quattrini FM, Pisicchio C, et al. Evidence for efficacy of Italian national pre-participation screening programme for identification of hypertrophic cardiomyopathy in competitive athletes. Eur Heart J. 2006;27(18):2196-200.
  • 4. Corrado D, Basso C, Pavei A, Michieli P, Schiavon M, Thiene G. Trends in sudden cardiovascular death in young competitive athletes after implementation of a preparticipation screening program. JAMA. 2006;296(13):1593-601.
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  • 6. Maron BJ, Doerer JJ, Haas TS, Tierney DM, Mueller FO. Sudden deaths in young competitive athletes: analysis of 1866 deaths in the United States, 1980-2006. Circulation. 2009;119(8):1085-92.
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  • 10. Le VV, Wheeler MT, Mandic S, Dewey F, Fonda H, Perez M, et al. Addition of the electrocardiogram to the preparticipation examination of college athletes. Clin J Sports Med. 2010;20(2):98-105.
  • Correspondência:

    Ricardo Stein
    Rua João Caetano 20/402 - Petrópolis
    90470-260 - Porto Alegre, RS - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Aceito
      14 Set 2010
    • Revisado
      10 Jun 2010
    • Recebido
      05 Jun 2010
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