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Prevalência e correlatos de doença vascular no exame de ultrassom em pacientes em hemodiálise

Resumos

FUNDAMENTO: Pacientes em hemodiálise (HD) apresentam risco aumentado de morte cardiovascular. A espessura íntima-média (EIM) e a presença de calcificações arteriais são fatores de risco bem conhecidos para morte cardiovascular em pacientes em HD. OBJETIVO: Avaliar a prevalência de EIM e calcificações em pacientes em HD e correlacionar achados de imagem com dados clínicos e laboratoriais. MÉTODOS: Estudo transversal de 75 pacientes em HD por > 12 meses. Os pacientes foram submetidos à ultrassonografia (US) modo-B para determinação da EIM do terço distal das artérias carótidas comuns. As calcificações arteriais foram avaliadas por US de artérias carótidas, femorais e tibiais e consideradas positivas se calcificações fossem encontradas em qualquer sítio arterial. RESULTADOS: Os pacientes tinham 52 ± 13 anos, 57% eram do sexo masculino e 16% eram diabéticos. EIM > 0,9 mm foi encontrada em 57% dos cases e calcificações arteriais na US em 48%. Envelhecimento (décadas) e tabagismo estavam associados com aumento da EIM (odds ratio ajustado [aOR] = 3,4, p < 0,001; aOR = 4,4, p = 0,045, respectivamente) e presença de calcificações vasculares (aOR = 3,0, p < 0,001; aOR = 6,8, p = 0,011, respectivamente). Altos níveis de hormônio paratireoidiano intacto (iPTH) (por 100 pg/ml) estavam associados de forma significante com aumento na EIM (aOR = 1,7, p = 0,021), mas não com calcificação vascular. Em contraste, diabete e tempo de diálise (anos) foram determinantes significantes para calcificações na US (aOR = 15,0, p = 0,009; aOR = 1,39, p = 0,020), mas não para o aumento da EIM. CONCLUSÃO: EIM aumentada e calcificações à US são achados comuns em pacientes em HD. Envelhecimento e tabagismo são determinantes consistentes para ambas as alterações de imagem. Aumento nos níveis de iPTH está associado com aumento na EIM. Diabete e tempo de diálise aumentam de forma substancial o risco de calcificação arterial.

Diálise renal; doenças vasculares; calcinose; ultrassonografia


FUNDAMENTO: Pacientes en hemodiálisis (HD) presentan riesgo aumentado de muerte cardiovascular. El espesor íntima-media (EIM) y la presencia de calcificaciones arteriales son factores de riesgo bien conocidos de muerte cardiovascular en pacientes en HD. OBJETIVO:Evaluar la prevalencia de EIM y calcificaciones en pacientes en HD y correlacionar hallazgos de imagen con datos clínicos y de laboratorio. MÉTODOS:Estudio transversal de 75 pacientes en HD por >12 meses. Los pacientes fueron sometidos a ultrasonografia (US) modo-B para determinación de la EIM del tercio distal de las arterias carótidas comunes. Las calcificaciones arteriales fueron evaluadas por US de arterias carótidas, femorales y tibiales y consideradas positivas si fuesen encontradas calcificaciones en cualquier sitio arterial. RESULTADOS:Los pacientes tenían 52±13 años, 57% eran del sexo masculino y 16% eran diabéticos. EIM > 0,9mm fue encontrada en 57% de los casos y calcificaciones arteriales en la US en 48%. Envejecimiento (décadas) y tabaquismo estaban asociados a aumento de la EIM (odds ratio ajustado [aOR] = 3,4, p < 0,001; aOR = 4,4, p = 0,045, respectivamente) y presencia de calcificaciones vasculares (aOR = 3,0, p < 0,001; aOR = 6,8, p = 0,011, respectivamente). Altos niveles de hormona paratiroidea intacta (iPTH) (por 100 pg/ml) estaban asociados de forma significativa a aumento en la EIM (aOR = 1,7, p = 0,021), pero no a calcificación vascular. En contraste, diabetes y tiempo de diálisis (años) fueron determinantes significativos para calcificaciones en la US (aOR = 15,0, p = 0,009; aOR = 1,39, p = 0,020), pero no para el aumento de la EIM. CONCLUSIÓN:EIM aumentada y calcificaciones en la US son hallazgos comunes en pacientes en HD. Envejecimiento y tabaquismo son determinantes consistentes para ambas alteraciones de imagen. Aumento en los niveles de iPTH está asociado a aumento en la EIM. Diabetes y tiempo de diálisis aumentan de forma sustancial el riesgo de calcificación arterial.

Diálisis renal; enfermedades vasculares; calcinosis; ultrasonografía


BACKGROUND: Patients on hemodialysis present an increased risk of cardiovascular death. Intimal media thickness (IMT) and presence of arterial calcifications are well-known risk factors for cardiovascular death in hemodialysis patients. OBJECTIVE: To assess the prevalence of IMT and arterial calcifications in HD patients and to correlate image findings with clinical and laboratory data. METHODS: Cross-sectional study involving 75 patients on dialysis for >12 months. Patients underwent B-mode ultrasound scan (US) for determination of IMT of the distal third of the common carotid arteries. Arterial calcifications were assessed by US of carotids, femoral and tibial arteries, and labeled positive if calcification was found in any arterial site. RESULTS: Patients were 52±13 years old, 57% were males and 16% were diabetics. IMT > 0.9 mm was found in 57% of cases and arterial calcifications at US in 48%. Aging (decades) and smoking were associated with both increased IMT (adjusted odds ratio [aOR] = 3.4, p < 0.001; aOR = 4.4, p = 0.045, respectively) and presence of vascular calcifications (aOR = 3.0, p < 0.001; aOR = 6.8, p = 0.011, respectively). High intact parathyroid hormone levels (per each 100 pg/ml) were significantly associated with increased IMT (aOR = 1.7, p = 0.021), but not with vascular calcification. In contrast, Diabetes and time on dialysis (years) were significant determinants for calcifications at US (aOR = 15.0, p = 0.009; aOR = 1.39, p = 0.020), but not for increased IMT. CONCLUSION: Increased IMT and calcifications at US are common findings in hemodialysis patients. Aging and smoking are consistent determinants for both image alterations. Parathyroid hormone elevation is associated with increased IMT. Diabetes and time on dialysis substantially increase the risk for arterial calcification.

Hemodialysis; vascular diseases; calcinosis; Doppler ultrasonography


Prevalência e correlatos de doença vascular no exame de ultrassom em pacientes em hemodiálise

Sebastião Baptista MiguelI, II; Jair Baptista MiguelI, II; Luis Guillermo VelardeIII; Elisa de Albuquerque SampaioII; Jorge Paulo Strogoff de MatosII; Jocemir Ronaldo LugonII

IClinefron Clínica de Doenças Renais, Niterói, RJ - Brasil

IISanto Antonio de Pádua, RJ, Divisão de Nefrologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ - Brasil

IIINiterói, RJ, Departamento de Estatística, Instituto de Matemática e Estatística, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ - Brasil

Correspondência Correspondência: Jocemir Ronaldo Lugon Rua Haddock Lobo 369/309 - Tijuca 20260-131 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil E-mail: jocerl@huap.uff.br

RESUMO

FUNDAMENTO: Pacientes em hemodiálise (HD) apresentam risco aumentado de morte cardiovascular. A espessura íntima-média (EIM) e a presença de calcificações arteriais são fatores de risco bem conhecidos para morte cardiovascular em pacientes em HD.

OBJETIVO: Avaliar a prevalência de EIM e calcificações em pacientes em HD e correlacionar achados de imagem com dados clínicos e laboratoriais.

MÉTODOS: Estudo transversal de 75 pacientes em HD por > 12 meses. Os pacientes foram submetidos à ultrassonografia (US) modo-B para determinação da EIM do terço distal das artérias carótidas comuns. As calcificações arteriais foram avaliadas por US de artérias carótidas, femorais e tibiais e consideradas positivas se calcificações fossem encontradas em qualquer sítio arterial.

RESULTADOS: Os pacientes tinham 52 ± 13 anos, 57% eram do sexo masculino e 16% eram diabéticos. EIM > 0,9 mm foi encontrada em 57% dos cases e calcificações arteriais na US em 48%. Envelhecimento (décadas) e tabagismo estavam associados com aumento da EIM (odds ratio ajustado [aOR] = 3,4, p < 0,001; aOR = 4,4, p = 0,045, respectivamente) e presença de calcificações vasculares (aOR = 3,0, p < 0,001; aOR = 6,8, p = 0,011, respectivamente). Altos níveis de hormônio paratireoidiano intacto (iPTH) (por 100 pg/ml) estavam associados de forma significante com aumento na EIM (aOR = 1,7, p = 0,021), mas não com calcificação vascular. Em contraste, diabete e tempo de diálise (anos) foram determinantes significantes para calcificações na US (aOR = 15,0, p = 0,009; aOR = 1,39, p = 0,020), mas não para o aumento da EIM.

CONCLUSÃO: EIM aumentada e calcificações à US são achados comuns em pacientes em HD. Envelhecimento e tabagismo são determinantes consistentes para ambas as alterações de imagem. Aumento nos níveis de iPTH está associado com aumento na EIM. Diabete e tempo de diálise aumentam de forma substancial o risco de calcificação arterial.

Palavras-chave: Diálise renal, doenças vasculares, calcinose, ultrassonografia.

Introdução

Pacientes com doença renal crônica terminal (DRCT) apresentam alta taxa de mortalidade, principalmente relacionada à doença cardiovascular (DCV)1. O desenvolvimento de estratégias não-invasivas para detecção precoce de doença vascular pode fornecer oportunidade para uma abordagem precoce de pacientes. A ultrassonografia (US) modo B, que tem o potencial de detecção de estágios iniciais de doença vascular, pode ser usada para medir a espessura íntima-média (EIM), considerada um marcador de aterosclerose e para detecção de calcificações arteriais2, que tem demonstrado uma associação com menor taxa de sobrevida em diálise3,4. Atualmente, outros métodos diagnósticos estão disponíveis para identificação de calcificações arteriais no ambiente clínico, incluindo raios-x, ecocardiografia e tomografia computadorizada por feixe de elétrons5-7. Entretanto a US modo B é uma técnica de baixo custo e de fácil execução.

Os objetivos do presente estudo foram avaliar a prevalência do aumento da EIM e presença de calcificações utilizando a US modo B e correlacionar os achados com os dados clínicos e laboratoriais.

Métodos

Este é um estudo transversal, unicêntrico, no qual pacientes de um único centro de diálise, com idade entre 18 e 75 anos, que estavam sendo submetidos à diálise por pelo menos 12 meses foram convidados a participar do estudo. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética local e todos os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Informado. A avaliação foi realizada entre Março de 2006 e Setembro de 2007.

Estudos de imagem

A US modo B foi realizada sempre pelo mesmo médico com experiência na área, utilizando aparelhos de US de modo B de alta resolução com transdutor de 7,5 MHz (Medison 8000 e Esaote Caris Plus). As medidas da EIM forma realizadas no terço distal das artérias carótidas comuns, como sugerido anteriormente2. Casos com qualquer valor >0,9mm, um valor de corte anteriormente associado com aumento da incidência de eventos cardiovasculares em uma população não submetida à diálise8,9, foram considerados positivos. Na avaliação ultrassonográfica de calcificações vasculares, uma parede vascular altamente ecogênica ou estrutura intraluminal produzindo ecos brilhantes com sombreamento foram considerados calcificações10. Os locais investigados foram: o terço distal das artérias carótidas comuns; carótida e terço proximal dos ramos interno e externo; toda a extensão das artérias femorais comuns; terço proximal das artérias femorais profundas e superficiais; e metade distal das artérias tibiais posteriores10. Se uma calcificação fosse encontrada em qualquer sítio arterial, o caso era considerado positivo11.

Dados demográficos, clínicos e laboratoriais

Dados demográficos e clínicos foram obtidos através de exame de prontuários. Hipertensão foi definida como pressão arterial sistólica (PAS) pré-diálise atual > 140 mmHg e/ou pressão arterial diastólica (PAD) > 90 mmHg e/ou uso de medicamentos anti-hipertensivos. Os pacientes foram classificados como diabéticos se apresentassem diabete anteriormente à terapia de substituição renal (TSR). Níveis de hemoglobina, creatinina e Kt/V equilibrado (eKt/V) representam a média das três últimas determinações antes da avaliação. Para melhor estimar o impacto dos distúrbios de metabolismo mineral em nossos achados, a exposição cumulativa foi avaliada através do cálculo da média de todos os valores séricos de cálcio, fósforo e hormônio paratireoidiano intacto (i-PTH) durante um período de 36 meses exatamente antes da avaliação, ou desde o início da diálise para pacientes em TSR por menos de 3 anos. Os níveis séricos de cálcio e fósforo foram medidos mensalmente e os níveis de i-PTH a cada seis meses. Análises de sangue de rotina foram realizadas no mesmo laboratório. Um ensaio imunoturbidimétrico ultra-sensível para proteína C-reativa (PCR) foi realizado especificamente para o estudo e os valores mostrados correspondem à uma única determinação, feita quando da inclusão no presente estudo.

Análise estatística

Variáveis contínuas são apresentadas como médias ± DP ou mediana e variação, como apropriado. Variáveis categóricas são mostradas como frequências. Diferenças entre as frequências foram analisadas pelo teste de Qui-quadrado. As associações entre as variáveis foram avaliadas por análise de regressão logística com procedimento backward, na qual todas as variáveis potencialmente relevantes eram incluídas na primeira fase. Somente variáveis que apresentavam valores de p < 0,10 foram mantidas na fase seguinte. Em caso de colinearidade significante entre duas variáveis, somente a mais relevante persistia na fase seguinte. As decisões sobre quais variáveis a serem excluídas da análise em cada fase foram realizadas pelo software. Valores de p < 0,05 foram considerados significantes. O software SPSS, versão 17.0 foi utilizado na análise estatística.

Resultados

De 128 pacientes em hemodiálise, 75 foram incluídos no presente estudo. As principais razões para exclusão foram: tempo de diálise < 1 ano (18 pacientes); idade > 75 anos (14 pacientes); e recusa em participar do estudo (12 pacientes). Os pacientes incluídos no estudo tinham 52 ± 13 anos, 43 (57%) eram do sexo masculino, estavam há 59 ± 34 meses em hemodiálise (HD) e 12 (16%) eram diabéticos. As características demográficas e clínicas dos pacientes são mostradas na Tabela 1. Os pacientes apresentavam uma ampla variação de idade (Figura 1) e tempo de diálise. Quarenta pacientes (53%) estavam sob HD por menos de 5 anos, 30 (40%) por 5 a 10 anos e 5 (7%) por mais de 10 anos. Os dados laboratoriais são mostrados na Tabela 2.


A US modo B foi realizada em todos os 75 pacientes. EIM aumentada estava presente em 43 (57%) e calcificações arteriais foram detectadas em 36 pacientes (48%), Tabela 3. Calcificações estavam presentes em mais de três artérias em 23 desses 36 pacientes e 33 deles também apresentavam aumento da EIM. Dez pacientes (22%) com aumento da EIM não apresentavam calcificações à US.

Em busca de determinantes dos achados de imagem, dois modelos de análise de regressão condicional com procedimento backward foram desenvolvidos utilizando em cada um deles EIM > 0,9 mm e calcificações à US como as variáveis dependentes. Os dados clínicos e laboratoriais foram utilizados como as variáveis independentes. Idade (odds ratio ajustado [aOR] = 3,36 por década, p < 0,001), tabagismo (aOR = 4,49, p = 0,046), e altos níveis de iPTH (1,67 por 100 pg/ml) estavam significantemente associados com EIM > 0,9 mm (Tabela 4). Idade (aOR= 2,96 por década, p < 0,001) e tabagismo (aOR = 6,77, p = 0,011) também estavam associados com calcificações à US (Tabela 5). Diabete (aOR = 1,67, p = 0,021) e tempo de diálise (aOR = 1,39, p = 0,020) estavam associados com risco significante para calcificações à US (aOR = 1,67, p = 0,021 e aOR = 1,39, p = 0,020, respectivamente), mas não com aumento da EIM. Níveis de fósforo, cálcio, produto Ca x P e iPTH não foram identificados como fatores de risco para calcificação vascular à US. Níveis de PCR não estavam associados com EIM > 0,9 mm ou calcificações à US.

Para melhor explicar a relação entre os níveis de iPTH e a EIM, um modelo adicional de análise de regressão multivariada foi utilizado, no qual os níveis de iPTH foram estratificados em três faixas categóricas: < 150 pg/ml, 150 - 300 pg/ml e > 300 pg/ml. Nessa análise, um risco elevado significante estava restrito à faixa mais alta (> 300 pg/ml), em comparação com a faixa média (aOR = 6,26 [1,05 - 37,50], p = 0,045).

Discussão

Sabe-se que pacientes com doença renal crônica terminal (DRCT) tem um risco elevado de doença cardiovascular (DCV), o que representa a maior causa de morte nessa população1. A doença arterial é generalizada e a presença de defeitos estruturais da carótida2,8, bem como doença vascular periférica2,12 estão fortemente correlacionadas com doença coronariana e mortalidade. O objetivo desse estudo foi avaliar doença vascular em pacientes com DRCT através do uso de estudos de imagem não-invasivos e correlacionar os achados com os dados clínicos e laboratoriais. O perfil de nossos pacientes é aproximadamente similar à população geral submetida à diálise no Brasil13.

A frequência de EIM > 0,9 mm, um conhecido marcador de aterosclerose, foi muito alta, afetando 43 (57%) dos pacientes. Embora vários estudos já tenham avaliado a questão da determinação da EIM em pacientes com DRCT14,15, não encontramos a incidência de EIM > 0,9 mm em uma amostra não-selecionada submetida à HD para comparação apropriada de prevalência. Deve ser enfatizado que a taxa de 57% foi obtida com um ponto de corte de 0,9 mm, que está associado com aumento da incidência de eventos cardiovasculares8, mas que é, de alguma forma, conservador. Em um estudo recente, por exemplo, foi demonstrado que os limites superiores (percentil 97,5) da EIM em uma população saudável com idade de 50 a 59 anos e 60 a 75 anos, eram 0,71 e 0,81 mm, respectivamente16.

Calcificações à US também foram achados comuns, afetando 36 (48%) dos pacientes, uma proporção comparável àquelas relatadas em estudos anteriores, as quais variavam de 50 a 64%17-19. Trinta e três de nossos 36 pacientes com calcificações também apresentavam aumento da EIM, enquanto 10 pacientes com aumento da EIM não apresentavam calcificações à US. Esses achados são consistentes com o presente cenário de que o aumento da EIM pode ser visto como um marcador pré-clínico da aterosclerose que precede a formação da placa2,20.

A fim de verificar determinantes potenciais de achados de imagem em nosso estudo, utilizamos dois modelos de análise de regressão logística, usando dados clínicos e laboratoriais selecionados como variáveis independentes contra cada um dos achados de imagem. A idade uniformemente influenciou os parâmetros de imagem de forma que cada década de idade estava associada com um aumento de aproximadamente 3 vezes a chance de haver um achado positivo nos parâmetros de imagem estudados. Esse achado é consistente com a extensa informação disponível na literatura, enfatizando o papel da idade no desenvolvimento da doença vascular16,21. Da mesma forma, o tabagismo influenciou ambos os parâmetros de imagem, com um aumento de 4 vezes a chance de EIM positiva e uma aumento de quase 7 vezes a chance de calcificação. Estudos avaliando o fumo como fator de risco para calcificação vascular em pacientes com DRCT são escassos, mas o hábito de fumar é um fator de risco tradicional para DCV, com o risco sendo fortemente dose-relacionado22. Os efeitos do tempo de diálise, bem como os da diabete, entretanto, somente foram vistos com a presença de calcificações. Um estudo recente mostrou que pacientes em HD tem aproximadamente um risco oito vezes aumentado de apresentar calcificação vascular, quando comparados com indivíduos na população geral23. Diabete é um fator de risco bem conhecido para calcificações vasculares24 e a ausência de sua influência na EIM aumentada permite especular se o ambiente urêmico pode prevalecer sobre distúrbios do metabolismo da glicose na fase inicial das anormalidades estruturais vasculares em pacientes com DRCT25. Entretanto, deve-se ter cautela em relação a essa questão, considerando que o tamanho da amostra pode ter contribuído para a falta de impacto desse fator sobre o aumento da EIM. Altos níveis de iPTH estavam associados com aumento da EIM. A fim de melhor esclarecer essa questão, utilizamos um modelo de regressão adicional usando estratificação dos níveis de iPTH. Associações significantes entre níveis de iPTH e aumento da EIM estavam restritas à comparação entre o grupo com níveis de iPTH > 300 pg/ml e o grupo com níveis de i-PTH entre 150 e 300 pg/ml.

É interessante notar que não encontramos uma correlação entre calcificações vasculares e distúrbios cumulativos do metabolismo mineral em nosso estudo. Entretanto, esse achado não pode ser visto como um argumento contra o papel relatado da sobrecarga de fosfato no desenvolvimento da calcificação vascular26,27, considerando que os níveis séricos de fosfato podem não ser um marcador preciso da carga oral de fosfato28. Além disso, não refuta a extensa literatura que coloca os distúrbios de metabolismo mineral como fatores de risco cruciais para a alta mortalidade cardiovascular de pacientes com DRCT29,30, considerando que a mortalidade não foi analisada no presente estudo.

É digno de nota o fato de que, em concordância com nossos achados, a ausência de correlação entre o produto Ca x P e a EIM já havia sido relatada15.

Nosso estudo apresenta limitações e os dados negativos devem ser interpretados com cuidado. A característica transversal do desenho e pequeno tamanho da amostra podem ter contribuído para a falta de significância de alguns dados estatísticos. Entretanto, os achados positivos reforçam o papel de alguns fatores de risco tradicionais como envelhecimento, tabagismo e diabete como determinantes de doença vascular na população com doença renal em estágio final (DREF). Eles também mostram que alguns fatores não-tradicionais como tempo de diálise e aumento nos níveis de iPTH podem ter impacto nas anormalidades vasculares em tais pacientes.

Conclusões

Ambos o aumento na espessura íntima-média (EIM) e calcificações na ultrassonografia são achados comuns em pacientes submetidos à diálise, mas o aumento na EIM foi mais frequente. Tabagismo foi um determinante consistente para ambos os achados de imagens. O maior impacto foi visto com o envelhecimento, de forma que cada década de idade estava associada com um aumento de 3 vezes a chance de haver um achado positivo em qualquer dos estudos de imagem.

Diabete e tempo de diálise substancialmente aumentaram o risco de calcificação arterial.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Sebastião Baptista Miguel pela Universidade Federal Fluminense.

Artigo recebido em 05/07/10; revisado recebido em 20/10/10; aceito em 30/11/10.

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  • Correspondência:

    Jocemir Ronaldo Lugon
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      05 Jul 2010
    • Aceito
      30 Nov 2010
    • Revisado
      20 Out 2010
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