Acessibilidade / Reportar erro

Auto-anticorpos anti-β2-glicoproteína I e síndrome metabólica

Resumos

FUNDAMENTO: A síndrome metabólica (SM) é uma entidade pró-aterogênica. Autoanticorpos tais como β2-glicoproteína I (β2-gpI) podem influenciar o aparecimento de ateromas. Estudos anteriores confirmaram uma associação entre anticorpos IgA anti-β2-gpI e isquemia cerebral, infarto do miocárdio, doença arterial periférica e doença da carótida. OBJETIVO: O objetivo desse estudo de caso-controle foi avaliar uma possível associação entre anticorpos anti-β2-gpI e anticardiolipina (aCL) com SM não-complicada. MÉTODOS: Pacientes com SM sem histórico de eventos vasculares e indivíduos-controle, consistindo em pacientes da Enfermaria de Ortopedia admitidos devido a doenças musculoesqueléticas foram incluídos no estudo. Idade, sexo, etnia, histórico de hipertensão, tabagismo, hipercolesterolemia e diabetes mellitus foram avaliados como fatores de risco em ambos os grupos. Anticorpos IgG, IgM, e IgA anti-β2-gpI e aCL foram detectados através de imunoensaios enzimáticos. RESULTADOS: Um total de 68 pacientes com SM e 82 controles foram estudados. Os pacientes com SM tinham média de idade superior à dos controles (P = 0,001), enquanto homens (P = 0,003; OR 0,31; IC95%: 0,15-0,16) e etnia caucasiana (P = 0,004; OR 0,25; IC95%:0,10-0,60) eram predominantes nos controles. Histórico de hipertensão, hipercolesterolemia e diabetes mellitus foi mais prevalente nos pacientes com SM do que nos controles (P < 0.05). A frequência de anticorpos aCL (todos os isotipos) e do IgG e IgM anti-β2 gpI não diferiu de forma significante nos pacientes com SM e controles. Anticorpos IgA anti-β2-gpI foram significantemente mais frequentes nos pacientes com SM (42,2%) do que nos controles (10,9%) (P < 0,001). O OR ajustado para anticorpos IgA anti-β2-gpI foi 3,60 (IC95%: 1,55-8,37; P = 0,003). CONCLUSÃO: O presente estudo mostra que níveis elevados de autoanticorpos IgA para β2-gpI podem estar independentemente associados com SM.

Autoanticorpos; síndrome metabólica; anticorpos anticardialipina; aterosclerose


BACKGROUND: The metabolic syndrome (MetS) is a proatherogenic entity. Autoantibodies to phospholipid cofactors such as beta2-glycoprotein I (beta2-gpI) can influence atheroma appearance. Previous studies confirmed an association of IgA anti-beta2-gpI antibodies with cerebral ischemia, myocardial infarction, peripheral artery disease and carotid disease. OBJECTIVE: This case-control study evaluates a possible association of anti-beta2-gpI and anticardiolipin (aCL) antibodies with non-complicated MetS. METHODS: Cases comprised patients with MetS without history of vascular events; controls included individuals from the Orthopedic Infirmary admitted due to musculoskeletal disorders. Age, sex, race, history of hypertension, smoking, hypercholesterolemia and diabetes mellitus were evaluated as risk factors in both groups. IgG, IgM, and IgA anti-beta2-gpI and aCL antibodies were detected by enzymatic immunoassay. RESULTS: Sixty-eight patients with MetS and 82 controls were studied. Patients with MetS showed mean age higher than controls (P = 0.001), while males (P = 0.003; OR 0.31; 95%CI 0.15-0.16) and Caucasian ethnicity (P = 0.004; OR 0.25; 95%CI 0.10-0.60) predominated in controls. History of hypertension, hypercholesterolemia and diabetes mellitus were more prevalent in cases than in controls (P < 0.05). The frequency of aCL antibodies (all isotypes) and of IgG and IgM anti-beta2 gpI did not significantly differ in cases and controls. IgA anti-beta2-gpI antibodies were significantly more frequent in MetS patients (42.2%) than controls (10.9%) (P < 0.001). The adjusted OR for IgA anti-beta2-gpI antibodies was 3.60 (95%CI 1.55-8.37; P = 0.003). CONCLUSION: The current study shows that elevated levels of IgA autoantibodies to β2-gpI might be independently associated to MetS.

Autoantibodies; metabolic syndrome; antibodies, anticardiolipin; atherosclerosis


FUNDAMENTO: El síndrome metabólico (SM) es una entidad pro-aterogénica. Autoanticuerpos tales como β2-glicoproteína I (β2-GPI) pueden influir en la aparición de ateromas. Estudios previos han confirmado una asociación entre anticuerpos IgA anti-β2-GPI y la isquemia cerebral, infarto de miocardio, enfermedad arterial periférica y enfermedad carotidea. OBJETIVO: El objetivo de este estudio de caso-control fue evaluar una posible asociación entre los anticuerpos anti-β2-GPI y anticardiolipina (aCL) con SM complicada. MÉTODOS: Se incluyeron en el estudio a los pacientes con SM sin antecedentes de eventos vasculares y los sujetos control, que consiste en pacientes de la Internación de Ortopedia ingresados debido a enfermedades musculoesqueléticas. Edad, sexo, origen étnico caucásico, antecedentes de hipertensión, tabaquismo, hipercolesterolemia y diabetes mellitus fueron evaluados como factores de riesgo en ambos grupos. Anticuerpos IgG, IgM, e IgA anti-β2-GPI y aCL se detectaron a través de inmunoensayos enzimáticos. RESULTADOS: Un total de 68 pacientes con SM y 82 controles se estudiaron. Los pacientes con SM tenían un promedio de edad superior de los controles (p = 0,001), mientras que los hombres (p = 0,003; OR 0,31; IC95%: 0,15-0,16) y origen étnico caucásica (p = 0,004; OR 0,25; IC95%:0,10-0,60) eran predominantes en los controles. Historia de hipertensión, hipercolesterolemia y diabetes mellitus fue más prevalente en los pacientes con SM que en los controles (p < 0,05). La frecuencia de anticuerpos aCL (todos los isotipos) y del IgG e IgM anti-β2 gpI no se distinguió de forma significante en los pacientes con SM y controles. Anticuerpos IgA anti-β2-gpI fueron significantemente más frecuentes en los pacientes con SM (42,2%) que en los controles (10,9%) (p < 0,001). El OR ajustado para anticuerpos IgA anti-β2-gpI fue 3,60 (IC95%: 1,55 a 8,37, p = 0,003). CONCLUSIÓN: El presente estudio muestra que los niveles elevados de autoanticuerpos IgA para β2-gpI pueden estar independientemente asociados con la SM.

Autoanticuerpos; síndrome metabólico; anticuerpos anticardialipina; aterosclerosis


Auto-anticorpos anti- β2-glicoproteína I e síndrome metabólica

Rodrigo B. Krás BorgesI; Luis Carlos BodaneseI; Carlos Alberto von MühlenI; Giuseppe RepettoI; Mario VieheI; Gary L. NormanII; Henrique L. StaubI

IReumatologia, Cardiologia e Endocrinologia - Departamento da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre - Brasil

IIINOVA Laboratory, San Diego - United States of America

Correspondência Correspondência: Henrique L. Staub Av. Ipiranga 6690/220 - Ipiranga 90610-000 - Porto Alegre, RS - Brasil E-mail: reumatopucrs@gmail.com, henriquestaub@terra.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: A síndrome metabólica (SM) é uma entidade pró-aterogênica. Autoanticorpos tais como β2-glicoproteína I (β2-gpI) podem influenciar o aparecimento de ateromas. Estudos anteriores confirmaram uma associação entre anticorpos IgA anti-β2-gpI e isquemia cerebral, infarto do miocárdio, doença arterial periférica e doença da carótida.

OBJETIVO: O objetivo desse estudo de caso-controle foi avaliar uma possível associação entre anticorpos anti-β2-gpI e anticardiolipina (aCL) com SM não-complicada.

MÉTODOS: Pacientes com SM sem histórico de eventos vasculares e indivíduos-controle, consistindo em pacientes da Enfermaria de Ortopedia admitidos devido a doenças musculoesqueléticas foram incluídos no estudo. Idade, sexo, etnia, histórico de hipertensão, tabagismo, hipercolesterolemia e diabetes mellitus foram avaliados como fatores de risco em ambos os grupos. Anticorpos IgG, IgM, e IgA anti-β2-gpI e aCL foram detectados através de imunoensaios enzimáticos.

RESULTADOS: Um total de 68 pacientes com SM e 82 controles foram estudados. Os pacientes com SM tinham média de idade superior à dos controles (P = 0,001), enquanto homens (P = 0,003; OR 0,31; IC95%: 0,15-0,16) e etnia caucasiana (P = 0,004; OR 0,25; IC95%:0,10-0,60) eram predominantes nos controles. Histórico de hipertensão, hipercolesterolemia e diabetes mellitus foi mais prevalente nos pacientes com SM do que nos controles (P < 0.05). A frequência de anticorpos aCL (todos os isotipos) e do IgG e IgM anti-β2 gpI não diferiu de forma significante nos pacientes com SM e controles. Anticorpos IgA anti-β2-gpI foram significantemente mais frequentes nos pacientes com SM (42,2%) do que nos controles (10,9%) (P < 0,001). O OR ajustado para anticorpos IgA anti-β2-gpI foi 3,60 (IC95%: 1,55-8,37; P = 0,003).

CONCLUSÃO: O presente estudo mostra que níveis elevados de autoanticorpos IgA para β2-gpI podem estar independentemente associados com SM.

Palavras-chave: Autoanticorpos, síndrome metabólica, anticorpos anticardialipina, aterosclerose.

Introdução

A síndrome metabólica (SM) é um grupo de anormalidades metabólicas, incluindo resistência à insulina, dislipidemia e hipertensão sistêmica, na qual a obesidade visceral é acentuada1. Inicialmente identificada há sessenta anos, a SM é atualmente um questão de grande interesse2. É bem aceito o fato de que a SM prediz diabetes mellitus (DM)3 e doenças cardiovasculares3-4.

Na SM, partículas de lipoproteínas de baixa densidade (LDL) apresentam tendência à oxidação5. Hiperglicemia persistente acelera a geração de produtos da glicação avançada, outro fator desencadeante de inflamação arterial6. O acúmulo de adipócitos, por sua vez, favorece a secreção do fator de necrose tumoral (TNF) e reduz os níveis de adiponectina, uma adipocina anti-aterogênica7.

A aterosclerose é atualmente considerada uma condição imunoinflamatória. A ativação endotelial, um evento primário na aterogênese, pode ser uma consequência de manifestações típicas da SM ou efeito do TNF. A célula endotelial ativada é caracterizada por baixa produção de trombomodulina e um fenótipo com tendência à hipercoagulabilidade8.

A auto-imunidade, particularmente anticorpos anticardiolipina ou cofatores fosfolípides tais como β2-glicoproteína I (β2-gpI), podem influenciar o desenvolvimento de ateroma9. Anticorpos anticardiolipina (aCL) são classicamente detectados na assim chamada síndrome antifosfolípide (SAF), uma diátese trombótica característica de jovens adultos10. O papel etiopatogênico dos anticorpos aCL na SM ainda é desconhecido.

A β2-gpI é um cofator fosfolípide com 50 kilodaltons e 5 domínios, o qual é um anticoagulante natural. Em pacientes com SAF, os efeitos inibitórios da β2-gpI nas vias de coagulação são aparentemente desreguladas por anticorpos antifosfolípides11. A β2-gpI é encontrada na placa aterosclerótica e pode ser imunogênica. A indução de aterosclerose em camundongos deficientes para receptor de LDL imunizados com β2-gpI tem sido relatada12. A administração oral de β2-gpI humana em camundongos previne a formação de ateroma13. Sabe-se que a β2-gpI liga-se a partículas de LDL oxidadas; o complexo pode ser internalizado somente por anticorpos que ocupam os receptores Fc na superfície dos macrófagos14.

Uma possível associação de autoanticorpos anti-β2-gpI com SM não-complicada ainda não foi avaliada. O objetivo do presente estudo é verificar a frequência de autoanticorpos aCL e anti-β2-gpI em pacientes com SM e também avaliar a possibilidade de que esses autoanticorpos estejam associados com a ocorrência de SM não-complicada.

Métodos

Pacientes

Esse estudo de caso-controle de casos incidentes incluiu pacientes com SM de nosso Ambulatório de Risco Cardiometabólico, não selecionados por sexo ou etnia. Os pacientes com SM incluídos nesse estudo não apresentavam histórico de eventos vasculares isquêmicos. O diagnóstico de SM foi baseado nos critérios clássicos do Programa Nacional de Educação em Colesterol (NCEP): circunferência abdominal > 102 para homens ou > 88 para mulheres; níveis séricos de triglicérides > 150 mg/dl; pressão arterial > 130/85 mmHg; glicemia de jejum > 110 mg/dl; pelo menos três dos critérios deveriam estar presentes para definir o diagnóstico15. Os critérios de exclusão foram os seguintes: 1) histórico de infarto agudo do miocárdio (IAM), derrame isquêmico ou oclusão arterial aguda dos membros inferiores; 2) endocardite infecciosa; 3) neoplasmas (atuais ou prévios); 4) infecção pelo vírus da imunodeficiência humana vírus ou treponema pallidum; 5) presença de causa hereditária conhecida de trombose, tal como homocistinúria ou mutação do fator V de Leiden; 5) SAF ou outro distúrbio de tecido conjuntivo (DTC)

O grupo controle consistiu em pacientes da Enfermaria de Ortopedia, admitidos devido a fraturas ou distúrbios musculares-ligamentosos, que não apresentavam diagnóstico prévio de SM. Os critérios de exclusão foram: 1) osteonecrose; 2) infecções e neoplasias atuais, doenças hereditárias, SAF, ou DTC; 3) histórico de IAM, derrame isquêmico ou oclusão arterial aguda dos membros inferiores.

Os dados clínicos e demográficos foram obtidos através de revisão de prontuários e entrevistas com os pacientes e suas famílias após obtenção do consentimento livre e informado, considerando-se as seguintes características: 1) idade, sexo, etnia; 2) histórico de pressão arterial elevada16; 3) tabagismo atual17; 4) DM, de acordo com histórico clínico ou tratamento atual com insulina e/ou medicamentos antidiabéticos18; 5) histórico de hipercolesterolemia19.

Amostras

As amostras de soro foram centrifugadas e congeladas em até 2 horas após a coleta e, subsequentemente, armazenadas a -70° C até os testes laboratoriais de ensaio imunoenzimático (ELISA) serem realizados. Anticorpos aCL IgG, IgM e IgA (INOVA Quantalite Cardiolipin kits, INOVA Diagnostics, Inc., San Diego, EUA)20 e anticorpos anti-β2-gpI (INOVA Quantalite β2-gpI kits, INOVA Diagnostics, Inc., San Diego, EUA)21 foram testados. Os ensaios foram avaliados por espectrofotometria, medindo e comparando a intensidade da cor nas amostras dos pacientes com a cor das amostras dos controles. Títulos moderados a altos de anticorpos aCL e anti-β2-gpI (> 20 unidades para todos os isotipos) foram considerados positivos20,21. Baixos títulos de aCL ou anti-β2-gpI (10-20 unidades) não foram considerados. O estudo foi aprovado pelo comitê de Ética local.

Análise de dados

Odds ratios (OR) com intervalos de confiança de 95% (IC95%) foram utilizados na análise univariada. Regressão logística com IC95% foi realizada para ajuste dos efeitos da idade, sexo, etnia e tabagismo atual. A escala de Hopkins para OR foi utilizada, onde um OR de 1-1,5 foi considerado trivial; entre 1,5-3,5, baixo; entre 3,5-9, moderado; entre 9-32, alto; e acima de 32, muito alto22. Os testes exato de Fisher e Qui-quadrado foram usados para comparar variáveis categóricas e o teste t de Student foi usado para a comparação de variáveis contínuas. O nível de significância de 5% foi estabelecido (P < 0,05). Todas as análises estatísticas foram realizadas com o software SPSS para Windows, versão 11.5, Chicago, IL.

Resultados

Um total de 68 pacientes no grupo SM e 82 controles foram incluídos no estudo. Os pacientes com SM tinham maior probabilidade de serem mais velhos, enquanto indivíduos do sexo masculino e caucasianos predominaram no grupo controle. Hipertensão, hipercolesterolemia e DM foram significantemente mais prevalentes no grupo com SM do que no grupo controle. Tabagismo foi mais prevalente no grupo controle. As características clínicas e demográficas dos casos e controles são mostradas na Tabela 1.

A Tabela 2 categoriza casos e controles de acordo com os perfis aCL e anti-β2-gpI. A frequência de anticorpos aCL (todos os isotipos) e anticorpos IgG e IgM anti-β2 gpI não foram significantemente diferentes nos casos e controles. Anticorpos IgA anti-β2-gpI foram significantemente mais frequentes nos pacientes com SM do que nos controles.

O OR para anticorpos aCL e anti-β2-gpI ajustados fatores de risco (idade, sexo, etnia e tabagismo atual) são mostrados na Tabela 3. Anticorpos IgA anti-β2-gpI, mas não outros, mostraram-se independentemente associados com SM.

Discussão

O presente estudo avalia, pela primeira vez, a frequência de anticorpos aCL e anti-β2-gpI em pacientes com SM. Os casos foram selecionados de uma clinica terciária especializada em risco cardiometabólico. Os pacientes com SM apresentavam uma média de idade mais alta, quando comparados aos controles, enquanto os indivíduos do sexo masculino e a etnia Caucasiana predominaram no grupo controle. Essas diferenças foram corrigidas através da regressão logística, de qualquer maneira. Os fatores de risco clássicos para aterosclerose foram avaliados em ambas as populações. Algumas variáveis (hipertensão, DM) são critérios para SM e previsivelmente, foram mais frequentes nos casos, quando comparados aos controles.

Os dados não-ajustados mostraram que apenas anticorpos IgA anti-β2-gpI diferiram nos dois grupos, sendo significantemente mais altos nos pacientes com SM. É interessante notar que o ponto de corte utilizado para os ensaios aCL e anti-β2-gpI seguiram as recomendações internacionais, com títulos somente moderados a altos (> 20 unidades) sendo considerados relevantes20,21. Os níveis de anticorpos aCL e anti-β2-gpI não foram estratificados, já que as implicações clínicas para níveis moderados a altos não diferem entre si10. De qualquer maneira, o ponto de corte dos anticorpos IgM e IgA anti-β2-gpI mostrou resultado positivo em aproximadamente 10% dos controles, o que provavelmente irá exigir ajustes no futuro.

Após o ajuste para sexo, idade, etnia e tabagismo, o OR (3,60) indicou uma associação independente entre os anticorpos IgA anti-β2-gpI e SM, com significância estatística convincente (P = 0,003).

Uma possível associação entre anticorpos IgG aCL com a SM (OR ajustado de 3,79) não pode ser confirmada (P = 0,273). Um eventual efeito protetor do anticorpo IgG anti-β2-gpI para SM (OR ajustado de 0,62) também não foi confirmado (P = 0,618). Enfatizamos que as variáveis hipertensão, hipercolesterolemia e DM não foram utilizadas para ajustes, pois são critérios diagnósticos da SM.

O significado da associação entre anticorpos IgA anti-β2-gpI e SM ainda é desconhecida para nós. Autoanticorpos IgA para β2-gpI, de acordo com estudos anteriores realizados por nosso grupo, associaram-se de forma independente com doença cerebral isquêmica23, infarto agudo do miocárdio24, doença arterial periférica sintomática25 e doença da carótida26.

Recentemente, uma associação relevante entre anticorpos IgA anti-β2-gpI e IgG anti-fosfatidilserina e derrame isquêmico foi relatada27. É interessante mencionar que anticorpos IgM anti-β2-gpI estavam ligados à distúrbios trombóticos em mulheres jovens sem doença autoimune, particularmente quando os fatores de risco clássicos ou SM estavam ausentes; o isotipo IgA não foi testado nesse estudo28. Esses dados sugerem que autoanticorpos IgM anti-β2-gpI podem comportar-se de forma diferente do isotipo IgA em relação à SM.

O teste para anticorpos aCL apresentou resultados negativos na maioria desses estudos23-28 e também em nossos pacientes com SM. Conjuntamente, esses achados não demonstram um papel relevante dos anticorpos aCL em pacientes com doença aterosclerótica ou SM.

A boa especificidade dos anticorpos anti-β2-gpI em pacientes com aterosclerose e SAF parece ser diferente29. Anticorpos anti-β2-gpI de pacientes com SAF tem como alvo o domínio 1 da molécula30. Recentemente, tem sido demonstrado que anticorpos IgA de pacientes com aterosclerose reconhecem especificamente o domínio 4 de β2-gpI31. Assim, um subgrupo distinto de anticorpos anti-β2-gpI em pacientes com doença aterosclerótica pode ser postulado.

Sabe-se que o complexo β2-gpI/LDL oxidado é internalizado para o macrófago via ocupação de receptores Fc para IgG14,32. Alternativamente, poderíamos considerar a hipótese de que anticorpos IgA anti-β2-gpI (que podem ligar-se ao complexo como um todo) também tem esse papel na superfície do macrófago. De fato, os receptores Fc para IgA são encontrados nas membranas dos macrófagos33. Esse complexo assim internalizado pode gerar células espumosas.

Nossos dados em pacientes com doença aterosclerótica estabelecida23-26 e SM parecem ser reprodutíveis em relação à frequência de autoanticorpos IgA anti-β2-gpI. Dados sobre a SM, não relatados anteriormente, sugerem que os autoanticorpos IgA anti-β2-gpI circulantes podem preceder um evento isquêmico.

A razão pela qual o isótopo IgA está envolvido nessa resposta imunológica ainda não está bem definida, mas infecção crônica pode ser postulada. É digno de nota o fato de que mimetismo molecular de produtos virais e bacterianos com β2-gpI tem sido relatado34.

Nosso estudo mostra limitações que devem ser mencionadas. O desenho de caso-controle com pequeno tamanho amostral e uma análise multivariada limitada não é capaz de definir a questão ou controlar todos os fatores de risco: é bastante exploratório e estudos maiores são necessários.

Em resumo, anticorpos IgA anti-β2-gpI foram mais frequentes em pacientes com SM do que nos controles. Essa associação ocorreu independentemente de outros fatores de risco para doença aterosclerótica. As implicações clínicas resultantes desses achados devem ser detalhadas no futuro.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Rodrigo B. Krás Borges pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Artigo recebido em 26/03/10; revisado recebido em 14/07/10; aceito em 17/09/10.

  • 1. Després JP, Lemieux I. Abdominal obesity and metabolic syndrome. Nature. 2006;444(7121):881-7.
  • 2. Kahn R, Buse J, Ferrannini E, Stern M. American Diabetes Association, European Association for the Study of Diabetes. The metabolic syndrome: time for a critical appraisal: joint statement from the American Diabetes Association and the European Association for the Study of Diabetes. Diabetes Care. 2005;28(9):2289-304.
  • 3. Juutilainen A, Lehto S, Ronnemaa T, Pyorala K, Laakso M. Proteinuria and metabolic syndrome as predictors of cardiovascular death in non-diabetic and type 2 diabetic men and women. Diabetologia. 2006;49(1):56-65.
  • 4. Lakka HM, Laaksonen DE, Lakka TA, Niskanen LK, Kumpusalo E, Tuomilehto J, et al. The metabolic syndrome and total and cardiovascular disease mortality in middle-aged men. JAMA. 2002;288(21):2709-16.
  • 5. Holvoet P, De Keyzer D, Jacobs DR. Oxidized LDL and the metabolic syndrome. Future Lipidol. 2008;3(6):637-49.
  • 6. Schmidt AM, Yan SD, Wautier JL, Stern D. Activation of receptor for advanced glycation end products: a mechanism for chronic vascular dysfunction in diabetic vasculopathy and atherosclerosis. Circ Res. 1999;84(5):489-97.
  • 7. Matsuzawa Y. The metabolic syndrome and adipocytokines. FEBS Lett. 2006;580(12):2917-21.
  • 8. Béchard D, Scherpereel A, Hammad H, Gentina T, Tsicopoulos A, Aumercier M, et al. Human endothelial-cell specific molecule-1 binds directly to the integrin CD11a/CD18 (LFA-1) and blocks binding to intercellular adhesion molecule-1. J Immunol. 2001;167 (6):3099-106.
  • 9. Wick G, Xu Q. Atherosclerosis: an autoimmune disease. Exp Gerontol. 1999;34(4):559-66.
  • 10. Miyakis S, Lockshin MD, Atsumi T, Branch DW, Brey RL, Cervera R, et al. International consensus statement on an update of the classification criteria for definite APS. J Thromb Haemost. 2006;4(2):295-306.
  • 11. Kandiah DA, Krilis SA. Beta 2-glycoprotein I. Lupus. 1994;3(4):207-12.
  • 12. George J, Afek A, Gilburd B, Blank M, Levy Y, Aron-Maor A, et al. Induction of early atherosclerosis in LDL-receptor-deficient mice immunized with beta2-glycoprotein I. Circulation. 1998;98(11):1108-15.
  • 13. Harats D, George J. Beta2-glycoprotein I and atherosclerosis. Curr Opin Lipidol. 2001;12(5):543-6.
  • 14. Kobayashi K, Kishi M, Atsumi T, Bertolaccini ML, Makino H, Sakairi N, et al. Circulating oxidized LDL forms complexes with beta2-glycoprotein I: implication as atherogenic autoantigen. J Lipid Res. 2003;44(4):716-26.
  • 15. Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults. Executive Summary of the Third Report of the National Cholesterol Education Program (NCEP) Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults (Adult Treatment Panel III). JAMA. 2001;285(19):2486-97.
  • 16. Chobanian AV, Bakris GL, Black HR, Cushman WC, Green LA, Izzo JL Jr, et al. The Seventh Report of the Joint National committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure: the JNC 7 report. JAMA. 2003;289(19):2560-72.
  • 17. Filozof C, Fernandez Pinilla MC, Fernández-Cruz A. Smoking cessation and weight gain. Obes Rev. 2004;5(2):95-103.
  • 18. Grundy SM, Cleeman JI, Daniels SR, Donato KA, Eckel RH, Franklin BA, et al. / American Heart Association; Natural Heart, Lung, and Blood Institute. Diagnosis and management of the metabolic syndrome. An American Heart Association/National Heart, Lung, and Blood Institute Scientific Statement. Executive summary. Cardiol Rev. 2005;13(6):322-7.
  • 19. Donahue RP, Abott RD, Reed DM, Yano K. Physical activity and coronary heart disease in middle-aged and elderly men: the Honolulu Heart Program. Am J Public Health. 1988;78(6):683-5.
  • 20. Gharavi AE, Harris EN, Asherson RA, Hughes GR. Anticardiolipin antibodies: isotype distribution and phospholipid specificity. Ann Rheum Dis. 1987;46(1):1-6.
  • 21. Lewis S, Keil LB, Binder WL, DeBari VA. Standardized measurement of major immunoglobulin class (IgG, IgA, IgM) antibodies to beta2-glicoprotein I in patients with antiphospholipid syndrome. J Clin Lab Anal. 1998;12(5):293-7.
  • 22. Hopkins WG. A new view of statistics. [Acessed on 2004 Apr 11]. Available from: http://sportsci.org/resource/stats/index.html
  • 23. Staub HL, Norman GL, Crowther T, da Cunha VR, Polanczyk A, Bohn JM, et al. Antibodies to the atherosclerotic plaque components beta2-glycoprotein I and heat shock proteins as risk factors for acute cerebral ischemia. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61(3B):757-63.
  • 24. Ranzolin A, Bohn JM, Norman GL, Manenti E, Bodanese LC, von Muhlen CA, et al. Anti-beta2-glycoprotein I antibodies as risk factors for acute myocardial infarction. Arq Bras Cardiol. 2004;83(2):141-4.
  • 25. Franck M, Staub HL, Petracco JB, Norman GL, Lassen AJ, Schiavo N, et al. Autoantibodies to the atheroma component beta2-glycoprotein I and risk of symptomatic peripheral artery disease. Angiology. 2007;58(3):295-302.
  • 26. Recuero ML, Silva JB, Norman GL, von Mühlen CA, Staub HL. IgA antibodies to beta2-glycoprotein I and carotid disease. Isr Med Assoc J. 2007;9(6):495-6.
  • 27. Kahles T, Humpich M, Steinmetz H, Sitzer M, Lindhoff-Last E. Phosphatidylserine IgG and beta-2-glycoprotein I IgA antibodies may be a risk factor for ischaemic stroke. Rheumatology (Oxford). 2005;44(9):1161-5.
  • 28. Salobir B, Sabovic M, Hojnik M, Cucnik S, Kveder T. Anti-beta 2-glycoprotein I antibodies of IgM class are linked to thrombotic disorders in young women without autoimmune disease. Immunobiology. 2007;212(3):193-9.
  • 29. Arvieux J, Regnault V, Hachulla E, Darnige L, Roussel B, Bensa JC. Heterogeneity and immunochemical properties of anti-beta2-gpI autoantibodies. Thromb Haemost. 1998;80(3):393-8.
  • 30. Iverson GM, Victoria EJ, Marquis DM. Anti-beta2 glycoprotein I (beta2GPI) autoantibodies recognize an epitope on the first domain of beta2GPI. Proc Natl Acad Sci USA. 1998;95(26):15542-6.
  • 31. Iverson GM, von Mühlen CA, Staub HL, Lassen AJ, Binder W, Norman GL. Patients with atherosclerotic syndrome, negative in anti-cardiolipin assays, make IgA autoantibodies that preferentially target domain 4 of beta(2)-GPI. J Autoimmun. 2006;27(4):266-71.
  • 32. Matsuura E, Kobayashi K, Koike T, Shoenfeld Y. Autoantibody-mediated atherosclerosis. Autoimmun Rev. 2002;1(6):348-53.
  • 33. Shen L. Receptors for IgA in phagocytic cells. Immunol Res. 1992;11(3-4):273-82.
  • 34. Blank M, Shoenfeld Y. Beta2-glycoprotein I, infections, antiphospholipid syndrome and therapeutic considerations. Clin Immunol. 2004;112(2):190-9.
  • Correspondência:
    Henrique L. Staub
    Av. Ipiranga 6690/220 - Ipiranga
    90610-000 - Porto Alegre, RS - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Aceito
      17 Set 2010
    • Revisado
      14 Jul 2010
    • Recebido
      26 Mar 2010
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br