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Prevalência e valor prognóstico da dissincronia ventricular na cardiomiopatia chagásica

Resumos

FUNDAMENTO: A cardiomiopatia chagásica é uma causa importante de insuficiência cardíaca na América Latina. A dissincronia ventricular pode ser um fator de descompensação no curso da doença, mas não há dados sobre sua prevalência e principais implicações prognósticas, ainda. OBJETIVO: Descrever a prevalência e valores prognósticos da dissincronia ventricular na cardiomiopatia chagásica. MÉTODOS: 56 pacientes com cardiomiopatia chagásica foram selecionados consecutivamente através de dois testes sorológicos positivos e uma fração de ejeção (FE) < 45% no ecocardiograma. O ecocardiograma avaliou a presença de dissincronia intraventricular utilizando três critérios e dissincronia interventricular utilizando 1 critério. Os pacientes foram seguidos por 21 ± 14 meses e os eventos cardíacos foram definidos como a combinação de morte e hospitalização. RESULTADOS: A média da idade da população era de 56 ± 10 anos, sendo 50% do sexo masculino. A FE média era de 30 ± 8% e 87% dos pacientes apresentavam classe funcional I/II (NYHA). A prevalência de dissincronia interventricular era de 34% (IC95%: 22%-48%) e a dissincronia intraventricular tinha uma prevalência de 85% (IC95%: 75%-93%). A prevalência de dissincronia intraventricular era similar em pacientes com duração do QRS < 0,12 s ou > 0,12 s (85% e 89%, respectivamente, p = 0,66). Vinte eventos foram registrados. A incidência de eventos combinados foi similar em pacientes com ou sem dissincronia intraventricular (35% versus 38%, p = 0,9) e aqueles com ou sem dissincronia interventricular (39% versus 34%, p = 0,73). CONCLUSÃO: Pacientes com cardiomiopatia chagásica apresentam alta prevalência de dissincronia intraventricular e moderada prevalência de dissincronia interventricular. A alta prevalência independe da largura do QRS. A dissincronia ventricular não tem qualquer valor prognóstico em pacientes com cardiomiopatia chagásica.

Cardiomiopatia chagásica; disfunção ventricular; prevalência; prognóstico


FUNDAMENTO: La miocardiopatía chagásica es una causa importante de insuficiencia cardíaca en América Latina. La disincronía ventricular puede ser un factor de descompensación en el curso de la enfermedad, pero todavía no hay datos sobre su prevalencia e implicaciones pronósticas importantes. OBJETIVO:Describir la prevalencia y valores pronósticos de la disincronía ventricular en la miocardiopatía chagásica. MÉTODOS:56 pacientes con cardiomiopatía chagásica se seleccionaron de forma consecutiva en dos pruebas serológicas positivas y una fracción de eyección (FE) < 45% en el ecocardiograma. El ecocardiograma evaluó la presencia de disincronía intraventricular usando tres criterios y disincronía interventricular con un criterio. Los pacientes fueron seguidos durante 21 ± 14 meses, y los eventos cardíacos se definen como la combinación de muerte y hospitalización. RESULTADOS:La media de edad de la población fue de 56 ± 10 años, y el 50% hombres era del sexo masculino. La fracción de eyección (FE) media fue de 30 ± 8% y el 87% de los pacientes tenía clase funcional I/II (NYHA). La prevalencia de disincronía interventricular fue del 34% (IC 95%: 22%-48%) y la disincronía intraventricular tenía una prevalencia del 85% (IC 95%: 75%-93%). La prevalencia de disincronía intraventricular era similar en pacientes con duración del QRS < 0,12 s ó > 0,12 s (85% y 89% respectivamente, p = 0,66). Veinte eventos se registraron. La incidencia de eventos combinados fue similar en pacientes con o sin la disincronía intraventricular (35% versus 38%, p = 0,9) y aquellos con o sin la disincronía interventricular (39% versus 34%, p = 0,73). CONCLUSIÓN:Pacientes con miocardiopatía chagásica tienen alta prevalencia de disincronía intraventricular y moderada prevalencia de disincronía interventricular. La alta prevalencia independiente de la anchura del QRS. La disincronía ventricular no tiene algún valor pronóstico en pacientes con miocardiopatía chagásica.

Disincronía; miocardiopatía chagásica; enfermedad de Chagas; pronóstico


BACKGROUND: Chagas cardiomyopathy is one important cause of heart failure in Latin America. Ventricular dyssynchrony may be a factor of decompensation in the course of this disease, but there are no data on its prevalence and its main prognostic implications yet. OBJECTIVE: Describe prevalence and prognostic value of ventricular dyssynchrony in Chagas cardiomyopathy. METHODS: 56 patients with Chagas cardiomyopathy were consecutively selected by two positive serologies and an ejection fraction < 45% in the echocardiogram. The echocardiogram evaluated the presence of intraventricular dyssynchrony using 3 criteria and interventricular dyssynchrony using 1 criterion. Patients were followed for 21 ± 14 months and cardiac events were defined as the combination of death and hospitalization. RESULTS: The average age of the population was 56 ± 10 years, 50% males. Mean ejection fraction was 30 ± 8% and 87% presented functional class I/II (NYHA). The prevalence of interventricular dyssynchrony was 34% (95% CI: 22%-48%) and intraventricular dyssynchrony had a prevalence of 85% (95% CI: 75%-93%). The prevalence of intraventricular dyssynchrony was similar among patients with QRS duration < 0.12 s or > 0.12 s (85% and 89%, respectively, p = 0.66). Twenty events were recorded. The incidence of combined events was similar in patients with or without intraventricular dyssynchrony (35% versus 38%, p = 0.9) and those with or without interventricular dyssynchrony (39% versus 34%, p = 0.73). CONCLUSION: Patients with Chagas cardiomyopathy have high intraventricular and moderate interventricular prevalence of dyssynchrony. The high prevalence is independent from the QRS width. The ventricular dyssynchrony does not have any prognostic value in patients with Chagas cardiomyopathy.

Chagas cardiomyopathy; ventricular dysfunction; prevalence; prognosis


Prevalência e valor prognóstico da dissincronia ventricular na cardiomiopatia chagásica

Jussara de Oliveira Pinheiro DuarteI, II; Luiz Pereira de MagalhãesII; Oto Oliveira SantanaII; Leandro Barros da SilvaI; Monique SimõesII; Darluce Oliveira de AzevedoII; Octávio Alencar Barbosa JúniorII; Alexsandro Alves FagundesII; Francisco José Farias Borges dos ReisII; Luis Cláudio Lemos CorreiaI

IEscola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador, BA - Brasil

IIHospital Universitário Professor Edgar Santos - UFBA, Salvador, BA - Brasil

Correspondência Correspondência: Luis Cláudio Lemos Correia Av. Princesa Leopoldina, 19/402 40150-080 - Salvador, BA - Brasil E-mail: lccorreia@terra.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: A cardiomiopatia chagásica é uma causa importante de insuficiência cardíaca na América Latina. A dissincronia ventricular pode ser um fator de descompensação no curso da doença, mas não há dados sobre sua prevalência e principais implicações prognósticas, ainda.

OBJETIVO: Descrever a prevalência e valores prognósticos da dissincronia ventricular na cardiomiopatia chagásica.

MÉTODOS: 56 pacientes com cardiomiopatia chagásica foram selecionados consecutivamente através de dois testes sorológicos positivos e uma fração de ejeção (FE) < 45% no ecocardiograma. O ecocardiograma avaliou a presença de dissincronia intraventricular utilizando três critérios e dissincronia interventricular utilizando 1 critério. Os pacientes foram seguidos por 21 ± 14 meses e os eventos cardíacos foram definidos como a combinação de morte e hospitalização.

RESULTADOS: A média da idade da população era de 56 ± 10 anos, sendo 50% do sexo masculino. A FE média era de 30 ± 8% e 87% dos pacientes apresentavam classe funcional I/II (NYHA). A prevalência de dissincronia interventricular era de 34% (IC95%: 22%-48%) e a dissincronia intraventricular tinha uma prevalência de 85% (IC95%: 75%-93%). A prevalência de dissincronia intraventricular era similar em pacientes com duração do QRS < 0,12 s ou > 0,12 s (85% e 89%, respectivamente, p = 0,66). Vinte eventos foram registrados. A incidência de eventos combinados foi similar em pacientes com ou sem dissincronia intraventricular (35% versus 38%, p = 0,9) e aqueles com ou sem dissincronia interventricular (39% versus 34%, p = 0,73).

CONCLUSÃO: Pacientes com cardiomiopatia chagásica apresentam alta prevalência de dissincronia intraventricular e moderada prevalência de dissincronia interventricular. A alta prevalência independe da largura do QRS. A dissincronia ventricular não tem qualquer valor prognóstico em pacientes com cardiomiopatia chagásica.

Palavras-chave: Cardiomiopatia chagásica, disfunção ventricular, prevalência, prognóstico.

Introdução

Atualmente, é estimado que 10 a 18 milhões de pessoas estejam infectadas com a Doença de Chagas (DC) na América Latina1. A mortalidade devido à cardiomiopatia chagásica está intimamente ligada ao grau de envolvimento miocárdico2. Além disso, o risco de morte não é o mesmo para todos os pacientes e muitos autores tem tentando identificar características clínicas que apontem os pacientes com maior risco. Recentemente, Rassi e cols.3 publicou um escore de risco com boa acurácia prognóstica, levando em consideração o sexo, a baixa voltagem no eletrocardiograma, cardiomegalia no raio X de tórax, taquicardia ventricular não-sustentada, classe funcional e fração de ejeção reduzida no ecocardiograma. Além da quantificação do grau de disfunção ventricular, o ecocardiograma recentemente emergiu como uma ferramenta para determinar a presença de dissincronia ventricular, a qual está relacionada à um pior prognóstico em cardiomiopatias devido à outras etiologias4-6. O valor prognóstico da dissincronia ventricular em pacientes com cardiomiopatia chagásica não é conhecido. Recentemente, um estudo controverso chamado "PROSPECT" descreveu o valor e a alta variabilidade inter-observador do ecocardiograma durante a análise da dissincronia, e isso é um tópico a ser analisado nesse estudo com pacientes chagásicos7. Dada a necessidade de novos marcadores de risco nessa doença que possam adicionar valor prognóstico ao escore de Rassi e a falta de dados sobre a prevalência de dissincronia ventricular nessa população, avaliamos a dissincronia por ecocardiograma em 56 indivíduos com cardiomiopatia chagásica, que foram acompanhados por 21 ± 14 meses.

Métodos

População do estudo

O estudo foi conduzido na Clínica de Cardiomiopatia da Universidade Federal da Bahia. A cardiomiopatia chagásica foi definida como dois testes sorológicos positivos para Doença de Chagas (imunofluorescência e hemaglutinação) e fração de ejeção (FE) < 45% no ecocardiograma. Novos pacientes com essas características foram consecutivamente selecionados de junho de 2005 a agosto de 2008. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética local. Todos os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Informado. Pacientes com condições cardíacas associadas (cardiopatia hipertensiva, valvar ou isquêmica) foram excluídos. Pacientes com fibrilação atrial ou extra-sístoles frequentes foram excluídos por que essas arritmias podem prejudicar a avaliação da dissincronia através do ecocardiograma.

Protocolo do estudo

Um sistema de ultrassom disponível comercialmente (Vingmed system FiVi/Seven, General Electric-Vingmed, Milwaukee, WI, EUA) foi utilizado. Imagens foram obtidas com um transdutor de 3,5 MHz, a uma profundidade de 16 cm nos cortes paraesternal e apical. Os parâmetros do Doppler tecidual foram medidos a partir de imagens coloridas de três batimentos cardíacos consecutivos através de análise off-line. O observador não estava ciente da condição clínica dos pacientes. A dissincronia intraventricular foi definida pelos seguintes critérios: 1) desvio-padrão (DP) do atraso entre o início da onda R no eletrocardiograma e o pico da velocidade da onda S medida nos 12 segmentos do ventrículo esquerdo > 33 ms8-10; 2) intervalo máximo (IM) medido entre quaisquer 2 segmentos > 100 ms11; 3) atraso entre os segmentos septo-basal e basal-lateral (SLD) > 60 ms12. Para dissincronia interventricular, o Doppler pulsado foi usado. Foi determinada como a diferença nos intervalos de tempo da onda Q até o início do fluxo na artéria pulmonar, comparada com o intervalo de tempo da onda Q até o início do fluxo aórtico, respectivamente. Um valor > 40 ms é considerado anormal13. A FE foi calculada através do método de Simpson modificado. Além disso, um registro de Holter de 24 horas foi realizado em todos os pacientes. O escore de Rassi foi calculado como previamente validado3. Resumidamente, esse escore leva em consideração o sexo, baixa voltagem no eletrocardiograma, cardiomegalia no raio-X de tórax, taquicardia ventricular não-sustentada, classe funcional III/IV e FE reduzida no ecocardiograma.

Os pacientes foram monitorados de forma regular, a cada 3 meses, através de consultas ambulatoriais e ligações telefônicas. Eventos clínicos tais como morte total, morte cardiovascular e hospitalização devido à insuficiência cardíaca ou arritmias foram registrados.

Análise estatística

A frequência relativa de dissincronia interventricular e intraventricular foi descrita com intervalo de confiança de 95%. A fim de identificar os preditores na análise univariada, dados clínicos, eletrocardiográficos e ecocardiográficos, incluindo critérios de dissincronia, foram comparados entre pacientes com e sem eventos. As variáveis categóricas foram comparadas através do Teste Qui-quadrado de Pearson e as variáveis numéricas pelo teste t de Student ou teste de Mann-Whitney; as variáveis associadas com eventos (p < 0,10) foram incluídas na análise de regressão logística para avaliar os preditores independentes. O escore de Rassi foi escolhido ao invés de preditores independentes. Com base em um estudo piloto de 28 indivíduos, onde havia uma prevalência de 70% de dissincronia, 56 indivíduos foram considerados suficientes, dado um erro de precisão de ± 12% e intervalo de confiança de 95%. Em relação ao valor prognóstico, com base no estudo de Rassi e cols., para definir os fatores prognósticos independentes na DC e em caso de eventos combinados, foi estimado um risco absoluto de 40%. Assim, 56 pacientes também foram considerados suficientes, dos quais 39 apresentavam dissincronia e 17 não apresentavam dissincronia. Para o grupo com dissincronia, esse risco chega a 60% e para o grupo sem dissincronia, esse risco seria de 20%. Um poder de 80% e um alfa igual a 5% foram dados ao estudo. Na análise de variabilidade intra-observador e inter-observador, o coeficiente de variabilidade (CV) foi calculado entre as medidas em relação aos critérios de dissincronia intraventricular e interventricular. Para essa análise, cerca de 10% da amostra foi utilizada, um total de 6 pacientes, com dois observadores avaliando os últimos seis pacientes do estudo. Um valor de p < 0,05 foi considerado significante. O software SPSS 14.0 para Windows (SPSS Inc, Chicago, II) foi utilizado na análise estatística.

Não havia relações financeiras ou pessoais entre os autores e outros indivíduos ou organizações que pudessem influenciar suas ações de forma inadequada.

Resultados

Características basais

Um grupo de 56 pacientes com cardiomiopatia chagásica foi estudado, com média de idade de 56 ± 10 anos (36 a 79 anos), sendo 50% do sexo masculino, 82% de ascendência africana. Eles haviam sido tratados de forma efetiva em relação à pressão arterial, frequência cardíaca, função renal e eletrólitos. Em geral, os pacientes estavam sendo submetidos à tratamento médico com inibidores de enzima conversora de angiotensina, beta-bloqueadores e bloqueadores de aldosterona, com 93% de uso regular de medicamentos e 87% apresentando classe funcional I/II. Essa boa classe funcional pode ser explicada pela clínica específica (Clínica de Cardiomiopatia), com diferentes profissionais da saúde e o uso regular dos medicamentos. Um número significante de pacientes era portador de marca-passo (25%), 23% apresentava bloqueio de ramo direito e 14% apresentava bloqueio de ramo esquerdo. O grau de disfunção ventricular esquerda era grave, medido pela fração de ejeção do ventrículo esquerdo de 30 ± 8%. As cavidades apresentavam-se dilatadas, com uma média de diâmetro diastólico ventricular esquerdo de 66 ± 8 mm. Distúrbios segmentares de contratilidade ventricular eram muito comuns nessa população (73%) e o segmento mais comumente afetado era o segmento posterior (56%). Essas características são mostradas na Tabela 1.

Prevalência de dissincronia

Quando quaisquer dos três critérios eram considerados, uma prevalência significante de 85% (IC95%: 75% - 93%) de dissincronia intraventricular era observada. Com base no desvio padrão de 12 segmentos isoladamente, havia uma prevalência de 75% (IC95%: 62% - 86%), o critério de intervalo máximo estava presente em 79% (IC95%: 65% - 88%) e o atraso septo-lateral, em menor proporção, 48% (IC95%: 35% - 62%). A prevalência de dissincronia interventricular era 34% (IC95%: 22% -48%) - Tabela 2. A dissincronia intraventricular permaneceu alta independente da largura do QRS. Estava presente em 89% (IC95%: 74% - 97%) dos pacientes com QRS > 0,12 s e em 84% (IC95%: 62% - 96%) dos pacientes com QRS < 0,12 s (p = 0,66) - Tabela 3. Quando os três critérios eram analisados separadamente, nenhuma diferença significante foi observada em relação à porcentagem, considerando a largura do QRS nos dois grupos - desvio-padrão - 81% vs 70% (p = 0,31), intervalo máximo - 81% vs 75% (p = 0,85) e atraso septo-lateral - 47% vs 50% (p = 0,78). A dissincronia interventricular era similar entre os subgrupos de QRS < ou > 0,12 s (15% vs 44%, p = 0,30). A Tabela 3 mostra a média dos 4 critérios e valores de p. Quando a porcentagem foi comparada, não houve diferença. Mas quando as médias foram comparadas, o valor foi significante no critério do desvio-padrão (p = 0,03) e quase significante no critério da diferença VE-VD (p = 0,052).

No momento da avaliação da dissincronia, todos os pacientes com marca-passo apresentavam estimulação ventricular, com o eletrodo ventricular no ápice do VD. Em relação à pacientes portadores de marca-passo, a dissincronia intraventricular não apresentou diferença quando as porcentagens e as médias foram comparadas (p = 0,09). Entretanto, em relação à dissincronia interventricular, houve diferença quando as porcentagens (57% vs 24%, p = 0,04), e as médias (26 ± 22 ms vs 48 ± 33 ms, p = 0,007) foram comparadas. Quando os pacientes sem marca-passo (n = 42) foram analisados, a prevalência de dissincronia intraventricular foi de 90% e a de dissincronia interventricular foi 24%, o que pode explicar esses resultados.

Outra observação é que os distúrbios segmentares de contratilidade ventricular foram significantemente mais prevalentes em pacientes com dissincronia intraventricular quando comparados com o grupo sem dissincronia (81% versus 57%, p = 0,01). Os distúrbios segmentares de contratilidade ventricular foram um preditor de dissincronia intraventricular (análise multivariada, p=0,01).

Valor prognóstico da dissincronia

Durante um período de seguimento de 21 ± 14 meses, 20 eventos foram registrados (11 mortes e 9 hospitalizações). A incidência de eventos combinados entre pacientes com e sem dissincronia intraventricular era similar (35% vs 38%, p = 0,9). Quando somente mortes foram consideradas, a incidência foi de 19% e 25%, respectivamente (p = 0,68). Na análise de presença ou ausência de dissincronia interventricular, a incidência de eventos foi de 39% e 34%, respectivamente (p = 0,73). Quando somente mortes foram consideradas, a incidência era de 28% comparada com 16% em pacientes sem dissincronia (p = 0,29).

Na análise univariada, as seguintes variáveis eram prevalentes em indivíduos com eventos quando comparados àqueles livres de eventos: classe funcional III / IV (30% vs 6%, p = 0,02), índice cardiotorácico > 50% (70% vs 36%, p = 0,02). A média do escore de Rassi era mais alta em pacientes com eventos (8) quando comparada com os pacientes remanescentes (6, p = 0,01) e a FE era mais baixa em pacientes com eventos (27% ± 7% vs 32% ± 8%, p = 0,02). Quando examinamos os quatro critérios para dissincronia, o atraso septo-lateral e a diferença VD-VE mostraram um valor de p = 0,10 (Tabela 4).

A análise multivariada por regressão logística mostrou que o escore de Rassi foi o único preditor de eventos combinados (odds ratio - OR-1.19; IC95%: 1,02 a 1,40, p=0,01). As variáveis de dissincronia - atraso septo-lateral (intraventricular) e diferença VD-VE (interventricular) não foram significantes- atraso septo-lateral - OR = 0,98 (IC95%: 0,97-1.00) e diferença VE-VD -1,01 (IC95%: 0,98-1,04) - Tabela 5.

Variabilidade inter-observador e intra-observador

Para as variáveis desvio-padrão e intervalo máximo, havia uma baixa variabilidade intra-observador (9 e 10%, respectivamente) e uma moderada variabilidade inter-observador (23 e 18%, respectivamente). Em relação ao atraso septo-lateral e a diferença VE-VD, ambas as variabilidades intra-observador e inter-observador eram moderadas a altas (23 a 64%). A variabilidade intra-observador (9 a 27%) era muito mais baixa quando comparada à variabilidade inter-observador (18 a 64%) em qualquer uma das quatro variáveis.

Discussão

Esse é o primeiro estudo a avaliar a prevalência de dissincronia ventricular e suas implicações clínicas em indivíduos com cardiomiopatia chagásica. Primeiramente, observamos que a dissincronia é uma condição altamente prevalente; segundo, a presença de dissincronia pode não afetar o prognóstico de indivíduos com cardiomiopatia chagásica.

A prevalência de 85% de dissincronia intraventricular deve ser considerada significantemente alta, especialmente quando comparada com outras etiologias, tais como cardiomiopatia isquêmica e dilatada, com uma prevalência relatada de 58% em pacientes com bloqueio do ramo esquerdo e 42% em pacientes com bloqueio do ramo direito associado com bloqueio divisional14. Possíveis explicações para essa prevalência mais alta em pacientes chagásicos seriam as alterações segmentares secundárias à áreas de fibrose associadas com o processo inflamatório crônico e difuso, que é persistente e inerente à essa doença15,16. Em relação à dissincronia interventricular, nossos achados foram similares àqueles relatados em outras etiologias17. Nessa população, nenhuma diferença significante foi observada em relação à prevalência baseada na largura do QRS, apenas em alguns valores de médias de critérios de dissincronia intraventricular. Em relação ao critério interventricular, essa diferença era mais evidente, mas sem atingir significância estatística, apenas em pacientes com marca-passo. Na literatura, a prevalência de dissincronia intraventricular e interventricular tem relação com a largura do QRS em outras etiologias17.

O grau de fibrose em pacientes com Doença de Chagas (DC) contradiz os benefícios da ressincronização, como o relatado para cardiomiopatias isquêmicas com áreas de cicatrizes transmurais18,19. O critério septo-lateral nessa população era menos prevalente, mas não havia relação com a área de fibrose. Essa medida é feita na área anterior, uma área que não é normalmente afetada pela DC. Por outro lado, todos os outros critérios foram altamente prevalentes e poderiam ser um fator em favor da terapia, já bem estabelecida em grandes estudos clínicos em outras etiologias (CARE-HF e COMPANION)20-23 e em pequenos estudos na população chagásica. Silva e cols.24 descreveram uma população de 29 pacientes, metade dos quais chagásicos, que receberam terapia de ressincronização e evoluíram com melhora clínica e da fração de ejeção (FE). Esses indivíduos podem se beneficiar com a terapia, mas isso não pode ser declarado nesse momento e um novo estudo clínico é necessário para definir essa questão.

Dados anteriores relataram uma relação entre a dissincronia e um pior prognóstico em outras cardiomiopatias. Cho e cols.6 avaliaram a dissincronia em 106 pacientes com insuficiência cardíaca e verificaram que a dissincronia era um forte preditor de eventos clínicos graves. De forma similar, Bader e cols.4, ao descreverem um grupo de 104 pacientes, mostraram que a presença de dissincronia intraventricular é um fator determinante de eventos cardíacos adversos, independentemente da FE e do QRS. Em oposição, no presente estudo, a dissincronia não mostrou ser um marcador em pacientes com cardiomiopatia chagásica. Possíveis explicações podem ser a alta prevalência, com quase todos apresentando dissincronia, e provavelmente a esperada variabilidade do método usado para avaliar a dissincronia. Ao analisar a exatidão das medidas de dissincronia, podemos observar uma variabilidade intra-observador mais baixa quando comparada à variabilidade inter-observador. Essas medidas refletem, de certa forma, a alta variabilidade desses valores, já bem estabelecidos na literatura7-25. A recente publicação do estudo PROSPECT mostrou um baixo valor preditivo do ecocardiograma em relação à dissincronia. Esse estudo corrente mostrou um resultado bastante similar em relação à variabilidade, considerando a mesma variável. Além disso, pode explicar o resultado negativo em relação ao prognóstico. Uma sugestão é que os critérios de ecocardiograma na cardiomiopatia chagásica poderiam ser diferentes dos critérios utilizados em outras cardiomiopatias. Isso pode ser observado quando da avaliação dos altos valores de médias em pacientes com doença de Chagas e QRS < 0,12 s.

Optou-se por incluir pacientes com marca-passo por que eles são muito comuns na prática clínica e refletem uma importante porcentagem de pacientes com DC. Quando os pacientes sem marca-passo foram analisados, a prevalência de dissincronia intraventricular permaneceu alta. A maior limitação desse estudo poderia ser a variabilidade do método de avaliação da dissincronia. O número de pacientes pode ser uma questão, mas os números de eventos clínicos são altos. Ao final do estudo, foi observado que apenas 8 pacientes não apresentavam dissincronia, o que levou à um poder estatístico menor do que o anteriormente calculado. Além disso, ele reflete um grupo selecionado de pacientes Chagásicos com a forma avançada da doença, com fortes marcadores prognósticos, não refletindo a população chagásica como um todo. Entretanto, esses resultados podem ter implicações terapêuticas, como mencionado anteriormente.

Conclusão

Em conclusão, os pacientes com cardiomiopatia chagásica apresentam alta prevalência de dissincronia intraventricular e moderada prevalência interventricular. A alta prevalência independe da largura do QRS e continua alta no subgrupo sem marca-passo.

Nesse grupo de pacientes selecionados com cardiomiopatia chagásica, não observamos o valor prognóstico da dissincronia ventricular. Estudos mais amplos são necessários para melhor investigar essa questão.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Jussara de Oliveira Pinheiro Duarte pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública - Fundação Bahiana para o Desenvolvimento da Ciência.

Artigo recebido em 01/05/10; revisado recebido em 02/09/10; aceito em 21/09/10.

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  • Correspondência:
    Luis Cláudio Lemos Correia
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      01 Maio 2010
    • Aceito
      21 Set 2010
    • Revisado
      02 Set 2010
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