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Acidente vascular cerebral por cardiomiopatia chagásica ou não compactação

CARTA AO EDITOR

Acidente vascular cerebral por cardiomiopatia chagásica ou não compactação

Josef Finsterer; Claudia Stöllberger

Krankenanstalt Rudolfstiftung, 2nd, Medical Department, Vienna, Austria, Europe

Correspondência Correspondência: Josef Finsterer Postfach 20 - Vienna 1180 - Austria - Europe E-mail: fifigs1@yahoo.de

Palavras-chave: Acidente cerebral vascular, cardiomiopatia chagásica, disfunção ventricular esquerda, isquemia encefálica

Lemos com interesse o artigo de Mello e cols1. sobre um paciente do sexo masculino com Doença de Chagas (DC) no qual hipertrabeculação/não compactação do ventrículo esquerdo (HTVE/NCVE) foi identificada1. Temos as seguintes considerações a fazer:

A confirmação de acidente vascular cerebral (AVC) através da tomografia computadorizada (TC) é insuficiente. A avaliação por ressonância magnética (RM) teria sido mais útil para a classificação da lesão. Como foi excluída a possibilidade de lesão stroke-like? Há alguma informação sobre a vasculatura cerebral ou extra-cerebral do ultra-som de carótida ou angio-RM disponíveis? Foram excluídas as causas de AVC, com exceção do flutter atrial ou HTVE? O paciente tinha diabete, hipertensão arterial, AVC ou infarto do miocárdio prévios ou hiperlipidemia? A DC em si pode causar AVC, particularmente na circulação anterior e reaparecer em 20% dos casos. Isso foi considerado como uma causa? O flutter atrial reapareceu após a ablação? Anticoagulação oral foi necessária após a ablação? A insuficiência mitral regrediu durante o seguimento?

A meningoencefalite pode ser uma manifestação na fase aguda da DC e neurite, distúrbios sensoriais, demência, estado de confusão mental ou encefalopatia são manifestações do estágio crônico. O paciente foi submetido à investigação do líquido cefalorraquidiano? Houve outras manifestações da DC?

Os autores consideram a HTVE como congênita, uma conclusão que é plausível, mas não confirmada de modo convincente. A HTVE adquirida, que tem sido relatada ocasionalmente, também foi considerada? As avaliações ecocardiográficas anteriores foram revisadas? Particularmente, a ligação entre Chagas e HTVE deveria ser discutida. Havia miocardite, que tem sido relatada ocasionalmente juntamente com HTVE? Considerando que a DC pode cursar com miocardite, não é inconcebível que a HTVE se desenvolveu devido à desagregação do miocárdio e subsequente desgaste do tecido pela pressão do sangue circundante?

Distúrbios genéticos associados com a HTVE, com exceção da síndrome de Barth, foram considerados? A HTVE tem sido particularmente encontrada em pacientes com anormalidades cromossômicas, distúrbios neuromusculares e cardiomiopatias hereditárias. Havia dismorfismo facial ou anormalidades ósseas? Havia ptose, visão dupla, câimbras musculares, fraqueza, insuficiência respiratória, ou níveis elevados de enzimas musculares? HTVE também pode ocorrer em outros membros da família de um paciente afetado. Os membros da família foram investigados? Eles também tinham DC? Outros casos de DC e HTVE foram identificados?

Uma razão de 6:1 na RMC é excepcionalmente alta. Como os autores explicam esse valor incomum? Ele foi confirmado através de ecocardiografia transtorácica? Trombos e tumores foram excluídos? Considerando que há várias questões não resolvidas com a apresentação e o desenvolvimento desse caso, uma reavaliação do paciente e membros da sua família é necessária.

Carta-resposta

É bem definida a associação, tanto da Doença do Miocárdio Não-Compactado (DMNC), como da Cardiopatia Chagásica Crônica (CCC), com eventos tromboembólicos, incluindo o Acidente Vascular Cerebral isquêmico (AVCi). No presente relato, o paciente apresenta história pregressa de AVCi com investigação complementar e exclusão de outras causas para o evento isquêmico através de eco-Doppler de carótidas/vertebrais e ecocardiograma transesofágico realizados de rotina na nossa instituição. Após o evento isquêmico, o paciente vinha em uso de anticoagulação oral com adequado controle dos níveis terapêuticos. O paciente não apresentava outras comorbidades (diabete melito, hipertensão arterial e dislipidemia) e coronariopatia, excluída pela história clínica, ressonância magnética cardíaca (RMC) e coronariografia. Em série do nosso serviço ainda não publicada, observamos que na CCC a presença de evento embólico ocorre predominantemente entre indivíduos portadores de aneurismas apicais. Por outro lado, este paciente apresentava três potenciais indutores de evento cardioembólico, dentre os quais não podemos ignorar a presença de flutter atrial.

O objetivo principal do relato foi apresentar a associação de extensa trabeculação característica da DMNC e a fibrose produzida pela CCC. O relato consiste na descrição de um paciente com sintomas de insuficiência cardíaca, associado a início recente de flutter atrial. Após realização de RMC, ecocardiograma transtorácico e transesofágico, o paciente foi submetido a estudo eletrofisiológico com ablação bem sucedida de flutter atrial istmo-dependente e documentação de doença do nó sinusal. Pelos exames de imagem descritos, trombos intracavitários ou tumores cardíacos não foram documentados. Porém, a presença de fibroses típicas da CCC e hipertrabeculações compatíveis com a manifestação da não compactação foi amplamente demonstrada. Após a ablação do flutter atrial e implante do marca-passo (disfunção do nó sinusal), o paciente permanece assintomático com manutenção da anticoagulação oral e terapia para cardiopatia com captopril, carvedilol, furosemida e espironolactona. Cabe ressaltar que o paciente apresentava manifestações clássicas da CCC e uma infecção aguda ou reativação da infecção por imunodeficiência não se aplicam ao caso em especial porque o paciente (e seus irmãos) já se encontrava a mais de 20 anos fora da zona endêmica e os sinais (sinal de Romanã) e sintomas de infecção aguda ocorreram na infância. Outros sítios de apresentação da forma crônica da Doença de Chagas, principalmente o envolvimento digestivo, foram afastadas. O paciente ou seus familiares não apresentavam nenhuma manifestação morfológica que levasse a pensar em desordens genéticas. Lembramos que a associação da não compactação com alterações genéticas não é obrigatória e a sua forma isolada esporádica já foi amplamente documentada na literatura1. Acompanhamos o paciente rotineiramente no ambulatório há três anos e este se mantém sem recorrência de arritmias atriais ou registro de arritmias ventriculares. Pela realização de ecocardiogramas anuais, houve documentação de piora da função ventricular que representa a evolução das cardiomiopatias descritas.

Referência (Carta-resposta)

Artigo recebido em 08/10/10; revisado recebido em 08/10/10; aceito em 29/11/10.

  • 1. Mello RP, Szarf G, Nakano E, Dietrich C, Cirenza C, Paola AA. Noncompaction of the myocardium, Chagas' disease and dysfunction: a case report. Arq Bras Cardiol. 2010;95(1):e4-6.
  • 1. Captur G, Nihoyannopoulos P. Left ventricular non-compaction: genetic heterogeneity, diagnosis and clinical course. Int J Cardiol. 2010;140(2):145-53.
  • Correspondência:
    Josef Finsterer
    Postfach 20 - Vienna
    1180 - Austria - Europe
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jun 2011
    • Data do Fascículo
      Maio 2011
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