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A velocidade da onda de pulso em jovens: estudo do Rio de Janeiro

Resumos

FUNDAMENTO: A velocidade da onda de pulso (VOP) pode ser marcador de comprometimento cardiovascular, porém existem poucos estudos em adultos jovens. OBJETIVO: Avaliar a associação da pressão arterial (PA), variáveis antropométricas e metabólicas, atuais e obtidas 13 anos antes, na infância e adolescência, com a VOP. MÉTODOS: Sessenta indivíduos foram acompanhados longitudinalmente e estratificados em dois grupos segundo o percentil da pressão arterial (PA) obtido 13 anos antes: Grupo 1 (G1): percentil da PA < 50 (n = 25, 11M, 26,4 anos) e Grupo 2 (G2): percentil da PA > 95 (n = 35, 19M, 25,4 anos). Foram submetidos a avaliação clínica, análise laboratorial e medidas da VOP pelo método Complior. RESULTADOS: G1 apresentou maior média de idade; G2 exibiu maior média de: peso, PA sistólica (PAS), PA diastólica (PAD), PA média (PAM), VOP e glicemia, e menor média de HDL-colesterol. PAS, PAM e frequência cardíaca (FC) obtidas na infância e adolescência apresentaram correlação significativa com a VOP. Peso, altura, cintura, relação cintura/quadril, PAS, PAD, pressão de pulso (PP), PAM e creatinina atuais apresentaram correlação positiva e significativa com a VOP. A comparação das médias de VOP ajustadas pela PAS, PAD, PAS e PAD, PAM e PP não mostrou diferença estatisticamente significativa entre os grupos. CONCLUSÃO: O percentil da PA na infância/adolescência mostrou-se relacionado à distensibilidade arterial, avaliada pela VOP, 13 anos após. Alterações da VOP podem ser identificadas em indivíduos jovens, sugerindo que o comprometimento vascular precoce pode estar presente nessa faixa etária, relacionado também a pressão arterial, variáveis antropométricas e metabólicas.

Velocidade do fluxo sanguíneo; pressão arterial; índice de massa corporal; adolescente; Brasil


BACKGROUND: Pulse wave velocity (PWV) can be a marker of cardiovascular impairment, but there are few studies in young adults. OBJECTIVE: To evaluate the association between blood pressure (BP), current anthropometric and metabolic variables and those obtained 13 years earlier, in childhood and adolescence, with PWV. METHODS: Sixty individuals were followed longitudinally and split into two groups according to the percentile of blood pressure (BP) obtained 13 years earlier: Group 1 (G1): BP percentile < 50 (n = 25, 11M, 26.4 years old) and Group 2 (G2): BP > 95 percentile (n = 35, 19M, 25.4 years old). The individuals underwent clinical evaluation, laboratory analysis and measurements of PWV through the Complior method. RESULTS: G1 showed higher mean age; G2 showed greater mean weight, systolic blood pressure (SBP), diastolic blood pressure (DBP), mean arterial pressure (MAP), PWV and blood glucose, and lower mean HDL-cholesterol. SBP, MAP and heart rate (HR) obtained during childhood and adolescence significantly correlated with PWV. Current weight, height, waist-hip ratio, SBP, DBP, pulse pressure (PP), MAP and creatinine presented a positive and significant correlation with PWV. A comparison of the average PWV adjusted for SBP, DBP, SBP and DBP, MAP and PP showed no statistically significant difference between groups. CONCLUSION: The percentile of BP in childhood/adolescence related to arterial distensibility assessed by PWV 13 years later. Changes in PWV can be identified in young individuals suggesting that early vascular impairment may be present in this age group, also related to blood pressure, anthropometric and metabolic variables.

Blood flow velocity; blood pressure; body mass index; adolescent; Brazil


FUNDAMENTO: La velocidad de la onda de pulso (VOP), puede ser un marcador de compromiso cardiovascular, aunque existen pocos estudios en adultos jóvenes. OBJETIVO: Evaluar la asociación de la presión arterial (PA), variables antropométricas y metabólicas actuales y también obtenidas 13 años antes, en la infancia y en la adolescencia, con la VOP. MÉTODOS: Sesenta individuos fueron seguidos longitudinalmente y estratificados en dos grupos según el percentil de la presión arterial (PA) obtenido 13 años antes: Grupo 1(G1): percentil de la PA < 50 (n = 25, 11M, 26,4 años) y Grupo 2 (G2): percentil de la PA > 95 (n = 35, 19M, 25,4 años). Fueron sometidos a evaluación clínica, análisis laboratorial y medidas de la VOP por el método Complior. RESULTADOS: G1 presentó un promedio mayor de edad; G2 mostró un promedio mayor de: peso, PA sistólica (PAS), PA diastólica (PAD), PA promedio (PAP), VOP y glucemia, y menor promedio de HDL-colesterol. La PAS, PAP y la frecuencia cardíaca (FC), obtenidas en la infancia y en la adolescencia presentaron una correlación significativa con la VOP. El peso, altura, cintura, relación cintura/cadera, PAS, PAD, la presión de pulso (PP), PAP y la creatinina actuales, presentaron una correlación positiva y significativa con la VOP. La comparación de los promedios de VOP ajustados por las PAS, PAD, PAS y PAD, PAP y PP no arrojó ninguna diferencia estadísticamente significativa entre los grupos. CONCLUSIÓN: El percentil de la PA en la infancia/adolescencia tuvo una relación con la distensibilidad arterial, evaluada por la VOP, 13 años después. Las alteraciones de la VOP pueden ser identificadas en individuos jóvenes, sugiriendo que el compromiso vascular en edad temprana, puede estar presente en esa franja etaria, relacionando también la presión arterial, las variables antropométricas y metabólicas.

Velocidad del flujo sanguíneo; presión arterial; índice de masa corporal; adolescente; Brasil


A velocidade da onda de pulso em jovens. Estudo do Rio de Janeiro

Oswaldo Luiz PizziI; Andréa Araujo BrandãoII; Roberto PozzanII; Maria Eliane Campos MagalhãesII; Elizabete Viana de FreitasII; Ayrton Pires BrandãoII

IUniversidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ

IIFaculdade de Medicina de Petrópolis, Petrópolis, RJ - Brasil

Correspondência Correspondência: Roberto Pozzan Rua das Margaridas, 108 - Itacoatiara 24348-220 - Niterói, RJ - Brasil E-mail: rpozzan@cardiol.br, rpozzan@globo.com

RESUMO

FUNDAMENTO: A velocidade da onda de pulso (VOP) pode ser marcador de comprometimento cardiovascular, porém existem poucos estudos em adultos jovens.

OBJETIVO: Avaliar a associação da pressão arterial (PA), variáveis antropométricas e metabólicas, atuais e obtidas 13 anos antes, na infância e adolescência, com a VOP.

MÉTODOS: Sessenta indivíduos foram acompanhados longitudinalmente e estratificados em dois grupos segundo o percentil da pressão arterial (PA) obtido 13 anos antes: Grupo 1 (G1): percentil da PA < 50 (n = 25, 11M, 26,4 anos) e Grupo 2 (G2): percentil da PA > 95 (n = 35, 19M, 25,4 anos). Foram submetidos a avaliação clínica, análise laboratorial e medidas da VOP pelo método Complior.

RESULTADOS: G1 apresentou maior média de idade; G2 exibiu maior média de: peso, PA sistólica (PAS), PA diastólica (PAD), PA média (PAM), VOP e glicemia, e menor média de HDL-colesterol. PAS, PAM e frequência cardíaca (FC) obtidas na infância e adolescência apresentaram correlação significativa com a VOP. Peso, altura, cintura, relação cintura/quadril, PAS, PAD, pressão de pulso (PP), PAM e creatinina atuais apresentaram correlação positiva e significativa com a VOP. A comparação das médias de VOP ajustadas pela PAS, PAD, PAS e PAD, PAM e PP não mostrou diferença estatisticamente significativa entre os grupos.

CONCLUSÃO: O percentil da PA na infância/adolescência mostrou-se relacionado à distensibilidade arterial, avaliada pela VOP, 13 anos após. Alterações da VOP podem ser identificadas em indivíduos jovens, sugerindo que o comprometimento vascular precoce pode estar presente nessa faixa etária, relacionado também a pressão arterial, variáveis antropométricas e metabólicas.

Palavras-chave: Velocidade do fluxo sanguíneo, pressão arterial, índice de massa corporal, adolescente, Brasil.

Introdução

As doenças cardiovasculares (DCV) têm origem e evolução complexas, representando, de modo geral, a manifestação tardia da ação de um conjunto de fatores de risco cardiovascular, de maneira isolada ou associada, que podem estar presentes em fases precoces da vida1,2.

Atualmente, a hipertensão vem sendo reconhecida como uma doença sistêmica que acomete diversos órgãos e sistemas, incluindo as artérias e o miocárdio. Nesses, as anormalidades observadas incluem a disfunção endotelial, a elasticidade arterial reduzida e as alterações na estrutura e espessura da parede arterial e do ventrículo esquerdo3,4.

Muita atenção vem sendo dirigida ao comportamento dos vasos arteriais, das suas propriedades mecânicas intrínsecas, neurais e hormonais dependentes do endotélio, tanto pela sua participação na gênese da HA quanto nas consequências da hipertensão sobre eles. Emerge daí o grande interesse despertado nos últimos anos, em muitos investigadores, para o estudo da rigidez arterial mediante vários métodos, entre eles a análise da velocidade da onda de pulso (VOP)5-7.

Diversos estudos demonstram que muitas das alterações na estrutura e na função vascular ocorrem antes do início da elevação da PA e podem mesmo ser as responsáveis por sua posterior elevação. A identificação precoce dessas alterações e o tratamento dirigido para os mecanismos hemodinâmicos e não hemodinâmicos da doença, antes da elevação da PA, podem oferecer uma melhor oportunidade de reversão do processo, reduzindo de modo mais eficaz as taxas de morbidade e mortalidade relacionadas4,8-11.

Nesse contexto, diversos estudos têm-se voltado para a análise desses fatores em faixas etárias mais jovens. O estudo de Bogalusa12-14 avaliou os fatores de risco cardiovasculares genéticos e ambientais na infância e a sua contribuição no desenvolvimento da doença estabelecida na fase adulta. No Brasil, o estudo do Rio de Janeiro15-19, do qual o presente estudo faz parte, vem demonstrando que a presença dos fatores de risco cardiovascular ocorre já desde etapas precoces de vida e cursa com forte agregação familiar, apontando para um cenário de grande potencial preventivo.

Assim, o objetivo desse estudo foi avaliar as variáveis que compõem os principais fatores de risco cardiovascular (tabagismo, sedentarismo, pressão arterial, variáveis antropométricas e variáveis metabólicas) em uma população de jovens estratificados pelo percentil da pressão arterial obtido 13 anos antes, na infância e adolescência, e buscar as possíveis associações entre as variáveis obtidas nessa fase da vida e atualmente com a VOP.

Métodos

A amostra populacional do presente estudo foi composta por sessenta indivíduos, com idades entre 22 e 29 anos.

Grupo 1 - Constituído por 25 indivíduos com idade média de 26,40 ± 1,85 anos (23-29 anos), sendo 11 do sexo masculino e 14 do sexo feminino, que se situavam, 13 anos antes, no percentil da PA sistólica e diastólica igual ou menor a 50;

Grupo 2 - Constituído por 35 indivíduos, sendo 19 do sexo masculino e 16 do sexo feminino que se situavam, 13 anos antes, no percentil da PA sistólica e/ou diastólica igual ou maior a 95, com idade média de 25,40 ± 1,97 anos (22-29 anos).

Foram analisados parâmetros demográficos, antropométricos, clínicos e laboratoriais. Os dois primeiros incluíram sexo, idade em anos, peso em quilogramas (kg), altura em metros (m) e circunferências do abdome e do quadril, em centímetros (cm). Foram, ainda, calculados o índice de massa corpórea (IMC) e a relação cintura/quadril. A classificação de obesidade baseou-se no IMC, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS)20. Para os valores da pressão arterial foram considerados aqueles da última medida, de um total de três, em posição supina. Os dados laboratoriais incluíram a dosagem de colesterol total, triglicerídeos, HDL-colesterol, LDL-colesterol, glicose, creatinina e ácido úrico. Os parâmetros clínicos analisados 13 anos antes foram: peso, altura, IMC, FC, PAS, PAD, pressão de pulso (PP) e percentil da pressão arterial. Em relação aos lipídios, os valores de normalidade adotados como referência foram os preconizados pela IV Diretriz Brasileira sobre Dislipidemia21. Os critérios diagnósticos, de estratificação e de controle da hipertensão arterial seguiram a VI Diretriz Brasileira sobre Hipertensão Arterial22.

Para o registro e análise da Velocidade da Onda de Pulso (VOP), utilizou-se o sistema automático computadorizado Complior® (Complior, Colson, Garger les Genosse, France - Createch Industrie)5 (fig. 1). Obteve-se a média de 10 registros para cada paciente.


Em todos os testes estatísticos, fixou-se 0,05 ou 5% (p < 0,05) como nível de rejeição da hipótese de nulidade. Foram utilizados: teste do Qui-Quadrado (χ2) para a comparação das distribuições das variáveis de amostras independentes; teste de Mann-Whitney (Z) para a comparação das variáveis contínuas que não apresentaram distribuição normal a Análise de Covariância (F) para comparação de médias ajustadas por outra determinada variável (covariável). Foram utilizadas as variáveis de pressão arterial para ajuste, pois essas têm íntima relação com a VOP. O Teste de Correlação Bivariada de Spearman (r) foi utilizado para analisar a correlação de variáveis contínuas com ou sem distribuição normal23.

O presente estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa Clínica do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Resultados

A tabela 1 mostra as características demográficas, epidemiológicas e antropométricas dos 60 indivíduos avaliados. A distribuição por sexo foi homogênea nos dois grupos estudados. Os indivíduos do Grupo 1 apresentaram uma média de idade maior do que aqueles do Grupo 2. Assim, a comparação das médias das variáveis antropométricas, hemodinâmicas, incluindo a VOP e metabólicas, foi ajustada para a idade. A análise comparativa das variáveis antropométricas evidenciou que os indivíduos do Grupo 2 apresentaram média de peso maior do que aqueles do Grupo 1. Não se observou diferença estatisticamente significativa nas comparações das variáveis antropométricas estudadas.

Em relação às variáveis hemodinâmicas, FC, PP e prevalência de hipertensão arterial não apresentaram diferenças estatisticamente significativas (tab. 2).

As variáveis metabólicas estudadas encontram-se discriminadas na tabela 3. Ao serem analisadas a glicemia de jejum e o HDL-colesterol, foi observado que a comparação das médias mostrou diferença estatisticamente significativa entre os grupos.

Na tabela 4 encontram-se listadas as correlações da VOP com as variáveis obtidas 13 anos antes. Conforme pode ser evidenciado, houve correlações positivas e significativas da VOP com a PAS (p = 0,009), com a PAM (p = 0,019) e com a FC (p = 0,029).

Na tabela 5 encontram-se listadas as correlações da VOP com as variáveis da fase atual estudadas, tendo sido observadas correlações positivas e significativas da VOP como: peso, altura, cintura, relação cintura/quadril, PAS, PAD, PP, PAM e creatinina.

Quando as médias da VOP foram ajustadas para idade, peso, PAS, PAD, PAM e PP (tab. 6), não se observou diferença significativa entre os grupos.

Discussão

A relativamente recente metodologia desenvolvida para a análise da complacência vascular, pela medida da VOP, tem trazido um grande avanço na pesquisa de marcadores vasculares da hipertensão arterial, sobretudo no idoso5,24-26. Há pouca referência, até o momento, da utilização da VOP como medida de comprometimento vascular em faixas etárias mais baixas. Por essa razão, neste estudo foram avaliados indivíduos jovens, que já estavam sob acompanhamento clínico desde a infância pelo estudo do Rio de Janeiro15-19.

Apesar do tamanho reduzido, a amostra avaliada no presente estudo é de grande interesse, pois foi originada de uma população não hospitalar, que não sofreu nenhum tipo de intervenção durante 13 anos e que vem sendo sistematicamente acompanhada e submetida a novas avaliações, permitindo a construção do conhecimento sobre o comportamento dos fatores de risco cardiovascular nessa faixa etária.

Em relação às variáveis demográficas e epidemiológicas, os grupos estudados tiveram, com exceção da idade, todos os dados similares, sem diferença estatística entre eles. Os grupos apresentaram diferença estatisticamente significativa quanto às médias de idade, e isso poderia criar um fator de interferência sobre os resultados do estudo, já que os índices hemodinâmicos, metabólicos e antropométricos estudados têm, na literatura, relação com a idade. Nesse aspecto, o fato de o grupo com percentil maior de PA (Grupo 2) ter apresentado menor média de idade não poderia ser responsável pelas diferenças observadas nas comparações das demais variáveis. Ainda assim, todas as variáveis foram ajustadas para a idade, antes da realização das comparações.

Vale destacar, em relação às variáveis demográficas e epidemiológicas, o nítido predomínio de algumas variáveis no Grupo 2, como maiores IMC, perímetros da cintura e do quadril e sobrepeso/obesidade, caracterizando resultados de importância clínica mas que, provavelmente pelo pequeno número da amostra, não alcançaram relevância estatística.

É elevado o nível de evidência atual da relação do sobrepeso/obesidade, traduzido pelo aumento do IMC, com a pressão arterial e com a morbidade cardiovascular1,9,10,22,27-30. Mais recentemente, a relação cintura/quadril ou apenas a medida da cintura tem sido utilizada como marcador de obesidade central, que, por sua vez, além de se correlacionar com a resistência a insulina, parece guardar melhor correlação com o risco CV do que os índices de obesidade geral, como o IMC28.

No presente estudo, o Grupo 2 apresentou menor média de HDL-colesterol sérico e maior média de glicemia de jejum, quando comparado com o Grupo 1. Ressalte-se que, apesar de estatisticamente diferentes, as médias das glicemias de jejum se apresentaram dentro dos limites considerados como normais. Observe-se, ainda, que apesar de apenas dois indivíduos terem apresentado glicemia de jejum anormal, esses casos ocorreram no Grupo 2.

À exceção do HDL-colesterol, não houve maior prevalência de valores anormais dos níveis séricos das outras variáveis metabólicas em nenhum dos dois grupos. Os valores médios das demais variáveis metabólicas se apresentaram dentro das faixas da normalidade.

Já se conhece, há muito, a relação da dislipidemia, do diabete melito e, sobretudo, da associação de ambos, com aterosclerose e morbidade cardiovascular. De forma semelhante, a importante associação do LDL-colesterol com risco de doença arterial coronariana tem sido apontada em diversas séries, tanto em indivíduos já com doença coronariana evidente quanto naqueles sem a doença, independentemente do sexo9,21,22,29,30. Mesmo o estágio precursor do diabete melito tipo 2, que caracteriza a intolerância a glicose ou a glicemia de jejum alterada, está associado com maior risco CV além de, frequentemente, se acompanhar de situações que habitualmente cursam em associação com o diabetes tipo 2, como hipertrigliceridemia, baixos níveis de HDL-colesterol, maior prevalência de hipertensão arterial, obesidade central e hiperinsulinemia, refletindo resistência dos tecidos periféricos à ação da insulina30,31.

As observações do estudo de Bogalusa12-14,32, que acompanhou crianças desde o nascimento até os 26 anos de idade, já indicavam que os fatores de risco cardiovascular tinham comportamento constante ao longo da infância e da adolescência; isso implicaria que crianças que apresentassem um perfil cardiovascular adverso (localizadas no percentil mais elevado das variáveis) poderiam estar mais sujeitas a doença cardiovascular na fase adulta. Dentre as variáveis antropométricas, hemodinâmicas e metabólicas, o peso, a altura, a PAS e o LDL-colesterol foram as que apresentaram maiores coeficientes de correlação ao longo de oito anos. Esse mesmo estudo mostrou que em crianças e adolescentes entre 5 e 14 anos já havia associação de variáveis acima do percentil 75 de PA, demonstrando com clareza a tendência à agregação de fatores de risco cardiovascular.

Os resultados em relação às características antropométricas e metabólicas do presente estudo, maior peso, menor HDL-colesterolemia e maior glicemia de jejum nos indivíduos do grupo de maior percentil da PA reiteram os dados da literatura e consolidam os resultados obtidos em 1998 nesse mesmo grupo de indivíduos. Já naquela época pode ser observado que o grupo exibia maiores médias dos índices antropométricos e menor média de HDL-colesterol, enfatizando a importância da presença de sobrepeso, associada a alterações da PA, como marcadores futuros de maior PA, peso e alterações metabólicas. Deve ser ressaltado que valores menores de HDL-colesterol têm sido valorizados como alteração lipídica inicial em jovens14,32.

Em relação às variáveis hemodinâmicas, o Grupo 2 apresentou maiores médias da PAS, PAD, PAM e VOP. Apesar de haver maior prevalência de indivíduos hipertensos no Grupo 2 (10 indivíduos - 28,6%) do que no Grupo 1 (4 indivíduos - 16%), não foi observada diferença estatisticamente significativa.

O Grupo 2 apresentou média da VOP (8,51 m/s) significativamente maior do que aquela do Grupo 1 (7,89 m/s), sugerindo algum grau de comprometimento vascular nos indivíduos que apresentaram, na infância/adolescência, maior percentil da pressão arterial.

Diversas séries avaliaram grupos populacionais regionais para estabelecer padrões de comportamento da VOP. Entre nós, Zilli33 estudou a VOP em 463 indivíduos brasileiros saudáveis. Em 204 indivíduos de ambos os sexos, na faixa etária de 19 a 39 anos, encontrou a média de VOP (método Complior) de 8,27 ± 1,22 m/s. Com o mesmo objetivo, Maldonado e cols.34 avaliaram 202 indivíduos portugueses normais, de ambos os sexos, que foram analisados após estratificação em faixas etárias de 10 anos, a partir dos 10 anos de idade. Em 38 indivíduos da faixa etária entre 20 e 30 anos de idade, a média da VOP encontrada (método Complior) foi de 7,52 ± 1,42 m/s. Houve uma tendência, sem significado estatístico, de maiores valores em homens, quando o grupo foi avaliado na sua totalidade.

No presente estudo, as médias da VOP foram 7,89 ± 1,05 m/s e 8,51 ± 1,04 m/s nos grupos 1 e 2, respectivamente, assemelhando-se, portanto, aos valores encontrados nos dois estudos citados antes, e mostrando-se menor do que aqueles valores do estudo de Asmar e cols.5 que avaliou indivíduos com idade menor que a deste estudo5.

Buscando avaliar as relações entre as variáveis estudadas com a VOP, foram feitas, em primeiro lugar, as correlações da VOP com as variáveis antropométricas (peso, altura e IMC) e hemodinâmicas (PAS, PAD, PP e FC) obtidas 13 anos antes, e pode-se observar que a FC, a PAM e, sobretudo, a PAS apresentaram correlação positiva e significativa com a VOP atual. Esse dado tem grande relevância, uma vez que a medida casual de PA na infância e adolescência foi capaz de se relacionar com a VOP obtida 13 anos depois.

Em seguida foi feita a análise da correlação da VOP com variáveis obtidas na abordagem atual do grupo e foram observadas correlações estatisticamente significativas da VOP com: peso, altura, perímetro da cintura, relação cintura/quadril, PAS, PAD, PP, PAM e creatinina.

Asmar e cols.26, em estudo já referido, mostraram que os maiores determinantes da VOP foram a idade (p < 0,001) e a PAS (p < 0,001) em normotensos e hipertensos, não havendo influência do sexo, peso, glicemia, colesterolemia e HDL-colesterolemia. Amar e cols.24 demonstraram que, numa amostra da população de indivíduos de alto risco para eventos CV, o acúmulo de fatores de risco foi um determinante independente de enrijecimento arterial avaliado pela VOP.

A relação da FC com a VOP é controversa e ainda não está completamente definida. Lantelme e cols.35 demonstraram haver um efeito significativo e proporcional da FC sobre a VOP numa população de 22 indivíduos idosos.

Diversos fatores genéticos, além daqueles responsáveis diretamente sobre a função e a composição dos grandes vasos arteriais, mostraram relação com a VOP, como são os casos daqueles que atuam sobre os clássicos fatores de risco cardiovascular - hipertensão arterial, dislipidemia, sensibilidade ao sal, diabete melito tipo II. Também está bem identificada a relação da VOP com a glicemia de jejum em diabéticos e em hipertensos não tratados25.

É bem conhecida a correlação da VOP com o IMC em indivíduos hipertensos, assim como com a altura e a cintura abdominal em hipertensos e em portadores de insuficiência renal grave36.

O papel do metabolismo dos lipídios sobre a distensibilidade arterial não está totalmente esclarecido e necessita maior investigação. Na população geral e nos indivíduos saudáveis, não se observa correlação da distensibilidade arterial com o colesterol total, observa-se correlação com o HDL-colesterol, e a relação com o LDL-colesterol ainda é controversa. Não se observaram, até o momento, resultados que possam ser generalizados sobre a relação da distensibilidade arterial com os níveis dos lipídios em indivíduos hipertensos25.

Como pode ser observado dos estudos citados que avaliaram a VOP em indivíduos jovens, seus resultados foram semelhantes aos encontrados no presente estudo, ou seja, a associação de diversas variáveis que compõem os fatores de risco CV com a VOP. De forma semelhante, as diferenças das médias da VOP ajustadas para idade, peso e variáveis hemodinâmicas tornaram a comparação das médias de VOP entre os dois grupos sem significado estatístico, possivelmente demonstrando a participação dessas variáveis no determinismo da VOP. Apesar de a VOP não poder ser identificada como uma variável independente de diferença entre os grupos, a sua associação com diversas variáveis cardiovasculares constitui um perfil desfavorável de fatores de risco de um grupo de indivíduos jovens estratificado por uma variável obtida 13 anos antes.

Assim, a avaliação da VOP em indivíduos jovens parece permitir a identificação precoce do processo de acometimento vascular associado a alterações iniciais da PA. A perspectiva preventiva para as DCV relacionadas às faixas etárias mais jovens coloca a medida da VOP como um método relevante, pois se configura potencialmente como um marcador de lesão vascular.

Conclusões

No presente estudo foi demonstrado que o percentil da PA na infância/adolescência pôde influenciar a distensibilidade arterial, avaliada pela VOP obtida 13 anos após. Esse comportamento permite sugerir que o comprometimento vascular, traduzido por essa variável, pode surgir precocemente; entretanto, serão necessários mais estudos para determinar a importância da VOP como fator de predição de morbidade e de mortalidade nessa faixa etária.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Oswaldo Luiz Pizzi.

Artigo recebido em 18/10/10; revisado recebido em 11/11/10; aceito em 08/02/11.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Jul 2011

    Histórico

    • Revisado
      11 Nov 2010
    • Recebido
      18 Out 2010
    • Aceito
      08 Fev 2011
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