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Prevalência de dislipidemia em indivíduos fisicamente ativos durante a infância, adolescência e idade adulta

Resumos

FUNDAMENTO: A prevalência de dislipidemias vem aumentando em diversas partes do Brasil, porém não é claro ainda quanto de exercício físico é necessário para se obter efeitos benéficos sobre os níveis de lipoproteínas plasmáticas. OBJETIVO: O estudo analisou, em oito cidades do Estado de São Paulo, a associação entre a prática continuada de exercícios físicos ao longo da vida e a ocorrência de dislipidemia na idade adulta. MÉTODOS: Estudo transversal envolvendo 2.720 adultos, de ambos os sexos, residentes em oito cidades do Estado de São Paulo. Por meio de entrevista domiciliar, a presença de dislipidemias foi autorreferida e a prática de exercícios físicos foi analisada na infância (7-10 anos), na adolescência (11-17 anos) e na idade adulta (atividades de lazer). No tratamento estatístico, modelos multivariados foram criados com a regressão logística binária. RESULTADOS: A prevalência de dislipidemia foi de 12,2% (IC95%= 11,1%-13,5%) e não houve diferença entre as cidades (p = 0,443). Mulheres (p = 0,001) e obesos (p = 0,001) apresentaram maior taxa de dislipidemia. Exercício físico atual não se associou com a presença de dislipidemia ([> 180 minutos por semana] p = 0,165), porém, a prática de exercício físico, tanto na infância (p = 0,001) como na adolescência (p = 0,001), foi associada com menor ocorrência da doença. Adultos fisicamente ativos em todos os três momentos da vida apresentaram 65% menos chances de reportar dislipidemia (RC = 0,35 [0,15-0,78]). CONCLUSÃO: A prática continuada de exercícios físicos ao longo da vida foi associada com menor ocorrência de dislipidemia entre adultos do Estado de São Paulo.

Dislipidemias; atividade motora; exercício; adulto; Brasil


BACKGROUND: The prevalence of dyslipidemia is increasing in many parts of Brazil, but it is yet unclear how much exercise is needed to attain beneficial effects on plasma lipoprotein levels. OBJECTIVE: The study analyzed eight cities of the state of São Paulo, the association between the continued practice of physical exercise throughout life and the occurrence of dyslipidemia in adulthood. METHODS: Cross-sectional study involving 2,720 adults, of both sexes, living in eight cities of the state of São Paulo. Through household interviews, the presence of dyslipidemia was self-reported and physical exercise practice was assessed in childhood (7-10 years), adolescence (11-17 years) and adulthood (leisure activities). In the statistical analysis, multivariate models were created using binary logistic regression. RESULTS: The prevalence of dyslipidemia was 12.2% (95%CI: 11.1% -13.5%) and there was no difference between cities (p = 0.443). Women (p = 0.001) and obese individuals (p = 0.001) had a higher rate of dyslipidemia. Current practice of physical exercise was not associated with the presence of dyslipidemia ([> 180 minutes per week] p = 0.165); however, physical exercise, both in childhood (p = 0.001) and adolescence (p = 0.001) was associated with a lower incidence of the disease. Physically active adults in all three stages of life were 65% less likely to report dyslipidemia (OR = 0.35 [0.15 to 0.78]). CONCLUSION: The continued practice of physical exercise throughout life was associated with a lower incidence of dyslipidemia in adults in the State of São Paulo.

Dyslipidemias; motor activity; exercise; adult; Brazil


Prevalência de dislipidemia em indivíduos fisicamente ativos durante a infância, adolescência e idade adulta

Rômulo Araújo FernandesI; Diego Giulliano Destro ChristofaroII,IV; Juliano CasonattoIII; Jamile Sanches CodognoI; Eduardo Quieroti RodriguesV; Mauro Leandro CardosoV; Sandra Satie KawagutiIII; Angelina ZanescoI

IPrograma de pós-graduação em Ciências da Motricidade - Universidade Estadual Paulista

IICampus de Rio Claro; Programa de pós-graduação em Saúde Coletiva - Universidade Estadual de Londrina

IIIPrograma de pós-graduação em Educação Física - Universidade Estadual de Londrina

IVLondrina, PR; Departamento de Educação Física da Universidade do Oeste Paulista

VDepartamento de Educação Física da Universidade Estadual Paulista, Campus de Presidente Prudente, Presidente Prudente, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Giulliano Destro Christofaro Rua Belo Horizonte, 99 / 704 - Centro 86001-970, Londrina, PR, Brasil E-mail: diegochristofaro@yahoo.com.br, ddcleite@yahoo.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: A prevalência de dislipidemias vem aumentando em diversas partes do Brasil, porém não é claro ainda quanto de exercício físico é necessário para se obter efeitos benéficos sobre os níveis de lipoproteínas plasmáticas.

OBJETIVO: O estudo analisou, em oito cidades do Estado de São Paulo, a associação entre a prática continuada de exercícios físicos ao longo da vida e a ocorrência de dislipidemia na idade adulta.

MÉTODOS: Estudo transversal envolvendo 2.720 adultos, de ambos os sexos, residentes em oito cidades do Estado de São Paulo. Por meio de entrevista domiciliar, a presença de dislipidemias foi autorreferida e a prática de exercícios físicos foi analisada na infância (7-10 anos), na adolescência (11-17 anos) e na idade adulta (atividades de lazer). No tratamento estatístico, modelos multivariados foram criados com a regressão logística binária.

RESULTADOS: A prevalência de dislipidemia foi de 12,2% (IC95%= 11,1%-13,5%) e não houve diferença entre as cidades (p = 0,443). Mulheres (p = 0,001) e obesos (p = 0,001) apresentaram maior taxa de dislipidemia. Exercício físico atual não se associou com a presença de dislipidemia ([> 180 minutos por semana] p = 0,165), porém, a prática de exercício físico, tanto na infância (p = 0,001) como na adolescência (p = 0,001), foi associada com menor ocorrência da doença. Adultos fisicamente ativos em todos os três momentos da vida apresentaram 65% menos chances de reportar dislipidemia (RC = 0,35 [0,15-0,78]).

CONCLUSÃO: A prática continuada de exercícios físicos ao longo da vida foi associada com menor ocorrência de dislipidemia entre adultos do Estado de São Paulo.

Palavras-chave: Dislipidemias; atividade motora; exercício; adulto; Brasil.

Introdução

A dislipidemia é caracterizada por alterações na concentração de um ou mais lípides/lipoproteínas presentes no sangue (triglicérides, colesterol, lipoproteínas de alta [HDL] e baixa densidade [LDL]). Essas alterações no perfil lipídico estão intimamente relacionadas ao processo de desenvolvimento da aterosclerose1.

Concentrações elevadas de LDL-colesterol na corrente sanguínea fazem que essa molécula penetre no espaço subendotelial e, uma vez lá, seja oxidada por radicais livres. Esse LDL oxidado causa danos às estruturas próximas, fazendo que monócitos sejam recrutados para sua eliminação e formem as chamadas "células espumosas", após a absorção desse LDL oxidado. Essas células espumosas liberam substâncias tóxicas causando lesão ao endotélio celular, hipertrofia e hiperplasia da musculatura lisa vascular. Esse processo desencadeia também a ativação e agregação de plaquetas, pois prejudica a produção/ disponibilidade do óxido nítrico, acarretando redução da luz do vaso e gerando isquemia de tecidos e órgãos. Com a progressão desse processo inflamatório, a doença se consolida e evolui até estágios mais avançados da aterosclerose1.

Na população brasileira, é observada elevada taxa de dislipidemia. Gigante e cols.2, analisando dados de 49.395 adultos residentes nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, observaram uma taxa autorreferida de dislipidemia próxima de 16,5%, evidenciando o grande desafio a ser enfrentado pela saúde pública brasileira.

A prática insuficiente de exercícios físicos também constitui um fator de risco para o desenvolvimento do quadro clínico de dislipidemia e aterosclerose. Lípides são importantes substratos para a produção de energia durante a prática de exercícios físicos e estudos mostram que adultos fisicamente ativos apresentam maior concentração plasmática de HDLcolesterol, menores concentrações de LDL-colesterol e triglicérides quando comparados àqueles sedentários3,4. Mais do que isso, a prática sistematizada de exercícios físicos parece ser um importante estimulador do aumento do tamanho das moléculas de LDL-colesterol, diminuindo sua capacidade de penetrar no espaço subendotelial e ser oxidado5. Com base em tais efeitos benéficos, a IV Diretriz Brasileira de Prevenção e Aterosclerose6 indica que a mudança de estilo de vida deve ser a primeira linha de frente no combate à dislipidemia. Assim, mais do que um agente não farmacológico utilizado no tratamento dessa doença, o exercício físico pode ser um dos pilares da prevenção primária na história natural da doença, desempenhando importante papel em sua prevenção e, nesse ponto, há uma lacuna na literatura sobre o efeito protetor do exercício físico acumulado ao longo da vida na ocorrência de dislipidemia na idade adulta. Estudos recentes têm indicado que a prática de exercícios físicos na infância e adolescência, mais do que o praticado na idade adulta, constitui um importante determinante na ocorrência de desfechos como hipertensão arterial, diabete melito tipo 2 e dislipidemia na idade adulta7,8. Contudo, nesses estudos, o exercício físico realizado na idade adulta e aquele realizado durante a infância e a adolescência foram tratados como variáveis independentes e, dessa forma, não se analisou claramente a verdadeira importância da prática continuada de exercícios físicos ao longo da vida sobre essas doenças.

Assim, o objetivo do presente estudo foi analisar, em um grande levantamento populacional realizado em oito cidades do Estado de São Paulo, a associação entre a prática continuada de exercícios físicos ao longo da vida e a ocorrência de dislipidemia na idade adulta.

Métodos

Cálculo amostral e processo de seleção dos sujeitos

Anteriormente à entrevista, todos os indivíduos receberam informações pertinentes ao estudo e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O presente estudo foi aprovado pelo comitê de ética e pesquisa da instituição em questão.

Estudo descritivo/analítico de delineamento retrospectivo envolvendo indivíduos adultos de ambos os gêneros residentes em oito cidades do Estado de São Paulo. A amostra foi estimada a partir de uma equação para estimativa de parâmetros populacionais e indicou a necessidade de se entrevistar um total de 2.243 indivíduos. O cálculo foi efetuado por meio de uma prevalência esperada de indivíduos fisicamente ativos no lazer de 14,8%9, erro amostral de 1,8%, poder de 80%, significância estatística de 5% (z = 1,96) e um efeito de delineamento de 50%. Prevendo possíveis perdas amostrais, estipulou-se uma desistência por parte dos participantes na ordem de 20%, assim, planejou-se entrevistar, no mínimo, 2.691 indivíduos. Tal tamanho amostral permitiu detectar diferenças de 2%.

Em diferentes regiões do Estado, foram selecionadas oito cidades para a realização do estudo: Presidente Prudente, Bauru, Guaratinguetá, Registro, Santos, São José do Rio Preto, Rio Claro e a cidade de São Paulo. Considerando-se a presença de no mínimo um morador por domicilio entrevistado, dos 2.243 indivíduos que deveriam ser entrevistados ao final do estudo, esse número foi dividido igualmente entre as oito cidades (2.243/8) e planejou-se visitar o mínimo de 281 domicílios por cidade. Por fim, procedeu-se a um processo de amostragem aleatória em diferentes estágios, o qual levou em consideração: regiões da cidade, bairros, ruas/avenidas e, por fim, três ou quatro domicílios em cada rua/avenida foram selecionados aleatoriamente.

Em cada um desses domicílios, todos os adultos foram considerados elegíveis e, então, convidados a participar desde que atendessem aos critérios de inclusão do estudo: (a) idade > 18 anos; (b) residir na cidade por no mínimo dois anos; (c) não apresentar nenhum tipo de doença ou necessidade especial que interfira na prática de atividades físicas (lesões ortopédicas crônicas, artrites ou algum tipo de má formação).

A coleta de dados foi coordenada pelo pesquisador responsável pelo projeto de pesquisa e realizada por um doutorando sob sua orientação e alunos de graduação/pósgraduação previamente treinados (participação obrigatória no treinamento). Em cada um dos domicílios selecionados, quando os pesquisadores não encontraram moradores, o domicilio seguinte na sequência de numeração foi analisado em seu lugar.

Exercício físico atual e atividades esportivas na infância e adolescência

As informações referentes à prática habitual de exercícios físicos foram obtidas por meio do questionário desenvolvido por Baecke e cols.10, o qual já teve sua utilização na população brasileira validada por Florindo e cols.11. A prática atual de exercícios físicos no lazer foi avaliada por meio da segunda sessão do instrumento, referente a atividades esportivas durante horários de lazer. Também foi computada a prática de outras atividades que não as de cunho esportivo (treinamento com pesos, ginástica, modalidades de lutas e caminhada). Foram analisados três construtos dessa prática de exercícios físicos durante horários de lazer: intensidade (baixa, moderada e vigorosa), tempo semanal de prática (<1h/sem; 1-2h/ sem; 2-3h/sem; 3-4h/sem; >4h/sem) e tempo prévio de engajamento (<1 mês; 1-3 meses; 4-6 meses; 7-9 meses; >9 meses). Assim, foram considerados suficientemente ativos os indivíduos que reportaram um mínimo de 180 minutos por semana (3-4h/sem) de exercícios físicos de intensidade moderada ou vigorosa, nos últimos quatro meses (4-6 meses).

Seguindo metodologias prévia7,12, considerou-se suficientemente ativo durante a infância (7-10 anos) e a adolescência (11-17 anos) o indivíduo que respondeu positivamente a duas perguntas: "Entre os sete e 10 anos, fora da escola, você esteve engajado em alguma atividade esportiva supervisionada, por no mínimo um ano ininterrupto (considerando os períodos de férias no meio e final do ano)?" e "Entre os 11 e 17 anos, fora da escola, você esteve engajado em alguma atividade esportiva supervisionada, por no mínimo um ano ininterrupto (considerando os períodos de férias no meio e final do ano)?", respectivamente. Embora excluindo as aulas de Educação Física escolar, a participação em equipes de treinamento na escola (extra grade curricular) foi considerada. Foram incluídas nessas atividades também: modalidades de dança (balé, jazz, dentre outras), ginástica, artes marciais (karatê, judô etc.) e lutas (boxe).

Por fim, a amostra foi subdividida em oito grupos de acordo com os períodos específicos em que reportaram a prática de exercícios físicos: 1. Nenhum período (persistentemente sedentário [n = 1379]); 2. Apenas na infância (n = 122); 3. Na infância e adolescência (n = 548); 4. Na infância e idade adulta (n = 13); 5. Apenas na adolescência (n = 219); 6. Na adolescência e idade adulta (n = 65); 7. Apenas idade adulta (n = 187); 8. Na infância, adolescência e idade adulta (persistentemente ativo [n =187]).

Dislipidemia

A presença de dislipidemias foi autorreferida pelos entrevistados, que responderam à pergunta: "No seu último exame de sangue, seu médico disse que você apresentou algum problema como: colesterol alto, baixo colesterol bom ou alto colesterol ruim?". A presença da dislipidemia foi confirmada para os indivíduos que reportam a presença de algum desses desfechos, ou que reportaram o uso de algum fármaco para o controle de lípides13. Indivíduos que nunca fizeram esse tipo de exame foram considerados "sem dislipidemia". Trinta sujeitos foram randomicamente selecionados e, 14 dias após a primeira entrevista, foram novamente entrevistados por outro entrevistador. Houve alta concordância entre as medidas (k = 1,00; p = 0,001).

Idade, escolaridade e estado nutricional

Na determinação da escolaridade foi adotada a utilização do grau (1-4 anos; 5-8 anos; 9-11 anos; >12 anos) e a idade foi calculada de forma decimal (18-29,9 anos; 30-49,9 anos; 50-64,9 anos; >65 anos). O peso corporal (kg) e a estatura m) foram reportados e, com base nessas informações, foi calculado o Índice de Massa Corporal (IMC [kg/m2]). Valores de IMC entre 25-30 kg/m2 foram utilizados como indicadores de excesso de peso e aqueles > 30 kg/m2 indicadores de obesidade (reprodutibilidade para IMC > 30 kg/m2foi k = 0,86 com p = 0,001). Durante a coleta de dados, 33 sujeitos não souberam reportar o seu peso atual e, dessa forma, as análises para o estado nutricional foram conduzidas com apenas 2.687 indivíduos.

Análise estatística

Para as variáveis categóricas, foram calculadas prevalências e intervalos de confiança de 95% (IC 95%). O teste Quiquadrado analisou a associação entre a variável dependente e as demais variáveis independentes. A regressão logística binária foi utilizada para construir um modelo multivariado para as associações observadas. Para tanto, todas as variáveis independentes que, no teste Qui-quadrado, foram associadas com a variável dependente em até 20% (p = 0,200) foram inseridas simultaneamente no modelo multivariado. Esse processo gerou valores de razão de chance ajustados (RC) e seus respectivos IC 95%. Valores de significância (p) inferiores a 5% foram considerados estatisticamente significativos e todas as análises foram realizadas nos software estatístico SPSS versão 13.0 (Statistical Package for the Social Sciences Inc, Chicago, Illinois).

Resultados

Após a conclusão do trabalho de campo, 2.720 pessoas foram entrevistadas, sendo: 367 (13,5%) em Rio Claro; 440 (16,2%) em Presidente Prudente; 384 (14,1%) em São Paulo; 297 (10,9%) em Bauru; 303 (11,1%) em São José do Rio Preto; 291 (10,7%) em Registro; 308 (11,3%) em Guaratinguetá; e 330 (12,1%) em Santos. No que se refere a sexo (p = 0,213), escolaridade (p = 0,412) e idade (p = 0,145), a proporção de entrevistados foi similar nas cidades analisadas. A média de idade da amostra foi de 46,3 ± 18,5 anos (IC 95% = 45,6-47,1). A prevalência total de dislipidemia foi 12,2% (IC 95% = 11,1%-13,5%) e a figura 1 apresenta a sua ocorrência de acordo com as oito cidades analisadas. Não houve diferença entre as cidades analisadas (p = 0,443).


A tabela 1 apresenta as associações da dislipidemia com diferentes variáveis independentes analisadas no estudo. Mulheres apresentaram uma taxa de dislipidemia quase duas vezes superior aos homens (p = 0,001). Da mesma forma, pessoas com menor escolaridade e aquelas com idade mais elevada apresentaram taxas mais altas de dislipidemia. A prevalênciadeobesidadefoide15,1%(IC95% =13,8%-16,5%) e associou-se com maior ocorrência de dislipidemia. A prevalência de pessoas que cumpriram o ponto de corte

adotado para prática atual de exercícios físicos durante o lazer foi de 16,6% (IC 95% = 15,2%-18%) e não se associou com a presença de dislipidemia. Por outro lado, a prática de exercícios físicos, tanto na infância (p = 0,001) como na adolescência (p = 0,001), foi associada com menor ocorrência da doença.

Os três períodos da vida em que os entrevistados foram suficientemente ativos foram agrupado e a ocorrência de dislipidemia foi comparada entre os grupos formados (fig. 2). Quando comparados aos sujeitos persistentemente sedentários (sem prática de exercícios físicos nos três períodos analisados), aqueles com prática de exercícios físicos na infância, infância + adolescência e adolescência apresentaram menor taxa de dislipidemia (p = 0,001 para todos). Da mesma forma, a menor taxa foi observada entre aqueles persistentemente ativos ao longo da vida (prática em todos os três períodos analisados).


No modelo multivariado construído (fig. 3), aqueles com prática suficiente de exercícios físicos apenas na infância (RCajustada= 0,28 [0,11-0,72]; p = 0,008); infância + adolescência (RCajustada= 0,40 [0,25-0,62]; p = 0,001) e ativos em todos os três momentos da vida apresentaram 65% menos chances de reportar dislipidemia (RCajustada= 0,35 [0,15-0,78]; p = 0,010).


Discussão

O estudo epidemiológico observou associação entre a manutenção da prática de exercícios físicos ao longo da vida e a ocorrência de dislipidemia na idade adulta, no qual se identificou menor ocorrência do desfecho analisado em adultos que reportaram engajamento nessas atividades ao longo da vida.

Em nosso estudo, 12% dos entrevistados reportaram o diagnóstico de dislipidemia. Dada a grande variedade de indicativos para se estabelecer o diagnóstico de dislipidemia, sua ocorrência varia grandemente. Porém, um estudo recente identificou ocorrência autorreferida próxima de 12% em algumas cidades do Estado de São Paulo, sendo 16% na capital12. Tais valores são similares aos 16,5% observados nas capitais brasileiras2 e indicam que, mesmo baseado em autorreferimento, procedimento que pode gerar subestimação do desfecho, as taxas encontradas são elevadas e ações de saúde públicas visando o combate desse desfecho fazem-se necessárias na população brasileira.

A prática de exercícios físicos pode atuar de maneira favorável no controle do perfil lipídico, uma vez que a atividade aumentada da lípase no músculo esquelético e no tecido adiposo, que ocorre durante o exercício físico e algum tempo após, pode contribuir com menores concentrações de lípides14. Assim, programas de exercícios físicos realizados durante a idade adulta têm se mostrado eficaz em diminuir as concentrações de alguns componentes lípides4, bem como estimular o aumento do tamanho das moléculas de LDL-colesterol, diminuindo sua capacidade aterosclerótica5. Em nosso estudo, a prática atual de exercícios físicos não foi associada à presença de dislipidemia; mais do que isso, quando analisados somente os sujeitos que iniciaram essa prática apenas na idade adulta, esses apresentaram taxa similar àqueles que se mantiveram persistentemente sedentários. Esse padrão pode ser atribuído à causalidade reversa, pois, adultos sedentários na juventude podem desenvolver a dislipidemia e, apenas após o diagnóstico, iniciam a sua prática. Profissionais da área da saúde desempenham papel importante nesse processo, uma vez que, nos últimos anos, importantes organizações de saúde têm incluído a prática de exercícios físicos em suas diretrizes como um agente não farmacológico no tratamento de inúmeras doenças, incluindo as dislipidemias. Essa atitude tem motivado diferentes profissionais da área da saúde a recomendá-lo a seus pacientes.

Se, por um lado, essa relação na idade adulta é bem investigada, por outro, são escassas as informações sobre o efeito do exercício físico praticado ao longo da vida na ocorrência de dislipidemia na idade adulta. Recentemente identificou-se que a prática de exercícios físicos na infância e adolescência constitui agente associado a menor ocorrência de dislipidemia na idade adulta12, porém, não se contabilizou nesses estudos a prática continuada do exercício físico ao longo da vida.

A relação entre exercício físico e controle da dislipidemia ainda não está clara. Uma meta-análise avaliando cerca de 51 estudos mostrou que não existe uma relação direta entre a intensidade do exercício físico e melhora no perfil lipídico, ou seja, não há uma relação dose-resposta15. Outros estudos mostraram que os efeitos do exercício físico seriam primariamente no controle da adiposidade corporal e, subsequente na prevenção da obesidade, o que acarretaria melhora do perfil lipidico8,16. Nessa linha, estudos recentes indicam que a relação entre o exercício físico atual e dislipidemia reflete fundamentalmente modificações da composição corporal7,12. Sabe-se que o tecido adiposo produz e libera na corrente sanguínea uma grande variedade de substâncias inflamatórias que agem em diferentes órgãos e estão associados ao desenvolvimento de diferentes doenças. Dentre essas adipocinas, merecem destaque a interleucina 6 (IL-6) e o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) que, por meio de diferentes mecanismos, geram processos relacionados à menor captação de glicose por tecidos alvos e, consequentemente, maior liberação/ utilização de ácidos graxos livres na corrente sanguínea1,17. A redução do peso corporal está associada a menores concentrações dessas adipocinas18.

Por sua vez, como observado em nosso estudo, essa relação pode não ser tão dependente de modificações na composição corporal, pois a prática de exercícios físicos age no controle de agentes inflamatórios no organismo independentemente de modificações na composição corporal19. Trabalhos mostram que uma maior prática de exercícios físicos aumenta a concentração plasmática de adiponectina (agente anti-inflamatório que aumenta a sensibilidade à ação da insulina), bem como diminui as concentrações de IL-6 e TNF-α19, sendo esse efeito protetor observado desde idades precoces20.

Vale salientar também que nossos resultados indicaram que, além da prática de exercícios físicos nos três períodos da vida, a prática de exercícios físicos apenas na infância e na adolescência + idade adulta foi significativamente associada com menor ocorrência de dislipidemia na idade adulta. De fato, existem evidências na literatura indicando que maiores valores de IMC registrados na infância e adolescência estão relacionados com perfil lipídico desfavorável na idade adulta21 e, dessa forma, o controle no ganho de peso proporcionado pela prática esportiva desde a infância e adolescência seria um fator determinante nessa menor ocorrência na idade adulta. Tais dados ratificam a importância da prevenção da obesidade infantil por meio de modificações no estilo de vida. Além disso, trabalhos prévios mostraram que o volume de exercício físico, e não a intensidade, promove efeitos benéficos nos níveis plasmáticos das lipoproteínas5,22. Esses estudos reforçam nossos achados, mostrando que a manutenção de atividade ao longo da vida (infância, adolescência e idade adulta) favorece a prevenção das dislipidemias e doenças associadas.

A análise retrospectiva da prática de exercícios físicos empregada neste estudo pode ser uma alternativa à utilização de análises transversais, porém, não supre a necessidade de se realizar estudos prospectivos abordando o assunto. Assim, a ausência de relações de causalidade deve ser considerada ao analisar os resultados apresentados. Outra limitação que não deve ser desconsiderada é a utilização de autorrelato para se detectar a presença de dislipidemia. Nessa forma de análise não é possível descrever quais seriam os componentes lípides que estariam alterados, constituindo uma limitação do estudo. Adicionalmente, esse procedimento metodológico pode gerar significativa subestimação do evento, porém, além de apresentar alta reprodutibilidade, as associações encontradas com IMC, idade e condição econômica (escolaridade) são similares a relatos anteriores encontrados na literatura. Esses padrões de associação indicam que tal subestimação ocorreu de maneira similar em todos os substratos da amostra e não comprometeram de maneira significativa os achados da pesquisa.

Em resumo, o presente estudo indica que a prática continuada de exercícios físicos ao longo da vida foi associada com menor ocorrência do desfecho analisado e, dessa forma, pode constituir uma importante ferramenta de prevenção ao desenvolvimento de dislipidemia na idade adulta. Tais achados são de relevância para a saúde pública brasileira ao indicar que, no que se refere à prevenção de doenças crônicas, mais importante do que promover a prática de exercícios físicos na idade adulta é incentivá-la entre os jovens. Portanto, é crucial que o papel da educação física escolar seja revisto dentro do sistema educacional brasileiro dentro do sistema de políticas públicas.

Artigo recebido em 31/01/11; revisado recebido em 14/04/11; aceito em 25/05/11

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  • Correspondência:

    Giulliano Destro Christofaro
    Rua Belo Horizonte, 99 / 704 - Centro
    86001-970, Londrina, PR, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      Out 2011

    Histórico

    • Aceito
      25 Maio 2011
    • Revisado
      14 Abr 2011
    • Recebido
      31 Jan 2011
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