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Efeitos da angiotensina-I e isquemia na recuperação funcional em corações isolados

Resumos

FUNDAMENTO: A ressuscitação de parada cardíaca pode apresentar disfunção miocárdica determinada pelo tempo da isquemia, e a inibição da enzima conversora de angiotensina (ECA) pode reduzir a disfunção cardíaca durante a reperfusão. OBJETIVO: Investigar os efeitos da angiotensina-I e diferentes períodos de isquemia na recuperação funcional em corações de ratos isolados. MÉTODOS: Os corações isolados de ratos Wistar (n = 45; 250-300 g) foram submetidos a diferentes períodos de isquemia global (20, 25 ou 30 min) e reperfundidos (30 min) com o tampão Krebs-Henseleit, ou com a adição de 400 nmol/L de angiotensina-I, ou com 400 nmol/L de angiotensina-I + 100 µmol/L de captopril durante o período de reperfusão. RESULTADOS: A derivada positiva máxima de pressão (+dP/dt max) e o produto frequência-pressão foram reduzidos nos corações expostos à isquemia de 25 min (~ 73%) e à isquemia de 30 min (~ 80%) vs. isquemia de 20 min. A pressão diastólica final do ventrículo esquerdo (PDFVE) e a pressão de perfusão (PP) foram aumentadas nos corações expostos à isquemia de 25 min (5,5 e 1,08 vezes, respectivamente) e à isquemia de 30 min (6 e 1,10 vezes, respectivamente) vs. isquemia de 20 min. A angiotensina-I ocasionou uma diminuição no +dP/dt max e no produto frequência-pressão (~ 85-94%) em todos os períodos de isquemia e um aumento na PDFVE e na PP (6,9 e 1,25 vezes, respectivamente) apenas na isquemia de 20 min. O captopril foi capaz de reverter parcial ou completamente os efeitos da angiotensina-I na recuperação funcional nas isquemias de 20 e 25 min CONCLUSÃO: Os dados sugerem que a angiotensina-II participa direta ou indiretamente no dano pós-isquêmico e que a capacidade de um inibidor da ECA atenuar esse dano depende do tempo de isquemia.

Angiotensina I; isquemia; ratos; função ventricular


BACKGROUND: Cardiac arrest resuscitation can present myocardial dysfunction determined by ischemic time, and inhibition of the angiotensin-converting enzyme (ACE) can reduce cardiac dysfunction during reperfusion. OBJECTIVE: To investigate the effects of angiotensin-I and different periods of ischemia on functional recovery in isolated rat hearts. METHODS: Isolated hearts from Wistar rats (n=45; 250-300 g) were submitted to different periods of global ischemia (20, 25 or 30 min) and reperfused (30 min) with Krebs-Henseleit buffer alone or with the addition of 400 nmol/L angiotensin-I, or 400 nmol/L angiotensin-I + 100 mmol/L captopril along the reperfusion period. RESULTS: The maximal positive derivative of pressure (+dP/dt max) and rate-pressure product were reduced in hearts exposed to 25 min ischemia (~73%) and 30 min ischemia (~80%) vs. 20 min ischemia. Left ventricular end-diastolic pressure (LVEDP) and perfusion pressure (PP) were increased in hearts exposed to 25 min ischemia (5.5 and 1.08 fold, respectively) and 30 min ischemia (6 and 1.10 fold, respectively) vs. 20 min ischemia. Angiotensin-I caused a decrease in +dP/dt max and rate-pressure product (~85-94%) in all ischemic periods and an increase in LVEDP and PP (6.9 and 1.25 fold, respectively) only at 20 min ischemia. Captopril was able to partially or completely reverse the effects of angiotensin-I on functional recovery in 20 min and 25 min ischemia. CONCLUSION: These data suggest that angiotensin-II directly or indirectly participates in the post-ischemic damage, and the ability of an ACE inhibitor to attenuate this damage depends on ischemic time.

Angiotensin I; ischemia; rats; ventricular function


Efeitos da angiotensina-I e isquemia na recuperação funcional em corações isolados

Ubirajara Oliveira de OliveiraI,II; Álvaro Reischak de OliveiraI; Luiz Carlos KucharskiI; Ubiratan Fabres MachadoIII; Maria Claudia IrigoyenI,III; Beatriz D'Agord SchaanI,II

IUniversidade Federal o Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS

IIInstituto de Cardiologia - Fundação Universitária de Cardiologia, Porto Alegre, RS

IIIUniversidade de São Paulo,São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Ubirajara Oliveira de Oliveira Av. Princesa Isabel, 370 - Unidade de Pesquisa - Santana 90620-001 - Porto Alegre, RS, Brasil E-mail: biraoliveira@yahoo.com, biraoliva@gmail.com

RESUMO

FUNDAMENTO: A ressuscitação de parada cardíaca pode apresentar disfunção miocárdica determinada pelo tempo da isquemia, e a inibição da enzima conversora de angiotensina (ECA) pode reduzir a disfunção cardíaca durante a reperfusão.

OBJETIVO: Investigar os efeitos da angiotensina-I e diferentes períodos de isquemia na recuperação funcional em corações de ratos isolados.

MÉTODOS: Os corações isolados de ratos Wistar (n = 45; 250-300 g) foram submetidos a diferentes períodos de isquemia global (20, 25 ou 30 min) e reperfundidos (30 min) com o tampão Krebs-Henseleit, ou com a adição de 400 nmol/L de angiotensina-I, ou com 400 nmol/L de angiotensina-I + 100 µmol/L de captopril durante o período de reperfusão.

RESULTADOS: A derivada positiva máxima de pressão (+dP/dtmax) e o produto frequência-pressão foram reduzidos nos corações expostos à isquemia de 25 min (~ 73%) e à isquemia de 30 min (~ 80%) vs. isquemia de 20 min. A pressão diastólica final do ventrículo esquerdo (PDFVE) e a pressão de perfusão (PP) foram aumentadas nos corações expostos à isquemia de 25 min (5,5 e 1,08 vezes, respectivamente) e à isquemia de 30 min (6 e 1,10 vezes, respectivamente) vs. isquemia de 20 min. A angiotensina-I ocasionou uma diminuição no +dP/dtmax e no produto frequência-pressão (~ 85-94%) em todos os períodos de isquemia e um aumento na PDFVE e na PP (6,9 e 1,25 vezes, respectivamente) apenas na isquemia de 20 min. O captopril foi capaz de reverter parcial ou completamente os efeitos da angiotensina-I na recuperação funcional nas isquemias de 20 e 25 min

CONCLUSÃO: Os dados sugerem que a angiotensina-II participa direta ou indiretamente no dano pós-isquêmico e que a capacidade de um inibidor da ECA atenuar esse dano depende do tempo de isquemia.

Palavras-chave: Angiotensina I/efeito de drogas, isquemia/complicações, ratos, função ventricular/efeito de drogas.

Introdução

A ressuscitação de parada cardíaca possui importantes implicações clínicas, principalmente relacionadas à disfunção miocárdica, causada pela duração da isquemia1,2 ou pelo coração atordoado quando a isquemia não resultar em morte celular3,4. Todavia, quando a duração da isquemia miocárdica aumenta, a disfunção contrátil pode ser o resultado de combinações de processos reversíveis e irreversíveis (incluindo a apoptose ou a necrose)1,5. Paradoxalmente, a reperfusão da área isquêmica pode resultar em maior lesão tecidual, o que é mediado principalmente pelas espécies reativas de oxigênio, que são tóxicas e podem levar a dano oxidativo das proteínas, dos lipídios e do DNA6,7.

No miocárdio isquêmico, a inibição local da enzima conversora de angiotensina (ECA) pode melhorar a função cardíaca e reduzir os marcadores bioquímicos de necrose celular8,9, sugerindo a participação da angiotensina-II em dano tecidual. O captopril é o inibidor da ECA estudado mais a fundo e pode efetivamente reduzir a extensão da disfunção contrátil após o infarto do miocárdio10,11.

A descoberta do sistema renina-angiotensina local levou à busca de novas abordagens experimentais para avaliar a atividade desse sistema. A angiotensina-I tem sido utilizada para estimar a atividade da ECA no tecido e na circulação, uma vez que é necessária a conversão em angiotensina-II para determinar uma resposta12-14. No modelo de coração de ratos isolado, a liberação de angiotensina-II somente pode ser mantida adicionando renina e angiotensina12, ou angiotensina-I12-14 ao tampão de perfusão.

Apesar da popularidade do uso de preparações de coração de ratos isoladas, em estudos de lesão de isquemia-reperfusão, muitos protocolos diferentes têm sido empregados com variações na duração da isquemia15,16 e do grau do distúrbio metabólico17,18, o que torna difícil comparar a gravidade dos protocolos. Além disso, a maioria desses estudos não utiliza a angiotensina-I no perfusato, impedindo qualquer conclusão sobre os efeitos da inibição da ECA. Uma vez que o sistema renina-angiotensina está intimamente relacionado com o agravamento da lesão de reperfusão11, a adição de angiotensina no perfusato é necessária para que se obtenha um bom modelo para a investigação de abordagens farmacológicas que possam realmente melhorar a função cardíaca após a isquemia-reperfusão. Dessa forma, este estudo investigou os efeitos da angiotensina-I em diferentes períodos de isquemia na recuperação funcional em coração de ratos isolado.

Métodos

Animais e preparação do coração isolado

Os ratos Wistar machos (n = 45; 250-300 g) foram obtidos com o Biotério Central da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil. Eles foram mantidos em um ciclo claro/escuro de 12 ​h/12 h (as luzes eram acesas das 7 h às 19 h) e em uma temperatura constante (22ºC), em sala de colônia com ar condicionado, e tiveram livre acesso à ração comercial e à água. O cuidado com os animais seguiu as orientações do governo, em conformidade com o Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA), e o estudo foi aprovado (sob o protocolo nº 2004313) pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Os animais foram sacrificados por deslocamento cervical, os corações foram excisados ​de forma rápida e perfundidos via aorta (técnica de Langendorff), utilizando-se um aparelho de coração isolado - tamanho 3 (Hugo Sachs Elektronik, Alemanha)19. Os corações foram perfundidos com um tampão Krebs-Henseleit modificado (composição em mmol/L: NaCl 120, KCl 5,4, MgCl2 1,8, NaHCO3 27, Na2SO4 1,8, NaH2PO4 2, glicose 5,5 e CaCl2 1,4), borbulhado com 95% de O2 - 5% de CO2 (pH de 7,4), aquecidos a 37ºC e mantidos em um constante fluxo de 10 mL/min com uma bomba peristáltica (Miniplus-2, Gilson Medical Electronics, França). O tampão de perfusão foi previamente filtrado através de uma membrana de 0,45 mm (Omnipore, Millipore) para remover as partículas contaminantes. Um balão de látex, conectado a um transdutor de pressão (TPS-2 Incor, São Paulo, Brasil) por meio de uma cânula, foi inserido no ventrículo esquerdo (VE) para medir a função contrátil. O volume do balão foi ajustado para manter uma pressão diastólica final de 8-10 mm Hg no início do experimento. Os corações foram imersos em uma câmara de vidro e mantidos a 37ºC por uma bomba de água com um aquecedor (M3 Lauda, ​Hugo Sachs Elektronik, Alemanha). A pressão sistólica do ventrículo esquerdo (PSVE), a pressão diastólica final do ventrículo esquerdo (PDFVE), a frequência cardíaca (FC), a derivada positiva máxima da pressão do VE (+dP/dtmax) e a derivada negativa máxima da pressão do VE (-dP/dtmax) foram medidas durante o experimento. A pressão desenvolvida (PDVE = pressão sistólica - diastólica) e o produto frequência-pressão (frequência cardíaca x pressão desenvolvida) foram calculados. A pressão de perfusão (PP) foi medida continuamente por um transdutor de pressão (TPS-2 Incor) conectado a um braço lateral da cânula aórtica. Os sinais dos transdutores foram transmitidos para um sistema de aquisição de dados e de análise (Isoheart, Hugo Sachs Elektronik, Alemanha), no quais os dados foram continuamente registrados para posterior análise.

Protocolo de reperfusão

Depois de um período de estabilização de 25 min, os corações foram submetidos a diferentes períodos de isquemia global (20, 25 ou 30 min), por meio da interrupção do fluxo de perfusão. Em seguida, foram reperfundidos por 30 min apenas com Krebs-Henseleit (KH) ou com a adição de 400 nmol/L de angiotensina-I ou 400 nmol/L de angiotensina-I + 100 µmol/L de captopril (AC), pelo restabelecimento do fluxo de perfusão. Para garantir o funcionamento fisiológico, os corações que não exibiram FC de, pelo menos, 210 batimentos/min, ou PSVE e PP de, pelo menos, 60 mm Hg ao final do período de estabilização foram excluídos.

Análise estatística

Todos os parâmetros medidos foram expressos em relação aos valores basais (comparações entre os dados obtidos antes e depois da isquemia). Os dados foram apresentados como média ± EPM. Os grupos foram comparados a partir da análise de variância (ANOVA) de dois fatores para medidas repetidas, seguidos pelo teste pots hoc de Tukey (Sigma Stat, versão 3.1 para Windows). O valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

Resultados

Todos os corações isolados perfundidos apresentaram uma função cardiovascular basal semelhante (PSVE, PDFVE, PDVE, PFP, FC, PP, +dP/dtmax, e -dP/dtmax) antes da isquemia (Tabela 1).Os dados hemodinâmicos registrados após os tempos de isquemia estão exibidos na Figura 1.


 








As mudanças na recuperação do +/-dP/dtmax estão demonstradas na Figura 1A: a recuperação do +/-dP/dtmax foi significativamente reduzida nos grupos KH submetidos a 25 e 30 min de isquemia (74 e 80%, respectivamente), em comparação ao grupo KH submetido a 20 min de isquemia. A angiotensina-I causou uma redução de 87 a 94% na +/-dP/dtmax em todos os períodos de isquemia, em comparação aos valores basais. Esses efeitos da angiotensina-I foram completamente revertidos pelo captopril no protocolo de 20 min de isquemia. No entanto, após 25 min de isquemia, o captopril foi capaz apenas de reverter o efeito da angiotensina-I na recuperação da -dP/dtmax. Após 30 min de isquemia, o captopril não reverteu os efeitos da angiotensina-I.

Uma vez que as recuperações da PDVE e do produto frequência-pressão foram quase idênticas, apenas a recuperação do produto frequência-pressão é apresentada (Figura 1B). O produto frequência-pressão foi significativamente reduzido nos grupos KH submetidos a 25 e 30 min de isquemia (73 e 78%, respectivamente), em comparação ao grupo KH submetido a 20 min de isquemia. A angiotensina-I causou uma redução de 85 a 93% na recuperação do produto frequência-pressão em todos os períodos de isquemia, em comparação aos valores basais. Esse efeito da angiotensina-I foi revertido pelo captopril nos grupos submetidos a 20 min e 25 min de isquemia (85% e 29%, respectivamente, com base nos valores basais), mas não no protocolo de 30 min de isquemia.

A Figura1.C representa a PDFVE, que foi significativamente reduzida durante a reperfusão nos grupos KH submetidos a 25 e 30 min de isquemia (5.5 e 6 vezes, respectivamente), em comparação ao grupo KH submetido a 20 min de isquemia. A angiotensina-I causou um aumento de, aproximadamente, 6,9 vezes na recuperação da PDFVE em comparação ao grupo KH submetido a 20 min de isquemia. Esse efeito foi revertido pelo captopril. No entanto, nos grupos submetidos a 25 e 30 min de isquemia, a angiotensina-I e o captopril não tiveram qualquer efeito significativo na PDFVE.

A PP, ilustrada na Figura1.D, foi significativamente aumentada durante a reperfusão nos grupos KH submetidos a 25 e 30 min de isquemia (1.08 e 1.10 vezes, respectivamente), em comparação ao grupo KH submetido a 20 min de isquemia. A angiotensina-I causou um aumento de, aproximadamente, 1,25 vezes na recuperação da PP, em comparação ao grupo KH submetido a 20 min de isquemia. Esse efeito foi parcialmente revertido pelo captopril. No entanto, nos grupos submetidos a 25 e 30 min de isquemia, a angiotensina-I e o captopril não tiveram qualquer efeito significativo na PP.

Não houve diferenças significativas na PSVE ou na FC (dados não exibidos) entre os grupos, em diferentes protocolos de isquemia. Não houve interação entre os fatores analisados ​(tratamentos e tempo de reperfusão).

Discussão

Este estudo mostrou que, no modelo de coração de ratos isolado, 20 minutos de isquemia global resultam em disfunção contrátil leve ou moderada, enquanto períodos de isquemia mais longos podem levar à disfunção contrátil grave. Além disso, os efeitos da angiotensina-I e do captopril sobre a recuperação funcional foram mais bem demonstrados quando os corações foram submetidos a 20 min de isquemia. Este é o primeiro estudo que avalia a recuperação funcional e a capacidade de resposta da ECA em corações de ratos submetidos a três períodos de isquemia diferentes.

No modelo de coração isolado, tanto a isquemia quanto a reperfusão induzem a liberação de enzimas cardíacas16-18,20. No entanto, apesar de importantes, os resultados apresentados são discordantes e ilustram a falta de padronização entre os diferentes ensaios e a sensibilidade dos métodos utilizados. Além disso, os dados são frequentemente expressos em várias unidades (unidade/mg de proteína, unidade/g de peso seco etc.), o que torna difícil comparar os resultados. Devido a esse fato, preferimos usar vários índices funcionais para avaliar a extensão da lesão tecidual na cardiopatia isquêmica, uma vez que consideramos que essa abordagem seria mais reprodutível.

O período das alterações cardiovasculares induzidas pela isquemia global (20, 25 e 30 min) no modelo de coração de ratos isolado mostrou que, quando os corações foram expostos a 20 min de isquemia, a recuperação funcional reduziu na fase inicial de reperfusão, mas não no fim da reperfusão (30 min), sugerindo que o grau de dano tecidual foi leve ou moderado. No entanto, quando o período de isquemia aumentou para 25 ou 30 min, uma redução acentuada na recuperação funcional foi observada, conforme indicado pelo menor +/-dP/dtmax e produto frequência-pressão e pela maior PDFVE e PP durante o período de reperfusão. Assim, quando o tempo de isquemia exceder 20 min, a consequência é a contratura do miocárdio, sugerindo um alto grau de dano tecidual. Essa provavelmente é a causa da menor capacidade de resposta demonstrada pelo tecido cardíaco quando o período de isquemia foi aumentado de 25 para 30 min.

Esses achados estão de acordo com os dados funcionais e metabólicos anteriores de Wang e cols.21 e Palmer e cols.16, que relataram uma disfunção pós-isquêmica leve quando curtos períodos de isquemia global (15-20 min) foram empregados, embora tenham observado uma disfunção miocárdica grave com elevação persistente da creatina quinase após 25 min de isquemia, sugerindo uma lesão miocárdica irreversível. Esses resultados, juntamente com os do presente estudo, sugerem que a transição de dano tecidual leve ou moderado para grave ocorre após 20 min de isquemia global. No entanto alterações no tampão de perfusão (por exemplo, concentração de substrato e composição22, fluxo23 e temperatura24) podem modificar esse limiar isquêmico.

Muitos relatos confirmam que a atividade da ECA está presente no tecido cardíaco e que o sistema renina-angiotensina pode modular a homeostase cardiovascular por meio de seus sistemas local e sistêmico12-14,25. No entanto, no modelo de coração de ratos isolado, o substrato (angiotensina-I) deve ser adicionado no perfusato para estudar a ECA local12-14. No presente estudo, a adição de angiotensina-I ao perfusato resultou em uma diminuição acentuada na recuperação funcional do VE, conforme indicado pelo +/-dP/dtmax e produto frequência-pressão mais baixos em todos os períodos de isquemia testados. Essa constatação também é corroborada por maiores PDFVE e PP encontradas em grupos submetidos a 20 min de isquemia. Relatos anteriores também mostraram que a angiotensina-I e a angiotensina-II reduziram a contratilidade cardíaca ou a constrição das artérias coronárias9,15, mas outros autores não observaram qualquer efeito deletério induzido por esses compostos26. Os efeitos deletérios da angiotensina na função cardíaca podem envolver uma produção de ERO aumentada, uma vez que os estudos indicam que a angiotensina-I pode estimular a oxidase de NADPH27.

Os efeitos da angiotensina-I sobre a recuperação funcional do VE foram totalmente ou parcialmente revertidos pelo captopril nos grupos submetidos a 20 e 25 min (mas não a 30 min) de isquemia, sugerindo que dependem da conversão local para a angiotensina-II. É provável que fatores múltiplos tenham um papel no efeito protetor dos inibidores da ECA na lesão de isquemia-reperfusão: diminuem a infiltração de leucócitos28, possui efeitos anti-inflamatórios29 e propriedades de captura dos radicais livres30, e efeitos mediados pelo aumento dos níveis de bradicinina e prostaglandina31. Uma vez que a inibição da ECA pode aumentar os níveis circulantes da angiotensina-I (1-7)32, esta pode mediar alguns desses efeitos cardiovasculares33,34. A incapacidade do captopril abolir completamente as respostas mediadas pela angiotensina é possivelmente um resultado da atividade intrínseca da angiotensina-I, uma vez que a formação da angiotensina-II em corações intactos de ratos depende principalmente da ECA12,13. No entanto, muitos caminhos alternativos para formar a angiotensina-II (cimase, calicreína e catepsina G) podem ser ativados em diversas condições patológicas, tais como isquemia, hipercolesterolemia, hipertensão e inflamação35.

Esses resultados mostraram que a recuperação funcional do VE foi significativamente reduzida e proporcionalmente menos afetada pela angiotensina-I ou pelo captopril, quando o coração foi exposto a mais de 20 min de isquemia. Dessa forma, a baixa capacidade de resposta do tecido cardíaco às drogas deve-se à contratura isquêmica, ao invés do possível esgotamento da ECA cardíaca.

Em conclusão, 20 min de isquemia global são, provavelmente, o melhor período para o estudo da disfunção contrátil do miocárdio leve à moderada, em um nível que possa ser atenuada ou agravada pelas drogas testadas. Períodos mais longos de isquemia levam a um dano miocárdico ainda mais intenso, com o desenvolvimento de contratura isquêmica, que não pode ser revertida por drogas testadas durante a reperfusão. Dessa maneira, a abordagens farmacológicas testadas durante esses períodos podem não ter efeito por razões metodológicas. Ademais, esses dados sugerem que a angiotensina-II participa direta ou indiretamente no dano pós-isquêmico e que a capacidade de um inibidor da ECA atenuar esse dano, depende do tempo de isquemia.

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer a Sra. Tânia R.G. Fernandes (Instituto de Ciências Básicas da Saúde/Universidade Federal do Rio Grande do Sul (ICBS/UFRGS) pela sua assistência técnica.

Esta pesquisa foi suportada por concessões da CAPES, CNPq, FAPESP e FAPERGS, agências de pesquisa brasileiras.

Os autores relatam não haver conflito de interesse relacionado ao conteúdo deste manuscrito.

Artigo recebido em 22/12/10; revisado recebido em 18/02/11; aceito em 25/02/11.

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  • Correspondência:

    Ubirajara Oliveira de Oliveira
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Nov 2011

    Histórico

    • Recebido
      22 Dez 2010
    • Aceito
      25 Fev 2011
    • Revisado
      18 Fev 2011
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