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Caso 6/2011 - mulher de 27 anos de idade com origem anômala da artéria coronária esquerda do tronco pulmonar

CORRELAÇÃO CLÍNICO-RADIOGRÁFICA

Caso 6/2011 - mulher de 27 anos de idade com origem anômala da artéria coronária esquerda do tronco pulmonar

Edmar Atik

Hospital Sírio-Libanês, São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Edmar Atik Rua Dona Adma Jafet, 74 conj. 73 - Bela Vista 01308-050 - São Paulo, SP - Brasil E-mail: eatik@cardiol.br, conatik@incor.usp.br

Palavras-chave: Origem anômala da artéria coronária esquerda, cardiopatia congênita, complicações

Aspectos clínicos

Sopro cardíaco havia sido auscultado na infância e também aos 18 anos de idade. Durante anos, manteve-se com sintomas vagos de dispneia e de dor precordial irradiada para o membro superior esquerdo. Dilatação da artéria coronária direita, visibilizada por ecocardiograma, orientou para diagnóstico presuntivo inicial de doença de Kawasaki, o qual foi recentemente descartado por estudo angiográfico. Estava em uso de ácido acetilsalicílico.

Em exame físico, apresentou-se em bom estado geral, eupneica, corada, com pulsos normais, peso de 65 Kg, altura de 156 cm, PA de 110/70 mmHg e FC de 86 bpm. A aorta não foi palpada na fúrcula. O precórdio estava sem deformidades ou impulsões e o ictus cordis não foi palpado. As bulhas eram normofonéticas e auscultava-se sopro sistólico, +/++ de intensidade, timbre suave, de ejeção, nos 3º, 2º e 1º espaços intercostais esquerdos na borda esternal. O fígado não era palpado.

Exames complementares

Eletrocardiograma

Mostrava ritmo sinusal e sinais de fibrose septal dada a ausência de potenciais do primeiro vetor cardíaco em V1 e em V6. Não havia sinais de sobrecarga cavitária, mas hemibloqueio anterior esquerdo (Figura 1).


Radiografia de tórax

Mostra discreto aumento da área cardíaca à custa do arco ventricular esquerdo. O arco médio era abaulado e a trama vascular pulmonar ligeiramente proeminente (Figura 1).

Ecocardiograma

Mostrava aumento das cavidades esquerdas (AE = 37 mm, Ao = 30 mm, DDVE = 69 mm, DSVE = 47 mm), além da dilatação da artéria coronária direita (9 mm) em relação à esquerda (4 mm). A função de ventrículo esquerdo estava preservada com fração de encurtamento da fibra miocárdica de 32,0%.

Angiografia e cateterismo cardíacos e tomografia torácica

Estabeleceram o diagnóstico da origem anômala da artéria coronária esquerda do tronco pulmonar. A coronária direita era dilatada e nutria a coronária esquerda por acentuada circulação colateral propiciando fluxo da esquerda para a direita ao nível do tronco pulmonar (Figura 2).


Diagnóstico

Origem anômala da artéria coronária esquerda do tronco pulmonar, com fluxo em direção à árvore arterial pulmonar, em paciente pouco sintomático.

Raciocínio clínico

O diagnóstico deste defeito é, em geral, apontado quando há exteriorização clínica por insuficiência cardíaca em face de miocardiopatia isquêmica que se instala nos primeiros meses de idade. No entanto, em presença de circulação colateral mais acentuada entre as duas artérias coronárias (caso presente), e ainda com desvio de sangue da artéria coronária para a árvore arterial pulmonar, instala-se então quadro de fístula arteriovenosa, tipo canal arterial. Por isso, identificou-se neste caso o predomínio da sobrecarga de volume de ventrículo esquerdo sobre o processo isquêmico miocárdico (fibrose septal no ECG). Os sintomas vagos, o sopro sistólico suave na área pulmonar, a fibrose septal no eletrocardiograma, a trama vascular pulmonar aumentada poderiam retrospectivamente ter orientado para o diagnóstico de tal anomalia. A ecocardiografia poderia também ter avançado no diagnóstico, caso a suspeita clínica tivesse alertado para tal. Daí, a importância da análise de todos os achados em conjunto.

Diagnóstico diferencial

Cardiopatias congênitas acianogênicas com hiperfluxo pulmonar devem ser evocadas na diferenciação. De todas, o canal arterial, a janela aortopulmonar e as fístulas arteriovenosas em geral se aproximam mais do quadro apresentado. A comunicação interatrial se exterioriza por sobrecarga de volume das cavidades direitas, a comunicação interventricular nessa faixa etária se apresenta por sobrecarga esquerda e com dilatação discreta do tronco pulmonar.

Conduta

A correção operatória do defeito foi considerada em vista da repercussão das alterações decorrentes do hiperfluxo pulmonar e também do processo isquêmico.

À operação, ambas artérias coronárias eram muito dilatadas (10 mm de diâmetro), assim como o tronco pulmonar. A coronária esquerda emergia da parede posterior do tronco pulmonar em visibilização direta após incisão nesta estrutura. A partir de então, reconstruiu-se um tubo com retalho do próprio tronco pulmonar que, contendo o óstio coronário, foi anastomosado com a parede lateral da aorta ascendente. O pós-operatório, complicado por arritmia (taquicardia paroxística supraventricular) e por anemia decorrente de sangramento perioperatório na zona da via de saída do ventrículo esquerdo, exigiu cuidados que estenderam a alta até o 12º dia depois da operação. No eletrocardiograma, não houve alterações e a função ventricular continuava preservada.

Considerações

A origem anômala da artéria coronária esquerda, geralmente do tronco pulmonar, tem se beneficiado ultimamente pela realização de diagnóstico mais precoce, quando, em típico quadro de miocardiopatia dilatada, há alteração característica de isquemia miocárdica no eletrocardiograma. Tal exteriorização manifesta-se precocemente nos primeiros meses de vida, antevista por irritabilidade persistente, choro incoercível, sudorese e cansaço, prenúncios de processo isquêmico miocárdico. Sem dúvida, esse quadro inicial deve ser mais valorizado para a realização do diagnóstico mais precoce ainda de tal anomalia, a fim de que a intervenção operatória possa ser feita idealmente até antes da instalação da deterioração cardíaca mais acentuada.

No entanto, em presença de circulação colateral mais exuberante entre as duas artérias coronárias, o quadro se afigura mais brando e na evolução a isquemia se mostra discreta, assim como o hiperfluxo pulmonar. Mesmo assim, esses pacientes devem ser corrigidos anatomicamente, antes que se instalem alterações mais significativas.

Artigo recebido em 29/07/10; revisado recebido em 13/01/11, aceito em 13/01/11.

  • Correspondência:

    Edmar Atik
    Rua Dona Adma Jafet, 74 conj. 73 - Bela Vista
    01308-050 - São Paulo, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Nov 2011
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