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Biofilme em marca-passo artificial: ficção ou realidade?

Resumos

A estimulação cardíaca artificial por meio de marca-passo cardíaco representa uma das alternativas mais promissoras no tratamento das arritmias, entretanto pode ocasionar reações singulares ou complexas, precoces ou tardias. Neste estudo, objetivou-se descrever as evidências científicas sobre o risco de infecção e formação de biofilme associado ao marca-passo cardíaco. Trata-se de um estudo de revisão integrativa da literatura. Totalizaram-se 14 publicações classificadas em três categorias temáticas: diagnóstico (microbiológico e/ou clínico), complicações e terapêutica das infecções. Os Staphylococcus epidermidis e os Staphylococcus aureus foram os microrganismos mais frequentemente isolados. Não foi possível determinar a incidência da infecção associada aos marca-passos, uma vez que os estudos eram em geral de prevalência. Em termos de terapêutica destacou-se a remoção completa dos marca-passos, especialmente nos casos de suspeita de biofilme. Ainda é controverso o uso da profilaxia antibiótica sistêmica na redução da incidência da infecção associada ao implante de marca-passo

Marca-passo artificial; biofilmes; infecções relacionadas à prótese


Cardiac pacing through cardiac pacemaker is one of the most promising alternatives in the treatment of arrhythmias, but it can cause reactions natural or complex reactions, either early or late. This study aimed to describe the scientific evidence on the risk of infection and biofilm formation associated with cardiac pacemaker. This is a study of integrative literature review. It included 14 publications classified into three thematic categories: diagnosis (microbiological and/or clinical), complications and therapy of infections. Staphylococcus epidermidis and Staphylococcus aureus were the microorganisms most frequently isolated. It was not possible to determine the incidence of infection associated with pacemakers, since the studies were generally of prevalence. In terms of therapy, the complete removal of pacemakers stood out, especially in cases of suspected biofilm. Still controversial is the use of systemic antibiotic prophylaxis in reducing the incidence of infection associated with implantation of a pacemaker

Pacemaker; artificial; biofilms; prosthesis-related infections


La estimulación cardíaca artificial por medio de marcapaso cardíaco representa una de las alternativas más promisorias en el tratamiento de las arritmias, sin embargo, puede ocasionar reacciones singulares o complejas, precoces o tardías. En este estudio, el objetivo fue describir las evidencias científicas sobre el riesgo de infección y formación de biofilm asociado al marcapaso cardíaco. Se trata de un estudio de revisión integrante de la literatura. Se totalizaron 14 publicaciones clasificadas en tres categorías temáticas: diagnóstico (microbiológico y/o clínico), complicaciones y terapéutica de las infecciones. Los Staphylococcus epidermidis y los Staphylococcus aureus fueron los microorganismos más a menudo aislados. No se pudo determinar la incidencia de la infección asociada a los marcapasos, pues los estudios eran en general de prevalencia. En términos de terapéutica se destacó la retirada completa de los marcapasos, especialmente en los casos en que se sospechaba de biofilm. Todavía es algo controvertido el uso de la profilaxis antibiótica sistémica para la reducción de la incidencia de la infección asociada al implante de marcapaso

Marcapaso artificial; biofilms; infecciones relacionadas con la prótesis


ATUALIZAÇÃO CLÍNICA

Biofilme em marca-passo artificial: ficção ou realidade?

Ana Paula Azevedo SantosI; Evandro WatanabeII; Denise de AndradeI

IEscola de Enfermagem de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo

IIFaculdade de Odontologia de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Denise de Andrade Avenida dos Bandeirantes, 3900 - Campus Universitário - Monte Alegre 14040-902 - Ribeirão Preto, SP, Brasil E-mail: dandrade@eerp.usp.br

RESUMO

A estimulação cardíaca artificial por meio de marca-passo cardíaco representa uma das alternativas mais promissoras no tratamento das arritmias, entretanto pode ocasionar reações singulares ou complexas, precoces ou tardias. Neste estudo, objetivou-se descrever as evidências científicas sobre o risco de infecção e formação de biofilme associado ao marca-passo cardíaco. Trata-se de um estudo de revisão integrativa da literatura. Totalizaram-se 14 publicações classificadas em três categorias temáticas: diagnóstico (microbiológico e/ou clínico), complicações e terapêutica das infecções. Os Staphylococcus epidermidis e os Staphylococcus aureus foram os microrganismos mais frequentemente isolados. Não foi possível determinar a incidência da infecção associada aos marca-passos, uma vez que os estudos eram em geral de prevalência. Em termos de terapêutica destacou-se a remoção completa dos marca-passos, especialmente nos casos de suspeita de biofilme. Ainda é controverso o uso da profilaxia antibiótica sistêmica na redução da incidência da infecção associada ao implante de marca-passo.

Palavras-chave: Marca-passo artificial/tendências, biofilmes, infecções relacionadas à prótese.

Introdução

A estimulação cardíaca artificial foi introduzida na prática clínica nos anos 50 com o objetivo primordial de eliminar os sintomas e reduzir a mortalidade dos pacientes com bloqueios atrioventriculares avançados. O avanço da tecnologia de fabricação e de implante do marca-passo, aliado ao conhecimento eletrofisiopatológico dos distúrbios de condução cardíaca, permitiu um progresso consistente na estimulação cardíaca artificial, extremamente diversificada no seu modo de funcionamento, com alta confiabilidade, segurança e cada vez mais fisiológica1.

Apesar da cirurgia de implante de marca-passo ser considerada de menor complexidade, é importante atentar que, por ser um procedimento invasivo e representar um corpo estranho, coloca o paciente em risco para diversas complicações, ora decorrentes de falhas dos geradores, dano tecidual ou até da técnica cirúrgica de implante2,3. A diversidade de arsenal e de condutas tem proporcionado melhoria na técnica cirúrgica, entretanto, há escassez de informações sobre as implicações e os efeitos destas melhorias4.

Uma das preocupações entre os profissionais é o risco da formação de biofilme e, consequentemente, de infecção. Nas últimas décadas, o biofilme tem sido largamente responsabilizado por infecções nosocomiais, especialmente nos implantes de próteses, tubos, sondas e cateteres5-7. Especula-se que a presença de marca-passos favoreça a colonização microbiana, contribuindo sobremaneira para o desenvolvimento de biofilme, o que talvez possa justificar a ocorrência de endocardite6-10.

É oportuno destacar que o biofilme é constituído de uma comunidade estruturada por células microbianas aderidas a uma superfície sólida e envolta em matriz de substâncias poliméricas extracelulares. Essa associação microbiana constitui uma forma de proteção contra o seu desenvolvimento, fomentando relações simbióticas e de tolerância aos antimicrobianos. A literatura sobre biofilme como fator de risco para saúde teve um avanço a partir da década de 905. A formação do biofilme envolve uma sequência de eventos, como a aderência inicial reversível dos microrganismos à superfície do substrato sólido, multiplicação microbiana, produção da matriz de substâncias poliméricas extracelulares e o desprendimento das células sésseis, que, em forma planctônica, poderão ocasionar infecção ou a formação de biofilme em outros locais.

No biofilme, existem microcolônias heterogêneas, constituídas de células microbianas de uma (monomicrobiana) ou mais espécies (polimicrobiana), funcionalmente organizadas, onde os microrganismos são protegidos da ação dos macrófagos e antibióticos. Mais ainda, o biofilme é composto aproximadamente, entre 10 e 25%, por microrganismos, e, entre 75 e 90%, por substâncias poliméricas extracelulares11.

Uma das preocupações entre os estudiosos é o comprometimento infeccioso que o biofilme desencadeia e, em muitos casos de implantes, a substituição do dispositivo é a alternativa mais indicada11. Nesse sentido, acrescente-se que é primordial a investigação de biofilme quando houver persistência de infecção12.

Particularmente, o implante de marca-passo é um procedimento caracterizado por um baixo índice de complicações, entretanto, a infecção, principalmente a de loja de fonte geradora, apresenta-se como uma das complicações mais comuns, com incidências variando entre 1-5%3-17. Apesar da baixa incidência, tais infecções apresentam evolução preocupante e, na maioria das vezes, com alta morbidade e potencialmente fatais.

Diversas condutas têm sido descritas para o tratamento da infecção de loja de marca-passo. As abordagens terapêuticas mais conservadoras parecem cursar com maiores índices de recidiva ou falência de tratamento2-18, sendo os melhores resultados relacionados às abordagens mais agressivas, com remoção completa e implante de novos sistemas endocárdicos3-8, conduta esta geralmente associada à alta permanência hospitalar e aos elevados custos3.

Diante do exposto, objetivou-se descrever as evidências científicas a respeito da formação de biofilme e da ocorrência de infecção associadas aos marca-passos cardíacos a fim de identificar as principais recomendações de prevenção e controle. Também se almeja avaliar nos estudos a incidência da infecção, bem como a microbiota presente em marca-passos. Buscou-se como referencial teórico a Prática Baseada em Evidências que, diante de um problema clínico, permite avaliar criticamente a produção do conhecimento científico para subsidiar a tomada de decisão19.

Métodos

O método utilizado foi revisão integrativa da literatura, que faz parte da Prática Baseada em Evidências e que permite a síntese das evidências disponíveis sobre uma delimitada questão, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento sobre o tema investigado19.

A seleção dos artigos foi subsidiada no questionamento: O que tem sido publicado sobre a formação de biofilme e a ocorrência de infecção relacionada aos marca-passos cardíacos?

Para a busca dos artigos, foram utilizadas as bases de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System (MEDLINE), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) e Biblioteca Cochrane, com acesso via internet. Os descritores foram biofilmes (biofilms), marca-passo artificial cardíaco (pacemakers artificial cardiac) e infecção (infection), selecionadas a partir das definições no Medical Subject Headings (MESH) e nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCs) da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS).

Os estudos selecionados foram classificados segundo nível de evidência: 01) revisão sistemática ou metanálise de ensaios clínicos randomizados controlados; 02) pelo menos um ensaio clínico randomizado controlado bem delineado; 03) ensaios clínicos bem delineados sem randomização; 04) provenientes de coorte e caso-controle bem delineados; 05) revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos; 06) único estudo descritivo ou qualitativo; e 07) opinião de autoridades ou relatórios de comitês de especialistas20.

As publicações sobre a temática obtidas na íntegra, nos idiomas português, inglês e espanhol, foram incluídas. Como critérios de exclusão estabeleceram-se: estudos estruturados em modelo animal e aqueles referentes exclusivamente à técnica de implante de marca-passo. Assim, mediante a leitura criteriosa do título e resumo do artigo, a fim de verificar a adequação com a questão norteadora, totalizou-se 14 publicações, 05 no MEDLINE, dois no LILACS, 05 no CINAHL e três na Biblioteca Cochrane, sendo que, um mesmo artigo foi identificado em duas bases de dados.

Resultados e discussão

Totalizaram-se 14 publicações a partir de 1984, sendo 06 realizadas nos Estados Unidos, duas na Espanha, e apenas uma na Áustria, uma no Brasil, uma no Canadá, uma na Finlândia, uma na França e uma na Suécia. Nesse sentido, 12 eram no idioma inglês, uma em português e uma em espanhol. No Quadro 1, tem-se a apresentação dos diferentes delineamentos dos estudos e dos níveis de evidências. Assim, nenhum estudo de revisão sistemática ou metanálise de ensaios clínicos randomizados controlados foi evidenciado, apenas dois (14,3%) com nível de evidência 02, 08 (57,1%) com nível 04 (coorte e caso-controle bem delineados) e 04 (28,6%) com níveis 06 e 07.


O Quadro 2, sinopse das publicações acerca das infecções decorrentes dos implantes de marca-passos cardíacos, revelou que o foco de atenção dos pesquisadores permearam aspectos relacionados à microbiologia, à clínica, às complicações e à terapêutica. Especialmente sobre a temática biofilme em marca-passos, verificou-se apenas dois (14,3%) trabalhos. Especula-se que a ocorrência da formação de biofilme é inevitável, entretanto a sua confirmação em marca-passos envolve a remoção do artefato implantado, bem como tecnologia avançada de microscopia eletrônica de varredura.


No que concerne aos aspectos de etiologia microbiana, verificou-se uma preocupação centrada na espécie e no perfil de sensibilidade ou multirresistência das cepas aos antimicrobianos. A ênfase é a adequação da terapêutica antimicrobiana. Do total, apenas dois (14,3%) estudos foram ensaios clínicos sobre antibioticoterapia profilática. Tema esse ainda polêmico entre cirurgiões e infectologistas, seja na profilaxia e/ou terapêutica.

Cabe destacar que os resultados desta pesquisa não permitem determinar a real situação da ocorrência de infecção associada aos marca-passos, uma vez que os estudos se reportam a situações isoladas. Nesse sentido, os dados sobre a ocorrência de biofilme em marca-passos são escassos, considerando tratar-se de um agravo complexo e de difícil diagnóstico. Adicione-se que a população propensa ao uso desse dispositivo, em geral, é de idosos com antecedentes de arritmias, faixa etária elevada e, portanto, com maior probabilidade de complicações infecciosas. Outro aspecto que dificulta a notificação é que o aparecimento dos sintomas de infecção pode ser tardio, muitas vezes não associado e nem tratado como biofilme.

No entanto, a incidência de infecções relacionadas a dispositivos cardíacos foi relatada entre 0,5% e 12%. Em publicações recentes, a incidência é menor do que 5%%8 ou se aproxima de 7%%21. A endocardite associada ao eletrodo do marca-passo é rara, mas sua ocorrência é considerada uma infecção grave. Estimou-se que sua incidência entre endocardites é de 19,9%, no entanto, esta taxa provavelmente tem sido superestimada pela ausência de critérios rigorosos de diagnóstico. Endocardite associada ao eletrodo do marca-passo foi descrita em 16 pacientes do grupo de remoção transvenosa e 11 do grupo de circulação extracorpórea10.

Nos Estados Unidos, anualmente cerca de um milhão de casos de infecções nosocomiais está associada a dispositivos e cerca de dois terços são causados por Staphylococcus aureus ou Staphylococcus epidermidis12. Ainda aproximadamente 1%% dos pacientes com estimuladores endocardíacos desenvolveu sepse22. Infecções associadas a marca-passos geralmente são causadas por S. epidermidis ou S. aureus4,9,12,24,26,27, houve apenas um caso de infecção por Aspergillus spp.23. Greenspon e cols.9 mostraram que S. aureus foi a causa mais comum de endocardite associada ao marca-passo (53%%), seguido por S. epidermidis (22%%) e estreptococos (12%%). As infecções precoces ocorreram no prazo de 06 meses e as tardias em aproximadamente 32 meses. Também destacaram que a microbiota da pele é a origem provável para endocardite associada ao eletrodo do marca-passo9. Esses dados nos remetem aos estudos sobre a formação de biofilme que justifica o tempo prolongado para o aparecimento dos primeiros sintomas de infecção.

Em outro estudo, S. epidermidis foi o microrganismo que causou mais infecções relacionadas aos marca-passos24. Sendo que a infecção pode envolver qualquer parte do marca-passo: a bolsa, os eletrodos e a área de implante dos eletrodos no endocárdio21. Além disso, a formação do biofilme por S. epidermidis pode ser influenciada pela superfície do metal18.

As infecções associadas a implantes cirúrgicos são geralmente mais difíceis de tratar, pois requerem um longo período de terapia com antibióticos e repetidos procedimentos cirúrgicos, com drásticas consequências clínicas e econômicas. A mortalidade é mais elevada entre pacientes com implantes cardiovasculares e o custo do dispositivo constitui uma pequena fração em relação ao montante destinado ao tratamento da infecção relacionada ao implante. Os objetivos clínicos mais importantes no tratamento dessas infecções são: tratar a infecção, evitar a reincidência, preservar a função, anular o risco de endocardite e reduzir o risco de morte. Na maioria das vezes, esses objetivos podem ser alcançados pela terapia antimicrobiana e intervenção cirúrgica. E, talvez, avançar na confecção e utilização de marca-passos cardíacos impregnados com agentes antimicrobianos. O diagnóstico de infecção pelo implante exige a presença de manifestações clínicas e de agentes patógenos em amostras cirúrgicas, sendo que culturas de sangue podem ser negativas em casos de infecção relacionada à marca-passos, salvo na endocardite associada12.

Em um estudo sobre diferentes modalidades de tratamento de 38 pacientes com infecção relacionada ao dispositivo cardíaco, obtiveram 12 pacientes tratados apenas com antibióticos, 19 tiveram a remoção do dispositivo, reimplante seguido por curtos períodos de antibióticos (10-14 dias) e 07 pacientes receberam um período maior de 06 semanas de antimicrobiano. No primeiro grupo, houve reincidência da infecção e, nos outros dois, os pacientes tiveram a infecção completamente resolvida. Isso demonstra a importância da remoção do dispositivo no tratamento dessas infecções21.

De acordo com Darouiche12, a maioria dos implantes contaminados por S. aureus ou Candida spp. requer a remoção cirúrgica. O autor justifica que é indicada a remoção total mesmo que a contaminação esteja somente na bolsa do marca-passo, pois, as outras partes do dispositivo também podem estar contaminadas. Já nos pacientes que respondem à terapia medicamentosa, o implante não deve ser retirado. Embora a remoção do implante esteja associada à solução da infecção, ela tem que ser autorizada nos pacientes que apresentam risco de complicações intraoperatórias e pós-operatórias12.

Como mencionado, a terapêutica da infecção associada ao sistema de marca-passo cardíaco artificial é diversa. Nos casos de comprometimento sistêmico com sepse ou endocardite, ainda há uma tendência às abordagens mais agressivas com antibioticoterapia endovenosa prolongada (04 - 12 semanas), remoção e troca completa dos sistemas endocárdicos.

O resultado da cultura microbiana é outro aspecto que direciona a terapêutica, ou seja, abordagem conservadora nos casos de S. epidermidis ou intervenção agressiva para o S. aureus têm sido as aconselhadas. Assim, utiliza-se a antibioticoterapia associada ao reposicionamento do gerador ou à remoção completa dos sistemas endocárdicos e implante de um novo, antibioticoterapia associada a medidas locais e irrigação, dentre outras. Todas articuladas a longos períodos de internação, altos custos e resultados controversos. A técnica de implante subpeitoral mostrou-se como uma alternativa viável no tratamento da infecção da loja de fonte geradora de marca-passo, apresentando 100% de eficácia, um curto período de internação e um menor custo. No entanto, ainda são necessários estudos e seguimentos para uma conclusão definitiva3-12.

Estudiosos revelaram que a sinergia de diferentes combinações de antibióticos contra biofilmes de S. epidermidis variou com o tempo de formação destes biofilmes (06, 24, 48 horas). Em geral, todas as combinações de antibióticos foram eficazes em biofilmes novos. A combinação entre vancomicina e rifampicina teve efeito bactericida em 06 horas, e nos biofilmes antigos, as combinações com tetraciclina foram mais eficazes. Ficou evidente a dificuldade de erradicar os biofilmes mais antigos21,23.

Existem genes de mediação de formação de biofilme, tais como genes de anexo (fbe e atlE) e aderência (ica), que foram observados na maioria das cepas de S. epidermidis isoladas de pacientes com marca-passo. Esses dados indicam um papel importante dos genes de aderência nas infecções em marca-passos24.

No estudo de Marrie e cols.22,a microscopia eletrônica de varredura revelou uma colonização diferente no eletrodo do marca-passo e o microrganismo S. aureus foi isolado em vários sítios. Um extenso biofilme na superfície interna do eletrodo foi evidenciado e na superfície externa havia uma enorme massa de biofilme com uma população de células bacterianas aderidas.Todas as áreas com fissuras acumularam biofilme, o que talvez justifique a dificuldade de ação da terapia com antibióticos22. Por isso, na maioria dos casos, a remoção dos sistemas endocárdicos é indicada2-10,12,22.

De maneira controversa,Bluhm e cols.4 explicam que o uso de técnica cirúrgica moderna articulada a meticulosa prática de assepsia exclui o uso da profilaxia antibiótica sistêmica no implante de marca-passo.

Há razões para esperar que a evolução da tecnologia de marca-passos tenha impacto sobre a redução das taxas de complicações. Aspectos como o tamanho reduzido do gerador, a qualidade e durabilidade dos eletrodos aumentaram, técnicas de implante e de assepsia foram aperfeiçoadas. Entretanto, os estimuladores implantados do tipo câmara dupla, com introdução de dois eletrodos, resultam em tempo de implante mais longo, aumentando as taxas de complicações. No acompanhamento de 27 meses após o implante, aproximadamente 14% dos pacientes sofreram uma complicação. Na maioria dos casos, as complicações do ponto de vista clínico eram baixas e sem óbito. Nesse estudo, as taxas de infecção foram semelhantes em pacientes que receberam antibióticos (1,2%) e os que não receberam (1,7%), porém não houve aleatorização dos participantes nos grupos25. O benefício da administração de antibióticos para reduzir o risco de infecções ainda é polêmico.

Ainda é oportuno destacar os seguintes fatos:

• A formação de polissacarídeo extracelular por S. epidermidis foi consideravelmente maior em marca-passos do que nos cateteres intravenosos, o que torna a ameaça por biofilme ainda maior26.

• As dificuldades inerentes à segurança do reprocessamento de artigos também representa um elevado risco de contaminação. Há relato de reprocessamento de marca-passos retirados de pacientes que estavam com infecção2.

• A profilaxia antibiótica, embora controversa, parece promissora na prevenção de complicações infecciosas após implante de marca-passo8,10,27.

• Em termos de perfil de sensibilidade, estudiosos verificaram que 67% das infecções estavam associadas ao S. aureus resistente à meticilina, sugerindo que este é um agente patogênico importante para endocardite associada ao eletrodo do marca-passo9.

• Uma nova técnica para o manejo da infecção de loja de marca-passo sem a retirada dos sistemas endocárdicos mostrou-se, a princípio, uma alternativa viável e com baixo custo, no entanto, ainda é necessário estudos de seguimento para uma conclusão definitiva3. Esse foi o único estudo que propôs uma alternativa para o tratamento da infecção relacionada ao marca-passo e que teve bons resultados.

• Das complicações relacionadas ao marca-passo, 6,7% foram precoces e 7,2% tardias, sendo 3,1% relacionadas à implante25. No estudo de Maduro Maytin e cols.2, a infecção na bolsa do marca-passo foi uma complicação relacionada a reintervenções tardias (0,4%).

• Em relação ao biofilme, os genes de aderência foram quase sempre presentes em espécies recuperadas de pacientes com marca-passo, indicando o papel importante destes genes nos mecanismos de patogenicidade da infecção relacionadas ao marca-passo24. Diferenças de morfologias do biofilme podem refletir o grau ao qual a fibrina e outros materiais tornam-se incorporados ao biofilme em desenvolvimento26. A idade do biofilme pode interferir na ação do antibiótico, já que são mais eficazes nos biofilmes mais jovens. Ainda preveem que a resistência dos microrganismos aos antibióticos tornará o tratamento das infecções cardiovasculares mais difíceis21.

A profilaxia antibiótica sistêmica reduz significativamente a incidência de complicações infecciosas após o implante de marca-passo permanente8,10,27. Em outra investigação, não houve recorrência de infecção após a remoção do eletrodo do marca-passo, sendo um procedimento eficaz que pode ser aplicado mesmo em pacientes que demonstram biofilmes maiores que um centímetro. Por conseguinte, no marca-passo com biofilmes maiores que dois centímetros de diâmetro, a recomendação foi a remoção10. Maduro Maytin e cols.2 realizaram profilaxia com antibióticos em 24 horas antes do implante do marca-passo e 05 dias após, com um total de 0,4% de infecções tardias em reintervenções. Nesse particular, pesquisadores observaram que as infecções ocorreram nos pacientes que não receberam profilaxia com antibióticos27. Posto isso, as evidências são contundentes de que a melhor abordagem na erradicação da infecção associada a implantes de biomateriais e diminuição da mortalidade é a intervenção cirúrgica2-10,12,26. Parece-nos consenso de que todos os sistemas endocárdicos devem ser totalmente removidos para erradicar definitivamente a infecção por formação de biofilme.

Conclusão

O biofilme é um tema atual e ainda pouco estudado na área da cardiologia e menos ainda quando relacionado ao marca-passo. As condições relativas à natureza do biomaterial, somadas aos fatores de riscos inerentes aos pacientes, como extremos de idade, imunocomprometimento de causas variadas, doenças de base, caracterizam o perfil da situação que merece atenção. Nesse particular, pesquisas adicionais são necessárias para determinar a situação atual das complicações advindas do uso de marca-passos em diferentes populações de pacientes, considerando que os estudos analisados individualmente não sinalizaram diferenças estatisticamente significantes em relação às taxas de infecção.

Por outro lado, nenhum estudo explorou a natureza de biomateriais que constituem os marca-passos e a formação de biofilme. Assim, questiona-se: será que marca-passos impregnados com antimicrobianos reduziriam ou inibiriam a formação de biofilme?

Em síntese, os dados analisados mostram que o tema é de grande importância e tem sido pouco estudado, uma vez que em 24 anos somente 14 artigos foram publicados. Com relação ao profissional da enfermagem, mesmo que desempenhe um papel fundamental na assistência direta e/ou indireta ao paciente sujeito ao uso de marca-passo, tanto no implante como no acompanhamento, especialmente na detecção de sinais e sintomas de infecção, sua participação foi nula nesses estudos. Diante do risco de infecção associada a procedimentos invasivos, vale ressaltar o valor das medidas de prevenção.

Fica-nos também a reflexão acerca da importância das medidas de vigilância epidemiológica das infecções, principalmente no Brasil, país marcado pela diversidade cultural, por desigualdades socioeconômicas, por heterogêneos padrões de atendimento à saúde, em termos de estrutura física, tipo de clientela e ocorrência de infecção. Adicione-se que, historicamente, o sistema de saúde nacional enfrenta o grave problema da ampliação social, o que se alia à carência quantitativa de recursos humanos e à inapropriada obtenção de tecnologia. Sem dúvida, são condições férteis para elevação dos índices de infecção.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 27/08/10; revisado recebido em 12/01/11; aceito em 13/01/11.

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  • Correspondência:

    Denise de Andrade
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Nov 2011

    Histórico

    • Aceito
      13 Jan 2011
    • Revisado
      12 Jan 2011
    • Recebido
      27 Ago 2010
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