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Taquicardia ventricular associada com linfoma não-Hodgkin

Resumos

Linfoma não-Hodgkin sistêmico pode afetar o miocárdio, particularmente em pacientes imunocomprometidos. Quando presentes, sinais e sintomas são geralmente inespecíficos, tornando o diagnóstico de envolvimento cardíaco muito difícil antes da autópsia. Arritmias ventriculares também são pouco usuais nesse cenário. Descrevemos um caso de linfoma não-Hodgkin miocárdico secundário, que se apresentou com taquicardia ventricular monomórfica sustentada e espessamento do septo interventricular basal. Completa remissão das lesões miocárdicas foi observada após o término da quimioterapia de segunda linha, sem recorrências posteriores de arritmias em oito meses.

Taquicardia ventricular; neoplasias cardíacas; doença de Hodgkin


Linfoma no Hodgkin sistémico puede afectar el miocardio, particularmente en pacientes inmunocomprometidos. Cuando están presentes, señales y síntomas son generalmente inespecíficos, volviendo el diagnóstico de compromiso cardíaco muy difícil antes de la autopsia. Arritmias ventriculares también son poco usuales en ese escenario. Describimos un caso de linfoma no Hodgkin miocárdico secundario, que se presentó con taquicardia ventricular monomórfica sustentada y engrosamiento del septo interventricular basal. Completa remisión de las lesiones miocárdicas fue observada después del término de la quimioterapia de segunda línea, sin recurrencias posteriores de arritmias en ocho meses.

Taquicardia ventricular; neoplasias cardíacas; enfermedad de Hodgkin


Systemic non-Hodgkin's lymphoma can affect the myocardium, particularly in immunocompromised patients. When present, symptoms and signs are usually nonspecific, making the diagnosis of cardiac involvement very difficult before an autopsy. Ventricular arrhythmias are also unusual in this setting. We describe a case of secondary myocardial non-Hodgkin's lymphoma presenting with sustained monomorphic ventricular tachycardia and thickening of the basal interventricular septum. Complete remission of myocardial lesions was observed after completion of second-line chemotherapy treatment, without further recurrences of arrhythmias in eight months.

Tachycardia, ventricular; heart neoplasms; Hodgkin disease; linfoma


RELATO DE CASO

Taquicardia ventricular associada com linfoma não-Hodgkin

Diego Chemello; Priscila Raupp-da-Rosa; Guilherme Teló; Nadine Clausell

Hospital de Clínicas de Porto Alegre - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS - Brasil

Correspondência Correspondência: Nadine Clausell Rua Ramiro Barcelos 2350, Sala 2061 90035-003 - Porto Alegre, RS - Brasil E-mail: clausell@portoweb.com.br

RESUMO

Linfoma não-Hodgkin sistêmico pode afetar o miocárdio, particularmente em pacientes imunocomprometidos. Quando presentes, sinais e sintomas são geralmente inespecíficos, tornando o diagnóstico de envolvimento cardíaco muito difícil antes da autópsia. Arritmias ventriculares também são pouco usuais nesse cenário. Descrevemos um caso de linfoma não-Hodgkin miocárdico secundário, que se apresentou com taquicardia ventricular monomórfica sustentada e espessamento do septo interventricular basal. Completa remissão das lesões miocárdicas foi observada após o término da quimioterapia de segunda linha, sem recorrências posteriores de arritmias em oito meses.

Palavras-chave: Taquicardia ventricular, neoplasias cardíacas, doença de Hodgkin.

Introdução

O envolvimento cardíaco secundário à metástase de tumores malignos é relativamente incomum. Estudos de autópsias mostraram uma incidência de até 12% de envolvimento cardíaco em todos os pacientes com malignidade e maioria deles é assintomática.

Linfoma não-Hodgkin (LNH) sistêmico é uma doença que pode afetar o miocárdio, particularmente em pacientes imunocomprometidos. A apresentação clínica geralmente é inespecífica. O diagnóstico de envolvimento cardíaco pode ser difícil e requer alto grau de suspeita clínica. Arritmias ventriculares são extremamente incomuns e apenas alguns casos foram descritos até hoje. Essas arritmias geralmente são sintomáticas e estão associadas com instabilidade hemodinâmica significativa.

Relato de caso

Uma paciente de 27 anos, do sexo feminino, apresentou-se ao pronto socorro com palpitações de início súbito e desconforto torácico. A pressão arterial (PA) era de 68 x 40 mmHg e a frequência cardíaca (FC) era de 184 bpm. Ao exame físico, a paciente apresentava aumento de volume da mama esquerda e massa abdominal difusa. O eletrocardiograma (ECG) de 12 derivações realizado na admissão revelou taquicardia de complexo alargado com padrão de bloqueio de ramo esquerdo e concordância negativa nos eletrodos precordiais (Figura 1A).


 




Com base na apresentação inicial, o diagnóstico de taquicardia ventricular monomórfica foi estabelecido e a paciente foi submetida à cardioversão elétrica resultando em ritmo sinusal normal. O ECG foi repetido e mostrou ritmo sinusal normal, sem alterações do segmento ST (Figura 1B). A paciente recebeu uma infusão intravenosa de amiodarona e então foi admitida na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). A investigação foi negativa para isquemia miocárdica ou embolia pulmonar. Uma ecocardiografia transtorácica (ETT) revelou funções ventriculares esquerda e direita normais, derrame pericárdico posterior difuso e espessamento do miocárdio basal-septal, que não estava presente em exame anterior realizado um ano antes, para investigação de dispnéia durante atividade física (Figura 2A). A investigação clínica revelou um histórico médico de síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS) devido à infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) nos 12 meses anteriores e contagem inicial de CD4 de 39 células/mm3. Imediatamente após esse diagnóstico, a paciente iniciou tratamento com terapia antiretroviral altamente ativa (HAART), o que aumentou e estabilizou a contagem de CD4 em 89 células/mm3 após três meses de tratamento. Ela também recebeu o diagnóstico de linfoma difuso de grandes células B (LDGCB), um linfoma não-Hodgkin que foi inicialmente tratado com uma combinação de ciclofosfamida, adriamicina, vincristina e prednisona (CHOP). Devido à neutropenia grave, o tratamento foi mudado para Etoposide, Vincristina, Doxorrubicina, Ciclofosfamida e Prednisona (EPOCH). Apesar do curso completo de tratamento, a remissão do linfoma não foi atingida (biópsia de tecido da mama e massa retroperitoneal foi positiva para (LDGCB). Na semana após a admissão no pronto socorro, a paciente começou a receber Ifosfamida, Carboplatina e Etoposide (ICE), um protocolo de quimioterapia de segunda linha.


Após consulta com a Oncologia, a quimioterapia com o protocolo ICE para LDGCB foi mantido. A biópsia cardíaca foi considerada, o que a paciente recusou. Um novo ETT após 30 dias de quimioterapia revelou melhora acentuada, com diminuição do derrame pericárdico, bem como completa redução do espessamento septal miocárdico (Figura 2B). Nenhuma arritmia adicional foi documentada nos oito meses seguintes. Nenhum medicamento anti-arrítmico crônico foi prescrito.

Discussão

O envolvimento metastático do coração é descoberto na autópsia em 10 a 12% dos pacientes com malignidades, mais frequentemente de carcinoma pulmonar. A maioria desses casos envolve o pericárdio e o epicárdio, sugerindo uma invasão linfática regional. O envolvimento miocárdico é menos frequente e geralmente associado com melanoma ou linfoma, sugerindo invasão hematógena. Linfoma difuso de grandes células B (LDGCB) é um linfoma não-Hodgkin (LNH) com incidência em indivíduos infectados pelo HIV de mais de 100 vezes a incidência na população em geral1.

Em pacientes com LNH, sinais clínicos de envolvimento cardíaco são inespecíficos e frequentemente não são detectados antes da morte. Dor torácica, insuficiência cardíaca congestiva e derrame pericárdico foram relatados anteriormente, sendo o último a apresentação mais comum2. Embora vários casos de arritmias tenham sido documentados, a maioria inclui bloqueio atrioventricular, provavelmente relacionado à lesão secundária do sistema de condução3. Arritmias ventriculares são raramente diagnosticadas nessa população. Por razões desconhecidas, a maioria dos casos foi relatada em pacientes com linfoma cardíaco primário4,5.

Descrevemos um caso de envolvimento cardíaco de LNH, que apresentou taquicardia ventricular monomórfica, a qual é uma manifestação rara. O diagnóstico foi realizado com base em estudos de imagem obtidos através de ecocardiograma transtorácico, que é um método barato e facilmente disponível. É importante enfatizar que em tais casos, o envolvimento cardíaco pode ser melhor determinado com modalidades de estudo de imagem mais sensíveis, como a ressonância magnética ou a tomografia computadorizada. Entretanto, esses métodos são caros e nem sempre estão disponíveis em centros cardíacos. O mecanismo associado com a taquicardia ventricular (TV) poderia ser secundário ao atraso na condução ventricular causado por invasão miocárdica localizada de células do linfoma, embora a atividade desencadeada não possa ser excluída. Nesse cenário, o estudo eletrofisiológico pode ser uma ferramenta valiosa em casos selecionados para entender os mecanismos de arritmia e a resposta ao tratamento farmacológico. Entretanto, nenhum estudo prospectivo testando o papel dessa modalidade está disponível nessa população.

É possível considerar a hipótese de que o recente tratamento quimioterápico causou a toxicidade miocárdica e desencadeou a TV, já que dois casos de TV foram anteriormente documentados com o uso de Ifosfamida6. Entretanto, essa hipótese é menos favorecida devido à melhora dos implantes metastáticos nos dias subsequentes com o protocolo ICE.

Em conclusão, relatamos um caso pouco usual de envolvimento cardíaco de LNH com TV. A ocorrência de arritmias nessa população sempre deve alertar para a possibilidade de envolvimento metastático no miocárdio.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de Doutorado de Diego Chemello pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre - Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Artigo recebido em 01/08/10; revisado recebido em 11/10/10; aceito em 11/11/10.

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  • Correspondência:

    Nadine Clausell
    Rua Ramiro Barcelos 2350, Sala 2061
    90035-003 - Porto Alegre, RS - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      01 Ago 2010
    • Revisado
      11 Out 2010
    • Aceito
      10 Nov 2011
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