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Prevalência e preditores de embolia pulmonar em pacientes com insuficiência cardíaca agudamente descompensada

Resumos

FUNDAMENTO: Não existe descrição da prevalência de Embolia Pulmonar (EP) em pacientes internados por quadro clássico de Insuficiência Cardíaca descompensada (IC). OBJETIVO: Em pacientes internados por IC, (1) descrever a prevalência de EP, e (2) avaliar a acurácia diagnóstica dos Escores de Wells e de Genebra. MÉTODOS: Pacientes internados primariamente por IC realizaram sistematicamente cintilografia pulmonar de ventilação/perfusão, sendo EP definida por laudo de alta probabilidade. Para fins de interpretação, definimos baixa probabilidade clínica de EP como prevalência < 5%, de acordo com dados da literatura. No cálculo do tamanho amostral, 49 pacientes seriam necessários para fornecer um intervalo de confiança 95% com ± 10% de precisão, estimando uma prevalência a priori de 15%. RESULTADOS: Em 51 pacientes estudados, seis apresentaram cintilografia de alta probabilidade, resultando em prevalência de 12% (95% IC = 5% - 23%). Os Escores de Wells e de Genebra apresentaram área abaixo da curva ROC de 0,53 (95% IC = 0,27 - 0,80; p = 0,80) e 0,43 (95% IC = 0,13 - 0,73; p = 0,56), respectivamente, indicando ausência de acurácia para o diagnóstico de EP. Alternativamente, variáveis relacionadas à IC mostraram tendência a associação com EP e um modelo exploratório formado por esse tipo de variável apresentou acurácia diagnóstica para EP (ROC = 0,81; 95% IC = 0,66 - 0,96; p = 0,01). CONCLUSÃO: (1) A despeito da ausência de suspeita primária, pacientes internados com IC possuem probabilidade clínica intermediária de EP concomitante; (2) Os escores usualmente utilizados para estimar a probabilidade clínica de EP não se aplicam à população com IC e futuros modelos preditores devem contemplar variáveis relacionadas a esta síndrome.

Embolia pulmonar; prevalência; insuficiência cardíaca; pacientes internados


BACKGROUND: The prevalence of pulmonary embolism (PE) has not been reported in patients hospitalized due to classical findings of decompensated heart failure (HF). OBJECTIVE: To describe the prevalence of PE and to assess the diagnostic accuracy of the Wells and Geneva scores in patients hospitalized due to HF. METHODS: Patients hospitalized primarily due to HF underwent systematic ventilation-perfusion lung scan, and PE was defined by a result of high probability. Aiming at interpreting, low clinical probability of PE was defined as prevalence < 5%, according to the literature. When calculating the sample size, 49 patients were required to provide a 95% confidence interval with ±10% accuracy, estimating an a priori prevalence of 15%. RESULTS: Of 51 patients studied, six had a high probability of PE on lung scan, resulting in 12% prevalence (95% CI = 5% - 23%). The Wells and Geneva scores had an area under the ROC curve of 0.53 (95% CI = 0.27 - 0.80; p = 0.80) and 0.43 (95% CI = 0.13 - 0.73; p = 0.56), respectively, indicating lack of accuracy for the diagnosis of PE. Alternatively, variables related to HF showed a tendency towards association with PE, and an exploratory model formed by that type of variable showed diagnostic accuracy for PE (ROC = 0.81; 95% CI = 0.66 - 0.96; p = 0.01). CONCLUSION: (1) Despite the lack of primary suspicion, patients admitted with HF have intermediate clinical probability of concomitant PE; (2) the scores usually used to estimate the clinical probability of PE do not apply to the population with HF, and future predictive models should consider variables related to that syndrome.

Pulmonary embolism; prevalence; heart failure; inpatients


Prevalência e preditores de embolia pulmonar em pacientes com insuficiência cardíaca agudamente descompensada

Prevalence and predictors of pulmonary embolism in patients with acutely decompensated heart failure

Luís C. L. CorreiaI, II; Creuza GóesI; Hysla RibeiroI; Manuela CunhaI; Rogério de PaulaII; J. Péricles EstevesII

IEscola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Bahia, Brasil

IIHospital Português - Salvador/BA, Brasil

Correspondência Correspondência: Luis Cláudio Lemos Correia Av. Princesa Leopoldina, 19/402, Graça - 40150080 Salvador, Bahia, Brasil E-mail: lccorreia@terra.com.br lccorreia@cardiol.br

RESUMO

FUNDAMENTO: Não existe descrição da prevalência de Embolia Pulmonar (EP) em pacientes internados por quadro clássico de Insuficiência Cardíaca descompensada (IC).

OBJETIVO: Em pacientes internados por IC, (1) descrever a prevalência de EP, e (2) avaliar a acurácia diagnóstica dos Escores de Wells e de Genebra.

MÉTODOS: Pacientes internados primariamente por IC realizaram sistematicamente cintilografia pulmonar de ventilação/perfusão, sendo EP definida por laudo de alta probabilidade. Para fins de interpretação, definimos baixa probabilidade clínica de EP como prevalência < 5%, de acordo com dados da literatura. No cálculo do tamanho amostral, 49 pacientes seriam necessários para fornecer um intervalo de confiança 95% com ± 10% de precisão, estimando uma prevalência a priori de 15%.

RESULTADOS: Em 51 pacientes estudados, seis apresentaram cintilografia de alta probabilidade, resultando em prevalência de 12% (95% IC = 5% - 23%). Os Escores de Wells e de Genebra apresentaram área abaixo da curva ROC de 0,53 (95% IC = 0,27 - 0,80; p = 0,80) e 0,43 (95% IC = 0,13 - 0,73; p = 0,56), respectivamente, indicando ausência de acurácia para o diagnóstico de EP. Alternativamente, variáveis relacionadas à IC mostraram tendência a associação com EP e um modelo exploratório formado por esse tipo de variável apresentou acurácia diagnóstica para EP (ROC = 0,81; 95% IC = 0,66 - 0,96; p = 0,01).

CONCLUSÃO: (1) A despeito da ausência de suspeita primária, pacientes internados com IC possuem probabilidade clínica intermediária de EP concomitante; (2) Os escores usualmente utilizados para estimar a probabilidade clínica de EP não se aplicam à população com IC e futuros modelos preditores devem contemplar variáveis relacionadas a esta síndrome.

Palavras-chave: Embolia pulmonar / mortalidade, prevalência, insuficiência cardíaca, pacientes internados

ABSTRACT

BACKGROUND: The prevalence of pulmonary embolism (PE) has not been reported in patients hospitalized due to classical findings of decompensated heart failure (HF).

OBJECTIVE: To describe the prevalence of PE and to assess the diagnostic accuracy of the Wells and Geneva scores in patients hospitalized due to HF.

METHODS: Patients hospitalized primarily due to HF underwent systematic ventilation-perfusion lung scan, and PE was defined by a result of high probability. Aiming at interpreting, low clinical probability of PE was defined as prevalence < 5%, according to the literature. When calculating the sample size, 49 patients were required to provide a 95% confidence interval with ±10% accuracy, estimating an a priori prevalence of 15%.

RESULTS: Of 51 patients studied, six had a high probability of PE on lung scan, resulting in 12% prevalence (95% CI = 5% - 23%). The Wells and Geneva scores had an area under the ROC curve of 0.53 (95% CI = 0.27 - 0.80; p = 0.80) and 0.43 (95% CI = 0.13 - 0.73; p = 0.56), respectively, indicating lack of accuracy for the diagnosis of PE. Alternatively, variables related to HF showed a tendency towards association with PE, and an exploratory model formed by that type of variable showed diagnostic accuracy for PE (ROC = 0.81; 95% CI = 0.66 - 0.96; p = 0.01).

CONCLUSION: (1) Despite the lack of primary suspicion, patients admitted with HF have intermediate clinical probability of concomitant PE; (2) the scores usually used to estimate the clinical probability of PE do not apply to the population with HF, and future predictive models should consider variables related to that syndrome.

Keywords: Pulmonary embolism / mortality; prevalence; heart failure; inpatients.

Introdução

Insuficiência cardíaca é uma síndrome que predispõe à ocorrência de embolia pulmonar, por causa das condições de estase venosa, aumento de viscosidade sanguínea, hipercoagulabilidade, imobilidade dos pacientes e idade mais avançada que na população geral1. Insuficiência cardíaca agudamente descompensada é uma condição de alta letalidade, tendo seu prognóstico ainda mais agravado quando o paciente desenvolve embolia pulmonar2. Estudo recente demonstrou que 9% dos pacientes admitidos com insuficiência cardíaca desenvolvem embolia pulmonar durante a internação, ao que se chamou de incidência3. No entanto, não se conhece a prevalência de embolia pulmonar em pacientes admitidos por insuficiência cardíaca descompensada, pois não há estudo que tenha realizado investigação diagnóstica sistemática e independente do quadro clínico evolutivo. O conhecimento dessa prevalência pode influenciar na conduta médica investigativa.

Parte da investigação de embolia pulmonar consiste na avaliação da probabilidade pré-teste. Modelos preditores como os Escores de Wells4 e Genebra5 foram derivados de estudos realizados em pacientes com suspeita de embolia pulmonar. Porém, esses escores nunca foram validados em população específica de insuficiência cardíaca, não se sabendo qual o modelo ideal para predizer clinicamente embolia pulmonar nessa condição.

Dessa forma, dois são os objetivos deste trabalho. Primeiro, determinar a prevalência de embolia pulmonar em pacientes internados primariamente por insuficiência cardíaca; segundo, testar a acurácia dos Escores de Wells e Genebra nessa condição clínica. Com esses intuitos, pacientes internados por quadro bem caracterizado de insuficiência cardíaca descompensada foram submetidos a cintilografia pulmonar de ventilação e perfusão.

Métodos

Seleção da amostra

Durante nove meses, a partir de janeiro de 2009, foram incluídos no estudo indivíduos consecutivamente admitidos na Unidade Coronariana, cujo motivo primário do internamento fosse insuficiência cardíaca descompensada. Como critério de inclusão, era necessário pelo menos um dos três cenários, de início há menos de duas semanas: (1) dispneia em repouso associada a congestão pulmonar significativa ao raio x de tórax; (2) evidente congestão periférica (edema); (3) baixo débito cardíaco evidenciado por hipotensão (pressão arterial sistólica < 90 mmHg) associada a redução do nível de consciência, oligúria (diurese < 0,5 ml/Kg/h) ou acidose metabólica demonstrada laboratorialmente. Essas condições deveriam ser claramente explicadas pela insuficiência cardíaca, sem existir uma causa alternativa mais provável. Como critérios de exclusão foram definidos (1) impossibilidade de realização de cintilografia pulmonar ou (2) discordância do paciente em participar do estudo.

Seguindo esse protocolo, 73 pacientes consecutivos completaram critérios de inclusão durante período de estudo. Desses, 22 pacientes foram excluídos por não aceitarem participar do trabalho, não apresentarem condição clínica para realização da cintilografia pulmonar ou por esse exame não estar disponível na época de internação. Dessa forma, 51 pacientes constituíram a amostra final do estudo.

Protocolo do estudo

A coleta de dados foi realizada de forma prospectiva, com registro detalhado da história clínica, exame físico, resultados de exames laboratoriais, eletrocardiograma e exames de imagem. Após admissão, os pacientes foram submetidos a cintilografia pulmonar de ventilação e perfusão, cuja interpretação foi realizada de forma cega em relação ao quadro clínico e seguiu critérios predefinidos do estudo PIOPED6. Dessa forma, o resultado da cintilografia foi descrito como (1) normal, (2) baixa probabilidade, (3) moderada probabilidade ou (4) alta probabilidade de embolia pulmonar. Presença de embolia pulmonar foi definida pelo resultado de alta probabilidade na cintilografia7, sendo qualquer outro resultado considerado negativo. Alta probabilidade na cintilografia pulmonar é definida no estudo PIOPED como pelo menos dois grandes defeitos de perfusão, sem correspondentes na ventilação, ou um defeito grande e dois moderados, também sem correspondentes na ventilação6.

Utilizando dados da admissão, foram calculados os Escores de Wells e Genebra, os quais representam modelos validados para estimativa de probabilidade clínica em pacientes com suspeita de embolia pulmonar. O Escore de Wells é constituído de sete variáveis, que pontuam da seguinte forma: história prévia de tromboembolismo venoso (1,5 ponto); imobilização recente (1,5 ponto); câncer (1 ponto); hemoptise (1 ponto); frequência cardíaca > 100 bpm (1,5 ponto); sinais clínicos de trombose venosa profunda (3 pontos); diagnóstico alternativo menos provável que embolia pulmonar (3 pontos). Baixa probabilidade é definida como somatório < 1 ponto; probabilidade intermediária de 2 a 6 pontos e alta probabilidade > 7 pontos4. O Escore de Genebra é constituído de oito variáveis: idade > 65 anos (1 ponto); história prévia de tromboembolismo venoso (3 pontos); imobilização recente (2 pontos); câncer (2 pontos); hemoptise (2 pontos); frequência cardíaca > 95 bpm (5 pontos); ou 75 - 94 bpm (3 pontos); sinais clínicos de trombose venosa profunda (4 pontos); dor unilateral em membro inferior (3 pontos). Baixa probabilidade é definida como somatório < 3 pontos; probabilidade intermediária de 4 a 10 pontos; e alta probabilidade, > 11 pontos5.

Análise dos dados

O tamanho amostral foi calculado para o objetivo de determinar a prevalência de embolia pulmonar. Para obter amplitude do intervalo de confiança da prevalência (precisão) de 20% (± 10%), estimando uma prevalência a priori de 15%, calculamos que seria necessária uma amostra mínima de 49 pacientes para calcular um intervalo de confiança no nível de 95%.

A prevalência de embolia pulmonar foi representada em frequência relativa e a precisão dessa estimativa descrita pelo intervalo de confiança no nível de 95%. Para interpretação da prevalência encontrada, definições provenientes do trabalho de validação do Escore de Wells foram utilizadas. Naquele trabalho, a prevalência de embolia pulmonar em indivíduos de baixa probabilidade pelo Escore foi de 3,4%, com 95% intervalo de confiança entre 2,2% e 5%4. Dessa forma, um intervalo de confiança acima de 5% representaria uma população de probabilidade pré-teste de embolia pelo menos intermediária.

Para avaliação da acurácia diagnóstica dos Escores de Wells e Genebra, foram construídas curvas Receiver Operating Characteristics (ROC), tendo o diagnóstico de embolia pulmonar na cintilografia como referência. Área abaixo da curva ROC estatisticamente diferente de 0,5 definiu acurácia diagnóstica. Além disso, um escore arbitrário foi criado a partir de variáveis da insuficiência cardíaca que foram mais frequentes em pacientes com embolia pulmonar, atribuindo-se um ponto para cada variável presente. Esse escore foi testado pela área abaixo da curva ROC. Esta última análise teve caráter meramente exploratório, funcionando como um teste inicial da ideia de que um escore específico de variáveis relacionadas à insuficiência cardíaca seria adequado para avaliar a probabilidade de embolia pulmonar nesse cenário clínico.

Como regra geral, variáveis numéricas de distribuição normal foram descritas por média e desvio padrão, enquanto as de distribuição não normal foram descritas por mediana e intervalo interquartil. Frequências foram descritas de forma relativa, em percentuais. SPSS Statistical Software (Versão 9.0, SPSS Inc., Chicago, Illinois, USA) e MedCalc Statistical Software (Versão 9.3.2.0, MedCalc Software, Mariakerke, Belgium) foram utilizados na análise dos dados. Valores de p < 0,05 foram definidos como estatisticamente significantes.

Resultados

Características da amostra

Foram estudados 51 pacientes, idade 70 ± 15 anos, 41% do gênero masculino. O mais frequente tipo de apresentação de insuficiência cardíaca aguda foi congestão pulmonar, presente em 88% dos casos. Na minoria, a manifestação que motivou a internação foi congestão sistêmica (6%) ou baixo débito (6%). Portanto, essa é uma amostra predominante de pacientes com insuficiência ventricular esquerda. As etiologias mais frequentes foram cardiopatia hipertensiva e isquêmica (35% e 29%, respectivamente), sendo a minoria representada por pacientes valvulares, chagásicos ou classificados como idiopáticos. De acordo com avaliação ecocardiográfica, a amostra foi balanceada entre fração de ejeção do ventrículo esquerdo preservada, presente em 55% dos pacientes, e fração de ejeção reduzida nos demais pacientes. Disfunção sistólica do ventrículo esquerdo pelo menos de grau moderado (fração de ejeção < 45%) esteve presente em 37% da amostra. Observa-se, portanto, que nessa amostra consecutiva de pacientes internados com quadro típico de insuficiência cardíaca, a predominância foi de pacientes com função sistólica preservada ou levemente comprometida. Demais características clínicas da amostra estão apresentadas na tabela 1.

Prevalência de embolia pulmonar

O tempo transcorrido entre a admissão e a realização da cintilografia pulmonar apresentou mediana de 2 dias (intervalo interquartil = 1 - 3). A cintilografia ventilação/perfusão foi caracterizada como de alta probabilidade para embolia pulmonar em seis pacientes, resultando em prevalência de 12%, com 95% intervalo de confiança entre 5% e 23%. Esse limite de precisão supera o intervalo de confiança da prevalência de embolia pulmonar dos pacientes classificados como de baixa probabilidade pré-teste no trabalho que validou o Escore de Wells4. Dessa forma, a prevalência encontrada indica que a probabilidade de embolia pulmonar em pacientes admitidos com insuficiência cardíaca agudamente descompensada é intermediária. Além desses, dois outros pacientes apresentaram alterações de perfusão compatíveis com probabilidade intermediária na cintilografia e a maioria restante foi classificada como cintilografia de baixa probabilidade.

Predição de embolia pulmonar

O Escore de Wells apresentou área abaixo da curva ROC de 0,53 (95% IC = 0,27 - 0,80; p = 0,80), indicando ausência de capacidade em discriminar pacientes com ou sem embolia pulmonar, tendo a cintilografia como padrão de referência - Figura 1. A mediana desse escore foi zero (intervalo interquartil = 0 - 1,5) e nenhum paciente foi classificado como de alta probabilidade (pontuação > 7), apenas 8% (quatro pacientes) foram classificados como probabilidade intermediária (pontuação 2 - 6) e a grande maioria restante foi classificada como de baixa probabilidade (pontuação < 2). Esse fenômeno decorreu do fato de que as variáveis do Escore de Wells foram pouco prevalentes nessa população de indivíduos com critérios bem definidos de insuficiência cardíaca. Isso está demonstrado na tabela 1, onde todas as variáveis possuem prevalência menor que 10%, exceto frequência cardíaca elevada que ocorreu em 22% dos pacientes.


Da mesma forma, o Escore de Genebra não apresentou capacidade diagnóstica para embolia pulmonar, com área abaixo da curva ROC de 0,43 (95% IC = 0,13 - 0,73; p = 0,56) - fig. 1. A mediana desse escore foi 4 (intervalo interquartil = 3 - 6), apenas 4% classificados como de alta probabilidade (dois pacientes), 63% como probabilidade intermediária e o restante como baixa probabilidade. Esse Escore apresentou maior número de pacientes na faixa intermediária do que o Escore de Wells, por causa da presença das variáveis idade > 65 anos e frequência cardíaca > 75 bpm, características de prevalência 73% e 81%, respectivamente. Apesar disso, essas características não contribuíram para a capacidade discriminatória do Escore de Genebra, que não apresentou área abaixo da curva ROC maior do que o Escore de Wells.

Em análise meramente exploratória, características específicas da síndrome de insuficiência cardíaca (não contidas nos Escores de Wells ou Genebra) que possuíam plausibilidade para identificar embolia pulmonar, foram mais frequentes nos pacientes com a doença do que naqueles sem a doença: causa da descompensação inaparente, ausência de congestão pulmonar, ausência de anticoagulação crônica, disfunção sistólica do ventrículo direito. Das características relacionadas à gravidade da insuficiência cardíaca, sódio sérico abaixo da mediana foi mais frequente naqueles com embolia pulmonar, ao contrário de disfunção sistólica do ventrículo esquerdo moderada/grave e fibrilação atrial crônica (tab. 2). As características associadas a embolia foram reunidas sob a forma de um escore (1 ponto para a presença de cada variável), o qual apresentou satisfatória capacidade diagnóstica para embolia pulmonar pela cintilografia, representada por área abaixo da curva ROC de 0,81 (95% IC = 0,66 - 0,96; p = 0,01).

Discussão

O presente trabalho consiste na primeira avaliação sistemática da presença de embolia pulmonar em pacientes admitidos primariamente por insuficiência cardíaca descompensada. Duas são as principais observações do estudo, ambas originais: primeiro, a prevalência de embolia pulmonar gira em torno de 12%; segundo, os escores que estimam probabilidade pré-teste de embolia pulmonar não têm valor em pacientes com insuficiência cardíaca agudamente descompensada.

A maior originalidade deste estudo reside na população-alvo avaliada, que não é de pacientes com suspeita de embolia pulmonar. Ao contrário, os critérios de inclusão foram cuidadosamente definidos para que a amostra consistisse de pacientes que se apresentassem com um quadro clássico de insuficiência cardíaca agudamente descompensada. Nesse tipo de paciente, não se sabe qual a concomitância com o diagnóstico de embolia pulmonar, nem qual a necessidade da investigação sistemática. O resultado encontrado nos permite fazer algumas inferências a respeito dessas questões.

Inicialmente precisamos interpretar o valor de 12% encontrado para prevalência de embolia pulmonar, e o tamanho amostral do estudo permitiu uma precisão de 5% a 23% para essa estimativa. O trabalho que validou o principal modelo de avaliação da probabilidade pré-teste em pacientes com suspeita de embolia pulmonar demonstrou prevalência de apenas 3,5% para pacientes definidos como de baixa probabilidade, com 95% intervalo de confiança entre 2,2% e 5%4. Dessa forma, os limites de precisão da prevalência encontrados no presente trabalho indicam que o simples fato de o paciente se apresentar com insuficiência cardíaca descompensada o caracteriza como indivíduo de probabilidade intermediária de embolia pulmonar concomitante. Inicialmente esse dado parece contraintuitivo, pois são pacientes com claros critérios de insuficiência cardíaca. Porém, devemos perceber que o diagnóstico de embolia pulmonar não contradiz a presença de insuficiência cardíaca, mas se apresenta como uma doença concomitante, que pode até mesmo representar o fator de descompensação dessa condição. Nesse contexto, observamos que ausência de causa aparente para descompensação foi mais frequente nos pacientes com embolia pulmonar. Ou seja, embolia pulmonar pode ser exatamente um fator oculto de descompensação.

Em segundo lugar, devemos inferir qual a implicação dessa prevalência na prática clínica. Considerando que pacientes com insuficiência cardíaca descompensada apresentam probabilidade intermediária de embolia, a indicação de métodos de imagem para investigação dessa condição deveria ocorrer mais frequentemente do que o habitual nesses indivíduos. Justamente pela falta de observações tal como a apresentada no trabalho corrente, a pesquisa de embolia não é recomendada na rotina de pacientes com quadro clássico de insuficiência cardíaca aguda8,9, mas sim naqueles cuja apresentação clínica deixa dúvidas quando à origem primária dos sintomas. Provavelmente, a indicação não existirá para qualquer paciente com insuficiência cardíaca, mas sim para um subgrupo em que a concomitância de embolia seja mais frequente. De forma exploratória e apenas preliminar, nossos dados sugerem que características como ausência de causa aparente para descompensação, disfunção do ventrículo direito e ausência de congestão pulmonar (quadro de congestão sistêmica ou baixo débito) possam ser variáveis preditoras.

Quanto à identificação de pacientes predispostos a embolia pulmonar concomitante, recentemente Piazza e Goldhaber10 sugeriram que o Escore de Wells fosse aplicado a pacientes com insuficiência cardíaca a fim de identificar o grupo a ser submetidos a investigação por métodos de imagem. Nossos dados são contrários a essa recomendação, a qual não foi embasada em evidências de acurácia do Escore de Wells. Demonstramos que os escores clássicos de estimativa da probabilidade de embolia pulmonar (Wells e Genebra) não possuem acurácia diagnóstica em pacientes com insuficiência cardíaca, dado também inédito na literatura. Isso se deveu ao fato de que a presença das variáveis desses escores é baixa nos pacientes com insuficiência cardíaca agudamente descompensada, sugerindo que podem ser outras as variáveis preditoras de embolia nesse tipo de paciente. Portanto, a identificação do subgrupo a ser investigado não deve levar em conta esses escores e modelos preditores devem ser derivados de populações com insuficiência cardíaca. Apenas como análise preliminar, simulamos um modelo baseado nas características da síndrome de insuficiência cardíaca que se mostraram mais associadas à embolia. Essa análise sugeriu que esse é o caminho para se encontrar um escore probabilístico. Ao passo em que o escore testado sugere o conceito da predição de risco nesse contexto clínico, esse não deve ser considerado uma ferramenta validada para uso clínico.

Quanto a trabalhos previamente publicados sobre esta questão, Darzé e cols.3 descreveram de forma original a incidência de embolia pulmonar em pacientes admitidos com insuficiência cardíaca agudamente descompensada. Esse trabalho descreveu o surgimento de embolia pulmonar durante o internamento e por isso a investigação ficou a critério de novos sintomas que surgissem ao longo da evolução. Sendo assim, a pesquisa de embolia não foi sistemática e o dado de prevalência no momento da admissão não foi o foco daquele estudo. Gromadzinski e cols.11,12 realizaram pesquisa sistemática de embolia com tomografia, mas a amostra não foi caracterizada por insuficiência cardíaca claramente manifesta, mas sim de casos cujo diagnóstico de embolia e insuficiência cardíaca fossem concorrentes, sendo a probabilidade desse primeiro pelo menos intermediária. O presente estudo é o primeiro a pesquisar embolia sistematicamente e reafirma a importância do problema de uma forma original, ou seja, demonstrando que essa condição pode estar presente desde o momento da admissão, independente do surgimento de novos sintomas. De fato, alguns casos incidentes de embolia podem ser na verdade casos prevalentes desde a admissão.

A principal limitação desse trabalho é representada por seu tamanho amostral. Por esse motivo, tivemos o cuidado de reportar, ao lado da prevalência pontual, seu intervalo de confiança, o que nos dá a exata noção da precisão de nossa estimativa. A precisão apresentada nos permitiu fazer inferências originais sobre a probabilidade pré-teste de embolia. Mesmo assim, devemos reconhecer que esses são dados preliminares, precursores de trabalhos futuros que devem confirmar nossas conclusões. Em segundo lugar, o diagnóstico de embolia pulmonar deve ser o resultado da interação entre dados da apresentação clínica e resultados dos exames de imagem6. Porém, o quadro clínico não fez parte da definição de embolia pulmonar no presente estudo. Embora isso possa parecer um viés metodológico, não há modelo de definição de probabilidade pré-teste para uma população com manifestação típica de insuficiência cardíaca. Como demonstrado, caso fosse utilizada a probabilidade pré-teste clássica como parte da definição de doença, teríamos uma conclusão diagnóstica sempre indefinida. De fato, a baixa probabilidade pré-teste comum aos pacientes de uma amostra caracterizada por manifestação típica de insuficiência cardíaca levaria a uma probabilidade pós-teste no máximo intermediária.

Em conclusão, o presente estudo sugere de forma original que pacientes admitidos com insuficiência cardíaca agudamente descompensada possuem probabilidade intermediária de embolia pulmonar concomitante. Em segundo lugar, os modelos clássicos para estimativa da probabilidade pré-teste de embolia pulmonar não são aplicáveis ao tipo de paciente em questão. Futuros estudos devem validar novos modelos preditores e avaliar o benefício da pesquisa sistemática de embolia em subgrupos de pacientes internados primariamente por insuficiência cardíaca.

Artigo recebido em 01/07/11; revisado recebido em 18/07/11; aceito em 20/07/11.

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  • Correspondência:

    Luis Cláudio Lemos Correia
    Av. Princesa Leopoldina, 19/402, Graça - 40150080
    Salvador, Bahia, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Fev 2012

    Histórico

    • Recebido
      01 Jul 2011
    • Aceito
      20 Jul 2011
    • Revisado
      18 Jul 2011
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