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Oclusão percutânea do apêndice atrial esquerdo com o Amplatzer Cardiac PlugTM na fibrilação atrial

Resumos

Fundamento: A fibrilação atrial está associada a acidentes vasculares embólicos que frequentemente resultam em morte ou invalidez. Eficaz na redução desses eventos, a anticoagulação possui várias limitações e vem sendo amplamente subutilizada. Mais de 90% dos trombos identificados nos portadores de fibrilação atrial sem doença valvar se originam no apêndice atrial esquerdo, cuja oclusão é investigada como uma alternativa à anticoagulação. Objetivo: Determinar a viabilidade da oclusão percutânea do apêndice atrial esquerdo em pacientes com alto risco de eventos embólicos e limitações ao uso de anticoagulação. Métodos: Relatamos a experiência inicial com o Amplatzer Cardiac PlugTM (St. Jude Medical Inc., Saint Paul, Estados Unidos) em pacientes com fibrilação atrial não valvar. Foram selecionados pacientes com alto risco de tromboembolia, sangramentos maiores e contraindicações ao uso ou grande labilidade na resposta ao anticoagulante. Os procedimentos foram realizados por via percutânea, sob anestesia geral e com ecocardiografia transesofágica. O desfecho primário foi a presença de complicações periprocedimento e o seguimento programado incluiu reavaliação clínica e ecocardiográfica em 30 dias e por contato telefônico após nove meses. Resultados: Nos cinco pacientes selecionados se conseguiu a oclusão do apêndice atrial esquerdo sem complicações periprocedimento. Não houve eventos clínicos no seguimento. Conclusão: Ensaios clínicos controlados são necessários antes que o fechamento percutâneo do apêndice atrial esquerdo constitua uma alternativa à anticoagulação na fibrilação atrial não associada a doença valvar. Mas o dispositivo se mostrou promissor em pacientes com alto risco de embolia e restrições ao uso de anticoagulantes.

Fibrilação atrial; apêndice atrial; acidente cerebral vascular; próteses e implantes; tromboembolismo


Background: Atrial fibrillation is associated with embolic strokes that often result in death or disability. Effective in reducing these events, anticoagulation has several limitations and has been widely underutilized. Over 90% of thrombi identified in patients with atrial fibrillation without valvular disease originate in the left atrial appendage, whose occlusion is investigated as an alternative to anticoagulation. Objective: To determine the feasibility of percutaneous occlusion of the left atrial appendage in patients at high risk of embolic events and limitations to the use of anticoagulation. Methods: We report our initial experience with Amplatzer Cardiac PlugTM (St. Jude Medical Inc., Saint Paul, Estados Unidos) in patients with nonvalvular atrial fibrillation. We selected patients at high risk of thromboembolism, major bleeding, contraindications to the use or major instability in response to the anticoagulant. The procedures were performed percutaneously under general anesthesia and transesophageal echocardiography. The primary outcome was the presence of periprocedural complications and follow-up program included clinical and echocardiographic review within 30 days and by telephone contact after nine months. Results: In five selected patients it was possible to occlude the left atrial appendage without periprocedural complications. There were no clinical events in follow-up. Conclusion: Controlled clinical trials are needed before percutaneous closure of the left atrial appendage should be considered an alternative to anticoagulation in nonvalvular atrial fibrillation. But the device has shown to be promissory in patients at high risk of embolism and restrictions on the use of anticoagulants.

Atrial fibrillation; atrial appendage; stroke; prostheses and implants; thromboembolism


Oclusão percutânea do apêndice atrial esquerdo com o Amplatzer Cardiac PlugTM na fibrilação atrial

Márcio José MontenegroI; Edgard Freitas QuintellaI; Aníbal DamonteII; Hugo de Castro SabinoI; Ricardo Zajdenverg; Gustavo Pinaud LauferI; Bernardo AmorimI; André Pereira Duque EstradaI; Cristian Paul Yugcha ArmasI; Aline Sterque I

IInstituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro, Rio de Janeiro, Brasil

IIInstituto Cardiovascular de Rosário, Rosário, Argentina

Correspondência Correspondência: Márcio José Montenegro Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista. Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro. Rua David Campista, 326 - 4º andar - Humaitá - 22.261-010 - Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: marciojmontenegro@hotmail.com

RESUMO

Fundamento: A fibrilação atrial está associada a acidentes vasculares embólicos que frequentemente resultam em morte ou invalidez. Eficaz na redução desses eventos, a anticoagulação possui várias limitações e vem sendo amplamente subutilizada. Mais de 90% dos trombos identificados nos portadores de fibrilação atrial sem doença valvar se originam no apêndice atrial esquerdo, cuja oclusão é investigada como uma alternativa à anticoagulação.

Objetivo: Determinar a viabilidade da oclusão percutânea do apêndice atrial esquerdo em pacientes com alto risco de eventos embólicos e limitações ao uso de anticoagulação.

Métodos: Relatamos a experiência inicial com o Amplatzer Cardiac PlugTM (St. Jude Medical Inc., Saint Paul, Estados Unidos) em pacientes com fibrilação atrial não valvar. Foram selecionados pacientes com alto risco de tromboembolia, sangramentos maiores e contraindicações ao uso ou grande labilidade na resposta ao anticoagulante. Os procedimentos foram realizados por via percutânea, sob anestesia geral e com ecocardiografia transesofágica. O desfecho primário foi a presença de complicações periprocedimento e o seguimento programado incluiu reavaliação clínica e ecocardiográfica em 30 dias e por contato telefônico após nove meses.

Resultados: Nos cinco pacientes selecionados se conseguiu a oclusão do apêndice atrial esquerdo sem complicações periprocedimento. Não houve eventos clínicos no seguimento.

Conclusão: Ensaios clínicos controlados são necessários antes que o fechamento percutâneo do apêndice atrial esquerdo constitua uma alternativa à anticoagulação na fibrilação atrial não associada a doença valvar. Mas o dispositivo se mostrou promissor em pacientes com alto risco de embolia e restrições ao uso de anticoagulantes.

Palavras-chave: Fibrilação atrial, apêndice atrial, acidente cerebral vascular, próteses e implantes, tromboembolismo.

Introdução

O Acidente Vascular Encefálico (AVE) é uma das mais temidas complicações das doenças cardiovasculares1,2. O Framingham Heart Study mostrou que a presença isolada de Doença Coronariana (DAC), Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) ou Insuficiência Cardíaca (IC) aumentava a incidência de AVE ajustada para a idade numa proporção de mais de duas, três ou quatro vezes, respectivamente, enquanto a presença de Fibrilação Atrial (FA) não associada a doenças valvares aumentava esse risco em quase cinco vezes. Com a idade, os efeitos da presença de DAC, HAS e IC eram atenuados, mas não diminuía o impacto da FA3. Considerada então um importante fator de risco para AVE isquêmico, a FA é a arritmia cardiaca sustentada mais frequente na prática clínica4,5, sua incidência aumenta com a idade5 e sua prevalência vem aumentando6. A ocorrência de AVE é tão comum na FA paroxística quanto na persistente ou permanente, sendo duas vezes maior do que na população em geral7. Estima-se que aproximadamente 20% dos AVE estão associados a FA2,3,8, e nessa população, eles frequentemente resultam em morte ou invalidez permanente9. Múltiplas condições podem estar associadas8 e diferentes mecanismos podem causar AVE na presença de FA10. Mas acredita-se que na maioria dos casos ocorram eventos tromboembólicos, porque trombos no átrio esquerdo têm sido amplamente documentados em necropsias, em cirurgias e em estudos ecocardiográficos11-13 nos quais a sua detecção é um preditor independente de AVE isquêmico2,12,13. Embora tenha se mostrado eficaz na redução dos eventos isquêmicos nesse contexto1,2,14, a anticoagulação com inibidores da Vitamina K vem sendo amplamente subutilizada1,2,15. Vários fatores concorrem para isso, mas se destacam a estreita janela terapêutica desses agentes16 e o risco de complicações hemorrágicas16-18, particularmente nos mais idosos e que mais se beneficiariam dessa terapêutica15,18. Os agentes alternativos em estudo também estão associados a sangramentos16,19. Considerando que mais de 90% dos trombos identificados nos portadores de FA não valvar se originam no apêndice atrial esquerdo (AAE)1,2,11,12, sua oclusão surgiu como uma alternativa à anticoagulação20-28. Relatamos nossa experiência inicial na oclusão percutânea do AAE com o Amplatzer Cardiac PlugTM em portadores de FA não valvar29.

Métodos

Em novembro de 2010, foram selecionados pacientes com FA permanente ou persistente de longa duração1,2, não associada a doenças valvares, que utilizassem Anticoagulação Oral (ACO) e apresentassem limitações ao uso dessa terapêutica. Este é um relato retrospectivo dessa experiência inicial.

Seleção de pacientes

Os critérios de seleção foram:

1. Alto risco de eventos tromboembólicos, com história prévia de AVE isquêmico, acidentes isquêmicos transitórios, embolia periférica ou CHADS2 score 21,2,8.

2. Evidência objetiva de limitação ao uso de ACO, com história de AVE hemorrágico, sangramentos maiores, grande labilidade da resposta terapêutica ao anticoagulante, ou alto risco de sangramentos com ACO. Foram considerados sangramentos maiores os episódios de hemorragia com necessidade de hospitalização ou transfusão de hemoderivados30. Grande labilidade da resposta terapêutica à ACO foi definida como menos de 60% dos registros de tempo e atividade da protrombina (TAP) dentro da faixa terapêutica no último ano (INR ≤ 2,0 ou 3,0)30, ou quando muito elevados em mais de uma ocasião (INR 4,0)31,32. O intervalo de tempo de um ano para avaliação dos registros de TAP, assim como a necessidade de INR muito elevado em mais de uma ocasião foram definidos arbitrariamente. Alto risco de sangramento com ACO foi definido como HAS-BLED score 32,30. Etilismo foi considerado apenas quando influenciava o cálculo desse índice e o risco de quedas recorrentes foi desconsiderado, visto que sua importância como contraindicação para ACO tem sido superestimada2.

3. Seriam excluídos do estudo os pacientes que na avaliação inicial apresentassem situação clínica que contraindicasse a intervenção ou evidência ecocardiográfica de trombos intracardíacos, doença valvar com risco de embolia, placa ateroscletórica ulcerada na aorta, ou obstrução significativa das artérias carótidas ou vertebrais. Anatomia inadequada era também um fator de exclusão, porque o fabricante recomenda que o colo do AAE tenha diâmetro mínimo de 12 mm e máximo de 28mm.

4. Era necessário o consentimento informado dos pacientes e familiares envolvidos.

Dispositivo

O Amplatzer TMCardiac Plug (ACP – St. Jude Medical Inc., Saint Paul, Estados Unidos) foi desenvolvido especificamente para a oclusão do AAE por via percutânea através de punção transeptal26-29. O dispositivo é composto por um lobo distal e um disco proximal que são conectados por uma haste articulada. O lobo foi projetado para preencher o AAE e o disco para selar sua entrada. Ambos são feitos de uma malha de nitinol autoexpansível e contém retalhos de poliéster que aumentam seu poder oclusivo. O lobo apresenta estabilizadores externos apontados para o disco que funcionam como ganchos de ancoragem no corpo do AAE e a articulação permite o alinhamento adequado no apêndice (fig. 1 e 2). No centro do disco há um parafuso de fixação ao sistema de liberação que é composto por um cabo de aço flexível e uma bainha longa transeptal (TDS — TorqvueTM Delivery Sheat — St. Jude Medical Inc., Saint Paul, Estados Unidos). O sistema permite reposicionamento e recaptura, possui curvaturas que facilitam a cateterização do AAE e tem 13 French. O dispositivo (ACP) e seu sistema de liberação (TDS) foram aprovados para uso clínico no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)28.



Protocolo de estudo

Na fase de seleção de pacientes estavam previstas a realização de ecocardiograma transtorácico, transesofágico (ETE) e avaliação da aorta, carótidas e vertebrais. O sucesso na intervenção foi definido como o implante bem-sucedido da prótese, com oclusão completa do AAE, sem fluxo residual, sendo esse o desfecho primário a ser confirmado pelo ETE durante a intervenção e numa avaliação de controle após 30 dias. Complicações periprocedimento como o AVE, Acidentes Isquêmicos Transitórios (AIT), derrame pericárdico ou pleural, embolia e trombose do dispositivo, lesões vasculares e sangramentos maiores constituíam os desfechos secundários. Os pacientes seriam reavaliados clinicamente em 30 dias e por contato telefônico após nove meses.

Procedimento

Foram programadas intervenções percutâneas sob anestesia geral e com ETE intraprocedimento. Estavam previstas a extubação em sala e a recuperação anestésica na Unidade Coronariana. O fabricante disponibilizou uma animação que ilustra o procedimento. Ela pode ser acessada em (http://www.arquivosonline.com.br/2012/video/video.asp)

Resultados

Características basais

Foram selecionados cinco pacientes com media de idade de 72,8 (62 a 78) anos. A tabela 1 mostra as características clínicas basais. Todos estavam em uso regular de ACO e apresentavam grande labilidade na resposta terapêutica. Um paciente apresentava INR = 15,0 ao ser internado e outro havia apresentado hemorragia digestiva baixa por angiodisplasia de cólon durante a internação. Dois pacientes vinham em uso concomitante de AAS. Dos quatro pacientes com história de isquemia cerebral, três o sofreram em vigência de ACO. Um paciente havia tido uma perna amputada num provável fenômeno embólico. Os três pacientes com história de IC haviam tido infarto do miocárdio e dois deles se apresentavam com fração de ejeção preservada. Duas pacientes já se encontravam numa internação prolongada devido a IC. Nenhum paciente foi excluído do estudo. A tabela 2 mostra o perfil de alto risco desses pacientes, tanto para eventos embólicos (CHADS2 2, CHA2DS2-VASC 2)8,33 quanto para sangramentos com a ACO (HAS-BLED 3)30. Mas o escore HAS-BLED desse grupo poderia ter sido um pouco melhor, não fosse pelo fato de que dos cinco pacientes com HAS, quatro apresentavam PA Sistólica 160 mmHg.

Intervenção percutânea

A ACO foi descontinuada dois a cinco dias antes do procedimento, iniciando-se heparinização (5.000 UI SC 12/12h)34 e Dupla Antiagregação Plaquetária (DAAP) com Ácido Acetilsalicílico (AAS – 200mg/dia) e clopidogrel (dose inicial de 300mg e manutenção de 75mg/dia)27. No início do procedimento foi realizada profilaxia para endocardite com administração de Cefazolina (1g IV 8/8h – 3 doses)35. Acessos vasculares foram realizados por punção femoral. O acesso arterial se destinava a monitorização da pressão arterial e ao posicionamento de um cateter Pigtail no plano valvar aórtico para referência anatômica. A punção transeptal foi realizada por acesso venoso contralateral, com monitoração ecocardiográfica e pelas técnicas habituais (Bainha de Mullins e agulha de Brockenbrough). Materiais para drenagem pericárdica e autotransfusão estavam disponíveis em sala. Após a punção transeptal, era administrada heparina (5.000 – 10.000 UI IV), sem monitorização do tempo de coagulação ativado. Um cateter Pigtail milimetrado era posicionado no AAE e se realizava a medição dos diâmetros do óstio e do colo da estrutura. O colo é considerado a zona de liberação ótima do lobo da prótese (fig. 3). Definido o tamanho do dispositivo, a bainha de Mullins era substituída pela TDS e era realizado o implante. As imagens avaliavam o implante adequado e a preservação da integridade das estruturas vizinhas (fig. 4 e 5). A tabela 3 exibe os resultados imediatos e explica a escolha do tamanho da prótese.




A oclusão do AAE foi realizada com sucesso em todos os casos e por punção transeptal, já que nenhum paciente apresentava forame oval patente ou defeito de septo atrial. Quando não houve sucesso na primeira tentativa, procedemos a recaptura e troca do dispositivo por outro de tamanho ligeiramente diferente. Devido à existência dos estabilizadores (ganchos), recomenda-se que a recaptura seja sempre acompanhada pela troca do TDS. Dois pacientes apresentaram bradicardia sinusal com hipotensão durante a punção transeptal, quadro que foi prontamente revertido com administração de atropina (1mg IV bolus). Nos casos subsequentes, outro acesso venoso profundo estava disponível para eventual implante de fonte geradora de marca-passo, o que não chegou a ser necessário.

Seguimento

Não houve eventos cardiovasculares, complicações hemorrágicas ou relacionadas aos acessos vasculares na evolução hospitalar. Devido ao diagnóstico de síndrome de Takotsubo, a paciente 4 realizou uma ressonância magnética nuclear cardíaca, onde novamente se confirmou o posicionamento adequado da prótese. Todos os pacientes receberam alta hospitalar em uso de DAAP e sem ACO. Foi recomendada profilaxia para endocardite na eventualidade de uma cirurgia nos seis primeiros meses35. No seguimento de 30 dias após a alta, não foram observados eventos clínicos relevantes e todos os pacientes fizeram uso de DAAP por um mês. Quatro pacientes se encontravam em uso crônico de AAS por outra indicação. Todos foram submetidos a ETE de controle 30 dias após a intervenção, não se evidenciando fluxo residual no apêndice ou trombose no disco proximal. A avaliação por contato telefônico aos nove meses não evidenciou desfechos clínicos indesejáveis.

Discussão

A importância do AAE na fisiopatologia de eventos embólicos associados a FA tem sido amplamente relatada e se encontra bem estabelecida. Apesar de eficaz, a utilização de ACO para a prevenção de eventos embólicos nesses pacientes tem se mostrado difícil e subutilizada. Além da preocupação com a possibilidade de sangramentos e da dificuldade em manter o agente dentro da faixa terapêutica, existe a necessidade de frequente monitoração e a preferência pessoal dos pacientes1,2. Embora o Dabigatran (Boehringer Ingelheim Pharmaceuticals) tenha mostrado resultados um pouco melhores, esse agente também não está livre do risco de sangramentos19 e seu alto custo é motivo de consideração. Diferentes estratégias vêm sendo utilizadas para ablação da FA com aparente sucesso, mas geralmente essas iniciativas têm se dirigido a pacientes sintomáticos e, em alguns poucos casos, a jovens refratários ao tratamento farmacológico ou com exposição ocupacional de risco proibitivo1.

As primeiras tentativas de obliteração do AAE para prevenção de embolia em FA aconteceram em pacientes com estenose mitral, submetidos a diferentes estratégias de isolamento ou retirada do AAE em cirurgias11 ou por toracoscopia. Mas a realização de uma cirurgia ou toracoscopia em pacientes com FA sem doença valvar nunca foi uma ideia atraente. Entretanto, essas experiências fundamentaram o conceito de que a oclusão do AAE poderia ser eficaz na prevenção de AVE24.

O sistema PLAATO (ev3. Inc., Plymouth, Estados Unidos) foi o primeiro a ser desenvolvido para oclusão percutânea do AAE20. Foi utilizado a partir de 2002 em pacientes com contraindicação a ACO, se mostrando seguro e eficaz, com redução de 42% na taxa prevista de AVE/AIT em um estudo observacional multicêntrico com cinco anos de seguimento23. Por razões econômicas, esse dispositivo não se encontra mais no mercado36,37. Um segundo dispositivo dedicado, o WATCHMAN Left Atrial Appendage System (Atritech., Plymouth, Estados Unidos) vem sendo usado desde 2007 em pacientes com indicação de ACO22. Um estudo multicêntrico controlado (PROTECT AF) randomizou pacientes para intervenção ou warfarin25. O grupo submetido ao implante precisava usar warfarin por no mínimo 45 dias, tempo usualmente necessário para endotelização desse dispositivo. O desfecho primário era composto da ocorrência de AVE, embolia, e morte cardiovascular ou inexplicada, sendo 38% menor no grupo do dispositivo. O estudo documentou a não inferioridade do dispositivo em relação ao warfarin, mas como esperado, o grupo submetido a intervenção experimentou complicações periprocedimento. Algumas dessas complicações motivaram modificações no dispositivo22 e outras se mostraram relacionadas à curva de aprendizado37. Esse dispositivo não está aprovado para uso clínico nos Estados Unidos, onde o Food and Drugs Administration (FDA) aguarda os resultados de um registro contínuo de pacientes38. Parte desses resultados foi publicada, demonstrando a importância da curva de aprendizado37.

Logo após a introdução do PLAATO, Meier e cols.21 relataram o fechamento percutâneo do AAE com a utilização de dispositivos AmplatzerTM tradicionalmente utilizados para fechamento dos defeitos de septo atrial. Foram16 casos, sete deles com história de efeitos colaterais ou exposição ocupacional que contraindicavam a ACO. Os outros nove pacientes se submeteram ao implante por preferência pessoal. Em 14 pacientes o procedimento foi realizado com anestesia local e em 11 não houve monitoração ecocardiográfica, sendo bem-sucedido em todos os casos. O seguimento variou de um a 12 meses e não houve complicações21. Apesar dessa experiência inicial, numa série posterior de 44 pacientes, três não obtiveram o fechamento, um precisou de uma nova intervenção e houve seis embolizações do dispositivo35. Considerando a fragilidade da parede do AAE,com aproximadamente 1mm de espessura38, o fabricante desenvolveu o ACP, um dispositivo específico para essa intervenção26-29.

Em nossa experiência inicial, considerando a comprovada eficácia da ACO, tivemos a preocupação de estabelecer critérios rígidos de inclusão no que se refere ao risco de embolia e sangramento. O desfecho primário de oclusão do AAE se realizou em todos os casos e o dispositivo se mostrou seguro, sem complicações periprocedimento. Contrariando a experiência de Jilaihawi e Kar39, embora as medidas ecocardiográficas se mostrassem relativamente acuradas em nosso estudo, quase sempre orientamos a escolha da prótese pelas medidas angiográficas. Mas a presença da ecocardiografia em sala foi valiosa ao monitorar a integridade das estruturas circunvizinhas e a ausência de fluxo no AAE, garantindo dessa forma o implante ótimo. Acreditamos também que esse método facilita a punção transeptal e pode agilizar a detecção de possíveis complicações. A ACO foi suspensa dias antes da intervenção e não obtivemos trombose do dispositivo no seguimento de nove meses. Talvez a utilização de DAAP pudesse ter sido estendida para até três meses40, mas por razões clínicas e socioeconômicas isso não era interessante em nossa população.

Conclusões

Ensaios clínicos controlados são necessários antes que o fechamento percutâneo do AAE constitua uma alternativa à ACO em pacientes portadores de FA permanente ou persistente de longa duração, não associada a doença valvar. Mas o dispositivo se mostrou promissor em pacientes com alto risco de embolia e limitações ao uso de ACO. Embora a importância da curva de aprendizado não possa ser subestimada35,37,38, a familiaridade dos operadores com os dispositivos AmplatzerTM pode vir a ser uma vantagem na experiência inicial com esta intervenção28.

Na época da publicação, o seguimento de 14 meses não revelava desfechos adversos.

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer a cooperação do Dr. Claudio José Gouvea Galhardo e a participação do Enf. Wilson Pessanha, membros do nosso corpo clínico.

Potencial Conflito de Interesses

Drs. Márcio José Montenegro e Aníbal Damonte são consultores e supervisores de casos da St. Jude Medical Inc., recebendo honorários pelas sessões de treinamento.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 16/08/11, revisado recebido em 12/09/11, aceito em 12/09/11.

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  • Correspondência:
    Márcio José Montenegro
    Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista.
    Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro. Rua David Campista, 326 - 4º andar - Humaitá - 22.261-010 - Rio de Janeiro, RJ, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Fev 2012
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