Acessibilidade / Reportar erro

Variabilidade da frequência cardíaca em pacientes com Distrofia Miotônica tipo 1

Resumos

FUNDAMENTO: O envolvimento cardíaco é comum em pacientes com Distrofia Miotônica (DM). A Variabilidade da Frequência Cardíaca (VFC) é uma técnica simples e confiável que pode ser útil para estudar a influência do sistema nervoso autonômico sobre o coração. OBJETIVO: Estudar a variabilidade da frequência cardíaca em pacientes com DM tipo 1. MÉTODOS: Estudamos a VFC durante registros de 5 minutos em pacientes com DM em um grupo controle saudável. Analisamos os domínios da frequência (BF e AF) em unidades normalizadas (un) e balanço simpático-vagal, na posição sentada e em decúbito dorsal. RESULTADOS: Dezessete pacientes (10 homens e 7 mulheres) e dezessete indivíduos pareados saudáveis (10 homens e 7 mulheres) foram estudados. As modulações simpática e parassimpática do coração elevadas em pacientes do sexo masculino com DM da posição em decúbito dorsal para a posição sentada em 19% da AFun e a razão BF/AF aumentaram 42,3%. Na posição sentada, os pacientes do sexo masculino com DM apresentaram balanços simpático-vagal significativamente mais elevados em 50,9% em comparação com indivíduos controles saudáveis. A VFC foi influenciada tanto pelo sexo quanto pela enfermidade apresentada. O sexo influenciou a AFun na posição em decúbito dorsal, enquanto a razão BF/AF e AFun foi afetada em ambas as posições. Análises post hoc mostraram que o sexo afeta significativamente pacientes com DM e indivíduos saudáveis de diferentes maneiras (p < 0,01). O domínio de baixa frequência na posição sentada (AFun) foi significativamente influenciado pela enfermidade. CONCLUSÃO: Os resultados deste estudo sugerem que o estímulo simpático em pacientes de meia-idade do sexo masculino com DM que não está gravemente comprometido e apresenta duração moderada da doença parece ser maior do que em indivíduos saudáveis pareados.

Frequência cardíaca; distrofia miotônica; análise espectral; sistema nervoso autônomo


BACKGROUND: Cardiac involvement is common in myotonic dystrophy (MD) patients. Heart rate variability (HRV) is a simple and reliable technique that can be useful for studying the influence of the autonomic nervous system on the heart. OBJECTIVE: Study heart rate variability in patients with type 1 MD. METHODS: We studied HRV during 5-minute recordings in MD patients and in a healthy control group. We analyzed frequency domains (LF and HF) in normalized units (nu) and sympathovagal balance, in the sitting and supine position. RESULTS: Seventeen patients (10 men and 7 women) and seventeen matched healthy individuals (10 men and 7 women) were studied. Sympathetic and parasympathetic modulations of the heart increased in male MD patients from supine to sitting position in 19% of LFnu and the LF/HF ratio rose by 42.3%. In the sitting position, male MD patients exhibited significantly higher sympathovagal balances in 50.9% compared to healthy control individuals. HRV was influenced by both gender and disease. Gender influenced LFnu in the supine position while the LF/HF ratio and HFnu were affected in both positions. Post hoc analyses showed that gender significantly impacts MD patients and healthy individuals in different ways (p < 0.01). The low frequency domain in the sitting position (LFnu) was significantly influenced by the disease. CONCLUSION: The results of this study suggest that the sympathetic drive in middle-aged male MD patients who are not severely impaired and present moderate disease duration seems to be greater than in healthy matched individuals.

Heart rate; myotonic dystrophy; spectrum analysis; autonomic nervous system


Variabilidade da frequência cardíaca em pacientes com Distrofia Miotônica tipo 1

Guilherme FregoneziI; Thaise AraújoI; Mario Emilio Dourado JuniorII; Joceline FereziniI; Ester SilvaIII; Vanessa ResquetiI

ILaboratório de Fisioterapia Pneumocardiovascular - Departamento de Fisioterapia - Centro de Ciências da Saúde - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN

IIClínica das Doenças Neuromusculares - Hospital Onofre Lopes - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN

IIILaboratório de Doenças Cardiovasculares - Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Guilherme Fregonezi Ruas das Algarobas, s/n, apto1402, Torre 2 - Cidade Verde 59151-433 - Parnamirim, RN, Brasil E-mail: fregonezi@ufrnet.br

RESUMO

FUNDAMENTO: O envolvimento cardíaco é comum em pacientes com Distrofia Miotônica (DM). A Variabilidade da Frequência Cardíaca (VFC) é uma técnica simples e confiável que pode ser útil para estudar a influência do sistema nervoso autonômico sobre o coração.

OBJETIVO: Estudar a variabilidade da frequência cardíaca em pacientes com DM tipo 1.

MÉTODOS: Estudamos a VFC durante registros de 5 minutos em pacientes com DM em um grupo controle saudável. Analisamos os domínios da frequência (BF e AF) em unidades normalizadas (un) e balanço simpático-vagal, na posição sentada e em decúbito dorsal.

RESULTADOS: Dezessete pacientes (10 homens e 7 mulheres) e dezessete indivíduos pareados saudáveis (10 homens e 7 mulheres) foram estudados. As modulações simpática e parassimpática do coração elevadas em pacientes do sexo masculino com DM da posição em decúbito dorsal para a posição sentada em 19% da AFun e a razão BF/AF aumentaram 42,3%. Na posição sentada, os pacientes do sexo masculino com DM apresentaram balanços simpático-vagal significativamente mais elevados em 50,9% em comparação com indivíduos controles saudáveis. A VFC foi influenciada tanto pelo sexo quanto pela enfermidade apresentada. O sexo influenciou a AFun na posição em decúbito dorsal, enquanto a razão BF/AF e AFun foi afetada em ambas as posições. Análises post hoc mostraram que o sexo afeta significativamente pacientes com DM e indivíduos saudáveis de diferentes maneiras (p < 0,01). O domínio de baixa frequência na posição sentada (AFun) foi significativamente influenciado pela enfermidade.

CONCLUSÃO: Os resultados deste estudo sugerem que o estímulo simpático em pacientes de meia-idade do sexo masculino com DM que não está gravemente comprometido e apresenta duração moderada da doença parece ser maior do que em indivíduos saudáveis pareados.

Palavras-chave: Frequência cardíaca, distrofia miotônica, análise espectral, sistema nervoso autônomo.

Introdução

A Distrofia Miotônica (DM) é a forma mais frequente de distrofia muscular em adultos1,2. As manifestações clínicas da DM são miotonia, fraqueza muscular, anormalidades cardíacas, catarata, distúrbios endócrinos e do trato digestivo, distúrbios do sono e calvície3-5. Problemas cardíacos experimentados por pacientes com DM são bem conhecidos1,6. A maioria dos pacientes é assintomática; no entanto, alterações na fisiologia cardíaca são comuns, como observado em eletrocardiogramas6. As manifestações clínicas incluem atraso na condução, distúrbios do ritmo e doença do miocárdio. Alterações eletrocardiográficas indicam anormalidades na condução intraventricular e atrioventricular, fibrilação atrial e arritmias ventriculares. Dados histopatológicos mostram fibrose no sistema de condução e no nó sinoatrial associado à hipertrofia dos miócitos7. Pacientes com comprometimentos musculoesqueléticos maiores possuem idade mais avançada e problemas do coração com mais frequência8.

O sistema nervoso autonômico desempenha um papel crucial na modulação da Frequência Cardíaca (FC). Uma diminuição em sua variabilidade é um preditor de morbidade e mortalidade9,10. Pesquisas anteriores descobriram que as mulheres saudáveis apresentavam maior dominância vagal sobre a FC, o que parece dar conta de sua melhor cardioproteção em relação aos homens, embora essas diferenças diminuam com a idade11. O estudo da Variabilidade da Frequência Cardíaca (VFC) tem, portanto, sido proposto como um método simples, barato e não invasivo, que fornece informações sobre a integridade neurocardial. Uma série de investigações sobre a função global do sistema nervoso autonômico em pacientes com DM mostra que a presença de neuropatia autonômica é altamente improvável1,12,13. No entanto, estudos sobre a modulação autonômica da FC em pacientes com DM têm obtido resultados conflitantes14-18.

O presente estudo teve como objetivo avaliar as possíveis diferenças na modulação autonômica da FC entre os sexos para os pacientes com DM e indivíduos saudáveis em diferentes posições corporais e a influência da interação entre sexo e doença na modulação autonômica da FC em diferentes posições corporais.

Métodos

Indivíduos

Os pacientes diagnosticados com DM pelo neurologista de um hospital universitário e grupos controles saudáveis pareados foram convidados a participar do estudo. Pacientes com histórico de doenças respiratórias ou doença cardíaca, hipertensão, diabete melito, doença tromboembólica, doenças da tireoide, derrame, depressão, tabagismo ou alcoolismo foram excluídos. Nenhum indivíduo tomava medicação anti-hipertensiva, antiarrítmicos ou outros fármacos que possam afetar o controle autonômico da FC. Nenhum dos indivíduos encontrava-se em tratamento de fisioterapia ou participava de qualquer programa regular de exercícios aeróbicos. Os pacientes não apresentavam outras doenças que pudessem influenciar o sistema nervoso autonômico, nem qualquer distúrbio de condução ao eletrocardiograma anterior (ECG). O grupo controle era composto por voluntários saudáveis recrutados na comunidade acadêmica por meio de anúncio. Os controles foram pareados por sexo, altura e peso, bem como não usavam nenhuma medicação e foram julgados saudáveis de acordo com anamnese e exame físico. Todos os participantes assinaram um termo de consentimento informado e o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do hospital (protocolo número 151/07) e está em conformidade com os Princípios da Declaração de Helsinki19.

Classificação clínica de comprometimento muscular

Todos os pacientes foram categorizados em cinco graus de comprometimento, utilizando a Escala de Acometimento Muscular (MIRS) de acordo com a progressão distal a proximal da característica do envolvimento muscular periférico da MD: Grau 1 - ausência de sinais clínicos de comprometimento muscular; grau 2 - sinais mínimos, tais como miotonia e fraqueza facial, ptose palpebral e/ou fraqueza proximal leve ou moderada; grau 3 - fraqueza distal sem comprometimento proximal; grau 4 - fraqueza proximal leve ou moderada; grau 5 - fraqueza proximal grave com o paciente confinado a uma cadeira de rodas20.

Avaliação da variabilidade da frequência cardíaca

Os participantes foram avaliados pela manhã para evitar diferenças causadas por alterações circadianas. A temperatura do laboratório foi mantida entre 22 °C e 24 °C e a umidade relativa do ar entre 50% e 60%. Os pacientes foram informados sobre o protocolo, instruídos a abster-se de estimulantes ou bebidas alcoólicas nas 24 horas anteriores ao teste e a ingerir uma refeição leve pelo menos duas horas antes da avaliação.

No dia do teste, os pacientes foram questionados e examinados em relação ao seu bem-estar geral, uma boa noite de sono (7-8 horas) e cumprimento das instruções. Depois de um período de descanso de 20 minutos, a pressão arterial sistêmica (Missouri-Mikato, SP, Brasil) e o pulso radial (Nonin Medical, MN, EUA) foram medidos para determinar se as condições basais eram adequadas para o teste.

Para obter dados de FC, os voluntários foram monitorados em decúbito dorsal por 15 minutos usando um monitor Polar S810i® (Polar Electro Oy®, Finlândia) após 5 minutos de estabilização do sinal. O monitor Polar S810i® é um dispositivo prático e confiável para monitorar a FC batimento a batimento para a análise da VFC; o equipamento capta intervalos RR por meio de dois eletrodos adesivos. Os eletrodos foram colocados sobre a pele, sobre o apêndice xifoide e sobre a linha axilar média ao nível do apêndice xifoide. Os dados obtidos pelo monitor Polar foram transferidos para o computador usando uma interface com um dispositivo de infravermelho para a emissão do sinal. Esse sistema detecta a despolarização ventricular, correspondente à onda R do ECG, com uma taxa de amostragem de 500 Hz e uma resolução temporal de 1 milissegundo21, validado por Loimaala e cols.22. A interface infravermelha foi colocada a uma distância máxima de 8 polegadas e em um ângulo de 15° em relação ao Polar S810i®20. Os sinais de FC foram processados para calcular os valores da VFC utilizando um programa específico MatLab® (Math Works, USA), que calcula os valores da VFC com base nos intervalos RR obtidos no dispositivo. A VFC foi avaliada nos domínios de tempo e frequência, utilizando a região de maior estabilidade para rastrear os intervalos RR, tendo em vista que foram observados no mínimo 256 batimentos consecutivos. Os domínios de frequência foram analisados pela transformada rápida de Fourier aplicada em uma única janela, após a subtração linear da tendência em intervalos R-R previamente selecionados. A análise no domínio da frequência foi realizada utilizando faixas de frequência baixa (BF: 0,04 a 0,15 Hz) e alta (AF: 0,15-0,4 Hz) de potência total em unidades normalizadas (un) e uma razão BF/AF. A faixa AF é modulada pelos sistemas simpático e parassimpático nervoso e a banda de AF está relacionada ao controle vagal cardíaco23.

Análise estatística

Os participantes foram caracterizados por meio da estatística descritiva, obtendo-se as médias e desvios padrão da idade, Índice de Massa Corporal (IMC) e intervalo de tempo desde o diagnóstico. A distribuição normal dos dados foi verificada por meio do teste de caminhada de Shapiro. O teste t pareado foi aplicado para comparar os dados da VFC intragrupos. ANOVA bifatorial foi utilizado em pacientes com DM e o grupo controle para determinar a influência da doença e o sexo sobre a variabilidade da frequência cardíaca. Os resultados foram considerados estatisticamente significativos para p < 0,05. O programa GraphPad Prism® foi utilizado para as análises.

Resultados

Vinte e seis pacientes foram convidados para fazer parte do estudo. Três foram excluídos por histórico prévio da doença e quatro se recusaram a participar por falta de interesse. A amostra final era composta de 17 pacientes (10 homens e 7 mulheres) e 17 indivíduos saudáveis pareados (10 homens e 7 mulheres). Conforme demonstrado na tabela 1, não foram encontradas diferenças entre as características antropométricas entre os dois grupos.

Características clínicas em pacientes com DM

Entre os indivíduos com DM, pacientes do sexo masculino demonstraram mais tempo desde o diagnóstico do que pacientes do sexo feminino e, portanto, encontravam-se em um estágio mais avançado da doença, de acordo com a classificação clínica de comprometimento muscular. Quase todos os pacientes do sexo masculino apresentavam comprometimento muscular periférica ligeiro a moderado (sinais mínimos ou fraqueza distal), enquanto a maioria das mulheres foi classificada como grau 3 (tab. 2). Nenhum dos participantes era dependente de cadeira de roda e todos eram capazes de executar atividades normais do dia a dia.

Variabilidade da frequência cardíaca: diferenças de gênero entre os pacientes com DM

Diferenças significativas intergênero foram encontradas nos pacientes com DM na posição sentada. Os valores de BF/AF e BFun foram 73% e 25% maiores entre os homens, respectivamente, enquanto os valores de AFun foram 51,2% maiores em mulheres (tab. 3). A razão BF/AF foi maior em homens nas posições decúbito dorsal e na sentada. Mudanças significativas também foram observadas a partir da posição em decúbito dorsal para a posição sentada em pacientes do sexo masculino, com uma diminuição de 19% nos valores de AFun, aumento de 19% em BFun e aumento de 42,3% na razão BF/AF (tab. 3).

Variabilidade da frequência cardíaca: diferenças de gênero em indivíduos saudáveis

Conforme a tabela 4, o grupo controle não apresentou diferenças entre gênero e durante as mudanças na posição corporal de decúbito dorsal para a posição sentada. Os valores de AFun na posição decúbito dorsal foi 22,8% maior para as mulheres em relação aos homens. Mudanças na posição corporal de decúbito dorsal para a posição sentada reduziram os valores AFun em 30,8% entre as mulheres saudáveis. A razão BF/AF aumentou para homens e mulheres durante as mudanças na posição corporal em 50% e 132%, respectivamente.

Influência do sexo e da doença sobre a VFC em indivíduos saudáveis e pacientes com DM

Na posição sentada, os pacientes do sexo masculino com DM apresentavam balanços simpático-vagais significativamente elevados em comparação com indivíduos controle saudáveis, em 50,9% (Tab. 5). A influência do sexo e da doença sobre a VFC em indivíduos saudáveis e pacientes com DM é ilustrada nas figuras 1 e 2 e demonstrado nas tabelas 5 e 6. Ao considerar as influências da doença e do gênero na VFC em pacientes com DM e indivíduos saudáveis, observou-se significativa influência de gênero sobre a razão BF/AF, AFun na posição sentada e em decúbito dorsal e BFun em decúbito dorsal. Análises post hoc mostram que o gênero impacta significativamente pacientes com DM e indivíduos saudáveis de diferentes maneiras (p < 0,01). O domínio de baixa frequência na posição sentada, BFun, foi significativamente influenciado pela doença.



Discussão

O presente estudo propõe avaliar a modulação autonômica intergênero da FC em pacientes com DM e indivíduos saudáveis em diferentes posições corporais, bem como a influência do gênero e da doença e sua interação em ambos os grupos. Os resultados da VFC em pacientes com DM quando comparados os gêneros sugerem uma diferença nos valores de BFun, AFun e razão BF/AF, com uma diminuição da modulação parassimpática e aumento da modulação simpática para os homens avaliados na posição sentada. As modulações simpática e parassimpática do coração, avaliadas pelos valores de BFun, balanço simpático-vagal e razão BF/AF, aumentam para pacientes do sexo masculino com DM de acordo com mudanças na posição corporal. Os balanços simpático-vagal apresentam-se significativamente elevados em pacientes do sexo masculino com DM comparados aos controles saudáveis. A VFC foi influenciada tanto pelo sexo quanto pela enfermidade. O sexo influenciou a BFun na posição decúbito dorsal enquanto a razão BF/AF e AFun foi afetada em ambas as posições. A doença influenciou significativamente o domínio de baixa frequência, BFun.

Em contraste com outras pesquisas14-18, o presente estudo avalia a VFC durante curtos períodos na posição sentada e em decúbito dorsal, além de analisar a magnitude das diferenças de gênero. Procedimentos metodológicos foram estabelecidos com base no fato de que as medições de VFC obtidas com registros de 5 minutos demonstraram boa reprodutibilidade, além da rapidez e facilidade de análise24-26. Além disso, as respostas da VFC para alterações posturais são consideradas um melhor preditor de eventos cardíacos27. No entanto, a VFC é relativamente simples de se avaliar, embora os resultados possam ser difíceis de interpretar28. A modulação da frequência cardíaca é fortemente influenciada por diversos fatores, incluindo a posição corporal, humor, estresse mental e as condições ambientais29. Avaliação da VFC também depende das condições locais, tais como ruído, temperatura, respiração espontânea e tranquila30,31. Como afirmado anteriormente32, devido às diferenças fisiológicas entre homens e mulheres, é essencial comparar as diferenças intergênero nos índices de VFC. Finalmente, a VFC deve ser analisada considerando os domínios de frequência em unidades normalizadas. Esta é a forma mais recomendada de análise, uma vez que representa com precisão as variações da modulação simpática e parassimpática23.

De acordo com nosso conhecimento, foram publicados cinco estudos anteriores sobre a modulação autonômica da frequência cardíaca em pacientes com DM. Resultados contraditórios obtidos anteriormente podem ser fruto de diferentes métodos de análise, autorregressivos ou transformada rápida de Fourier, não intercambiáveis33,34, bem como diversas posições posturais durante a medição da VFC em cada estudo. Inoue e cols.14 foram os primeiros autores a investigar a VFC em pacientes com DM tipo 1. Eles analisaram a VFC usando o método autorregressivo em 10 pacientes com DM (4 homens e 6 mulheres) sem distúrbio de condução cardíaca, além de 10 controles saudáveis pareados por idade e sexo em repouso em decúbito dorsal. Os autores descobriram que os valores de BFms2 e AFms2 diminuíram 642% e 452% respectivamente, e que a razão BF/AF aumentou 158% em pacientes com DM em relação a indivíduos saudáveis. O estudo não considerou o tempo desde o diagnóstico e o comprometimento muscular. No entanto, os autores afirmam que no momento da investigação todos os pacientes eram capazes de caminhar e realizar suas atividades diárias sem assistência, correspondendo à classificação 1-4 da escala MIRS. A diferença significativa entre pacientes com DM e indivíduos saudáveis nunca foi confirmada por outros estudos. Flachenecker e cols.15 investigaram a resposta da função autonômica cardiovascular, incluindo a VFC, analisada pelo método rápido de Fourier, em pacientes com DM tipo 2. No entanto, eles registraram uma redução de 53,7% para BFms2 em pacientes com DM tipo 2 em comparação com voluntários saudáveis. Uma pesquisa recente identificou variações significativas em termos de gravidade, tipo e distribuição de miotonia elétrica na DM tipo 1 e tipo 2, bem como uma correlação entre a fraqueza muscular e miotonia nas duas doenças35. Sendo assim, a comparação entre o presente estudo e os resultados obtidos por esses autores é inapropriada. Em um estudo semelhante ao nosso, Di Leo e cols.17, investigaram a VFC em pacientes com DM tipo 1 usando o método autorregressivo com diferentes posições corporais. Em 23 pacientes com DM e um grupo controle, eles observaram uma diminuição significativa nos valores de BFms2, um marcador de atividade simpática, para os pacientes com DM em decúbito dorsal. Os resultados do presente estudo podem ser apenas parcialmente considerados em comparação com os nossos. Os autores não descreveram características basais do grupo de controle; a análise da VFC foi realizada usando o método autorregressivo e o grupo com DM incluía homens e mulheres com uma variação substancial na faixa etária entre 15 e 51 anos. Esses fatores podem influenciar os resultados, tendo em vista que diferenças fisiológicas são estabelecidas pela VFC em homens e mulheres de diferentes idades.

Outros dois estudos anteriores aplicaram o método rápido de Fourier para analisar a VFC em pacientes com DM. Em um estudo multicêntrico, Hardin e cols.16 avaliaram 289 pacientes com DM em decúbito dorsal durante curtos períodos de aquisição da VFC. Eles não incluíram um grupo controle devido ao fato de que o estudo tem como objetivo avaliar o ECG ambulatorial em uma população grande e diversificada com DM tipo 1, em que fatores clínicos estiveram associados a VFC através da análise de domínios de baixa frequência BFms2, AFms2 e razão BF/AF. Além disso, dado que a investigação foi realizada em vários centros, os dados da VFC mostraram grande variabilidade, com desvio padrão maior do que a média e superior aos comumente encontrados em estudos da VFC. Esses autores observaram uma diminuição na potência total e predomínio do estímulo simpático em relação aos valores normais da VFC. Finalmente, RakoceviĆ-StojanoviĆ e cols.18 analisaram a VFC de 20 pacientes e 15 controles saudáveis. O estudo não descrevia claramente as características dos pacientes e do grupo controle, tais como idade, sexo, tempo de diagnóstico e presença de incapacidade maior ou menor. A potência total caiu 64,6% em pacientes com DM em relação aos controles saudáveis, enquanto os valores de BFms2, AFms2 e razões BF/AF não estiveram significativamente menores nos pacientes com DM. Os autores concluíram que a disfunção simpática pode ocorrer em pacientes com DM tipo 1.

O presente estudo se baseia nessa investigação prévia de várias maneiras importantes. Em primeiro lugar, o tempo desde o diagnóstico é extremamente importante para o desenvolvimento de comorbidades em pacientes com DM, não tendo sido considerado em nenhum estudo anterior, ao passo que o presente estudo definiu o tempo de diagnóstico para o grupo de pacientes. Em segundo lugar, é importante realizar análises da VFC em separado para homens e mulheres, adotando um grupo controle. Em terceiro lugar, usando unidades normalizadas para estudar os domínios de frequência é altamente recomendado, a fim de analisar a influência da modulação autonômica simpática e parassimpática do coração. Todos os procedimentos devem ser adotados tendo em conta que não existem valores de referência estabelecidos para a VFC. Por fim, tendo em vista que o estudo da VFC é um assunto de grande interesse em pesquisas clínicas e fisiológicas, a medição da VFC deve ser obtida sob condições rigorosas para se reduzir os fatores que podem influenciar os resultados. De acordo com dados fornecidos pelos nossos resultados, pode-se estabelecer um ponto de partida na VFC na distrofia miotônica.

O presente estudo contém diversos pontos fortes; no entanto, a principal limitação está na pequena amostra de participantes e a extrapolação dos resultados deve ser feita com cuidado. Um objetivo importante deste trabalho, não investigado anteriormente, foi o estudo da modulação autonômica cardíaca na DM, considerando pacientes do sexo masculino e feminino e a influência da mudança postural do corpo.

Os resultados deste estudo sugerem que pacientes em meia-idade com DM do sexo masculino, em estágio e duração moderada da doença, o drive simpático parece ser maior que em indivíduos saudáveis pareados.

Artigo recebido em 04/07/11

Revisado recebido em 10/10/11

Aceito em 10/10/11.

  • 1. Day JW, Roelofs R, Leroy B, Pech I, Benzow K, Ranum LP. Clinical and genetic characteristics of a five-generation family with a novel form of myotonic dystrophy (DM2). Neuromuscul Disord. 1999;9(1):19-27.
  • 2. Groh WJ, Groh MR, Shen C, Monckton DG, Bodkin CL, Pascuzzi RM. Survival and CTG repeat expansion in adults with myotonic dystrophy type 1. Muscle Nerve. 2011;43(5):648-51.
  • 3. Bouhour F, Bost M, Vial C. Maladie de steinert. Presse Med. 2007;36(6 Pt 2):965-71.
  • 4. Romigi A, Izzi F, Pisani V, Placidi F, Pisani LR, Marciani MG, et al. Sleep disorders in adult-onset myotonic dystrophy type 1: a controlled polysomnographic study. Eur J Neurol. 2011;18(9):1139-45.
  • 5. Palmer PM, Neel AT, Sprouls G, Morrison L. Swallow characteristics in patients with oculopharyngeal muscular dystrophy. J Speech Lang Hear Res. 2010;53(6):1567-78.
  • 6. McNally E M, Sparano D. Mechanisms and management of the heart in myotonic dystrophy. Heart. 2011;97(13):1094-100.
  • 7. Groh WJ, Groh MR, Saha C, Kincaid JC, Simmons Z, Ciofaloni E, et al. Electrocardiographic abnormalities and sudden death in myotonic dystrophy type 1. N Engl J Med. 2008;358(25):2688-97.
  • 8. Pelargonio G, Dello Russo A, Sanna T, De Martino G, Bellocci F. Myotonic dystrophy and the heart. Heart. 2002;88(6):665-70.
  • 9. Tsuji H, Larson MG, Venditti FJ Jr, Manders ES, Evans JC, Feldman CL, et al. Impact of reduced heart rate variability on risk for cardiac events. The Framingham Heart Study. Circulation. 1996;94(11):2850-5.
  • 10. Stein PK, Kleiger RE. Insights from the study of heart rate variability. Annu Rev Med. 1999;50:249-61.
  • 11. Hoikkala H, Haapalahti P, Viitasalo M, Vaananen H, Sovijarvi AR, Ylikorkala O, et al. Association between vasomotor hot flashes and heart rate variability in recently postmenopausal women. Menopause. 2010;17(2):315-20.
  • 12. Olofsson BO, Niklasson U, Forsberg H, Bjerle P, Anderson S, Henriksson A. Assessment of autonomic nerve function in myotonic dystrophy. J Auton Nerv Syst. 1990;29(3):187-92.
  • 13. den Heijer JC, van Dijk JG, Bollen WL, Bos JE, Wintzen AR. Assessment of autonomic function in myotonic dystrophy. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1991;54(6):531-4.
  • 14. Inoue K, Ogata H, Matsui M, Hayano J, Miyake S, Kumashiro M, et al. Assessment of autonomic function in myotonic dystrophy by spectral analysis of heart-rate variability. J Auton Nerv Syst. 1995;55(1-2):131-4.
  • 15. Flachenecker P, Schneider C, Cursiefen S, Ricker K, Toyka KV, Reiners K. Assessment of cardiovascular autonomic function in myotonic dystrophy tipe 2 (DM2/PROMM). Neuromuscul Disord. 2003;13(4):289-93.
  • 16. Hardin BA, Lowe MR, Bhakta D, Groh WJ. Heart rate variability declines with increasing age and CTG repeat length in patients with myotonic dystrophy type 1. Ann Noninvasive Electrocardiol. 2003;8(3):227-32.
  • 17. Di Leo R, Rodolico C, De Gregorio C, Recupero A, Cogliatore S, Annesi G, et al. Cardiovascular autonomic control in myotonic dystrophy type 1: a correlative study with clinical and genetic data. Neuromuscul Disord. 2004;14(2):136-41.
  • 18. RakoceviĆ-StojanoviĆ V, MilovanoviĆ B, IviĆ N, Ille T, Marjanovic I, Stevic Z, et al. Cardiac autonomic nervous system in patients with myotonic dystrophy type 1. Acta Myol. 2007;26(2):112-4.
  • 19
    World Medical Association. Declaration of Helsinki: ethical principals for research involving human subjects. As amended in Tokyo, 2004. Ferney-Voltaire, France: The Association; 2004. [Accessed on 2011 june 26]. Available from: http://www.wma.net/e/ethicsunit/helsinki.htm
  • 20. Mathieu J, Boivin H, Meunier D, Gaudreault M, Bégin P. Assessment of a disease-specific muscular impairment rating scale in myotonic dystrophy. Neurology. 2001;56(3):336-40.
  • 21. Ruha A, Sallinen S, Nissila S. A real-time microprocessor QRS detector system with a 1-ms timing accuracy for the measurement of ambulatory HRV. IEEE Trans Biomed Eng. 1997;44(3):159-67.
  • 22. Loimaala A, Sievanen H, Laukkanen R, Parkka J, Vuori I, Huikuri H. Accuracy of a novel real-time microprocessor QRS detector for heart rate variability assessment. Clin Physiol. 1999;19(1):84-8.
  • 23. Heart rate variability: standards of measurement, physiological interpretation, and clinical use. Task Force of European Society of Cardiology and the North American Society of Pacing and Electrophysiology. Circulation. 1996;93(5):1043-65.
  • 24. Lord SW, Senior RR, Das M, Whittam AM, Murray A, McComb JM. Low-frequency heart rate variability: reproducibility in cardiac transplant recipients and normal subjects. Clin Sci. 2001;100(1):43-6.
  • 25. Hojgaard MV, Holstein-Rathlou NH, Agner E, Kanters JK. Reproducibility of heart rate variability, blood pressure variability and baroreceptor sensitivity during rest and head-up tilt. Blood Press Monit. 2005;10(1):19-24.
  • 26. Dantas EM, Gonçalves CP, Silva AB, Rodrigues SL, Ramos MS, Andreão RV, et al. Reproducibility of heart rate variability parameters measured in healthy subjects at rest and after a postural change maneuver. Braz J Med Biol Res. 2010;43(10):982-8.
  • 27. Carnethon MR, Liao D, Evans GW, Cascio WE, Chambless LE, Rosamond WD, et al. Does the cardiac autonomic response to postural change predict incident coronary heart disease and mortality? The Atherosclerosis Risk in Communities Study. Am J Epidemiol. 2002;155(1):48-56.
  • 28. Low PA. Clinical autonomic disorders. Philadelphia: Lippincott-Raven Publishers; 1997.
  • 29. Ewing DJ, Neilson JM, Shapiro CM, Stewart JA, Reid W. Twenty four hour heart rate variability: effects of posture, sleep, and time of day in healthy controls and comparison with bedside tests of autonomic function in diabetic patients. Br Heart J. 1991;65(5):239-44.
  • 30. Pinna GD, Maestri R, Torunski A, Danilowicz-Szymanowicz L, Szwoch M, La Rovere MT, et al. Heart rate variability measures: a fresh look at reliability. Clin Sci. 2007;113(3):131-40.
  • 31. Sandercock GR, Bromley PD, Brodie DA. The reliability of short-term measurements of heart rate variability. Int J Cardiol. 2005;103(3):238-47.
  • 32. Acharya UR, Kannathal N, Hua LM, Yi LM. Study of heart rate variability signals at sitting and supine positions. J Body Mov Ther. 2005;9(2):134-41.
  • 33. Chemla D, Young J, Badilini F, Maison-Blanche P, Affres H, Lecarpentier Y, et al. Comparison of fast Fourier transform and autoregressive spectral analysis for the study of heart rate variability in diabetic patients. Int J Cardiol. 2005;104(3):307-13.
  • 34. Pichon A, Roulaud M, Antoine-Jonville S, de Bisschop C, Denjean A. Spectral analysis of heart rate variability: interchangeability between autoregressive analysis and fast Fourier transform. J Electrocardiol. 2006;39(1):31-7.
  • 35. Logigian EL, Ciafaloni E, Quinn LC, Dilek N, Pandya S, Moscley RT 3rd, et al. Severity, type, and distribution of myotonic discharges are different in type 1 and type 2 myotonic dystrophy. Muscle Nerve. 2007;35(4):479-85.
  • Correspondência:
    Guilherme Fregonezi
    Ruas das Algarobas, s/n, apto1402, Torre 2 - Cidade Verde
    59151-433 - Parnamirim, RN, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Abr 2012

    Histórico

    • Recebido
      04 Jul 2011
    • Aceito
      10 Out 2011
    • Revisado
      10 Out 2011
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br