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Avaliação do tratamento cirúrgico da cardiopatia congênita em pacientes com idade superior a 16 anos

Resumos

FUNDAMENTO: O número crescente de crianças com cardiopatias congênitas em evolução demanda maior preparo dos profissionais e das instituições que as manuseiam. OBJETIVO: Descrever o perfil dos pacientes com idade superior a 16 anos com cardiopatia congênita operados e analisar os fatores de risco preditivos de mortalidade hospitalar. MÉTODOS: Mil, quinhentos e vinte pacientes (idade média 27 ± 13 anos) foram operados entre janeiro de 1986 e dezembro de 2010. Foram realizadas análise descritiva do perfil epidemiológico da população estudada e análise dos fatores de risco para mortalidade hospitalar, considerando escore de complexidade, ano em que a cirurgia foi realizada, procedimento realizado pelo cirurgião pediátrico ou não e presença de reoperação. RESULTADOS: Ocorreu um crescimento expressivo no número de casos a partir do ano 2000. A média do escore de complexidade foi 5,4 e os defeitos septais corresponderam a 45% dos casos. A mortalidade geral foi 7,7% e o maior número de procedimentos (973 ou 61,9%) com maior complexidade foi realizado por cirurgiões pediátricos. Complexidade (OR 1,5), reoperação (OR 2,17) e cirurgião pediátrico (OR 0,28) foram fatores de risco independentes que influenciaram a mortalidade. A análise multivariada mostrou que o ano em que a cirurgia foi realizada (OR 1,03), a complexidade (OR 1,44) e o cirurgião pediátrico (OR 0,28) influenciaram no resultado. CONCLUSÃO: Observa-se um número crescente de pacientes com idade superior a 16 anos e que, apesar do grande número de casos simples, os mais complexos foram encaminhados para os cirurgiões pediátricos, que apresentaram menor mortalidade, em especial nos anos mais recentes. (Arq Bras Cardiol. 2012; [online].ahead print, PP.0-0)

Cardiopatias congênitas; adolescente; mortalidade hospitalar


BACKGROUND: The increasing number of children with evolving congenital heart diseases demands greater preparation of professionals and institutions that handle them. OBJECTIVE: To describe the profile of patients aged over 16 years with congenital heart disease, who have undergone surgery, and analyze the risk factors that predict hospital mortality. METHOD: One thousand five hundred twenty patients (mean age 27 ± 13 years) were operated between January 1986 and December 2010. We performed a descriptive analysis of the epidemiological profile of the study population and analyzed risk factors for hospital mortality, considering the complexity score, the year in which surgery was performed, the procedure performed or not performed by the pediatric surgeon and reoperation. RESULTS: There was a significant increase in the number of cases from the year 2000. The average complexity score was 5.4 and the septal defects represented 45% of cases. Overall mortality was 7.7% and most procedures (973 or 61.9%) with greater complexity were performed by pediatric surgeons. Complexity (OR 1.5), reoperation (OR 2.17) and pediatric surgeon (OR 0.28) were independent risk factors influencing mortality. Multivariate analysis showed that the year in which the surgery was performed (OR 1.03), the complexity (OR 1.44) and the pediatric surgeon (OR 0.28) influenced the result. CONCLUSION: There is an increasing number of patients aged 16 years which, despite the large number of simple cases, the most complex ones were referred to pediatric surgeons, who had lower mortality, especially in recent years. (Arq Bras Cardiol. 2012; [online].ahead print, PP.0-0)

Heart defects; adolescent; hospital mortality


Avaliação do tratamento cirúrgico da cardiopatia congênita em pacientes com idade superior a 16 anos

Luiz Fernando Caneo, Marcelo B. Jatene, Arlindo A. Riso, Carla Tanamati, Juliano Penha, Luiz Felipe Moreira, Edmar Atik, Evelinda Trindade, Noedir A. G. Stolf

Instituto do Coração, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Correspondência

RESUMO

FUNDAMENTO: O número crescente de crianças com cardiopatias congênitas em evolução demanda maior preparo dos profissionais e das instituições que as manuseiam.

OBJETIVO: Descrever o perfil dos pacientes com idade superior a 16 anos com cardiopatia congênita operados e analisar os fatores de risco preditivos de mortalidade hospitalar.

MÉTODOS: Mil, quinhentos e vinte pacientes (idade média 27 ± 13 anos) foram operados entre janeiro de 1986 e dezembro de 2010. Foram realizadas análise descritiva do perfil epidemiológico da população estudada e análise dos fatores de risco para mortalidade hospitalar, considerando escore de complexidade, ano em que a cirurgia foi realizada, procedimento realizado pelo cirurgião pediátrico ou não e presença de reoperação.

RESULTADOS: Ocorreu um crescimento expressivo no número de casos a partir do ano 2000. A média do escore de complexidade foi 5,4 e os defeitos septais corresponderam a 45% dos casos. A mortalidade geral foi 7,7% e o maior número de procedimentos (973 ou 61,9%) com maior complexidade foi realizado por cirurgiões pediátricos. Complexidade (OR 1,5), reoperação (OR 2,17) e cirurgião pediátrico (OR 0,28) foram fatores de risco independentes que influenciaram a mortalidade. A análise multivariada mostrou que o ano em que a cirurgia foi realizada (OR 1,03), a complexidade (OR 1,44) e o cirurgião pediátrico (OR 0,28) influenciaram no resultado.

CONCLUSÃO: Observa-se um número crescente de pacientes com idade superior a 16 anos e que, apesar do grande número de casos simples, os mais complexos foram encaminhados para os cirurgiões pediátricos, que apresentaram menor mortalidade, em especial nos anos mais recentes. (Arq Bras Cardiol. 2012; [online].ahead print, PP.0-0)

Palavras-chave: Cardiopatias congênitas / cirurgia, adolescente, mortalidade hospitalar.

Introdução

O tratamento cirúrgico da cardiopatia congênita modificou a história natural da doença. Antes da existência da especialidade, apenas aqueles pacientes com doenças consideradas de menor complexidade sobreviviam e atingiam a maturidade1. Doenças mais complexas raramente eram vistas em pacientes adultos. O sucesso dramático da cirurgia cardíaca pediátrica e, mais recentemente, os avanços da cardiologia intervencionista aplicada a essa população reverteram esse quadro. Doenças com prognóstico reservado passaram a evoluir até a idade adulta em maior número2,3. O conhecimento para a assistência a esses pacientes é mais complexo e deve incluir treinamento em clínica médica, cardiologia geral, cardiologia pediátrica e suas subespecialidades. O aumento importante dessa população, a falta de profissionais especializados nessa área e de Centros preparados é bastante preocupante e representa um desafio ao sistema de saúde existente, em especial para Centros terciários1,3.

Discute-se muito sobre o tratamento cirúrgico dos pacientes adultos com cardiopatias congênitas. Qual o melhor cenário para se obter os melhores resultados? Deveriam, esses pacientes, ser operados por cirurgiões pediátricos em serviços de cirurgia cardíaca geral ou por cirurgiões cardíacos gerais em hospitais pediátricos? Deveriam ser operados em hospitais pediátricos ou hospitais gerais?4-7 No Brasil essa pergunta se torna um pouco mais difícil de responder, pois são poucos os Serviços de cirurgia cardiovascular pediátrica localizados em hospitais exclusivamente pediátricos, além de serem poucos os cirurgiões pediátricos especializados ou preparados para esses casos. A maioria dos Serviços está localizada em hospitais gerais e em alguns especializados em Cardiologia, como no caso dos Institutos do Coração, onde a cirurgia cardíaca pediátrica convive com a cirurgia cardiovascular geral.

Conhecer a nossa realidade, o perfil dos pacientes atendidos, os resultados e planejar um programa adequado para o atendimento dessa população tornou-se uma obrigação à qual os centros terciários brasileiros podem oferecer solução.

O objetivo deste estudo foi descrever o perfil dos pacientes adultos com cardiopatia congênita operados em um Serviço de grande volume cirúrgico nos últimos 24 anos. Além disso, a sobrevida hospitalar foi analisada e correlacionada com a complexidade dos casos, o tipo de cirurgião envolvido no procedimento, ocorrência de reoperação, grupo de diagnóstico e de procedimentos, bem como o ano em que esses foram realizados.

Métodos

Foram estudados pacientes com idade superiores a 16 anos, operados pela Divisão Cirúrgica do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, no período de janeiro de 1986 a dezembro de 2010. O perfil epidemiológico dos pacientes, os procedimentos realizados, a distribuição de acordo com os diagnósticos (agrupados de acordo com a nomenclatura internacional modificada para uso institucional8, com o cirurgião que realizou o procedimento (cirurgião pediátrico e não pediátrico) e os resultados obtidos constituem o perfil desta análise.

Os dados são apresentados de maneira descritiva em proporções ou em valores médios com o intervalo com 95% de confiança (IC 95%). Na comparação da mortalidade nos principais grupos de procedimentos realizados pelos cirurgiões pediátricos e não pediátricos foi utilizado o teste exato de Fisher. A influência das variáveis: ano em que a operação foi realizada, idade do paciente, reoperação, complexidade do procedimento e cirurgião responsável pela realização, versus mortalidade observada, foi avaliada pelo modelo de regressão logística. As variáveis foram estudadas de maneira isolada e aquelas que obtiveram nível de significância abaixo de 0,1 foram submetidas a análise multivariada. A análise estatística foi realizada com software SPSS for Windows, versão 17.0.

Resultados

No período estudado foram realizados 1.571 procedimentos em 1.520 pacientes com idade superior a 16 anos (idade média 27 ± 13 anos). O paciente de maior idade tinha 78 anos, com diagnóstico de defeito do septo interatrial.

A tendência de crescimento do número de procedimentos realizados na Instituição pode ser observada em três períodos distintos: fase I, de 1986 a 1989; fase II, de 1990 a 1999; e fase III, de 2000 a 2010. A tendência de crescimento constante do número total de pacientes operados por cardiopatia congênita independentemente da idade contrasta com aquela observada no subgrupo de pacientes operados por cardiopatia congênita com idade superior a 16 anos. O número médio anual de todos os procedimentos nessas fases foi: 403 na fase I; 454 na fase II; e 685 na fase III. As médias anuais dos procedimentos para o subgrupo acima de 16 anos foram: 52,3 na fase I; 51,3 na fase II; e 84,3 na fase III. Ou seja, ocorreu um crescimento constante no número de procedimentos de 12,7% entre a fase I e a II, e de 50,8% entre a fase II e a III, quando se observa todo o grupo. No subgrupo de pacientes com idade superior a 16 anos, entretanto, praticamente não houve alteração entre as fases I e II, porém houve um crescimento de 62% entre as fases II e III (fig. 1).


Nesse subgrupo de pacientes com idade superior a 16 anos a média global de escores pela escala de complexidade Aristotle Basic Score (ABC)9 foi de 5,4, e a taxa de mortalidade geral foi de 7,68%. A maior parte dos procedimentos foi de cirurgias realizadas em pacientes sem cirurgia prévia, sendo apenas 180 reoperações (11,45%). Quanto à distribuição dos principais grupos diagnósticos, observa-se que o grupo dos defeitos septais correspondeu ao maior volume de casos (n = 698 ou 45%), seguido do grupo de anomalias do coração direito (n = 278 ou 18%) e das anomalias de retorno das veias pulmonares (n = 241 ou 16%) (fig. 2).


O fechamento de comunicações interatriais isoladas (n = 530) e comunicações interatriais associadas à conexão anômala parcial de veias pulmonares (n = 54) corresponderam a mais de um terço (37%) de todos os procedimentos realizados.

Nos 180 pacientes com procedimento prévio (reoperação), realizado ou não em nosso Serviço, foram mais comuns os diagnósticos de anomalias do coração direito (35% dos casos), as anomalias do coração esquerdo (16,7%) e pacientes com conexão atrioventricular univentricular (ventrículo único) (15,5%). O procedimento mais comum entre esses casos, 23,4%, correspondeu às reoperações para reconstrução da via de saída do ventrículo direito (troca de tubo VD-TP em 22 pacientes e implante de prótese valvar em posição pulmonar em 21). No grupo de anomalias do coração esquerdo as retrocas valvares em posição aórtica e mitral foram responsáveis por 60% dos procedimentos realizados nesse grupo. Naqueles com diagnóstico de ventrículo único, 14 pacientes completaram a operação cavopulmonar total com idade superior a 16 anos, 9 foram submetidos a operação de Glenn bidirecional e anastomose sistêmico-pulmonar foi feita em 3 pacientes.

Os procedimentos realizados pelos cirurgiões pediátricos compreendem o maior volume (973/1520 = 61,9%) e a maior proporção de casos mais complexos (complexidade média de 5,99 pelo Aristotle Basic Score quando comparados à média complexidade de 4,39 observada entre os pacientes operados pelos cirurgiões cardíacos gerais).

A figura 3 mostra a distribuição relativa dos principais grupos de procedimentos realizados pelos cirurgiões pediátricos e não pediátricos.


A distribuição absoluta do tipo de cirurgião, de acordo com os principais grupos de diagnóstico e a mortalidade observada está resumida na tabela 1.

Embora os casos de maior complexidade tenham sido operados majoritariamente pelo grupo de cirurgiões pediátricos, não se observou diferença estatisticamente significativa na taxa de mortalidade desses casos comparada com aqueles de menor complexidade operados por cirurgiões gerais.

A série histórica apresentada na figura 4 mostra a tendência de melhoria na mortalidade cirúrgica nos últimos 10 anos. Nos anos iniciais dessa experiência, o ano de realização da operação se mostrou um fator de risco independente e associado (OR 1,03 - 95% CL:1,001-1,059) à complexidade e ao tipo de cirurgião que operou o paciente.


Na análise multivariada, o tipo de cirurgião, a complexidade do procedimento e a presença de reoperação se mostraram como fatores de risco independentes para a mortalidade (tab. 2). A análise desses fatores de risco combinados, complexidade, tipo de cirurgião e ano em que a operação foi realizada mostra que os casos mais complexos operados por cirurgiões pediátricos apresentaram resultados mais favoráveis que quando operados pelos cirurgiões não pediátricos (tab. 3).

Discussão

Cerca de 5 a 8 casos em cada 1.000 nascidos vivos se apresentam com algum tipo de cardiopatia congênita. Ela é considerada a primeira causa não infecciosa de morte no neonato10. Dessas crianças, 30% necessitam de tratamento cirúrgico e/ou intervencionista no primeiro ano de vida11,12. Com o grande avanço da cirurgia cardíaca pediátrica e a melhoria dos resultados, calcula-se que hoje existam mais de 1.000.000 de sobreviventes portadores de cardiopatia congênita nos Estados Unidos13. O tamanho exato da população de pacientes com cardiopatia congênita na idade adulta é estimado entre 80% e 85% dos pacientes nascidos com algum tipo de cardiopatia congênita14. Embora o limite de idade para se considerar um indivíduo adulto seja 18 anos, como definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em nosso meio isso se confunde um pouco na prática clínica. De acordo com o Ministério da Saúde, os serviços de alta complexidade cardiovascular só podem atender pacientes com idade superior a 12 anos, sendo necessário um credenciamento especial para que o serviço seja considerado cardiovascular pediátrico (Portaria 210, SAS-MS, 2004). O serviço cardiovascular pediátrico exclusivo, por sua vez, estará autorizado a atender pacientes do período neonatal aos 18 anos de idade. Nosso hospital é especializado em doenças cardiovasculares e, embora não seja um hospital pediátrico, possui um grupo de profissionais dedicados ao tratamento clínico e cirúrgico da criança cardiopata. Muito embora pacientes com diagnóstico de cardiopatia congênita sejam encaminhados para a enfermaria da pediatria, alguns pacientes com idade superior a 16 anos são internados em outros locais, em especial pacientes com distúrbios valvares ou com comunicação interatrial. Dessa forma, incluímos arbitrariamente todos os pacientes com idade superiora 16 anos nesse estudo, o que parece ser mais representativo da prática clínica brasileira do atendimento dos pacientes considerados "adultos" em nosso meio.

Considerando-se a atual população dos Estados Unidos, observa-se um acréscimo de 2.500 adultos com cardiopatia congênita anualmente2,15. No Brasil, considerando os dados públicos do Sistema Único de Saúde (Datasus), observa-se que 70% dos pacientes com diagnóstico de cardiopatia congênita sobrevivem até os 18 anos. Estudos interessantes têm procurado dimensionar a perspectiva de crescimento de um ambulatório de cardiopatia congênita no adulto, indicando que, para cada 100 mil nascimentos vivos, 200 casos deverão atingir a idade adulta a cada ano (18). Isso representa um acréscimo anual de cerca de 5.800 casos de adultos com cardiopatia congênita com necessidade de seguimento médico ambulatorial em nosso país. Pacientes já operados podem corresponder a cerca de 53% a 55% do volume dos seguimentos como mostra experiência nacional publicada16,17.

Quando se observam os dados referenciais citados anteriormente, após 18 anos de funcionamento, um Serviço com volume cirúrgico médio de 500 casos por ano deveria reoperar de 110 a 120 pacientes a mais, considerando-se apenas os seus pacientes tratados e em seguimento. Isso significaria que um Serviço de cirurgia cardiovascular, como o InCor-HC-FMUSP, nos últimos sete anos, para atender os seus próprios pacientes operados, deveria estar realizando um número linearmente maior de procedimentos em cardiopatia congênita de no mínimo mais 100 casos a cada ano. Nesse período estudado, considerando a média de cardiopatias congênitas operadas, esse fato não foi observado. Considerando o número de pacientes adultos operados, apesar de observarmos um acréscimo no número de casos a partir de 2000, a média anual foi de apenas 78 casos ao ano nos últimos sete anos.

A população de adultos com cardiopatia congênita inclui aqueles previamente operados na infância, assim como aqueles que tiveram sua doença diagnosticada somente na idade adulta. Isso acontece pela dificuldade de acesso desses pacientes aos centros terciários especializados ou pelo diagnóstico não firmado pelo médico que o acompanhava na rede básica. O acesso dificultado aos centros especializados pode ser explicado pelo número insuficiente de centros ou ainda pela sua distribuição geográfica. O diagnóstico impreciso e a falta de conduta adequada podem ser explicados pela formação profissional não adequada.

Dentre os diferentes tipos de procedimentos necessários para esses pacientes, poder-se-ia agrupá-los da seguinte forma18: 1) correções primárias de defeitos congênitos não tratados (cardiopatias congênitas não operadas antes dos 18 anos); 2) tratamento cirúrgico de lesões residuais em pacientes operados previamente; 3) tratamento cirúrgico de novas doenças associadas às cardiopatias congênitas; 4) tratamento cirúrgico de lesões valvares operadas ou não; e 5) tratamento de doenças adquiridas em pacientes com cardiopatia congênita operada ou não.

Cerca de 40% desses casos são considerados de baixa complexidade e podem ser facilmente tratados na maioria dos centros de cardiologia e cirurgia cardiovascular19. Essa amostra reforça esses dados, onde se observou que 45% dos casos estão dentro do grupo de defeitos septais, sendo a correção da comunicação interatrial o maior contingente de procedimentos realizados em toda a amostra. Por sua vez, 20% a 25% desses casos são considerados complexos, raros e requerem cuidados extremamente especializados e multidisciplinares19 , exigindo muito do centro responsável pelo atendimento necessário. Esses casos necessitam de cardiologistas clínicos especializados em cardiopatia congênita no adulto, intensivistas, eletrofisiologistas, especialistas em imagem (RNM, tomografia), cardiologia intervencionista, Serviço de gravidez de risco no local, programa de transplante ativo, com suporte familiar, enfermeiras treinadas, centro de reabilitação cardiovascular e serviço de psicologia, entre outros20. Os casos de maior complexidade geralmente são direcionados ao cirurgião pediátrico, como se pode observar nessa experiência, e muitas vezes exigem desses cirurgiões, além do conhecimento em cardiopatia congênita, preparo em todas as subespecialidades cirúrgicas cardiovasculares.

Em nosso meio, o acesso a centros especializados é muitas vezes dificultado pelas distâncias geográficas, pela concentração desses centros em áreas mais desenvolvidas e pelo pequeno número deles. Isso implica que pacientes menos sintomáticos procurem ajuda médica tardiamente na evolução natural da doença, e poderia justificar o grande número de pacientes operados nesse Serviço pela primeira vez na idade adulta, acima dos 16 anos. Já aqueles previamente operados e em acompanhamento, retornam para os procedimentos necessários na evolução como ocorre na tetralogia de Fallot, nos pacientes com fisiologia univentricular em tratamento cirúrgico estadiado e lesões valvares de causa congênita tratadas previamente, como mostram os resultados desta análise.

Do ponto de vista cirúrgico, os pacientes com cardiopatia congênita no adulto se apresentam com grande número de associações de diversas doenças cardíacas e não cardíacas, exigindo do cirurgião conhecimento não só da cardiopatia congênita, como também do manejo em operações valvares, das doenças da aorta, das arritmias e demais subespecialidades1. A possibilidade de aplicação de todo o conhecimento de forma integrada talvez possa garantir um melhor resultado nesse grupo de pacientes. Muito embora o resultado possa ser mais bem sucedido quando o paciente é tratado por um cirurgião pediátrico como mostrado na literatura3-7, o real impacto de um cirurgião pediátrico especializado em adultos nesses resultados não havia sido analisado sistematicamente. Neste presente trabalho, o fato de o paciente de maior complexidade ter sido tratado pelo cirurgião pediátrico teve impacto no resultado observado quando se analisou o evento mortalidade. Esses dados, entretanto, ainda não permitem uma análise mais aprofundada dos resultados quanto às complicações e efetividade da correção cirúrgica realizada21. Utilizou-se nesta análise o escore de complexidade descrito para cardiopatias congênitas em geral, o Aristotle Basic Score (ABC). O ABC parece ter um poder preditor abaixo do ideal no adulto22. Porém, como ainda não se dispõe de nenhum escore específico e validado para esse grupo de pacientes, o ABC é uma forma possível de estratificar a complexidade dos pacientes operados.

Entre os desafios estruturais atuais pode-se citar a dificuldade em identificar o melhor centro para realizar o atendimento, que pode ser um hospital pediátrico, um hospital de adultos ou um centro especializado em cardiologia e cirurgia cardiovascular5-7. Prover um ambulatório pré-natal para atendimento das mulheres grávidas com feto cardiopata e cuidados no período puerperal e toda a infraestrutura e pessoal especializado nas áreas não cardiológicas, como nefrologia, hepatologia, pneumologia e hematologia, entre outros, é o grande desafio no atendimento dessa população.

Prover de forma integral os cuidados com os pacientes com cardiopatia congênita, operados ou não, que necessitam de tratamento cirúrgico, como resultado da evolução da doença operada ou diagnosticada na vida adulta, passa a ser o desafio do futuro. Organizar um grupo de trabalho especializado em cardiopatias congênitas do adulto, alinhado com o grupo da cardiologia pediátrica e demais especialidades dentro da cardiologia, é mandatório para garantir melhores resultados e atendimento mais adequado para esses pacientes. Além disso, é importante o suporte às necessidades específicas desse grupo de pacientes (como arritmia, por exemplo), estabelecendo protocolos de atendimento e acompanhamento.

Muito embora este estudo seja uma análise retrospectiva de prontuários de pacientes atendidos na Instituição, os dados obtidos reforçam os achados encontrados na literatura. Salienta-se, assim, a necessidade de cirurgiões especializados no tratamento desse importante grupo de pacientes adultos com cardiopatia congênita, bem como de centros dedicados e modificados para atendê-los de forma especializada e integrada, sob a perspectiva de suas necessidades e particularidades.

Observamos neste estudo um número crescente de pacientes com idade superior a 16 anos nos últimos 10 anos, e que, apesar de grande parte desses procedimentos serem de baixa complexidade, os mais complexos foram encaminhados para os cirurgiões pediátricos. Isoladamente, a complexidade reoperação e o fato de ser ou não cirurgião pediátrico influenciaram na mortalidade.

Os resultados encontrados reforçam que os casos mais complexos de cardiopatia congênita devam ser encaminhados para os cirurgiões pediátricos e que uma curva de aprendizado é esperada no manuseio desses pacientes, uma vez que observamos uma mortalidade menor nos anos mais recentes.

Agradecimentos

Nossos agradecimentos ao Prof. Dr. Rodolfo A. Neirotti pela revisão detalhada do conteúdo e comentários sempre enriquecedores.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Luiz Fernando Caneo

Rua Monte Alegre, 791, apto. 34

Perdizes, 05014-000, São Paulo, SP, Brasil

E-mail: caneo@mac.com

Artigo recebido em 08/09/11;

revisado recebido em 08/09/11;

aceito em 03/01/12

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  • Correspondência
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Maio 2012

    Histórico

    • Recebido
      08 Set 2011
    • Aceito
      03 Jan 2012
    • Revisado
      08 Set 2011
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