Acessibilidade / Reportar erro

Redução da densidade de extrassístoles e dos sintomas relacionados após administração de magnésio por via oral

Resumos

FUNDAMENTO: As extrassístoles ventriculares e supraventriculares (EV e ESSV) são frequentes e muitas vezes sintomáticas. O íon magnésio (Mg) desempenha um papel importante na fisiologia do potencial de ação transmembrana celular e do ritmo cardíaco. OBJETIVO: Avaliar se a administração do pidolato de magnésio (PMg) em pacientes com EV e ESSV tem desempenho superior ao uso do placebo (P) na melhora dos sintomas e densidade das extrassístoles (DES). MÉTODOS: Estudo duplo-cego, randomizado, com 60 pacientes sintomáticos consecutivos, com mais de 240/EV ou ESSV ao Holter de 24 horas e selecionados para receber P ou PMg. Para avaliar a melhora da sintomatologia, foi feito um questionário categórico e específico de sintomas relacionados às extrassístoles. Após o tratamento, foi considerada significante uma redução de mais de 70% na DES por hora. A dose do PMg foi de 3,0 g/dia por 30 dias, equivalente a 260 mg do elemento Mg. Nenhum paciente tinha cardiopatia estrutural ou insuficiência renal. RESULTADOS: Dos 60 pacientes estudados, 33 eram do sexo feminino (55%). A faixa etária variou de 16 a 70 anos. No grupo PMg, 76,6% dos pacientes tiveram redução maior que 70%, 10% deles maior que 50% e somente 13,4% tiveram redução menor que 50% na DES. No grupo P, 40% dos pacientes tiveram melhora de apenas 30% na frequência de extrassístoles (p < 0,001). A melhora dos sintomas foi alcançada em 93,3% dos pacientes do grupo PMg, comparada com somente 16,7% do grupo P (p < 0,001). CONCLUSÃO: A suplementação de Mg via oral reduziu a DES, resultando em melhora dos sintomas.

Arritmias cardíacas; complexos ventriculares prematuros; magnésio; canais iônicos


BACKGROUND: Premature ventricular and supraventricular complexes (PVC and PsVC) are frequent and often symptomatic. The magnesium (Mg) ion plays a role in the physiology of cell membranes and cardiac rhythm. OBJECTIVE: We evaluated whether the administration of Mg Pidolate (MgP) in patients with PVC and PsVC is superior to placebo (P) in improving symptoms and arrhythmia frequency. METHODS: Randomized double-blind study with 60 consecutive symptomatic patients with more than 240 PVC or PsVC on 24-hour Holter monitoring who were selected to receive placebo or MgP. To evaluate symptom improvement, a categorical and a specific questionnaire for symptoms related to PVC and PsVC was made. Improvement in premature complex density (PCD) per hour was considered significant if percentage reduction was >70% after treatment. The dose of MgP was 3.0 g/day for 30 days, equivalent to 260mg of Mg element. None of the patients had structural heart disease or renal failure. RESULTS: Of the 60 patients, 33 were female (55%). Ages ranged from 16 to 70 years old. In the MgP group, 76.6% of patients had a PCD reduction >70%, 10% of them >50% and only 13.4% <50%. In the P group, 40% showed slight improvement, <30%, in the premature complexes frequency (p < 0.001). Symptom improvement was achieved in 93.3% of patients in the MgP group, compared with only 16.7% in the P group (p < 0.001). CONCLUSION: Oral Mg supplementation decreases PCD, resulting in symptom improvement.

Arrhythmias; cardiac; ventricular premature complexes; magnesium; ion channels


Redução da densidade de extrassístoles e dos sintomas relacionados após administração de magnésio por via oral

Cristina Nádja Muniz Lima De FalcoI, II; Cesar GrupiI; Eduardo SosaI; Maurício ScanavaccaI; Denise HachulI; Sissy LaraI; Luciana SacilottoI; Cristiano F. PisaniI; José A. F. RamiresI; Francisco DarrieuxI

IInstituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo; Mogi Mirim, SP - Brasil

IIClínica Médica Core Vita, Mogi Mirim, São Paulo; SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Cristina Nádja Muniz Lima De Falco • Rua Cesar Henrique Costa, 76, Santa Cruz CEP 13806-401, Mogi Mirim, SP - Brasil E-mail: cnmfalco@cardiol.br, cristinanadjadefalco@usp.br

RESUMO

FUNDAMENTO: As extrassístoles ventriculares e supraventriculares (EV e ESSV) são frequentes e muitas vezes sintomáticas. O íon magnésio (Mg) desempenha um papel importante na fisiologia do potencial de ação transmembrana celular e do ritmo cardíaco.

OBJETIVO: Avaliar se a administração do pidolato de magnésio (PMg) em pacientes com EV e ESSV tem desempenho superior ao uso do placebo (P) na melhora dos sintomas e densidade das extrassístoles (DES).

MÉTODOS: Estudo duplo-cego, randomizado, com 60 pacientes sintomáticos consecutivos, com mais de 240/EV ou ESSV ao Holter de 24 horas e selecionados para receber P ou PMg. Para avaliar a melhora da sintomatologia, foi feito um questionário categórico e específico de sintomas relacionados às extrassístoles. Após o tratamento, foi considerada significante uma redução de mais de 70% na DES por hora. A dose do PMg foi de 3,0 g/dia por 30 dias, equivalente a 260 mg do elemento Mg. Nenhum paciente tinha cardiopatia estrutural ou insuficiência renal.

RESULTADOS: Dos 60 pacientes estudados, 33 eram do sexo feminino (55%). A faixa etária variou de 16 a 70 anos. No grupo PMg, 76,6% dos pacientes tiveram redução maior que 70%, 10% deles maior que 50% e somente 13,4% tiveram redução menor que 50% na DES. No grupo P, 40% dos pacientes tiveram melhora de apenas 30% na frequência de extrassístoles (p < 0,001). A melhora dos sintomas foi alcançada em 93,3% dos pacientes do grupo PMg, comparada com somente 16,7% do grupo P (p < 0,001).

CONCLUSÃO: A suplementação de Mg via oral reduziu a DES, resultando em melhora dos sintomas. (Arq Bras Cardiol 2012;98(6):480-487)

Palavras-Chave: Arritmias cardíacas; complexos ventriculares prematuros; magnésio; canais iônicos.

Introdução

As extrassístoles (ES) são arritmias frequentes e muitas vezes sintomáticas. A prevalência das ES pode chegar até 50% da população geral1, aumentando com a faixa etária2-5. Os estudos demonstram que a maioria dos pacientes apresenta menos de uma ES ventricular/hora, geralmente monomórfica e isolada2,3.

Os sintomas relacionados à manifestação das extrassístoles podem ser muito incômodos ou mesmo incapacitantes. Estes são percebidos como sensação de "falha", palpitações, dispneia, tosse, tontura, dor precordial atípica e pré-síncope1,6, afetando a qualidade de vida dos pacientes. Geralmente, tais sintomas são notadas quando a densidade de extrassístoles é alta. As arritmias extrassistólicas têm relação direta com a excitabilidade das células cardíacas, sendo influenciadas pelo equilíbrio dos eletrólitos no fluído intracelular. A interação entre o magnésio (Mg) e o cálcio (Ca) na regulação da permeabilidade dos nervos e das células musculares7-9, e na bomba ATPase - Na+/K+ 8,9 tem particular relevância. O magnésio torna-se muito importante para a manutenção do ritmo cardíaco regular8,9 por agir na fisiologia das membranas celulares.

O magnésio é o segundo cátion mais abundante no meio intracelular8,9, desempenhando papel de importância na atividade de coenzimas e reações que dependem de ATP9,10. Menos que um por cento do Mgé encontradono sangue9 e aproximadamente 0,3% no soro11,12. Sendo assim, as deficiências intracelulares muitas vezes não são diagnosticadas8.

A maneira de vida caracterizada pelo estresse, dieta pobre em micronutrientes, treinamentos físicos intensos, privação de sono e uso de alguns medicamentos (diuréticos, aminoglicosídeos e ciclosporina) favorecem a deficiência de Mg. Este íon é encontrado principalmente em sementes, frutas secas e nas leguminosas. Na população geral, tal deficiência de Mg provavelmente ocorre devido à ingestão de quantidades menores13,14 que a necessidade para manter valores intracelulares adequados e, na população idosa, por diminuição do apetite14.

O objetivo deste trabalho é avaliar se a administração do pidolato de magnésio em pacientes com extrassístoles ventriculares (EV) e/ou extrassístoles supraventriculares (ESSV) é superior ao uso de placebo na melhora dos sintomas e redução da densidade das arritmias, bem como se esta melhora está relacionada à redução significativa na densidade de tais arritmias.

Métodos

Desenho do estudo e participantes

Os pacientes foram selecionados pelo grupo de arritmia do Instituto do Coração (InCor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Clínica Core Vita-SP. Foram incluídos pacientes sintomáticos e com mais de 240 EV ou ESSV por dia, ao Holter de 24 horas (ou mais que 10/h). Os critérios de exclusão foram: pacientes com insuficiência renal, cardiopatia estrutural, exceto prolapso de valva mitral (PVM) sem regurgitação, ou uso de drogas concomitantes. O trabalho foi aprovado pelos comitês de ética dos centros participantes sob o número CAPPesq. N° 0613/10.

Procedimentos

Após assinatura do termo de consentimento, todos os pacientes foram randomizados para receber placebo (P) ou pidolato de magnésio (PMg), de forma duplo-cega. Todos os pacientes foram avaliados por ecocardiograma transtorácico e não apresentaram doença cardíaca estrutural, assim como a dosagem dos eletrólitos (magnésio, sódio, cálcio e potássio) e a função renal também eram normais.

A dose de PMg foi de 3,0 g/dia por 30 dias, o equivalente a 260 mg do elemento Mg. As dosagens séricas do magnésio, sódio, cálcio e potássio foram feitas antes, no 15° e no 30° dia após a randomização.

Holter

O Holter de 24 horas (3 canais) foi realizado antes e após 30 dias do uso das medicações. A contagem das extrassístoles foi realizada seguindo protocolo da instituição e, para a definição de densidade de extrassístoles (DES), empregou-se a divisão do número total de extrassístoles atriais e ventriculares contadas no Holter pelo número de horas da gravação.

Avaliação

As visitas de seguimento foram feitas na randomização, após 15 e 30 dias. Para avaliar a melhora da sintomatologia, foi feito um questionário específico de sintomas relacionados às extrassístoles com as seguintes questões: 1- Falhas ou "trancos" no tórax; 2- Tosse com palpitações; 3- Tontura; 4- Dispneia; 5- Sudorese e/ou dor no peito. De acordo com a frequência dos sintomas, uma pontuação que resultou em um escore foi realizada (Figura1). Para esse escore, só foi considerado melhora caso o paciente apresentasse redução de pelo menos duas categorias, por exemplo: estava no escore IV antes do tratamento e migrou para o escore II ou I após o tratamento. Além disto, foi feita uma classificação categórica com questionamento aos pacientes a fim de saber se houve melhora dos sintomas, sendo as respostas apenas "sim" ou "não".


Análise estatística

Para atender aos objetivos do estudo, as variações percentuais de DES/hora foram calculadas, sendo que foi considerado critério de sucesso, após o tratamento, os percentuais de redução maiores ou iguais a 70% ao Holter de 24 horas. Foram descritos os percentuais de variação da densidade de extrassístoles/hora com uso de medidas resumo (média, desvio-padrão, mediana, mínimo, máximo) por grupos, sendo comparados os valores entre os grupos com uso de teste de Mann-Whitney15.A melhora na DES, nos sintomas e a melhora relatada foram descritas segundo grupos com uso de frequências absolutas e relativas. A existência de associação entre os grupos e a melhora de cada critério foi feita por meio de testes exatos de Fisher15. O valor de p de 0,05 foi considerado estatisticamente significativo. Os valores de magnésio e potássio foram descritos pré-medicação,15 e 31 dias em uso da medicação, por grupos. Foram comparados os valores entre grupos e momentos com uso de análises de variâncias com medidas repetidas e dois fatores16.

Um poder estatístico de 80% foi escolhido para detectar a redução de 60% dos sintomas com PMg e 30% com P, com intervalo de confiança de 95%.

Resultados

Sessenta pacientes foram estudados no período entre outubro de 2010 a agosto de 2011. Ambos os grupos eram similares nas características basais. A idade média foi de 46,47 anos (PMg) e 48,53 anos (P), e 55% eram mulheres (Tabela 1). A descrição da faixa etária e os percentuais de variação da densidade de extrassístole/hora (EV e ESV) estão descritos na Tabela 1. A média das extrassístoles em 24 horas, em ambos os grupos, foi maior que 4.955 ES/dia. Dos pacientes estudados, doze eram portadores de PVM, todos sem refluxo, sendo cinco do grupo P e sete do grupo PMg.

Frequência de extrassístoles

No grupo PMg, 76,6% dos pacientes tiveram redução maior que 70%, 10% deles maior que 50% e somente 13,4% dos pacientes apresentaram redução menor que 50% na DES. No grupo P, 40% dos pacientes tiveram melhora de apenas 30% na frequência de extrassístoles e nenhum deles teve melhora maior que 70% (Tabela 2/Figura 2). Os pacientes que utilizaram PMg apresentaram uma redução média de 77,13% ± 24,57% na DES, ao passo que o grupo que recebeu placebo teve um aumento médio de 47,99% ± 158,93% na DES (p < 0,001) (Tabela 2/Figura 3). Tal diferença foi também consistente tanto para EV quanto para ESSV (p < 0,001) (Tabela 2). Poucos pacientes (13,4%) apresentaram uma pequena melhora na DES (< 50%) no grupo PMg, contudo, todos deste grupo apresentaram melhora nos sintomas.



Sintomas

Dos pacientes que utilizaram placebo, apenas 16,7% apresentaram melhora dos sintomas (pelo critério de escore), enquanto no grupo PMg a melhora foi de 93,3% (p < 0,001) (Tabela 2). Quanto à variável categórica, houve melhora dos sintomas em 93,3% dos pacientes no grupo PMg, em contraste com apenas 13,3% no grupo placebo (p < 0,001) (Tabela 2). As Figuras 4 e 5 demonstram a superioridade dos percentuais de melhora dos sintomas nos pacientes que utilizaram PMg em comparação aos que utilizaram placebo.



Resultados laboratoriais

Não ocorreram alterações significativas nas dosagens séricas de magnésio, potássio, sódio e cálcio durante o estudo em ambos os grupos. As análises séricas do magnésio não diferiram estatisticamente entre os grupos (p = 0,743) e nem entre os momentos (p = 0,154), assim como o potássio sérico não apresentou diferença estatística entre os grupos ou momentos (p = 0,415 e p = 0,804, respectivamente). A Tabela 2 e a Figura 6 ilustram as variações nas dosagens séricas do magnésio.


Descontinuação do estudo e efeitos adversos

Somente um único paciente do grupo PMg teve que descontinuar o protocolo, após 10 dias, devido à diarreia, que foi prontamente resolvida dentro de 24 horas.

Discussão

Os resultados deste trabalho evidenciaram que a suplementação de magnésio, por via oral, não só diminuiu a densidade de extrassístoles, mas, principalmente, resultou na melhora da sintomatologia em relação ao grupo placebo. No grupo placebo, somente 16,7% dos pacientes tiveram melhora dos sintomas. Nos pacientes que utilizaram PMg, esse percentual foi de 93,3%. Embora a grande maioria dos pacientes apresentasse melhora na DES e nos sintomas, alguns melhoraram os sintomas sem queda significativa na DES. A piora da DES em alguns pacientes do grupo placebo talvez possa ser explicada pela grande variabilidade espontânea que envolve as arritmias idiopáticas. Contudo, é importante salientar que ambos os grupos estiveram sujeitos a essa variabilidade e, mesmo assim, houve redução estatisticamente significativa da DES no grupo magnésio em relação ao grupo placebo.

O mecanismo pelo qual a administração de magnésio reduz a incidência de extrassístoles não é inteiramente conhecido. O magnésio é considerado um importante regulador da função das células cardíacas. A depleção de Mg pode ter efeitos pró-arrítmicos14. Zehender e cols.17 demonstraram que o aumento na ingestão diária de potássio e magnésio em pacientes com arritmias ventriculares frequentes pode resultar em um moderado, mas significante efeito antiarrítmico, apesar da frequência de taquiarritmias repetitivas e dos sintomas não terem sido modificadas17.Entretanto, esses resultados diferem dos nossos, provavelmente pelo fato da população ser diferente: a maioria dos pacientes ser portador de outras comorbidades cardíacas e alguns deles estarem em uso de outras medicações. Todos os pacientes da nossa casuística não eram portadores de cardiopatia estrutural e não faziam uso de outras medicações.

Sobre a possibilidade de sobrecarga de magnésio oral, é importante observar que todos os pacientes do grupo PMg tiveram todas as dosagens séricas deste íon normais durante os 30dias do estudo, sem maiores efeitos adversos ou necessidade de suspensão (com a exceção de um único paciente, por diarreia). Tal fato nos leva a investigar a possibilidade do Mg sérico, que corresponde a apenas 0,3% do Mg total do corpo, estar com níveis intracelulares baixos. Uma interessante linha de investigação seria a dosagem sérica do Mg intracelular, com métodos de boa acurácia e minimamente invasivos18, visando melhor entender muitas doenças, incluindo as arritmias cardíacas.

Alguns trabalhos utilizam marcadores fluorescentes específicos para magnésio (Mg-Fluo-4/AM e KMG-20/AM)19,visando a dosagem deste cátion em vários tipos de células, como plaquetas, hemácias, linfócitos12, cultura de cardiomiócitos (estudos em ratos)19 e esfregaço de células epiteliais sublinguais18. Silver e cols.18 demonstraram correlação significativa dos valores de Mg nas biópsias de músculo cardíaco feitas em cirurgia de revascularização com os valores do esfregaço das células sublinguais. Também a ressonância magnética é uma prova não invasiva para análise do Mg ionizado nos tecidos. Mais recentemente, foram identificados os canais TRPM (Transient Receptor Potential Melastation) e seu papel na hipomagnesemia. A deficiência crônica no Mg pode eventualmente ser explicada por alterações nesses transportadores das membranas específicas12,20,21.

O Mg está estreitamente ligado à manutenção do balanço celular iônico em associação com o sódio, potássio e cálcio, sendo necessário para o funcionamento da bomba ATPase Na+/ K+ 8,9,14. A deficiência do Mg causa aumento de Na+ intracelular, permitindo a perda do K+ das células9. O Mg afeta a homeostase de cálcio, pois muitos canais de cálcio são dependentes do magnésio, além do Mg ser necessário para liberação e ação do parato-hormônio9.

Algumas condições estão associadas à deficiência de magnésio, tais como: síndrome metabólica22,23, hipertensão, insuficiência cardíaca congestiva, diabetes, pré-eclampsia e arritmias, sendo que alguns estudos clínicos mostram que a suplementação foi benéfica no controle destas patologias14. Um desses estudos mostrou que a dose de 365 mg/dia por oito semanas reduz os níveis pressóricos24. O magnésio reduz os batimentos cardíacos irregulares e a deficiência de Mg deve ser sempre considerada como um fator em potencial para as arritmias cardíacas25. Em pacientes sob cuidados intensivos, o Mg é usado quando as arritmias não respondem às medicações convencionais, inclusive nas secundárias à intoxicação digitálica26. A deficiência de Mg provocada pela terapia diurética na insuficiência cardíaca está associada à maior incidência de arritmia, dentre elas, as extrassístoles8,14.

O equilíbrio do Mg entre diversos compartimentos do corpo ocorre lentamente, de forma que o valor da concentração do Mg em um tecido não corresponde ao mesmo valor em outro12. Menos que 1% do Mg total do corpo está presente no sangue9 e, aproximadamente, cerca de 0,3% no soro11,12, de modo que os níveis séricos não refletem o estoque corpóreo total27,28. Essa pode ser uma explicação da melhora da arritmia com a reposição do Mg em relação ao grupo placebo, mesmo sem alterações nos níveis séricos deste íon.

Embora a melhora dos sintomas possa estar associada à redução na DES, em alguns casos, este declínio não foi significativo e os sintomas também melhoraram. Isto pode ser parcialmente explicado por efeito placebo, assim como pela ação do magnésio nas células nervosas. Uma orientação nutricional rica em magnésio também pode ser uma alternativa prática para o tratamento dessa arritmia. Essa informação pode ser avaliada em outro estudo. É importante também fazer o controle sérico do Mg durante o tratamento e avaliar a função renal.

Limitações

Não foi feito um seguimento em longo prazo, não sendo possível estabelecer o tempo de recorrência dos sintomas após reposição por via oral do Mg. Não foi dosado o magnésio intracelular, porém as dosagens convencionais do magnésio extracelular mostraram que tal reposição foi segura e eficaz. Os objetivos de redução na DES e sintomas foram alcançados. Não houve validação do escore de sintomas específico para ES, que ainda não existe na literatura. Entretanto, foi feito também um escore categórico simples, com boa associação entre redução na DES e melhora dos sintomas. Além disso, este estudo não visou prevenir eventos arrítmicos ameaçadores à vida, não devendo ser usado como justificativa para tratar pacientes com este objetivo, especialmente cardiopatas.

Conclusão

A simples administração, por via oral, de magnésio na população estudada (coração estruturalmente normal) foi capaz de reduzir a densidade de extrassístoles e de, principalmente, melhorar a sintomatologia. Estudos clínicos e moleculares são necessários para avaliar o Mg intracelular e orientar melhor quanto às necessidades diárias deste íon, evidenciar as prováveis deficiências e esclarecer melhor como prevenir e tratar pacientes com extrassístoles sintomáticas e sem cardiopatia estrutural.

Agradecimentos

Pelo apoio técnico, os autores gostariam de agradecer aos colaboradores externos das Sras. Alessandra Manera, Cacilda Motta, Kérolem Inácio e ao Prof. Dr. Paulo Sampaio Gutierrez, pelas valorosas orientações. Também agradecemos ao Laboratório Baldacci pelo fornecimento gratuito da medicação pidolato de magnésio e placebo.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de Doutorado de Cristina Nádja Muniz Lima De Falco pela Faculdade de Medicina - Instituto do Coração - Universidade de São Paulo.

Artigo aceito em 17/01/12;

Rrevisado em 17/01/12;

Aceito em 05/03/12.

Full texts in English - http://www.arquivosonline.com.br

Errata

A versão de "Redução da Densidade de Extrassístoles e dos Sintomas Relacionados após Administração de Magnésio por Via Oral" publicada pelos Arquivos Brasileiros de Cardiologia em ahead of print sofreu a seguinte alteração por solicitação do editor em 11/10/2012: Na sessão Métodos do Resumo, PsVC/h foi substituído por PsVC.

  • 1. Barret PA, Peter CT, Swan HJ, Singh BN, Mandel WJ. The frequency and prognostic significance of electrocardiographic abnormalities in clinically normal individuals. Prog Cardiovasc Dis.1981;23(4):299-319.
  • 2. DePaula RS, Antelmi I, Vincenzi MA, André CD, Artes R, Grupi CJ, et al. Cardiac arrhythmias and atrioventricular block in a cohort of asymptomatic individuals without heart disease. Cardiology. 2007;108(2):111-6.
  • 3. Rasmussen V, Jensen G, Schnohr P, Hansen JF. Premature ventricular beats in healthy adult subjects 20 to 79 years of age. Eur Heart J. 1985;6(4):335-41.
  • 4. Wajngarten M, Grupi C, Bellotti GM, Da Luz PL, Azul LG, Pileggi F. Frequency and significance of cardiac rhythm disturbances in healthy elderly individuals. J Electrocardiol. 1990;23(2):171-6.
  • 5. Hiss RG, Averill KH, Lamb LE. Ellectrocardiographic findings in 67,375 asymptomatic subjects. III. Ventricular rhythms. Am J Cardiol.1960;6:96-107.
  • 6. Darrieux FC, Scanavacca MI, Hachul DT, Melo SL, D´Ávilla AB, Gruppi CJ, et al. Ablação com radiofreqüência de extra-sístoles da via de saída do ventrículo direito. Arq Bras Cardiol. 2007;88(3):265-72.
  • 7. Huskisson E, Maggini S, Ruf M. The role of vitamins and minerals in energy metabolism and well-being. J Int Med Res. 2007;35(3):277-89.
  • 8. Swaminathan R. Magnesium metabolism and its disorders. Clin Biochem Rev. 2003;24(2):47-66.
  • 9. Wu J, Carter A. Magnesium: the forgotten electrolyte. Aust Prescr. 2007;30:102-5.
  • 10. Ebel H, Gunther TJ. Magnesium metabolism: a review. Clin Chem Clin Biochem. 1980;18(5)257-70.
  • 11. Elin RJ. Laboratory tests for the assessment of magnesium status in humans. Magnes Trace Elem. 1991-1992;10(2-4):172-81.
  • 12. Arnaud MJ. Update on the assessment of magnesium status. Br J Nutr. 2008;99(Suppl.3):S24-36.
  • 13. Marier JR. Magnesium content of the food supply in the modern-day world. Magnesium. 1986;5(1):1-8.
  • 14. Gums JG. Magnesium in cardiovascular and other disorders. Am J Health Syst Pharm. 2004;61(15):1569-76.
  • 15. Kirkwood BR, Sterne JA. Essential medical statistics. 2nd ed. Massachusetts, USA: Wiley Blackwell; 2003.
  • 16. Neter J, Kuntner MH, Nachtsheim CJ, Wasserman W. Applied linear statistical models. 4th ed. Illinois:McGraw Hill/Irwing;1996.
  • 17. Zehender M, Meinertz T, Faber T, Caspary A, Jeron A, Bremm K, et al. Antiarrhythmic effects of increasing the daily intake of magnesium and potassium in patients with frequent ventricular arrhythmias. Magnesium in Cardiac Arrhythmias (MAGICA) Investigators. J Am Coll Cardiol. 1997;29(5):1028-34.
  • 18. Silver BB. Development of cellular magnesium nano-analysis in treatment of clinical magnesium deficiency. J Am Coll Nutr. 2004;23(6):732S-7S.
  • 19. Kawahara K, Sato R, Iwabuchi S, Matsuyama D. Rhythmic fluctuations in the concentration of intracellular Mg2+ in association with spontaneous rhythmic contraction in cultured cardiac myocytes. Chronobiol Int. 2008;25(6):868-81.
  • 20. Chubanov V, Waldegger S, Mederos y Schnitzler M, Vitzthum H, Sassen MC, Seyberth HW, et al. Disruption of TRPM6/TRPM7 complex formation by a mutation in the TRPM6 gene causes by hypomagnesemia with secondary hypocalcemia. Proc Natl Acad Sci U S A. 2004;101(9):2894-9.
  • 21. Voets T, Nilius B, Hoefs S, van der Kemp AW, Droogmans G, Bindels RJ, et al. TRPM6 forms the MG2+ influx channel involved in intestinal and renal MG2+ absorption. J Biol Chem. 2004;279(1):19-25.
  • 22. Belin RJ, He K. Magnesium physiology and pathogenic mechanisms that contribute to the development of the metabolic syndrome. Magnes Res. 2007;20(2):107-29.
  • 23. He K, Liu K, Daviglus ML, Morris SJ, Loria CM, Van Horn L, et al. Magnesium intake and incidence of metabolic syndrome among young adults. Circulation. 2006;113(13):1675-82.
  • 24. Wirell MP, Wester PO, Stegmayr BG. Nutritional dose of magnesium in hypertensive patients on beta blockers lowers systolic blood pressure: a double-blind, cross-over study. J Intern Med. 1994;236(2):189-95.
  • 25. Tong GM, Rude RK. Magnesium deficiency in critical illness. J Intensive Care Med. 2005;20(1):3-17.
  • 26. Iseri LT, Allen BJ, Brodsky MA. Terapia de magnesio en arritmias cardiacas en medicina de cuidados críticos. Revista de Cuidados Intensivo en Medicina. 2005;20(1):3-17.
  • 27. Franz KB. A functional biological marker is needed for diagnosing magnesium deficiency. J Am Coll Nutr. 2004;23(6):738S-41S.
  • 28. Moe SM. Disorders of calcium, phosphorus, and magnesium. Am J Kidney Dis. 2005;45(1):213-8.
  • Correspondência:

    Cristina Nádja Muniz Lima De Falco •
    Rua Cesar Henrique Costa, 76, Santa Cruz
    CEP 13806-401, Mogi Mirim, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Maio 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      17 Jan 2012
    • Aceito
      05 Mar 2012
    • Revisado
      17 Jan 2012
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br