Acessibilidade / Reportar erro

O espessamento da íntima-média associa-se independentemente ao Acidente Vascular Cerebral Isquêmico

Resumos

FUNDAMENTO: O Acidente Vascular Cerebral (AVC) constitui uma das primeiras causas de morte a nível mundial. A importância do espessamento da íntima-média na estratificação de risco cardiovascular tem sido recorrentemente estudada; contudo, essa relação gera ainda alguma controvérsia. OBJETIVOS: Determinar se o espessamento da íntima-média na Artéria Carótida Comum (ACC) pode ser utilizado como um marcador independente de alto risco para a ocorrência do AVC. MÉTODOS: A amostra compreende um grupo de 948 doentes consecutivamente estudados por Triplex Scan Cervical no período compreendido entre janeiro de 2004 e junho de 2009. Esses doentes foram agrupados em razão da presença ou ausência de AVC recente, do que resultou um grupo de doentes com AVC Isquémico (AVC I) (n = 452, 48%), outro com AVC Hemorrágico (AVC H) (n = 22, 2%) e um grupo de doentes Sem Eventos (n = 474, 50%). RESULTADOS: Na análise de regressão logística ajustada para fatores de risco cardiovascular clássicos, o espessamento da íntima-média na ACC associou-se significativamente e de forma aproximadamente linear com o AVC I (Odds Ratio = 1.808, Intervalo de Confiança: 1.291-2.534, p = 0,01), mas não com o AVC H (p = ns). Uma interação significativa com a idade foi também encontrada, demonstrando-se uma capacidade discriminativa do risco de AVC I maior em indivíduos com idade inferior a 50 anos. CONCLUSÕES: O espessamento da íntima-média na ACC revelou-se um preditor de risco independente para o AVC I, mas não para AVC H reforçando assim a utilidade da sua avaliação na prática clínica. (Arq Bras Cardiol. 2012; [online].ahead print, PP.0-0)

Acidente vascular cerebral; espessamento da íntima-média; artéria carótida comum; ultrasonografia; fatores de risco


BACKGROUND: Stroke is one of the major causes of death worldwide. The importance of increased intima-media thickness in cardiovascular risk stratification has been recurrently studied. The relationship between them, however, is still controversial. OBJECTIVES: To determine whether increased common carotid artery (CCA) intima-media thickness can be used as an independent high-risk marker for the occurrence of stroke. METHODS: This study sample comprised 948 patients consecutively assessed by use of cervical triplex scan from January 2004 to June 2009. Those patients were divided into groups according to the presence or absence of recent stroke as follows: a group of patients with ischemic stroke (n = 452, 48%); a group of patients with hemorrhagic stroke (n = 22, 2%); and a group of patients with no events (n = 474, 50%). RESULTS: On logistic regression analysis adjusted for the classic cardiovascular risk factors, increased CCA intima-media thickness associated significantly and on an approximately linear way with ischemic stroke (Odds Ratio = 1.808, confidence interval: 1.291-2.534, p = 0.01), but not with hemorrhagic stroke (p = ns). A significant interaction with age was also found, showing a greater discriminative capacity for the risk of ischemic stroke in individuals aged less than 50 years. CONCLUSIONS: The increased CCA intima-media thickness was identified as an independent predictor of the risk for ischemic stroke, but not for hemorrhagic stroke, emphasizing the usefulness of its assessment on clinical practice. (Arq Bras Cardiol. 2012; [online].ahead print, PP.0-0)

stroke; increased intima-media thickness; common carotid artery; ultrasound; risk factors


O espessamento da íntima-média associa-se independentemente ao Acidente Vascular Cerebral Isquêmico

Dário FreitasI; Ana AlvesI; Alexandre PereiraI; Telmo PereiraI,II

IEscola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias do Instituto Politécnico de Castelo Branco - Curso de Licenciatura em Cardiopneumologia

IIEscola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra do Instituto Politécnico de Coimbra - Curso de Licenciatura em Cardiopneumologia

Endereço para correspondência Correspondência: Dário Luís Leal de Freitas Rua Dr. Mariano Roque Laia, nº 2 - Rés-do-Chão A - 2650-051 - Amadora, Portugal. E-mail: dfreitas12@gmail.com

RESUMO

FUNDAMENTO: O Acidente Vascular Cerebral (AVC) constitui uma das primeiras causas de morte a nível mundial. A importância do espessamento da íntima-média na estratificação de risco cardiovascular tem sido recorrentemente estudada; contudo, essa relação gera ainda alguma controvérsia.

OBJETIVOS: Determinar se o espessamento da íntima-média na Artéria Carótida Comum (ACC) pode ser utilizado como um marcador independente de alto risco para a ocorrência do AVC.

MÉTODOS: A amostra compreende um grupo de 948 doentes consecutivamente estudados por Triplex Scan Cervical no período compreendido entre janeiro de 2004 e junho de 2009. Esses doentes foram agrupados em razão da presença ou ausência de AVC recente, do que resultou um grupo de doentes com AVC Isquémico (AVC I) (n = 452, 48%), outro com AVC Hemorrágico (AVC H) (n = 22, 2%) e um grupo de doentes Sem Eventos (n = 474, 50%).

RESULTADOS: Na análise de regressão logística ajustada para fatores de risco cardiovascular clássicos, o espessamento da íntima-média na ACC associou-se significativamente e de forma aproximadamente linear com o AVC I (Odds Ratio = 1.808, Intervalo de Confiança: 1.291-2.534, p = 0,01), mas não com o AVC H (p = ns). Uma interação significativa com a idade foi também encontrada, demonstrando-se uma capacidade discriminativa do risco de AVC I maior em indivíduos com idade inferior a 50 anos.

CONCLUSÕES: O espessamento da íntima-média na ACC revelou-se um preditor de risco independente para o AVC I, mas não para AVC H reforçando assim a utilidade da sua avaliação na prática clínica. (Arq Bras Cardiol. 2012; [online].ahead print, PP.0-0)

Palavras-chave: Acidente vascular cerebral, espessamento da íntima-média, artéria carótida comum, ultrasonografia, fatores de risco.

Introdução

Atualmente, uma das principais consequências da doença aterosclerótica é o acidente vascular cerebral (AVC). Esse apresenta-se como uma das principais causas de morte na população adulta em Portugal e no Brasil, e como uma das principais causas de incapacidade nos países industrializados a nível mundial1-3. Essa doença constitui um importante problema de saúde pública, sendo urgente estabelecer um diagnóstico clínico cada vez mais precoce das suas manifestações4-7. A relação entre o AVC e o espessamento da íntima-média tem sido um tema bastante discutido na comunidade científica; contudo, o valor desse parâmetro e, consequentemente, a sua utilidade clínica ainda são pontos que geram alguma controvérsia.

Em relação à carótida, alguns autores afirmam que a existência de espessamento da íntima-média na Artéria Carótida Interna (ACI) apresenta uma boa relação com a ocorrência de eventos cerebrovasculares8-10. Contudo, concluiu-se que a utilização de outras medições da íntima-média, nomeadamente ao nível da Artéria Carótida Comum (ACC), apresenta uma correlação mais forte com a ocorrência de AVC11-14.

A ultrasonografia, nomeadamente o Triplex Scan Cervical, apresenta-se como o método não invasivo mais eficaz e mais utilizado para avaliar a existência de espessamento da íntima-média. Esse método fornece informações acerca das alterações da parede arterial, progressão e regressão de lesões extracranianas carotídeas15-21. Na avaliação ultrassonográfica da íntima-média, segundo Stein e cols., a estratificação dos valores deve ser sempre ajustada a idade, gênero e raça do indivíduo estudado17. Segundo os autores do EDUCATE Study, nos casos em que o estudo ultrassonográfico carotídeo é negativo, está normalmente associado um excelente prognóstico clínico relativamente à ocorrência de eventos vasculares22.

Este trabalho de investigação tem como objetivo central avaliar a capacidade discriminativa do espessamento da íntima-média na ACC para o risco de AVC.

Métodos

Os dados incluídos na amostra dizem respeito a todos os indivíduos que realizaram Triplex Scan Cervical entre 1º de janeiro de 2004 e 30 de junho de 2009. A metodologia de recolha dos dados foi estruturada e objetiva tendo sido criada uma tabela própria para os registos. Esses foram recolhidos de forma retrospetiva mediante consulta direta da base de dados, sendo a população-alvo constituída por indivíduos Sem Eventos, com diagnóstico de acidente vascular cerebral isquêmico (AVC I) e com diagnóstico de aciddente vascular cerebral hemorrágico (AVC H). No grupo Sem Eventos, o exame foi realizado por rotina preventiva, enquanto nos grupos com eventos a avaliação ultrassonográfica foi realizada perievento. No grupo Sem Eventos, foram incluídos aqueles que tinham informação clínica relativa a avaliação da circulação extracraniana, síncopes, tonturas, ataxia, cefaleias, demência, insuficiência vertebrobasilar e presença de zumbidos. No grupo com AVC I, foram incluídos aqueles que tinham informação clínica relativa a AVC I e AVC cerebeloso. No grupo com AVC H, foram incluídos aqueles que tinham informação clínica relativa a AVC H e hemorragia subaracnoidea.

Foram excluídos todos os indivíduos com informação clínica insuficiente, que apresentavam como informação múltiplos AVC, reavaliação após ocorrência de AVC, e ainda todos os relatórios que estavam incompletos por causa da má colaboração do indivíduo.

Todos os indivíduos realizaram Triplex Scan Cervical, num Ecógrafo Aloka 5500 e com uma sonda linear de 7.5 MHz® (proveniente da Alemanha do fabricante Siemens Healthcare®), de acordo com os procedimentos adequados e definidos pelo Laboratório. As medições foram sempre realizadas pelo mesmo operador e efetuadas na ACC distal a uma distância de aproximadamente 20 mm do bulbo carotídeo, sendo a distância entre a íntima e a média definida como a distância máxima entre a superfície luminal da túnica íntima e a superfície mais externa da túnica média (em contacto com a adventícia). O cálculo do valor da espessura da íntima-média foi o valor médio obtido nos seis pontos de medição realizados.

Relativamente às variáveis em estudo consideradas quantitativas, são a idade e o valor da distância da íntima-média na ACC direita e esquerda. As variáveis qualitativas são o gênero, a informação clínica (Sem eventos, AVC I, AVC H) e a presença de fatores de risco da doença aterosclerótica (doença cardíaca, hipercolesterolemia, hipertensão arterial, diabete melito tipo 2, tabagismo e a existência de espessamento da íntima-média na ACC). Importa referir que dos fatores de risco da doença aterosclerótica mencionados, a existência de doença cardíaca, hipercolesterolemia, hipertensão arterial, diabete melito tipo 2, e tabagismo foi considerada com base na informação obtida aquando da consulta da informação clínica que constava no processo dos indivíduos quando da realização do exame.

Os dados relativos aos indivíduos da amostra foram informatizados e tratados com recurso ao programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) para Windows, versão 17.0. A distribuição das variáveis foi testada, quanto à normalidade, pelo teste de Kolmogorov-Smirnov, e quanto à homogeneidade das variâncias pelo teste de Levene.

Para a caracterização geral da amostra e da distribuição das variáveis qualitativas e quantitativas, recorreu-se a uma estatística descritiva simples. Os valores das variáveis quantitativas estão apresentados como média ± desvio padrão e mínimo - máximo. Os valores das variáveis qualitativas estão apresentados como valores absolutos e em porcentagem. A comparação entre grupos para variáveis paramétricas concretizou-se com recurso ao teste Anova (post-hoc de Tukey), e para comparar as variáveis categóricas recorreu-se ao teste qui-quadrado.

Para a análise estatística dos dados recorreu-se à regressão logística, tendo sido definidas como variáveis dependentes dicotómicas o AVC I e o AVC H. As restantes variáveis definidas como independentes foram gênero, idade, doença cardíaca, hipercolesterolemia, hipertensão arterial, diabete melito tipo 2, tabagismo e o valor da distância da íntima-média na ACC direita e esquerda. O critério de significância estatística utilizado foi um valor de p ≤ 0,05 com um intervalo de confiança de 95%.

Resultados

A amostra ficou constituída por 948 indivíduos, e desses, 452 (48%) apresentavam AVC I, 22 (2%) AVC H e 474 (50%) Sem Eventos (gráfico 1).


A tabela 1 mostra a distribuição da idade (em anos) e dos valores da íntima-média na ACC direita e esquerda (em mm) segundo o gênero.

A tabela 2 mostra a distribuição da amostra segundo os fatores de risco da doença aterosclerótica em razão dos eventos considerados.

Verificou-se que o grupo com AVC I apresenta a média de idades mais elevada (69,83 anos), existindo diferenças estatisticamente significativas entre esse grupo e o grupo Sem Eventos (p < 0,001). No estudo morfológico da ACC esquerda verificou-se que os valores da íntima-média são maiores no grupo com AVC I (1,14 ± 0,2 mm) existindo também diferenças estatisticamente significativas entre esse grupo e o grupo Sem Eventos (1,06 ± 0,2 mm; p < 0,001). Quanto ao estudo morfológico da ACC direita verificou-se que os valores da íntima-média são maiores no grupo com AVC H (1,15 ± 0,2 mm) existindo diferenças estatisticamente significativas entre o grupo com AVC I e o grupo Sem Eventos (p < 0,001).

Em relação aos fatores de risco (tab. 2) verificou-se que a existência de espessamento da íntima-média na ACC foi o mais prevalente existindo em 355 indivíduos (78,5%) e em 288 indivíduos (60,8%), respetivamente com AVC I e Sem Eventos. No grupo de doentes com AVC H, verificou-se que a hipertensão arterial foi o fator de risco mais prevalente existindo em 19 indivíduos (86,4%). Em todos os grupos o tabagismo foi o fator de risco menos prevalente. Em termos comparativos, constatou-se que os indivíduos com AVC I tinham uma maior proporção de homens, de existência de espessamento da íntima-média na ACC e da presença de outros fatores de risco, nomeadamente hipertensão arterial e hipercolesterolemia.

Na tabela 3 estão apresentados os resultados da regressão logística univariada para o evento AVC H.

Os modelos de regressão logística univariada adoptados mostraram que apenas a hipertensão arterial apresenta um efeito marginalmente significativo sobre a probabilidade de desenvolver AVC H (OR = 3,344; IC: 0,982-1,386, p = 0,053). Na tabela 4 estão apresentados os resultados da regressão logística univariada para o evento AVC I.

Os modelos de regressão logística univariada adotados mostraram que a hipercolesterolemia (OR = 0,621; IC: 0,477-0,806, p < 0,001), a idade (OR = 1,026; IC: 1,015-1,037, p < 0,001), o gênero (OR = 1,397; IC: 1,079-1,809, p = 0,011), a hipertensão arterial (OR = 1,672; IC: 1,273-2,197, p < 0,011), e a existência de espessamento da íntima-média na ACC (OR = 2,272; IC: 1,703-3,032, p < 0,001), apresentam um efeito preditivo estatisticamente significativo sobre a probabilidade de desenvolver AVC I.

Fazendo uma análise multivariada, com todas as variáveis referidas anteriormente, apenas a existência de espessamento da íntima-média na ACC, a hipertensão arterial e a hipercolesterolemia apresentam um efeito estatisticamente significativo e independente sobre a probabilidade de desenvolver AVC I. A existência de espessamento da íntima-média associou-se assim de forma independente com o AVC I, com um OR de 1,808 (IC: 1,291-2,534, p = 0,01) (gráfico 2).


Quanto à possibilidade de um aumento no valor da íntima-média na ACC esquerda e direita apresentar um efeito estatisticamente significativo sobre a probabilidade de desenvolver AVC I, utilizaram-se uma vez mais os modelos de regressão logística univariada. Esses mostraram que existe um aumento na probabilidade de desenvolver AVC I de 28,1% por cada 0,1 mm de aumento da íntima-média na ACC esquerda, e de 27,7% por cada 0,1 mm de aumento da íntima-média na ACC direita.

Ainda no estudo da regressão logística univariada para o evento AVC I, consideraram-se valores da íntima-média na ACC esquerda e direita consoante escalões de idades previamente definidos (inferior a 50 anos, dos 50 aos 65 anos e idade superior a 65). Os resultados mostraram que o valor da íntima-média na ACC esquerda e direita apresenta um efeito preditivo estatisticamente significativo sobre a probabilidade de desenvolver AVC I para todos os escalões etários, sendo mais significativo para idades inferiores a 50 anos (OR = 1,697; IC: 1,192-2,417, p = 0,003 na ACC esquerda e OR = 2,048; IC: 1,371-3,059, p < 0,001 na ACC direita). De modo a verificar qual o tipo de relação entre um aumento dos valores da íntima-média na ACC direita e esquerda e a ocorrência de AVC I, utilizando o modelo de regressão logística univariada, obtiveram-se os resultados que se podem visualizar nos gráficos 3 e 4.



Pela análise das figuras pode-se referir que para a ACC esquerda e direita, a relação entre o risco de ocorrência de AVC I e o valor da íntima-média é aproximadamente linear.

Discussão e conclusões

Têm sido vários os estudos que têm pretendido demonstrar que a existência de espessamento da íntima-média na ACC pode ser utilizada como um marcador de alto risco para a ocorrência de AVC.

O nosso trabalho mostrou que de fato existe uma associação entre a ocorrência de AVC e a existência de espessamento da íntima-média na ACC.

Para o AVC H, a existência de espessamento da íntima-média na ACC não apresentou resultados estatisticamente significativos, ao contrário da hipertensão arterial, que aumenta em cerca de 3,34 vezes o risco de ocorrência do evento. Ariesen e cols.23 demonstraram que a existência de hipertensão arterial aumentava em cerca de 3,68 vezes o risco de ocorrência de hemorragia intracerebral.

Para o AVC I, os resultados foram completamente diferentes, constatando-se que a existência de espessamento da íntima-média na ACC, em conjunto com os restantes fatores de risco da doença aterosclerótica, apresenta um efeito estatisticamente significativo e independente sobre a probabilidade de desenvolver AVC I. Ou seja, existe um aumento de 80,8% na probabilidade de ocorrência do evento. Esses resultados vêm ao encontro de outros estudos, nomeadamente, o ARIC Study24, CH Study10, CAP Study13, Rotterdam Study25,26 e o PARC Study27, que mostraram resultados semelhantes. Contudo, é necessário ter em conta algumas considerações na análise desses resultados. Segundo Touboul e cols.11,28, a razão pela qual alguns indivíduos desenvolvem um maior espessamento da íntima-média pode estar relacionada com outros fatores que não estão aqui explicados, como fatores anatômicos/hemodinâmicos e a suscetibilidade genética dos indivíduos. Além disso, o fato de as variáveis serem definidas como binárias, para fins de análise estatística, pode condicionar a interpretação dos dados, pois em alguns casos importa avaliar a duração e a severidade dos fatores de risco.

Outro dos achados foi a existência de um aumento na probabilidade de desenvolver AVC I de 28,1% por cada 0,1 mm de aumento da íntima-média na ACC esquerda, e de 27,7% por cada 0,1 mm de aumento da íntima-média na ACC direita. Esses resultados estão em conformidade com os de outros estudos semelhantes. No ARIC Study24, um aumento de 0,18 mm leva a um aumento do risco na ocorrência de AVC em 60% nas mulheres e em 31% nos homens. O CH Study10 mostrou que um aumento de 0,2 mm resulta num aumento do risco na ordem dos 37%. Já o Rotterdam Study25 demonstrou que um aumento de 0,163 mm da íntima-média na ACC está associado a um aumento de 41% na ocorrência de AVC.

Concluímos também que o valor da íntima-média na ACC esquerda e direita apresenta um efeito preditivo estatisticamente significativo sobre a probabilidade de desenvolver AVC I superior para idades inferiores a 50 anos comparativamente a idades superiores. Relativamente à ACC esquerda existe um aumento de 69,7%, enquanto para a ACC direita esse aumento é de 104,8%. Além disso, a relação entre o risco de ocorrência de AVC I e o valor da íntima-média é aproximadamente linear, sendo mais elevada entre o 1º e o 2º tercis tanto para a ACC direita como para a esquerda. Outros estudos, nomeadamente o CAPS13 e o PARC Study27, obtiveram resultados semelhantes. É um resultado que não deixa de ser curioso e deve ser analisado com cuidado, uma vez que os eventos vasculares em indivíduos jovens são raros, e depois porque uma diferença estatisticamente significativa nem sempre traduz significância clínica. Lorenz e cols.29 deixaram também como sugestão que devem ser realizados mais estudos com populações jovens. No ARIC Study24, concluiu-se que a relação entre os valores da íntima-média na ACC e a probabilidade de desenvolver AVC é superior para valores inferiores a 1,0 mm; logo, o risco para a ocorrência de AVC será maior se tivermos como referência valores de íntima-média mais baixos. Como os indivíduos jovens normalmente apresentam valores absolutos da distância íntima-média inferiores a 1,0 mm, então o risco de ocorrência de AVC poderá ser maior nessa faixa etária. Nos indivíduos de idade mais avançada a relação encontrada pode ser explicada por meio da medicação levada a cabo por esses (betabloqueantes, estatinas, inibidores de enzima de conversão da angiotensina) que pode influenciar os valores da íntima-média13,27.

Este estudo apresenta também algumas limitações. Apesar de todos os indivíduos incluídos na base de dados fazerem parte do Sistema Nacional de Saúde Português e terem frequentado o mesmo Hospital para a realização do exame, não são representativos da população geral; logo, todas as conclusões devem ser interpretadas com o devido cuidado. O número de indivíduos representativo da população com AVC H é reduzido o que pode condicionar de certa forma os resultados obtidos para esse evento.

Assim, deixamos como recomendações futuras estudar um maior número de indivíduos com AVC H; incluir outros fatores de risco para a doença aterosclerótica que tornem os resultados mais ricos, nomeadamente valor de índice de massa corporal; realizar um estudo semelhante, mas de natureza prospetiva, incluindo na amostra indivíduos da população geral e com populações mais jovens. Importaria avaliar, além da existência de espessamento da íntima-média na ACC, o comportamento dos diversos fatores de risco da doença aterosclerótica ao longo do tempo de forma a verificar como se comportaria a relação aqui demonstrada. Seria também útil no nosso ponto de vista considerar além do AVC, o infarto agudo do miocárdio, de forma a verificar para qual desses eventos a relação com o espessamento da íntima-média na ACC seria mais significativa.

Concluindo, mostramos que a existência de espessamento da íntima-média na ACC associa-se independentemente ao AVC I, mas não ao AVC H. Apesar de muitos dos autores defenderem que essa apresenta uma correlação moderada com a ocorrência de AVC, não deixam de frisar que ainda são necessários mais estudos para que essa possa ser considerada como um marcador de risco para a ocorrência de eventos vasculares, nesse caso, o AVC27. Este estudo vai ao encontro de reforçar essa associação.

Artigo recebido em 10/09/11;

revisado recebido em 28/09/11;

aceito em 27/01/12.

  • 1. Hallström B, Jönsson AC, Nerbrand C, Norrving B, Lindgren A. Stroke incidence and survival in the beginning of the 21st century in southern Sweden: comparisons with the late 20th century and projections into the future. Stroke. 2008;39(1):10-5.
  • 2. Araújo D, Teich V, Passos RB, Martins SC. Análise de custo-efetividade da trombólise com alteplase no acidente vascular cerebral. Arq Bras Cardiol. 2010;95(1):12-20.
  • 3. Monteiro I, Vaz Almeida MD. [Dietary fat and ischemic stroke risk in Northern Portugal]. Acta Med Port. 2007;20(4):307-18.
  • 4. Engelhorn CA, Engelhorn AL, Cassou MF, Zanoni CC, Gosalan CJ, Ribas E, et al. Intima-media thickness at the origin of the right subclavian artery as an early marker of cardiovascular risk. Arq Bras Cardiol. 2006;87(5):609-14.
  • 5. Ederle J, Brown MM. Stroke prevention. Herz. 2008;33(7):518-23.
  • 6. Prado SS, Ribeiro ML, Cardoso GP, Bousquet-Santos K, Velarde LG, Nóbrega AC. Carotid artery structural and functional evaluation in relatives of type 2 diabetic patients. Arq Bras Cardiol. 2009;92(3):186-192, 190-6.
  • 7. Goldstein LB, Adams R, Becker K, Furberg CD, Gorelick PB, Hademenos G, et al. Primary prevention of ischemic stroke: a statement for the health care professionals from the stroke council of the American Heart Association. Circulation. 2001;103(1):163-82.
  • 8. Rosa EM, Kramer C, Castro I. Association between coronary artery atherosclerosis and the intima-media thickness of the common carotid artery measured on ultrasonography. Arq Bras Cardiol. 2003;80(6):589-92, 285-8.
  • 9. Romero JR, Beiser A, Seshadri S, Benjamin EJ, Polak JF, Vasan RS, et al. Carotid artery atherosclerosis, MRI indices of brain ischemia, aging, and cognitive impairment: the Framingham Study. Stroke. 2009;40(5):1590-6.
  • 10. O'Leary DH, Polak JF, Kronmal RA, Manolio TA, Burke GL, Wolfson SK Jr. Carotid-artery intima and media thickness as a risk factor for myocardial infarction and stroke in older adults. Cardiovascular Health Study Collaborative Research Group. N Engl J Med. 1999;340(1):14-22.
  • 11. Touboul PJ, Labreuche J, Vicaut E, Amarenco P; GENIC Investigators. Carotid intima-media thickness, plaques, and Framingham risk score as independent determinants of stroke risk. Stroke. 2005;36(8):1741-5.
  • 12. Mackinnon AD, Jerrard-Dunne P, Sitzer M, Buehler A, von Kegler S, Markus HS. Rates and determinants of site-specific progression of carotid artery intima-media thickness: the carotid atherosclerosis progression study. Stroke. 2004;35(9):2150-4.
  • 13. Lorenz MW, von Kegler S, Steinmetz H, Markus HS, Sitzer M. Carotid intima-media thickening indicates a higher vascular risk across a wide age range: prospective data from the Carotid Atherosclerosis Progression Study (CAPS). Stroke. 2006;37(1):87-92.
  • 14. Dijk JM, van der Graaf Y, Bots ML, Grobbee DE, Algra A. Carotid intima-media thickness and the risk of new vascular events in patients with manifest atherosclerotic disease: the SMART Study. Eur Heart J. 2006;27(16):1971-8.
  • 15. de Groot E, van Leuven SI, Duivenvoorden R, Meuwese MC, Akdim F, Bots ML, et al. Measurement of carotid intima-media thickness to assess progression and regression of atherosclerosis. Nat Clin Pract Cardiovasc Med. 2008;5(5):280-8.
  • 16. Touboul PJ, Hennerici MG, Meairs S, Adams H, Amarenco P, Bornstein N, et al. Mannheim carotid intima-media thickness consensus (2004-2066). An update on behalf of the Advisory Board of the 3rd and 4th Watching the Risk Symposium, 13th and 15th European Stroke Conferences, Mannheim, Germany, 2004, and Brussels, Belgium, 2006. Cerebrovasc Dis. 2007;23(1):75-80.
  • 17. Stein JH, Korcarz CE, Hurst RT, Lonn E, Kendall CB, Mohler ER, et al. Use of Carotid ultrasound to identify subclinical vascular disease and evaluate cardiovascular disease risk: a consensus statement from the American Society of Echocardiography Carotid Intima-Media Thickness Task Force. Endorsed by the Society for Vascular Medicine. J Am Soc Echocardiogr. 2008;21(2):93-111.
  • 18. Coll B, Feinstein SB. Carotid intima-media thickness measurements: techniques and clinical relevance. Curr Atheroscler Rep. 2008;10(5):444-50.
  • 19. Baldassarre D, Amato M, Bondioli A, Sirtori CR, Tremoli E. Carotid artery intima-media thickness measured by ultrasonography in normal clinical practice correlates well with atherosclerosis risk factors. Stroke. 2000;31(10):2426-30.
  • 20. Stein JH. Carotid intima-media thickness and vascular age: you are only as old as tour arteries look. J Am Soc Echocardiogr. 2004;17(6):686-9.
  • 21. Hurst RT, Ng DW, Kendall C, Khandheria B. Clinical use of carotid intima-media thickness: review of the literature. J Am Soc Echocardiogr. 2007;20(7):907-14.
  • 22. Akosah KO, McHugh VL, Barnhart SI, Mathiason MA, Schaper AM, Perlock PA. Pilot results of the Early Detection by Ultrasound of Carotid Artery Íntima-Media Thickness Evaluation (EDUCATE) study. Am J Hypertens. 2007;20(11):1183-8.
  • 23. Ariesen MJ, Claus SP, Rinkel GJ, Algra A. Risk factors for intracerebral hemorrhage in the general population: a systematic review. Stroke. 2003;34(8):2060-5.
  • 24. Chambless LE, Folsom AR, Clegg LX, Sharrett AR, Shahar E, Nieto FJ, et al. Carotid wall thickness is predictive of incident clinical stroke: the Atherosclerosis Risk in Communities (ARIC) study. Am J Epidemiol. 2000;151(5):478-87.
  • 25. Bots ML, Hofman A, Grobbee DE. Increased common carotid intima-media thickness: adaptive response or a reflection of atherosclerosis? Findings from the Rotterdam Study. Stroke. 1997;28(12):2442-7.
  • 26. Hollander M, Hak AE, Koudstaal PJ, Bots ML, Grobbee DE, Hofman A, et al. Comparison between measures of atherosclerosis and risk of stroke: the Rotterdam study. Stroke. 2003;34(110):2367-72.
  • 27. Touboul PJ, Vicaut E, Labreuche J, Belliard JP, Cohen S, Kownator S, et al; PARC study participating physicians. Correlation between the Framingham risk score and intima media thickness: the Paroi Artérielle et Risque Cardio-vasculaire (PARC) study. Atherosclerosis. 2007;192(2):363-9.
  • 28. Touboul PJ, Elbaz A, Koller C, Lucas C, Adraď V, Chédru F, Amarenco P. Common carotid artery intima-media thickness and brain infarction: the Etude du Profil Génétique de l'Infarctus Cerebral (GÉNIC) case control study. The GENIC Investigators. Circulation. 2000;102(3):313-8.
  • 29. Lorenz MW, Markus HS, Bots ML, Rosvall M, Sitzer M. Prediction of clinical cardiovascular events with carotid intima-media thickness: a systematic review and meta-analysis. Circulation. 2007;115(4):459-67.
  • Correspondência:
    Dário Luís Leal de Freitas
    Rua Dr. Mariano Roque Laia, nº 2 - Rés-do-Chão A - 2650-051 - Amadora, Portugal.
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Maio 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      10 Set 2011
    • Aceito
      27 Jan 2012
    • Revisado
      28 Set 2011
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br