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Implante de eletrodo em veia ázigos: uma opção terapêutica para limiar de desfibrilação elevado

Resumos

A avaliação do limiar de desfibrilação (DFT) durante o implante do cardioversor-desfibrilador (CDI) é uma etapa relevante do procedimento, uma vez que, em até 16% dos pacientes, podemos encontrar elevados DFT. Relatamos o caso de um paciente portador de cardiomiopatia dilatada (CMPD) idiopática submetido a implante de CDI biventricular. Durante o procedimento, apresentou elevado DFT e se mostrou resistente às modalidades terapêuticas usuais. Optamos pelo implante de eletrodo de desfibrilação em veia ázigos, com resolução do quadro.

Desfibriladores implantaveis; cardiomiopatia dilatada; veia ázigos; eletrodos implantados


The evaluation of the defibrillation threshold (DFT) during the implantation of a cardioverter-defibrillator (ICD) is an important stage of the procedure, as a high DFT can be found in up to 16% of patients. We report a patient with idiopathic dilated cardiomyopathy (DCM) submitted to a biventricular ICD implantation. During the procedure, the patient showed a high DFT and showed to be resistant to usual therapeutic modalities. We opted for the azygos vein defibrillation lead implantation, with good resolution.

Defibrillators implantable; cardiomyopathy dilated; azygos vein; electrodes implanted


RELATO DE CASO

Implante de eletrodo em veia ázigos: uma opção terapêutica para limiar de desfibrilação elevado

Luiz Eduardo Montenegro CamanhoI, II; Antonio Carlos Botelho da SilvaI; Marco Antonio TeixeiraI; Luiz Antonio Inácio Oliveira JuniorI, II; Eduardo Benchimol SaadII; Marcelo da Costa MaiaI

IHospital São José do Avaí Itaperuna, RJ

IIHospital Pró-Cardíaco, Botafogo, RJ - Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Luiz Eduardo Montenegro Camanho Rua Soares Cabral, 47/402, Laranjeiras CEP 22240-070, Rio de Janeiro, RJ - Brasil E-mail: luizemc@cardiol.br, lecamanho@globo.com

RESUMO

A avaliação do limiar de desfibrilação (DFT) durante o implante do cardioversor-desfibrilador (CDI) é uma etapa relevante do procedimento, uma vez que, em até 16% dos pacientes, podemos encontrar elevados DFT. Relatamos o caso de um paciente portador de cardiomiopatia dilatada (CMPD) idiopática submetido a implante de CDI biventricular. Durante o procedimento, apresentou elevado DFT e se mostrou resistente às modalidades terapêuticas usuais. Optamos pelo implante de eletrodo de desfibrilação em veia ázigos, com resolução do quadro.

Palavras-chave: Desfibriladores implantaveis; cardiomiopatia dilatada; veia ázigos; eletrodos implantados

Introdução

O implante de CDI é uma opção terapêutica estabelecida para prevenção de MS cardíaca em pacientes de risco1. Dados recentes sugerem que, durante o implante, 6% a 16% dos pacientes apresentam elevado DFT2. Tal condição é definida quando o valor do DFT é menor que 10 joules em relação à carga máxima do gerador. Diante dessa situação, as estratégias disponíveis seriam o reposicionamento do eletrodo do ventrículo direito (VD), mudança do vetor do choque ou o implante de eletrodo adicional de desfibrilação. O implante de eletrodo de desfibrilação em veia ázigos é uma opção terapêutica, havendo um pequeno número de casos relatados na literatura3,4.

Relato do Caso

Paciente de 37 anos, masculino, com história de CMPD idiopática e classe funcional III (NYHA), a despeito da terapia farmacológica otimizada. Apresentava história de síncope sem pródromo. Ao ecocardiograma (ECG) basal, observava-se ritmo sinusal com BRE completo (QRS: 180 ms) e intervalo PR de 190 ms. O ECG evidenciava disfunção sistólica grave do VE com disfunção diastólica grau III, AE: 45 mm, FEVE: 17% (Simpson), DDFVE: 90 mm, DSFVE: 83 mm, IM moderada, com sinais de dissincronia intraventricular ao Doppler tecidual e retardo na contração da parede posterolateral do ventrículo esquerdo (VE). O holter de 24 horas demonstrava episódios de taquicardia ventricular não sustentada. Desta forma, foi encaminhado para implante de cardioversor-desfibrilador ressincronizador (Concerto - Medtronic).

O procedimento foi iniciado com uma incisão na região peitoral esquerda e confecção de uma bolsa subcutânea. Logo após, foram realizadas três punções de veia axilar esquerda. O eletrodo de desfibrilação foi posicionado na região septal média do VD. O seio coronário foi canulado e foi realizada uma angiografia, demonstrando a presença de um ramo póstero-lateral onde foi posicionado o eletrodo ventricular esquerdo. O eletrodo atrial foi então posicionado na parede anterior do AD. Foi realizado teste de desfibrilação através de indução (choque sobre T) de fibrilação ventricular (FV) com choque de 15, 25 e 35 J, sem sucesso, sendo necessário desfibrilação externa (DE) com 200 J bifásico.

Optamos por reposicionar o eletrodo na parede inferior do VD. Realizado novo teste de desfibrilação, sem sucesso, sendo necessário DE com 200 J. Realizou-se novo teste de desfibrilação com vetor de choque invertido, novamente, sem sucesso. Diante da impossibilidade de reversão com carga máxima após inúmeras tentativas, optamos pelo implante de eletrodo em veia ázigos. Foi realizada punção de veia axilar e, com um cateter JL, identificado o óstio da veia ázigos, sendo esta facilmente canulada com uma bainha longa 10 F e com aumento discreto do tempo de procedimento (Figura 1). Um eletrodo de desfibrilação duplo - "coil" (Sprint Quatro - Medtronic) - foi introduzido nessa veia e posicionado posteriormente ao coração (Figura 2). Foi programado para um novo teste o "coil" da ponta do eletrodo do VD, o "coil" distal da veia ázigos e o gerador. Através da indução de FV, houve reversão apenas com 35 J. O paciente evoluiu estável e recebeu alta hospitalar após 36 horas. Após 3 meses do implante, o paciente apresentou terapia apropriada (choque) por taquicardia ventricular rápida (zona de FV).



Discussão

Apesar de representar uma terapia eficaz, a experiência com o uso de CDI revelou casos de MS devido à desfibrilação ineficaz1. A avaliação do DFT tornou-se procedimento usual durante o implante de CDI, sendo o DFT definido como a menor quantidade de energia fornecida pelo CDI para finalizar com êxito dois episódios de FV induzidas. Pode ser mensurado através de diversas técnicas, sendo o ideal, uma margem de segurança de 10 J para desfibrilação5. Ainda são escassos os dados na literatura que sustentem a real necessidade de obter-se um adequado DFT, apesar de ser desejável alcançarmos uma margem satisfatória de segurança.

Birnie e cols.6 publicaram uma série de 19.067 pacientes submetidos a implante de CDI, revelando que 35 destes pacientes sofreram parada cardíaca prolongada ou acidente vascular cerebral, dos quais 9 foram a óbito ou apresentaram sequelas neurológicas, representando uma taxa de complicação de 0,18%. Esses dados levantam o questionamento da necessidade rotineira de testes de desfibrilação. A discussão centraliza-se em pacientes submetidos a implante de CDI para a prevenção primária de MS relacionada à disfunção do VE (pacientes com critérios MADIT-II ou SCD-HeFT)7. Neste perfil de pacientes, é particularmente difícil justificar complicações potencialmente letais, apesar de raras.

Vários fatores associam-se a um DFT elevado, incluindo grande superfície corporal, cardiopatia dilatada não isquêmica, classe funcional III/ IV (NYHA), fração de ejeção reduzida, terapêutica prévia com amiodarona, implante do lado direito, isquemia e hipóxia8,9.

Em 2004, Cesario e cols.3 descreveram o primeiro caso de um implante de um eletrodo de desfibrilação na veia ázigos. A melhoria da eficácia de desfibrilação provavelmente ocorreria devido a um deslocamento posterior do vetor de choque, abrangendo uma maior massa miocárdica. Cooper e cols.4, por sua vez, publicaram uma série de 9 casos de implante de CDI com posicionamento de "coil" de desfibrilação em veia ázigos, obtendo sucesso em 90% dos implantes.

Acreditamos que a opção de implante de eletrodo de desfibrilação em veia ázigos deverá sempre ser considerada para os casos de DFT elevado, por se tratar de procedimento tecnicamente factível e seguro, com uma elevada probabilidade de reduzir o DFT.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 07/06/11

Revisado em 04/07/11

Aceito em 02/12/11

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  • Endereço para correspondência:
    Luiz Eduardo Montenegro Camanho
    Rua Soares Cabral, 47/402, Laranjeiras
    CEP 22240-070, Rio de Janeiro, RJ - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      07 Jun 2011
    • Aceito
      02 Dez 2011
    • Revisado
      04 Jul 2011
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