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Valor prognóstico do peptídeo natriurético tipo B na mortalidade de pacientes com Síndrome Coronariana Aguda

Resumos

FUNDAMENTO: O valor prognóstico do PNB na Síndrome Coronariana Aguda (SCA) tem sido repetidamente avaliado, mas ainda não completamente bem estabelecido. Os dados da literatura para estabelecer o melhor momento para avaliar o PNB, seja na admissão hospitalar, seja após a intervenção coronariana, são controversos. OBJETIVO: Analisar o PNB em SCA sem supradesnivelamento do segmento ST (Scasest), no longo prazo, e avaliar a associação entre PNB (pg/mL), morte, anatomia coronariana, e Escore de Risco TIMI. MÉTODOS: Quarenta pacientes com Scasest e troponina > 0,50 ng/mL tiveram seus níveis de PNB medidos na admissão e 96 horas depois, e foram acompanhados por quatro anos. A diferença entre as duas medidas foi avaliada utilizando o teste de Wilcoxon (p < 0,05). A curva ROC foi utilizada para avaliar o PNB de 96 horas preditor de morte, e a regressão logística foi usada para avaliar um possível fator de confusão entre o PNB de 96 horas, a idade e o resultado. RESULTADOS: Havia um aumento no PNB de 96 horas (148 na admissão contra 267 após 96 horas; p = 0,04). Treze pacientes morreram. Para o corte 300 pg/mL, o PNB de 96 horas foi um preditor de morte (sensibilidade, 92,30%; especificidade, 77,80%; valor preditivo positivo, 66,70%; valor preditivo negativo, 95,50%). A área sob a curva ROC foi de 0,92. Foi observado um aumento de 7,4 vezes no risco relativo de morte em quatro anos com um PNB de 96 horas > 300 pg/mL (95% CI 1,90 a 29,30 p < 0,01). Foi observada uma associação entre o PNB de 96 horas e o Escore de Risco TIMI (p < 0,01). Foi observada uma associação entre o aumento no PNB de 96 horas e a doença multiarterial (p = 0,02). CONCLUSÃO: Na Scasest com troponina positiva, o PNB de 96 horas pode ser uma ferramenta de estratificação de risco. (Arq Bras Cardiol. 2012; [online].ahead print, PP.0-0)

Prognóstico; peptídeos natriuréticos; síndrome coronariana aguda


BACKGROUND: The prognostic value of BNP in acute coronary syndrome (ACS) has been repeatedly assessed, but not completely well established. Literature data for establishing the best time for assessing BNP, be it on hospital admission or after coronary intervention, are controversial. OBJECTIVE: To analyze BNP in non-ST segment elevation ACS (NSTE-ACS) in the long term, and to assess the association between BNP (pg/ml), death, coronary anatomy, and TIMI Risk Score. METHODS: Forty patients with NSTE-ACS and troponin>0.50 ng/ml had their BNP levels measured on admission and 96 hours after, and were followed up for four years. The difference between the two measures was assessed by use of Wilcoxon test (p<0.05). The ROC curve was used to evaluate 96-hour BNP accuracy as a death predictor, and logistic regression was used to assess a possible confounding factor among 96-hour BNP, age, and outcome. RESULTS: There was an increase in the 96-hour BNP (148 on admission vs. 267 after 96 hours; p=0.04). Thirteen patients died. For the 300 pg/ml cutoff, 96-hour BNP was a death predictor (sensitivity, 92.30%; specificity, 77.80%; positive predictive value, 66.70%; negative predictive value, 95.50%). The area under the ROC curve was 0.92. A 7.4-time increase in the relative risk of death in four years was observed with a 96-hour BNP> 300 pg/ml (95% CI 1.90 a 29.30 p<0.01). An association between 96-hour BNP and TIMI Risk Score was observed (p<0.01). An association was observed between the increase in 96-hour BNP and multivessel disease (p=0.02). CONCLUSION: In NSTE-ACS with positive troponin, 96-hour BNP can be a tool for risk stratification. (Arq Bras Cardiol. 2012; [online].ahead print, PP.0-0)

Prognosis; natriuretic peptides; acute coronary syndrome


Valor prognóstico do peptídeo natriurético tipo B na mortalidade de pacientes com Síndrome Coronariana Aguda

Alexandre Vaz Scotti; Bernardo Rangel Tura; Ronilson Gonçalves Rocha; Denilson Campos de Albuquerque

Instituto DOr de Ensino e Pesquisa; Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Correspondência Correspondência : Alexandre Vaz Scotti Visconde de Pirajá 623 - sala 804 – Ipanema - 22410-003 – Rio de Janeiro, RJ - Brasil E-mail: alexandre.vaz.scotti@terra.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: O valor prognóstico do PNB na Síndrome Coronariana Aguda (SCA) tem sido repetidamente avaliado, mas ainda não completamente bem estabelecido. Os dados da literatura para estabelecer o melhor momento para avaliar o PNB, seja na admissão hospitalar, seja após a intervenção coronariana, são controversos.

OBJETIVO: Analisar o PNB em SCA sem supradesnivelamento do segmento ST (Scasest), no longo prazo, e avaliar a associação entre PNB (pg/mL), morte, anatomia coronariana, e Escore de Risco TIMI.

MÉTODOS: Quarenta pacientes com Scasest e troponina > 0,50 ng/mL tiveram seus níveis de PNB medidos na admissão e 96 horas depois, e foram acompanhados por quatro anos. A diferença entre as duas medidas foi avaliada utilizando o teste de Wilcoxon (p < 0,05). A curva ROC foi utilizada para avaliar o PNB de 96 horas preditor de morte, e a regressão logística foi usada para avaliar um possível fator de confusão entre o PNB de 96 horas, a idade e o resultado.

RESULTADOS: Havia um aumento no PNB de 96 horas (148 na admissão contra 267 após 96 horas; p = 0,04). Treze pacientes morreram. Para o corte 300 pg/mL, o PNB de 96 horas foi um preditor de morte (sensibilidade, 92,30%; especificidade, 77,80%; valor preditivo positivo, 66,70%; valor preditivo negativo, 95,50%). A área sob a curva ROC foi de 0,92. Foi observado um aumento de 7,4 vezes no risco relativo de morte em quatro anos com um PNB de 96 horas > 300 pg/mL (95% CI 1,90 a 29,30 p < 0,01). Foi observada uma associação entre o PNB de 96 horas e o Escore de Risco TIMI (p < 0,01). Foi observada uma associação entre o aumento no PNB de 96 horas e a doença multiarterial (p = 0,02).

CONCLUSÃO: Na Scasest com troponina positiva, o PNB de 96 horas pode ser uma ferramenta de estratificação de risco. (Arq Bras Cardiol. 2012; [online].ahead print, PP.0-0)

Palavras-chave: Prognóstico, peptídeos natriuréticos, síndrome coronariana aguda / mortalidade.

Introdução

Nos Estados Unidos e na Europa, cerca de quinze milhões de pessoas são admitidas nas unidades de emergência a cada ano com sintomas sugestivos de Síndrome Coronariana Aguda (SCA)1. A síndrome coronariana aguda é caracterizada por complexidade e múltiplas causas fisiopatológicas, tais como a ruptura da placa com trombose aguda, obstrução mecânica progressiva, angina instável secundária, inflamação e obstrução dinâmica (vasospasmo coronário)2.

A estratégia de múltiplos marcadores tem sido recentemente estudada para avaliar a SCA e inclui, além da troponina como um indicador de necrose miocárdica, outros elementos, tais como peptídeos natriuréticos (PNB e NT pró-PNB) como marcadores de estresse hemodinâmico, proteínas C-reativas como marcador de atividade inflamatória, e depuração de creatinina com indicador de lesão endotelial3.

Com o objetivo de refinar o prognóstico e orientar as intervenções clínicas, Antman e cols.4 propuseram a pontuação conhecida como Escore de Risco TIMI para pacientes com SCA. A sinergia desse conjunto de marcadores poderia constituir uma ferramenta útil para compreender o prognóstico de uma síndrome tão heterogênea. O uso de estatísticas para analisar o prognóstico previsto pelo PNB e NT pró-PNB tem sido demonstrado em SCA sem supradesnivelamento do segmento ST (Scasest), incluindo pacientes com nenhuma evidência clínica de insuficiência ventricular esquerda, nem de aumento de marcadores de necrose miocárdica (troponina)5-6. Estudos têm demonstrado o potencial de PNB e NT pró-PNB para fornecer informações adicionais aos marcadores tradicionais de lesões subendocárdicas ou subepicárdicas isquêmicas no eletrocardiograma e avaliação de alterações na motilidade regional da parede lateral do ventrículo esquerdo em 1D/2D, em ecocardiografia transtorácica e de necrose miocárdica (troponina) em SCA7.

Considerando a heterogeneidade das SCA e seu impacto sobre a mortalidade no mundo e no Brasil, o presente estudo sugere o uso rotineiro do PNB após a intervenção coronariana para a estratificação de risco na Scasest com troponina positiva, avaliando o valor desse peptídeo no prognóstico de longo prazo de pacientes com alto risco.

Além disso, este estudo avalia a existência de uma associação entre o PNB e a anatomia das três artérias coronarianas, bem como a associação entre o PNB e o Escore de Risco TIMI.

Metodologia

População do estudo

Este estudo de um único centro avaliou 46 pacientes consecutivos, com alto risco de Scasest e troponina positiva, admitidos na Unidade de Dor Torácica (UDT) do Hospital Copa D’Or, na cidade do Rio de Janeiro, Brasil, de maio de 2003 a janeiro de 2004. Seis pacientes foram excluídos do estudo pelo que segue: dois por causa de óbito nas primeiras 96 horas após a admissão, e quatro por não sofrerem estratificação invasiva. Quarenta pacientes completaram o estudo.

O acompanhamento do estudo contemplou um período de quatro anos após a seleção dos pacientes e consistiu na realização de um questionário por telefone, de seis em seis meses. No caso de um evento anormal, os pesquisadores do estudo foram notificados para que pudessem avaliar o evento. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição.

Seleção dos pacientes

Durante a consulta inicial na unidade de emergência, foram considerados os seguintes critérios de inclusão:

a) Presença de Scasest e aumento de troponina I (> 0,5 ng/mL)8 como fator de alto risco;

b) A admissão na UDT e transferência para a Unidade de Terapia Intensiva Cardíaca nas primeiras 24 horas do início dos sintomas, com monitoramento do progresso;

c) Estratificação invasiva nas primeiras 24 horas após a admissão;

d) Assinatura do termo de consentimento informado.

Depois disso, foram solicitados testes complementares e definida a estratégia de tratamento.

Os critérios de exclusão foram:

a) Contraindicação para estudo angiográfico ou indicação do tratamento conservador pelo médico tratante;

b) Morte nas primeiras 96 horas após a admissão;

c) Presença de doença das valvas cardíacas concomitante;

d) Insuficiência renal definida como depuração de creatinina estimada < 50 mL/min, calculado pelo uso da fórmula de Cockroft-Gault9;

e) A disfunção ventricular esquerda (FE ≤ 50% pela regra de Simpson), sintomática ou não.

Procedimentos

Coleta de amostras de sangue para avaliar o PNB e a troponina I. As amostras de sangue foram coletadas para medir o PNB na admissão e após 96 horas. As 96 horas após a admissão hospitalar foram definidas como o período em que o PNB poderia indicar o produto final de intervenção coronariana, sendo, então, uma ferramenta mais específica para analisar o prognóstico no longo prazo, que o PNB na admissão. Foi utilizado o ensaio de imunofluorescência teste Triage PNB (Biosite Diagnostics, San Diego, CA, EUA).

A troponina I foi avaliada na admissão e quatro horas depois usando um método enzimático (kit Dade Behring) e o dispositivo Immulite. O maior valor foi considerado para o estudo. O valor de referência adotado foi < 0,5 ng/mL.

O Escore de Risco TIMI4 dos pacientes foi calculado pela soma dos pontos, de acordo com o histórico médico e a apresentação clínica.

Os fatores de risco para DAC, como hipertensão arterial sistêmica, diabete melito, dislipidemia, obesidade e tabagismo, têm sido bem definidos na literatura médica10.

O ECG de 12 derivações foi realizado na admissão e quatro horas depois. Pacientes com supradesnivelamento do segmento ST no ECG foram excluídos. Mais tarde, o ECG foi repetido diariamente durante a internação Unidade de Terapia Intensiva Cardíaca.

Todos os pacientes realizaram ecocardiograma transtorácico nas primeiras 12 horas de internação, de acordo com o protocolo de dor torácica da instituição onde foi realizado o estudo.

A estratificação invasiva com cineangiocoronariografia foi realizada dentro das primeiras 24 horas após a admissão.

Uma lesão do tronco da coronária esquerda ≥ 50%, ou uma lesão proximal das artérias coronarianas, Descendente Anterior (DA) e Circunflexa (CX), ≥ 70% foi considerado correspondente a uma extensa área miocárdica em risco de isquemia e doença multiarterial.

Análise estatística

O teste de Wilcoxon foi utilizado com um intervalo de confiança de 95% e um valor de p <0,05 foi considerado significativo para analisar os níveis de PNB na admissão e 96 horas depois.

O teste do qui-quadrado de Pearson foi utilizado para analisar possíveis características clínicas envolvidas com o resultado. A curva ROC foi utilizada para identificar o melhor ponto de corte do PNB como preditor de morte cardíaca.

A regressão logística foi usada para avaliar um possível fator de confusão entre o PNB de 96 horas, a idade e o resultado.

Resultados

A população deste estudo consistiu em 40 pacientes (homens, 55,00%), com média de idade de 69,08 ± 11,40 anos. A tabela 1 mostra as características clínicas, eletrocardiográficas e ecocardiográficas do grupo estudado. Em relação à estratégia terapêutica no momento da admissão hospitalar, 23 pacientes foram submetidos a angioplastia coronariana, dez pacientes foram submetidos a revascularização miocárdica, e sete pacientes foram submetidos a apenas tratamento clínico.

O Escore de Risco TIMI de 75,00% dos pacientes variou de 4 a 6, confirmando o perfil de risco dos pacientes neste estudo.

Foi observada uma clara associação entre o Escore de Risco TIMI com o PNB de 96 horas (p < 0,01), mas não com o valor de PNB medido na admissão.

A figura 1 exibe um gráfico que demonstra claramente a associação entre o Escore de Risco TIMI e o valor de PNB de 96 horas.


Analisando as angiografias coronarianas, 24 (60,00%) atenderam os critérios acima especificados para uma extensa área miocárdica em risco de isquemia, enquanto em 16 (40,00%) as angiografias coronarianas careciam desse achado.

Na presença de uma extensa área do miocárdio em risco de isquemia (tab. 2), foi observado um aumento importante na prevalência da disfunção segmentar em ecocardiografia (p = 0,03), além de alterações no ECG sugestivas de isquemia miocárdica (p = 0,01).

Comparando os dois valores de PNB (na admissão e após 96 horas) e a anatomia da artéria coronariana, foi observada uma diferença significativa (p = 0,02) nos valores de PNB (na admissão e após 96 horas) no grupo de pacientes com uma extensa área do miocárdio em risco de isquemia. Por sua vez, no grupo de pacientes sem danos no tronco da coronária esquerda ou seu equivalente, não houve diferença significativa nos valores de PNB (p = 0,06) (fig. 2).


Durante os quatro anos de acompanhamento, treze pacientes morreram, quatro deles por morte súbita. Os outros nove pacientes morreram durante a hospitalização por recorrência da SCA; as causas de morte foram as seguintes: sepse, cinco pacientes; acidente vascular encefálico, dois; infarto enteromesentérico, um; e insuficiência cardíaca, um paciente.

Comparando os achados clínicos e eletrocardiográficos dos pacientes falecidos e dos pacientes vivos após quatro anos de acompanhamento, apenas a idade mais avançada pôde ser relacionada com o resultado de morte (tab. 3). A curva ROC mostrou que o ponto de corte do PNB de 96 horas de 300,00 pg/mL diferenciou mais claramente os pacientes com maior risco de morte durante os quatro anos do acompanhamento. Para esse ponto de corte, a sensibilidade foi 92,30%; a especificidade foi 77,80%; o valor preditivo positivo foi 66,70%; e o valor preditivo negativo foi 95,50%.

A área sob a curva foi de 0,92, (95% CI 90,20→94,80; p < 0,01), indicando uma boa precisão (fig. 3).


A regressão logística foi usada para avaliar um possível fator de confusão entre idade, PNB e resultado. Para cada aumento de dez anos na idade, não se observou contribuição para o resultado morte. Contudo, o PNB de 96 horas provou ser um preditor de mortalidade importante para o ponto de corte de 300 pg/mL, com uma taxa de risco dez vezes maior (tab. 4). A análise da precisão da precisão do PNB na admissão, ou seja, dentro de 24 horas após o evento coronariano, não chegou a ser significativa. A avaliação do ponto de corte de 274 pg/mL resultou em sensibilidade de 46,20%, especificidade de 85,20%, valor preditivo positivo de 60,00%, e valor preditivo negativo de 76,70%. A área sob a curva foi de 0,65, o que não indica uma boa precisão. Como o PNB de 96 horas representa o resultado final da intervenção terapêutica, acreditamos que, em nosso estudo, o PNB de 96 horas pode ser mais específico que o PNB na admissão para a associação com o prognóstico de longo prazo.

Observou-se um risco relativo de 7,44 (95% CI 1,89→29,28) no grupo de pacientes com PNB de 96 horas superior a 300,00 pg/mL. No entanto, encontramos um CI grande; talvez com um número mais significativo de pacientes pudesse ser estabelecida uma melhor associação com os nossos achados.

Discussão

O presente estudo mostrou que o PNB medido 96 horas após a admissão, usando 300 pg/mL como ponto de corte, associado ao significativo risco relativo de morte de 7,44 (95% CI 1,89→29,28) durante os quatro anos de acompanhamento. A área sob a curva ROC foi de 0,92, o que demonstra uma boa precisão. Esse achado está de acordo com outros estudos da literatura11-15, mostrando o poder estatístico e a importância dos peptídeos natriuréticos como preditores de morte cardíaca em pacientes com SCA.

A idade foi a única variável que pôde ser associada com o resultado, embora não se saiba da existência de relação entre faixa etária e altos níveis séricos de PNB. Além disso, a análise de regressão logística demonstrou que a idade, o PNB de 96 horas, e os resultados não estão associadas.

Considerando-se o ponto de corte de 300 pg/mL do PNB de 96 horas, a tabela 4 mostra uma taxa de risco dez vezes maior para cada dez anos de aumento na idade.

Vale ressaltar que a análise da precisão do PNB na admissão não poderia discriminar um ponto de corte significativo para estimar o risco de eventos durante o período de acompanhamento. Isso não foi observado no estudo de Bassan e cols.12, que usou o PNB na admissão para distinguir o ponto de corte como preditor de mortalidade precoce e tardio.

A nossa hipótese é de que o PNB de 96 horas pode ser um marcador mais compatível com o mundo real, no longo prazo, porque é o resultado final da abordagem terapêutica. Como todos os pacientes neste estudo foram submetidos a intervenção coronariana dentro das primeiras 24 horas após o evento isquêmico, no final das 96 horas todos os pacientes tinham sido tratados, isto é, as estratégias terapêuticas já tinham sido definidas. No entanto, estudos posteriores, especialmente com um número mais significativo de pacientes, deveriam ser realizados para confirmar essa hipótese.

Eggers e cols.15 relataram uma precisão excelente de NT pró-PNB medido no final do curso da SCA (às seis semanas e após seis meses). Assim, além de serem preditores de morte quando medidos durante a hospitalização, uma vez que os peptídeos natriuréticos podem indicar a área isquêmica, eles podem também adicionar informação prognóstica, quando analisados após a definição de tratamento.

O presente estudo também avaliou as possíveis associações entre o Escore de Risco TIMI e valores de PNB na admissão e 96 horas depois.

Uma clara associação foi observada entre o PNB de 96 horas e um aumento no Escore de Risco TIMI. Analisando o gráfico da referida associação (fig. 1), a queda observada pode resultar do número reduzido de indivíduos com um Escore de Risco TIMI de 6. Acreditamos também que o PNB de 96 horas agiu como um marcador de prognóstico adicional para o Escore de Risco TIMI, que é uma ferramenta de estratificação de risco bem definida para a Scasest no curto e longo prazo4. No entanto, dois estudos publicados recentemente também têm demonstrado o maior valor prognóstico do NT pró-PNB, quando comparado com o do Escore de Risco TIMI16,17.

A literatura carece de critérios uniformes para a quantificação da área isquêmica do miocárdio em termos de valores de PNB. Os dois principais estudos de Sadanandan e cols.18 e Ndrepepa e cols. 19 utilizaram, como critérios para estimar a área do miocárdio em risco de isquemia, os efeitos sobre a artéria coronariana descendente anterior e a anatomia das três artérias, respectivamente.

Em nossa casuística, o aumento nos valores do PNB 96 horas após a internação e intervenção coronariana indicou pacientes com grandes áreas de miocárdio em risco de isquemia e doença multiarterial. As alterações eletrocardiográficas, diminuição do segmento ST e/ou inversão de onda T, e alterações ecocardiográficas, disfunção segmentar, compatível com isquemia miocárdica foram mais prevalentes no grupo de pacientes com doença multiarterial (tab. 2).

Os estudos anteriores mostraram que um aumento acentuado nos níveis séricos do PNB durante um evento isquêmico, sem evidência de disfunção sistólica, pode ser associado à complexidade e gravidade da anatomia da artéria coronariana. Por exemplo, Sabatine e cols.20 têm relatado, durante a isquemia do miocárdio transitória, um aumento significativo nos níveis séricos de BNP, e o aumento foi associado com a gravidade da doença isquêmica.

Em nosso estudo, foi observado um aumento significativo no nível do PNB 96 horas após a admissão (p = 0,02) na população com maiores áreas de miocárdio em risco de isquemia e doença multiarterial. Decidimos não usar um ponto de corte, porque já tínhamos os níveis de PNB na admissão e após 96 horas, assim a importância do aumento durante o período foi avaliada.

É interessante notar que, em nossa casuística, os níveis de PNB encontrados foram superiores aos relatados na literatura. Analisando alguns estudos anteriores, observamos que o ponto de corte do PNB foi modificado, dependendo da finalidade do projeto de pesquisa. Para o diagnóstico de insuficiência cardíaca, um ponto de corte de 200 pg/mL é extremamente preciso21. Em pacientes com dor torácica, o PNB >100 pg/mL é um forte preditor de infarto agudo do miocárdio22. Para pacientes com Scasest, níveis séricos de PNB acima de 80 pg/mL poderiam estar associados com a gravidade e extensão da área isquêmica do miocárdio18.

No presente estudo, um ponto de corte 300-pg/mL para PNB de 96 horas poderia ser o PNB que representa o resultado de intervenção coronariana, definido um grupo de pacientes com Scasest mais severa e um risco 7,4 vezes maior de morte nos quatro anos de acompanhamento.

Em um estudo recentemente publicado com o objetivo de analisar o prognóstico de pacientes com Scasest, um ponto de corte do PNB na admissão de 101 pg/mL discriminou um risco relativo de morte de 13,0 no primeiro mês e de 5,3 em um ano12.

Outro estudo relatou a associação entre o NT pró-PNB e o resultado de morte no prazo de seis anos de acompanhamento em pacientes com SCA e após revascularização miocárdica23.

O PNB de 96 horas poderia ser um complemento útil, ferramenta de fácil calibração para a estratificação de risco em pacientes com SCA, especialmente em locais desprovidos de instalações laboratoriais hemodinâmicas, permitindo o fácil reconhecimento dos grupos com maior risco de eventos adversos tardios.

O presente estudo sugere que um aumento no nível de PNB de 96 horas (> 300 pg/mL) está associado a um maior risco de morte durante os quatro anos de acompanhamento, em pacientes com Scasest. Isso requer um monitoramento clínico rigoroso para ajustar os fatores de risco cardiovascular. No entanto, a literatura ainda carece de dados que justifiquem o uso de uma estratégia de tratamento baseado apenas na elevação dos níveis de PNB em pacientes com SCA.

É fácil entender o aumento do PNB nos pacientes com SCA com disfunção miocárdica, porque o aumento da pressão de enchimento ventricular esquerdo dispara a síntese e liberação do PNB24-26. Contudo, o aumento do risco de um evento cardíaco numa população sem falência ventricular esquerda sugere a existência de outros mecanismos. A disfunção diastólica secundária à isquemia do miocárdio pode ser um dos fatores por trás do aumento nos níveis séricos de PNB em SCA27,28.

O PNB de 96 horas também deve ser interpretado juntamente com achados hemodinâmicos e clínicos, alterações eletrocardiográficas, elevação de marcadores de necrose miocárdica [massa de creatina quinase (CK) e troponina], presença de alterações segmentares no ecocardiograma transtorácico e perfil inflamatório, utilizando medidas de PCR.

Limitações do estudo

O presente estudo tem certas limitações. O pequeno tamanho da amostra poderia resulta em um viés de seleção. O critério escolhido para determinar a extensão da área do miocárdio em risco de isquemia, que era lesão do tronco da coronária esquerda e/ou seu equivalente, utilizou o grau de obstrução da artéria como parâmetro de isquemia, em vez da avaliação funcional. No entanto, devido à gravidade clínica do grupo estudado, a avaliação mediante cintilografia miocárdica ou de ressonância magnética cardíaca, que poderiam ser prejudiciais para os pacientes, não foi realizada.

Este estudo foi realizado em uma instituição particular em um bairro próspero da cidade do Rio de Janeiro, com pacientes de alto nível socioeconômico e cultural. Assim, o risco pode ter sido subestimado, porque as condições reais, tais como o acesso a recursos médicos e medicamentos que interferem com o curso da doença, não foram consideradas na análise.

Conclusões

1. Em pacientes com Scasest, um nível de BNP maior que 300 pg/mL 96 horas após o início de evento isquêmico e de intervenção coronariana está associado com um risco 7,44 vezes maior de morte em quatro anos.

2. No presente estudo, o maior aumento no nível de PNB no prazo de 96 horas da admissão está associado com uma maior gravidade na lesão da artéria coronariana em pacientes com Scasest. Essa associação poderia explicar a associação entre o PNB de 96 horas e o evento Scasest.

3. Nossos achados sugerem que pode haver uma associação entre o PNB e o Escore de Risco TIMI.

4. O PNB de 96 horas pode ser uma ferramenta útil para o cardiologista para estabelecer o prognóstico de longo prazo de pacientes com Scasest. No entanto, mais estudos são necessários para confirmar o melhor momento para avaliar o PNB (seja na admissão ou após a intervenção) durante a hospitalização de indivíduos com Scasest e troponina positiva.

Agradecimentos

Agradecemos ao Hospital Copa D’Or o apoio na coleta seriada de sangue e o financiamento deste estudo. Agradecemos também aos pacientes e suas famílias por fornecerem os seus dados clínicos, contribuindo assim para

Artigo recebido em 21/10/11

Revisado recebido em 21/10/11

Aceito em 08/03/12.

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  • Correspondência

    :
    Alexandre Vaz Scotti
    Visconde de Pirajá 623 - sala 804 – Ipanema - 22410-003 – Rio de Janeiro, RJ - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Maio 2012
    • Data do Fascículo
      Jul 2012

    Histórico

    • Recebido
      21 Out 2011
    • Aceito
      08 Mar 2012
    • Revisado
      21 Out 2011
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