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Emissão de laudos eletrocardiográficos a distância: experiência da rede catarinense de telemedicina

Resumos

FUNDAMENTO: Cresce o uso da Telemedicina, especialmente no envio e na avaliação de eletrocardiograma (ECG). É um procedimento de baixo custo, com alto potencial de salvar vidas. OBJETIVO: Descrever a forma de análise sistemática e o perfil do usuário da Rede Catarinense de Telemedicina quando o laudo era emitido de forma livre. MÉTODOS: Estudo observacional, transversal, determinando as associações entre características dos pacientes e diagnósticos eletrocardiográficos emitidos, dentre os usuários da Rede Catarinense de Telemedicina quando o laudo era fornecido de forma livre. Esse sistema estava conectado a 287 cidades de Santa Catarina, os exames eram feitos nos locais de origem e emitidos os laudos em três hospitais terciários. Entre 2005 e 2010, os laudos eram emitidos de forma livre e foi criado um método probabilístico para análise dos dados. Um cardiologista experiente avaliou todos os ECG para aferir a chance de anormalidade. RESULTADOS: Foram avaliados 243.363 ECG. A maioria (58%) foi realizada em pacientes com mais de 50 anos e proveniente da atenção primária (72%). Houve diferenças de frequência por região, parcialmente relacionado com número de cardiologistas/região (r = -0,551), com a distância dos centros terciários e com possíveis diferenças de aceitação do método. Cerca de 53% do ECG foram anormais, com maior frequência quanto maior a idade (r2 = 0,8166), e com diferenças regionais também significantes (p < 0,0001). CONCLUSÃO: Foi construído um sistema de análise dos dados integrando termos prevalentes, análise probabilística e dicionários especializados. O sistema tem atendido uma parcela significativa da população catarinense, principalmente idosos, da rede básica e de regiões remotas do estado.

Telemedicina; Eletrocardiografia; Idoso; Serviços de Saúde


BACKGROUND: A growing use of telemedicine has been observed, especially as regards the sending and evaluation of electrocardiograms (ECG); this is a low-cost procedure with a high potential to save lives. OBJECTIVES: To describe the form of systematic analysis and user profile of the Telemedicine Network of Santa Catarina during the time when the report was issued freely. METHODS: Observational cross-sectional study determining the associations between patient characteristics and electrocardiographic diagnoses issued among users of the Telemedicine Network of Santa Catarina during the time when the report was issued freely. This system was connected to 287 cities in Santa Catarina; the tests were done in the places of origin and the reports were issued in three tertiary-care hospitals. From 2005 to 2010 the reports were issued freely and a probabilistic method for data analysis was created. An experienced cardiologist evaluated all ECGs to assess the chances of abnormality. RESULTS: 243,363 ECGs were evaluated. The majority (58%) was performed on patients older than 50 years from primary care services (72%). There were differences in the frequency per region; this was partly related to the number of cardiologists/region (r = -0.551), to the distance from tertiary-care centers and potential differences of acceptance of the method. Approximately 53% of the ECGs were abnormal with greater frequency with increasing age (r² = 0.8166) and with significant regional differences (p < 0.0001). CONCLUSIONS: We built a data analysis system integrating prevalent terms, probabilistic analysis and specialized dictionaries. The system has covered a significant portion of the population of Santa Catarina, mainly elderly patients from the network of primary healthcare centers and remote regions of the State.

Telemedicine; electrocardiography; aged; health service


Emissão de laudos eletrocardiográficos a distância: experiência da rede catarinense de telemedicina

Isabela de Carlos Back GiulianoI; Cloves Langendorf Barcellos JuniorII; Aldo von WangenheimII; Mário Sérgio Soares de Azeredo CoutinhoIII

IDepartamento de Pediatria, Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva - UFSC, Florianópolis, SC - Brasil

IIDepartamento de Informática e Estatística, Laboratório de Bioestatística - UFSC, Florianópolis, SC - Brasil

IIIDepartamento de Clínica Médica - UFSC, Florianópolis, SC - Brasil

Correspondência Correspondência: Isabela de Carlos Back Giuliano Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima CP:476, Trindade CEP 88040-900, Florianópolis, SC - Brasil

RESUMO

FUNDAMENTO: Cresce o uso da Telemedicina, especialmente no envio e na avaliação de eletrocardiograma (ECG). É um procedimento de baixo custo, com alto potencial de salvar vidas.

OBJETIVO: Descrever a forma de análise sistemática e o perfil do usuário da Rede Catarinense de Telemedicina quando o laudo era emitido de forma livre.

MÉTODOS: Estudo observacional, transversal, determinando as associações entre características dos pacientes e diagnósticos eletrocardiográficos emitidos, dentre os usuários da Rede Catarinense de Telemedicina quando o laudo era fornecido de forma livre. Esse sistema estava conectado a 287 cidades de Santa Catarina, os exames eram feitos nos locais de origem e emitidos os laudos em três hospitais terciários. Entre 2005 e 2010, os laudos eram emitidos de forma livre e foi criado um método probabilístico para análise dos dados. Um cardiologista experiente avaliou todos os ECG para aferir a chance de anormalidade.

RESULTADOS: Foram avaliados 243.363 ECG. A maioria (58%) foi realizada em pacientes com mais de 50 anos e proveniente da atenção primária (72%). Houve diferenças de frequência por região, parcialmente relacionado com número de cardiologistas/região (r = -0,551), com a distância dos centros terciários e com possíveis diferenças de aceitação do método. Cerca de 53% do ECG foram anormais, com maior frequência quanto maior a idade (r2 = 0,8166), e com diferenças regionais também significantes (p < 0,0001).

CONCLUSÃO: Foi construído um sistema de análise dos dados integrando termos prevalentes, análise probabilística e dicionários especializados. O sistema tem atendido uma parcela significativa da população catarinense, principalmente idosos, da rede básica e de regiões remotas do estado.

Palavras-chave: Telemedicina; Eletrocardiografia/métodos; Idoso; Serviços de Saúde

Introdução

Cresce o uso da Telemedicina no envio e na interpretação de eletrocardiogramas (ECG)1-5. O crescimento é ainda maior na Telemedicina Assíncrona, em que se envia exames a um servidor para posterior análise e provimento de laudo por especialista. É considerada tecnologia de baixo custo, com economia de tempo e com potencial de salvar vidas,6 diminuindo a distância entre o cuidado primário e secundário7.

A Telecardiologia está mudando o cuidado primário de pacientes com doenças cardiovasculares em todo o mundo8. Essa metodologia de trabalho, quando associada a uma infraestrutura computacional e de telecomunicações adequada, auxilia o médico de família no manejo agudo e crônico das afecções cardíacas. Possibilita tanto o atendimento preferencial de pacientes de alto risco quanto diminui as internações desnecessárias. Isso desafoga o sistema de saúde e propicia melhor qualidade de vida aos usuários9,10.

Os exames podem ser realizados nos domicílios dos pacientes - especialmente interessante para indivíduos idosos11 ou auxiliar o diagnóstico ambulatorial de pacientes com arritmia, pela possibilidade de maior tempo de observação12; em ambulâncias, pode auxiliar a monitoração e tomada de decisões nos pacientes graves13,14 e propiciar atendimento de excelência em pacientes com cardiopatias graves descompensadas, mesmo quando o atendimento for realizado por paramédicos ou outros profissionais da saúde15.

Em países de grandes dimensões como o nosso, o método pode ser especialmente útil se agregado a outros - como monitoração de pulso, pressão arterial, saturação arterial e temperatura - especialmente em pacientes graves e em locais mais remotos16. A Telemedicina é uma tecnologia que começa a ser utilizada também no Brasil, mostrando-se de boa aceitabilidade17.

A despeito de todas as vantagens já apresentadas, sugere-se que há necessidade de maiores estudos sobre a Telecardiologia quanto a custos, impacto e perfil dos usuários atendidos18. Este estudo tem como objetivo apresentar a construção da forma de análise e o perfil do usuário que realizou ECG - a distância e de forma assíncrona - pelo Sistema Integrado Catarinense de Telemedicina e Telessaúde - STT/SC19-22, na fase em que os laudos eram emitidos de forma livre. Visa também demonstrar o perfil do usuário do sistema nessa fase do processo.

Métodos

O Portal de Telemedicina é uma ferramenta eletrônica de auxílio ao trabalho dos profissionais de saúde que necessitam visualizar e diagnosticar exames de imagens remotamente, e é parte integrante da infraestrutura tecnológica do STT/SC. Esse modelo permite a realização de telediagnósticos diretamente pela internet19-21.

O sistema do STT/SC atua como central de captação e emissão de laudos, administrada pela Gerência de Complexos Reguladores da Secretaria de Estado da Saúde - GECOR/SES/SC, interligada com mais de 400 instituições de saúde em 291 municípios de Santa Catarina. Ocorre uma integração de grandes hospitais estaduais com mais de 300 unidades básicas de saúde no interior do Estado, sendo o tráfego de dados entre os hospitais realizado de forma criptografada e segura por meio da Rede de Governo do Estado de Santa Catarina. O acesso a unidades básicas de saúde e a médicos, inclusive via aplicações para dispositivos móveis, é oferecida por meio de um ponto de convergência entre a internet e a Rede de Governo do estado, no Ponto de Presença - POP-SC. Ambas as formas de tráfego são realizadas via conexão segura com certificado digital nível 3 padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas - ICP-Brasil, alinhado às resoluções 1.643/02 e 1.821/07 do Conselho Federal de Medicina. Detalhes técnicos acerca de estrutura, tecnologias e modos de funcionamento do STT/SC podem ser encontrados em publicações anteriores do grupo20,21. Com o intuito de elevar o nível de segurança e oferecer adicionalmente garantias de tempestividade e irrefutabilidade aos exames gerados, tornando-os documentos eletrônicos juridicamente válidos e possuidores de carimbo de tempo, o sistema realiza também o protocolo digital de documentos eletrônicos dos dados de imagem e sinal de todo exame gerado e, posteriormente, mais uma vez da combinação texto de laudo-dados de exame22. Esse carimbo de tempo é realizado com protocolizadora digital de documentos eletrônicos (PDDE) que possui certificado digital padrão ICP-Brasil instalada em Sala Segura na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), alinhado aos procedimentos adotados, por exemplo, no Tribunal de Regional do Trabalho de Santa Catarina23. A protocolizadora digital garante que seja impossível protocolar um documento eletrônico de forma retroativa com relação ao tempo, ao número do protocolo e ao conteúdo do original.

Aos municípios foram fornecidos os equipamentos de captação dos eletrocardiogramas digitais, e a equipe de saúde foi treinada para manusear o sistema. Os exames de eletrocardiografia digital são realizados nos locais de origem, os exames emitidos para o portal que direciona os exames a uma equipe de cardiologistas, que emite o laudo. O laudo, por sua vez, pode ser acessado no local de origem para a conduta necessária pela equipe responsável pelo paciente.

A equipe de cardiologistas que emite os laudos é composta por profissionais com mais de 10 anos de prática em cardiologia, todos com residência em cardiologia e envolvidos com docência em programas de pós-graduação em cardiologia, stricto sensu (programas de pós-graduação da UFSC) ou lato sensu (residências em cardiologia em hospitais terciários).

Entre agosto de 2005 e agosto de 2010, foram realizados no STT/SC 243.363 exames de ECG por Telemedicina, e, nessa fase, os laudos foram emitidos na forma de escrita livre. Como havia inúmeras variantes de modelos de ECG, foi criado um método para recuperação dos laudos baseado em três etapas: entrevistas com os cardiologistas relacionados ao programa; o desenvolvimento de novas técnicas de extração da informação dos laudos médicos utilizando técnicas probabilísticas; e a composição de uma base de nomenclatura utilizando dicionários especializados com a geração das estatísticas resultantes durante a aplicação da metodologia concebida.

A primeira etapa consistiu em especificar o processo de composição de um laudo de ECG e definir o processo de classificação do achado. Para tal, quatro médicos cardiologistas contribuíram com o perfil metodológico ao redigir um laudo e mapear os termos e as sentenças mais recorrentes utilizados por cada um individualmente. Posteriormente, novas entrevistas com o mesmo grupo de médicos foram realizadas com o objetivo de catalogar as categorias em que os achados encontrados seriam distribuídos.

A segunda etapa consistiu em desenvolver uma ferramenta para recuperar as informações contidas na base de dados do STT/SC. Essa ferramenta utiliza técnicas de análise estatística para retornar o grau de similaridade de uma ou mais composições gramaticais24. Entre essas técnicas podemos destacar a distância Levenshtein, que utiliza o conceito matemático de matrizes para realizar operações de inserção, exclusão ou substituição de um único caractere nas expressões a serem comparadas, com o objetivo de transformar uma expressão em outra. Essa técnica compara duas expressões a fim de obter um grau de similaridade entre elas25.

A terceira etapa consistiu na composição de uma base de nomenclatura com dicionários especializados para ampliar o vocabulário nas pesquisas. Para tal, foram utilizados dicionários da língua portuguesa26, um dicionário composto a partir das Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Análise e Emissão de Laudos Eletrocardiográficos27, além do dicionário de descritores e sinônimos dos Descritores em Ciências da Saúde - DeCS28. A fim de aumentar a qualidade dos resultados, foi criado um dicionário específico de composições típicas utilizadas pelos médicos cardiologias usuários do STT/SC, concebido no processo de entrevistas da primeira etapa.

Para agregar as informações desses dicionários, thesauri e descritores, foi desenvolvido um mecanismo capaz de mesclar informações entre essas diversas fontes, gerando um único arquivo de sinônimos adequado à ferramenta desenvolvida.

Diversas variáveis independentes foram utilizadas para a descrição univariada dos exames realizados no período: idade, tipo de unidade de saúde, macrorregião de Santa Catarina, relação entre população e número de exames e relação entre população e número estimado de cardiologistas, segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia/Seção Santa Catarina29. Os laudos foram avaliados por um cardiologista experiente e categorizados com maior probabilidade de ser normal ou anormal.

Os dados contínuos não paramétricos foram descritos em mediana e intervalo interquartílico (IIC). Foram determinadas as frequências absolutas e percentuais, segundo características das variáveis. As associações entre as variáveis foram determinadas por meio de teste de qui-quadrado por tendência ou independência, segundo características dos dados; ou por correlação de Spearman quando pertinente.

Segundo consenso do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFSC, em julho de 2009, não houve necessidade de avaliação do projeto por serem dados secundários do STT/SC. Respeitou-se o Código de Ética Médica, a Declaração de Helsinki e a Resolução 196/96, especialmente relacionado à confidencialidade dos dados.

Resultados

Distribuição dos usuários dos exames de eletrocardiograma

Foram analisados laudos de 243.363 ECG. Destes, as idades variaram de 0 a 104 anos, com mediana das idades dos pacientes de 53 anos (intervalo interquartílico: 42 a 66 anos). A Tabela 1 mostra a distribuição dos pacientes, segundo idade, apresentando a maioria dos usuários (cerca de 58%) com mais de 50 anos. Quando comparada a distribuição das idades com a população residente média destes anos em Santa Catarina30, foi observada uma relação direta entre idade e solicitações de ECG (p por tendência < 0,0001, ao teste de qui-quadrado).

Foi avaliada a distribuição dos exames de ECG, segundo macrorregião de Santa Catarina, exibidos em porcentagem na Figura 1. Observou-se que a macrorregião do Vale do Itajaí concentrou o maior número de exames de ECG registrados na base de dados do STT/SC, com 29,68% do total, enquanto a macrorregião do Planalto Serrano apresentou a menor concentração de exames, com 3,39%. Quando analisa-se a relação entre a população e o número de exames, essa relação é maior na Grande Florianópolis e menor no Vale do Itajaí, o que é parcialmente explicado pela relação população/número de cardiologistas estimados para a macrorregião29, com r = -0,551 à correlação de Spearman e p = 0,1568, como apresentado na Tabela 2.


Também foram coletados dados em relação à instituição que realizou o exame e o tipo de atendimento recebido pelo paciente. Conceituou-se atenção primária como atendimentos em unidades básicas de saúde, atenção secundária como atendimentos feitos em policlínicas, pronto atendimentos e hospitais, excluindo instituições de Florianópolis, São José e Joinville. Os hospitais dessas cidades constituem atenção de nível terciário. A maioria dos exames foi realizada na atenção primária (72%), seguido de atenção secundária (22%), e apenas 6% dos exames foram realizados no nível terciário.

Distribuição dos diagnósticos de eletrocardiograma

Ao aplicar o método descrito de busca dos termos e classificação dos diagnósticos, obteve-se a distribuição de frequência descrita na Tabela 3, representado em dados absolutos. Um diagnóstico que contenha mais de um termo mapeado pelo sistema foi listado em mais de um diagnóstico.

Distribuição dos exames de eletrocardiogramas segundo critério de normalidade

Considerou-se 52,8% dos ECG como anormais. Observou-se forte correlação linear positiva entre idade e percentual de anormalidades encontradas ao ECG, (r2 = 0,8166, p = 0,0008, correlação de Spearman). A distribuição dos dados está apresentada na Tabela 4.

A relação entre macrorregiões de Santa Catarina e percentual de anormalidades encontradas ao ECG foi estatisticamente significante (p < 0,0001, qui-quadrado por independência), sendo maior na macrorregião Nordeste e menor, na Sul. Não se observou relação entre o percentual de anormalidades por macrorregião e a relação população/número de cardiologistas (r = -0,1479, p = 0,7266, correlação de Spearman). A distribuição dos dados está apresentada na Tabela 5.

Discussão

O presente estudo apresenta, pela primeira vez, a experiência do STT/SC, no tocante à realização e confecção de laudos de ECG. Mostrou que um número significativo de usuários catarinenses já utilizou o sistema, principalmente pacientes com mais de 50 anos, de regiões distantes dos hospitais terciários, e no atendimento primário. A maioria dos exames apresentou anormalidades nos seus laudos, mais frequente quanto maior a idade, e com distribuição espacial diferente, de forma estatisticamente significante. A relação entre a população da região e o número de cardiologistas só explicou fracamente o número de exames totais por macrorregião.

A solicitação mais frequente de ECG com o avançar da idade pode ser explicada pelo aumento da frequência de afecções cardiovasculares em pacientes mais velhos, além do consequente maior grau de suspeição nessa faixa etária31.

A distribuição de exames segundo macrorregião apresentou características muito peculiares, parcialmente explicadas pela relação entre a população da região e o número de cardiologistas, e parte pela distância dos hospitais terciários (macrorregiões da Grande Florianópolis e Nordeste). A macrorregião do Vale do Itajaí apresentou uma frequência alta e a do Planalto Serrano baixa, mesmo se considerados os dois aspectos previamente mencionados. Isso talvez se deva a fortes difusão e aceitação da ferramenta na primeira macrorregião, e fracas na segunda10. Há a necessidade de novos estudos para verificar essa hipótese.

A mais frequente realização dos exames no atendimento primário era esperada e faz cumprir os objetivos principais da ferramenta, que é aproximar a atenção primária da secundária ou terciária, desafogar o sistema e facilitar o atendimento de urgência de pacientes graves6-9,17.

Quando avaliada a possibilidade de anormalidade cardiovascular detectada pelo laudo de ECG, a maioria dos exames apresentou alguma alteração. Isso foi ainda mais significativo com o avançar da idade, chegando a mais de 3/4 nos pacientes com mais de 70 anos31; tais achados sugerem ainda algum grau de demanda reprimida ou de demora do grau de suspeição nesses pacientes, dado que também necessita de elucidação em estudos posteriores. Tal perfil de usuário - e possível demanda reprimida - também pode estar associado à maior frequência de bloqueio de ramo esquerdo encontrada na amostra; possivelmente pacientes mais graves e com insuficiência coronariana manifesta possam ser mais frequentes entre o grupo estudado do que na população geral.

Apesar de estatisticamente significante, não se encontrou explicação para as diferenças regionais quanto ao percentual de anormalidades encontradas nos laudos. Podem estar associados a diferenças de incidências de doenças cardiovasculares regionais, grau de suspeição de seus médicos, diferentes graus de acesso à atenção por região10, associações que devem também ser testadas posteriormente.

Limitações

Trata-se de um estudo retrospectivo sobre os usuários da Rede Catarinense de Telemedicina. Pelo caráter da amostra, não se propõe um estudo epidemiológico do estado, e sim uma amostra por conveniência, pois há diferentes graus de acessibilidade e motivação que determinaram a procura do sistema pelo usuário. Todas as análises de perfil são referentes especificamente aos usuários, no intervalo de tempo de observação descrito.

Também observamos, como limitação, a aproximação logística e probabilística necessária pela análise dos laudos redigidos de forma livre. Essa limitação foi corrigida em agosto de 2010, quando houve nova formatação do laudo utilizando fórmulas de acordo com o modelo de laudo estruturado no padrão DICOM Structured Reporting - DICOM SR32, um modelo originalmente sugerido para laudos em Radiologia pelo Colégio Americano de Radiologia. O modelo foi adaptado ao uso em Cardiologia por meio da elaboração de um vocabulário controlado segundo critérios e diagnósticos sugeridos pela Sociedade Brasileira de Cardiologia nas suas diretrizes.

E finalmente salientamos a dificuldade de determinação de associação entre os laudos, a história do usuário e seu seguimento, também corrigido em 2010 quando essas informações foram agregadas ao exame no sistema.

Conclusão

O sistema de "mineração" dos dados livres consistiu em mapeamento dos termos mais frequentes, associado a tratamento estatístico com base em grau de similaridade entre os termos, e padronização dos achados fundamentada em dicionários especializados.

A realização de ECG pelo STT/SC atende uma parcela significativa da população em todas as regiões de Santa Catarina, especialmente os pacientes com mais de 50 anos, nas regiões distantes dos centros cardiológicos de nível terciário, e na atenção básica. Há a necessidade de mais estudos - agora com um sistema mais preciso e otimizado de informações - a fim de elucidar de forma mais precisa as características clínicas dos pacientes e seu seguimento. Tal precisão propiciará a determinação mais acurada do impacto dessa ferramenta na saúde cardiovascular dos usuários.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi parcialmente financiado por CNPq e CAPES.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte da dissertação de mestrado de Cloves Langendorf Barcellos Junior pela Universidade Federal de Santa Catarina.

Artigo recebido em 16/11/11

Revisado em 21/11/11

Aceito em 31/07/12

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  • Correspondência:
    Isabela de Carlos Back Giuliano
    Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima
    CP:476, Trindade
    CEP 88040-900, Florianópolis, SC - Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Out 2012
    • Data do Fascículo
      Nov 2012

    Histórico

    • Recebido
      16 Nov 2011
    • Aceito
      31 Jul 2012
    • Revisado
      21 Nov 2011
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