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Fibrilação atrial e demência: resultados do São Paulo ageing & health study

Resumos

FUNDAMENTO: A fibrilação atrial é um fator de risco controverso para demência. OBJETIVO: O objetivo deste estudo é avaliar a associação entre fibrilação atrial e demência em participantes do São Paulo Ageing & Health. MÉTODOS: O São Paulo Ageing & Health é um estudo transversal, de base populacional, de idosos residentes em um uma região de baixa renda da cidade de São Paulo, Brasil. Diagnóstico de demência foi realizado de acordo com o protocolo do grupo 10/66, com base em critérios do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-IV). O diagnóstico de fibrilação atrial foi feito por eletrocardiograma de 12 derivações, avaliado por dois cardiologistas. Dados demográficos e de fatores de risco cardiovasculares também foram obtidos. RESULTADOS: A demência foi diagnosticada em 66 (4,3%) e fibrilação atrial em 36 (2,4%) de 1.524 participantes com um eletrocardiograma válido. A razão de chances bruta para demência em participantes com fibrilação atrial foi 2,8 (intervalo de confiança [IC] 95%: 1,0-8,1; p = 0,06) em comparação com indivíduos sem fibrilação atrial. Relação positiva foi encontrada em mulheres (RC 4,2; IC 95%: 1,2-15,1; p = 0,03). Após ajuste para idade, no entanto, essa associação tornou-se não significativa (RC 2,2, IC 95%: 0,6-8,9; p = 0,26). CONCLUSÃO: Não houve associação independente entre a fibrilação atrial e demência nessa amostra. A prevalência da fibrilação atrial pode ser baixa nesta população em virtude da mortalidade cardiovascular prematura.

Fibrilação atrial; doença cardiovascular; demência


BACKGROUND: Atrial fibrillation (AF) is a controversial risk factor for dementia. OBJECTIVE: The objective of this study was to assess the association between AF and dementia in the "Sao Paulo Ageing & Health" (SPAH) study participants. METHODS: SPAH is a cross-sectional, population-based study of elderly people living in a deprived neighborhood in Sao Paulo, Brazil. Dementia diagnosis was performed according to the 10/66 study group protocol based on Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV) criteria. Diagnosis of AF was made using a 12-lead electrocardiogram (ECG) recording, which was assessed by two cardiologists. Data on demographics and cardiovascular risk factors were also obtained. RESULTS: Dementia was diagnosed in 66 (4.3%) and AF in 36 (2.4%) of 1,524 participants with a valid ECG. The crude odds ratio (OR) for dementia in participants with AF was 2.8 (95% confidence interval [CI]: 1.0-8.1; p=0.06) compared with individuals without AF. When analyzing data according to sex, a positive relationship was found in women (OR 4.2; 95% CI: 1.24-15.1; p=0.03). After age-adjustment, however, this association was no longer significant (OR 2.2; 95% CI: 0.6-8.9; p=0.26). CONCLUSION: There was no independent association between AF and dementia in this sample. The prevalence of AF may be low in this population owing to premature cardiovascular death.

Atrial fibrillation; cardiovascular disease; dementia


Fibrilação atrial e demência: resultados do São Paulo ageing & health study

Liz Andrea Kawabata-YoshiharaI; Márcia ScazufcaII, III; Itamar de Souza SantosII; Aristarcho WhitakerI; Vitor Sérgio KawabataI; Isabela Martins BenseñorI, II; Paulo Rossi MenezesII; Paulo Andrade LotufoI, II

IHospital Universitário da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil

IIFaculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil

IIIHospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil

Correspondência Correspondência: Itamar de Souza Santos Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica Av. Prof. Lineu Prestes, 2565, Cidade Universitária CEP 05508-000, São Paulo, SP – Brasil E-mail: itamarss@usp.br, itamarss@gmail.com

RESUMO

FUNDAMENTO: A fibrilação atrial é um fator de risco controverso para demência.

OBJETIVO: O objetivo deste estudo é avaliar a associação entre fibrilação atrial e demência em participantes do São Paulo Ageing & Health.

MÉTODOS: O São Paulo Ageing & Health é um estudo transversal, de base populacional, de idosos residentes em um uma região de baixa renda da cidade de São Paulo, Brasil. Diagnóstico de demência foi realizado de acordo com o protocolo do grupo 10/66, com base em critérios do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-IV). O diagnóstico de fibrilação atrial foi feito por eletrocardiograma de 12 derivações, avaliado por dois cardiologistas. Dados demográficos e de fatores de risco cardiovasculares também foram obtidos.

RESULTADOS: A demência foi diagnosticada em 66 (4,3%) e fibrilação atrial em 36 (2,4%) de 1.524 participantes com um eletrocardiograma válido. A razão de chances bruta para demência em participantes com fibrilação atrial foi 2,8 (intervalo de confiança [IC] 95%: 1,0-8,1; p = 0,06) em comparação com indivíduos sem fibrilação atrial. Relação positiva foi encontrada em mulheres (RC 4,2; IC 95%: 1,2-15,1; p = 0,03). Após ajuste para idade, no entanto, essa associação tornou-se não significativa (RC 2,2, IC 95%: 0,6-8,9; p = 0,26).

CONCLUSÃO: Não houve associação independente entre a fibrilação atrial e demência nessa amostra. A prevalência da fibrilação atrial pode ser baixa nesta população em virtude da mortalidade cardiovascular prematura.

Palavras-chave: Fibrilação atrial; doença cardiovascular; demência.

Introdução

Estima-se que a maioria das pessoas com demência viva em países de baixa e média renda1, no entanto, há muito poucos dados sobre fatores de risco para demência nessas populações2.

O papel da fibrilação atrial (FA) como fator de risco para a demência é ainda objeto de intenso debate e resultados conflitantes. Pelo fato de a demência poder ser de origem vascular (mesmo na ausência de acidente vascular cerebral documentado), alguns estudos avaliaram um possível papel de FA no desenvolvimento de demência. O estudo Rotterdam3 mostrou uma associação entre FA e risco de demência e/ou pior função cognitiva, com um risco relativo (RR) de 2,3 e intervalo de confiança de 95% (IC95%) de 1,4-3,7. Tilvis et al. encontraram uma associação positiva entre a FA e declínio cognitivo em uma amostra populacional de 650 indivíduos com 75 anos ou mais depois de 5 anos (mas não depois de 10 anos) de seguimento4. Forti et al.5, estudando indivíduos com distúrbio cognitivo leve (DCL), encontraram uma taxa de conversão para demência de 10,5/100 pessoas-ano. A presença de FA nesse estudo foi associada com um risco 4,6 vezes maior de evolução para demência (IC95%: 1,7-12,5).

Por outro lado, Park et al. não encontraram diferenças na função cognitiva de indivíduos com FA e 60 anos de idade ou mais no estudo Cognition and Atrial Fibrillation Evaluation (Cafe), seja na entrada do estudo6 ou após três anos de seguimento.7 O estudo Vantaa 85+[8] incluiu residentes com 85 anos ou mais velhos (n = 553) e não encontrou nenhuma diferença na frequência de demência em indivíduos com e sem FA no início do estudo (41,0% versus 38,1%)8. Da mesma forma, não houve diferença na incidência de demência em indivíduos com FA após um seguimento médio de 3,5 anos.

Os dados sobre o tema são, portanto, conflitantes na literatura. Apesar de recente publicação sobre a prevalência de FA em idosos9, não há informações sobre a associação entre FA e demência na população brasileira. O objetivo deste estudo foi avaliar uma possível associação entre a FA e demência em uma população de idosos residentes em um bairro de baixa renda na área metropolitana da cidade de São Paulo.

Métodos

O São Paulo Ageing & Health Study (SPAH) consistiu em uma primeira fase de coorte transversal, com base populacional, realizada com todos os residentes de uma área de baixo nível socioeconômico em São Paulo, Brasil, com 65 anos ou mais. O principal objetivo do SPAH foi avaliar a prevalência de demência, como parte de um programa de colaboração desenvolvido pelo 10/66 Dementia Research Group. O protocolo do estudo está detalhado em outros artigos10,11. Um subestudo abordando os padrões de eletrocardiograma (ECG) nessa população foi publicado anteriormente9.

População e amostra

SPAH focou em todos os residentes com 65 anos ou mais moradores de 66 setores censitários (menores áreas administrativas) no bairro do Butantã. Os setores selecionados eram aqueles com pior nível socioeconômico da área, incluindo favelas. A estratégia de identificação e recrutamento foi feita com visitas casa a casa a todas as famílias. A elegibilidade foi baseada exclusivamente na idade do indivíduo no momento do recrutamento. Com exceção dos indivíduos institucionalizados que não foram incluídos, todos foram convidados a participar do estudo. Os moradores de todos os setores censitários que preenchiam os critérios de inclusão para o estudo foram convidados a participar.

Dos 2.266 participantes elegíveis com 65 anos ou mais, 2.072 (91,4%) consentiram em participar e foram avaliados para demência por profissionais especialistas em saúde mental. A investigação de alterações no ECG começou quando o recrutamento do SPAH já estava em andamento. Para minimizar a influência do tempo decorrido desde o início da coleta de dados e gravação de ECG, indivíduos nos quais uma gravação de ECG não foi obtida até um ano após a inclusão SPAH foram excluídos da análise. As razões para a exclusão são mostradas na Figura 1. Casos excluídos da análise não diferiram significativamente daqueles com ECG válido de acordo com idade, sexo ou raça.


Protocolo SPAH

Os indivíduos que concordaram em participar foram convidados para uma entrevista de 90 minutos realizada no domicílio dos participantes cerca de uma semana após o recrutamento por oito trabalhadores de saúde mental treinados. Para cada participante, um informante também foi identificado10. Informações sobre raça, idade, escolaridade, estado socioeconômico, histórico médico, função cognitiva e funcionalidade foram coletadas usando um questionário padronizado. Um auxiliar de enfermagem realizava, em domicílio, as avaliações antropométricas e de pressão arterial de 2 a 15 dias após a entrevista de avaliação. Uma amostra de sangue venoso era obtida em jejum.

Diagnóstico de demência

O diagnóstico de demência foi fundamentado nos critérios do DSM-IV12. A presença de demência foi avaliada com um instrumento diagnóstico desenvolvido pelo 10/66 Dementia Research Group e validado para uso em estudos de base populacional em países com baixa e média renda13. Informações sobre comprometimento cognitivo, com uma avaliação detalhada do início e da evolução da síndrome demencial, foram coletadas dos participantes e seus informantes. As ferramentas de diagnóstico aplicadas ao participante incluíram o Community Screening Interveiw for Dementia (CSI-D)14, uma versão modificada da tarefa de aprendizagem de dez palavras com evocação tardia e da tarefa de fluência verbal de nomeação animal do Consortium to Establish a Registry for Alzheimer's Disease (CERAD)15, uma versão voltada para aplicação comunitária do Geriatric Mental State (GMS), uma entrevista semiestruturada clínica para avaliação do estado mental16,17 e uma avaliação neurológica estruturada para verificar a presença de sinais de lateralização, parkinsonismo, ataxia, apraxia, e reflexos primitivos. A entrevista com informantes constou de perguntas sobre o desempenho funcional e cognitivo do participante fundamentado no CSI-D e um breve histórico do funcionamento e declínio cognitivo do participante com base no History and Aetiology Schedule Dementia Diagnosis and Subtype (HAS-DDS)18, aplicada quando o CSI-D apontava para a presença de disfunção. O HAS-DDS também foi utilizado para definir os subtipos de demência, tais como a doença de Alzheimer, demência vascular ou demência mista. Esta última era definida como a presença de características de ambos os subtipos anteriores ou história de parkinsonismo.

Diagnóstico de fibrilação atrial

O eletrocardiograma de repouso de 12 derivações foi obtido em domicílio. Os registros foram analisados de forma independente por dois cardiologistas (AW e VSK), utilizando o código de Minnesota. Houve concordância no diagnóstico dos ECGs em 92,9% dos casos. Nos casos de discordância, uma nova análise era feita por ambos. Em todos os casos foi alcançado consenso.

Outras variáveis

As variáveis idade, grau de escolaridade e renda mensal foram categorizadas para análise. Hipertensão arterial foi definida como história médica positiva para hipertensão arterial, tratamento atual para hipertensão arterial, ou pressão arterial sistólica > 140 mmHg e/ou pressão arterial diastólica > 90 mmHg na visita do estudo. Diabetes mellitus foi definida como história médica positiva para diabetes, uso atual de insulina ou hipoglicemiante oral, ou um nível de glicemia de jejum > 126 mg / dl.

Considerações éticas

O estudo foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário e todos os participantes assinaram documento de consentimento informado. Nos casos em que eles eram incapazes de fornecer consentimento por incapacidades físicas ou mentais, era obtida uma versão do consentimento assinada pelo informante. Quando o participante era analfabeto, a folha de informação e respectivo consentimento eram lidos em voz alta e adquiria-se um consentimento verbal testemunhado.

Análise estatística

Foi realizada dupla entrada de dados, usando o programa Epidata 3.0, com validação para identificar e corrigir erros de digitação. Os dados foram analisados utilizando o programa SPSS 16.0. Qui-quadrado de Pearson e teste exato de Fisher, conforme apropriado, foram utilizados para comparar variáveis categóricas. Também foi realizada regressão logística binária para avaliar a relação entre a presença de FA e o diagnóstico de demência (todos os tipos), doença de Alzheimer e demência vascular. Foram utilizados três modelos de inclusão para essas análises. No Modelo 1, todos os participantes com ECG válidos foram incluídos. No Modelo 2, foram excluídos os indivíduos sem FA no ECG, mas que estavam em uso de amiodarona e/ou varfarina uma vez que estas podem ser evidências de fibrilação atrial paroxística. No Modelo 3, consideramos o subgrupo de participantes que recebem amiodarona e/ou varfarina como indivíduos com FA. Os dados foram analisados inicialmente sem ajuste e, após, ajustados para idade. São apresentadas as estimativas pontuais e seus respectivos IC95%. P-valores inferiores a 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.

Resultados

Foram obtidos registros eletrocardiográficos válidos de 1.524 (73,6%) indivíduos. A Tabela 1 mostra as características de entrada dos participantes SPAH com ECG válido. A FA foi encontrada em 37 (2,4%) deles, sendo 19/603 (3,2%) homens e 18/921 (2,0%) mulheres. Os indivíduos com FA eram mais velhos do que aqueles sem FA (média de idade 77,7 ± 7,9 anos versus 72,1 ± 6,2 anos, p < 0,01). Dos indivíduos com FA, 19 (51,4%) receberam terapia antiplaquetária ou anticoagulante: 10 (27,0%) receberam aspirina, 8 (21,6%) receberam varfarina e 1 (2,7%) recebeu ticlopidina. Quinze (40,5%) indivíduos receberam medicações utilizadas comumente para controle do ritmo ou de frequência na FA. Oito (21,6%) receberam digoxina, 3 (8,1%) receberam betabloqueadores, 2 (5,4%) receberam amiodarona, 1 (2,7%) recebeu bloqueadores do canal de cálcio, e 1 (2,7%) recebeu betabloqueadores e bloqueadores dos canais de cálcio.

Dentre os sujeitos com ECG avaliado, 66 (4,3%) tinham um diagnóstico de demência – 44 de 921 eram mulheres (4,8%) e 22 de 603 eram homens (3,6%). Neste estudo ancilar, 25 (37,9%) dos indivíduos tinham doença de Alzheimer, 25 (37,9%) tinham demência vascular e 16 (24,2%) tinham demência mista. A Tabela 2 mostra a razão de chances (bruta e ajustada por idade) para demência (todos os subtipos), doença de Alzheimer e demência vascular comparando indivíduos com e sem FA (Modelo 1). Os dados são estratificados por sexo. Ao serem excluídos os participantes que não apresentaram FA na gravação do ECG, mas que utilizavam amiodarona e/ou varfarina (Modelo 2) no momento da avaliação, os resultados não se alteraram. Quando consideramos os participantes em uso de amiodarona e/ou varfarina no tratamento como indivíduos com FA (Modelo 3), nenhuma relação alcançou significância estatística.

Discussão

FA e demência são doenças crônicas associadas à alta morbidade, mortalidade e incapacitação19-21. Em nosso estudo, encontramos uma associação entre FA e demência em mulheres, porém essa associação desapareceu após ajuste para idade, sugerindo que não há relação independente entre essas duas condições. Nenhuma associação foi encontrada para os homens ou ao serem analisados os subtipos de demência.

É difícil estabelecer comparações diretas entre os estudos que abordam a relação entre a FA e demência em virtude de diferenças metodológicas. Um dos principais entraves é o fato de que os instrumentos utilizados para diagnosticar a demência e/ou comprometimento cognitivo variam muito. Em populações de baixa renda, as diferenças educacionais e culturais também podem influenciar os resultados22. Neste estudo, de base populacional, foi utilizado um algoritmo composto por várias ferramentas de diagnóstico, com base em critérios do DSM-IV e corroborado por estudos anteriores13, desenvolvido e validado especificamente para o diagnóstico de demência em populações de baixa e média renda.

Uma vez que este é um tema de debate na literatura médica, e dados de estudos anteriores levaram a conclusões conflitantes, é importante apontar as razões que podem ser responsáveis por nossos resultados negativos e os resultados positivos de outros grupos. Em primeiro lugar, este é um estudo de base populacional. Alguns autores encontraram um resultado positivo em amostras de indivíduos com distúrbio cognitivo leve5,23. Numa amostra com essas características, uma maior conversão para demência é esperada, favorecendo resultados positivos. Além disso, supondo que uma relação verdadeira entre FA e demência exista apenas em um subgrupo de indivíduos, esta abordagem pode "selecionar" indivíduos nos quais esse processo já começou, o que também favorece um resultado positivo. Estender esses achados a toda a população pode levar a conclusões equivocadas.

Nossos resultados contrastam com os resultados do estudo Rotterdam3, que incluiu indivíduos mais jovens (eram incluídos a partir de 55 anos). Os resultados apontaram para uma forte associação entre a FA e demência em indivíduos mais jovens (idade < 75 anos). Essa é uma possível explicação para as diferenças observadas em seu estudo comparado com o nosso. Com o avanço da idade, outros mecanismos de doença podem se tornar proeminentes e, com isso, enfraquecer uma associação com FA. Em uma amostra de baixa renda, como no presente estudo, também é esperado que um viés de sobrevivência em virtude de mortes prematuras, por todas as causas24 ou por doença cardiovascular25. Isso pode ser pelo menos parcialmente responsável pelas menores taxas de FA observada em nosso estudo (prevalência de 2,0% em mulheres e 3,2% em homens), comparado ao Cardiovascular Health Study (4,8% em mulheres e 6,2% em homens)26 e o Rotterdam Study (7,5% em mulheres e 9,7% em homens)27. Essa menor prevalência pode dificultar a observação de uma associação entre FA e demência.

Nosso estudo tem algumas limitações. O pequeno número de indivíduos com FA e demência concomitante prejudica a análise por subtipos. Um estudo transversal não é suficiente para estabelecer uma relação causal entre duas condições. No entanto, a ausência de associação nesse tipo de estudo indica que uma relação causal realmente não existe. O registro único de ECG, utilizado para o diagnóstico de FA, não permite o diagnóstico acurado de FA paroxística e não identifica indivíduos tratados com sucesso com as estratégias de tratamento por controle de ritmo. No entanto, a exclusão dos participantes com ritmo sinusal normal que estavam recebendo tratamento potencialmente dirigida a FA paroxística (Modelo 2), bem como considerá-los como pacientes com FA (Modelo 3), não alterou significativamente os resultados.

Conclusão

Concluindo, nosso estudo não encontrou uma associação independente entre a FA e demência em uma amostra de base populacional vivendo em uma área de baixa renda em São Paulo, Brasil. A prevalência da FA pode ser baixa nesta população devido à morte prematura, em especial por doença cardiovascular.

Agradecimentos

Este estudo foi financiado pelo Wellcome Trust e pela FAPESP (Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi financiado por FAPESP e Wellcome Trust.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de doutorado de Liz Andrea Kawabata-Yoshihara pela Faculdade de Medicina da USP.

Artigo recebido em 10/04/12

revisado em 12/04/12

aceito em 01/08/12

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  • Correspondência:
    Itamar de Souza Santos
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    Av. Prof. Lineu Prestes, 2565, Cidade Universitária
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Nov 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      10 Abr 2012
    • Aceito
      01 Ago 2012
    • Revisado
      12 Abr 2012
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