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Efeitos da atorvastatina e do polimorfismo T-786C do gene eNOS sobre parâmetros do metabolismo lipídico plasmático

Resumos

FUNDAMENTO: A atividade do óxido nítrico sintase endotelial (eNOS) pode ser modulada pelo colesterol da lipoproteína de alta densidade (HDL-C), estatinas ou polimorfismos, como o T-786C de eNOS. OBJETIVO: Este estudo teve como objetivo avaliar se o polimorfismo T-786C está associado a alterações nos efeitos da atorvastatina no perfil lipídico, nas concentrações de metabólitos de óxido nítrico (NO) e da proteína C reativa de alta sensibilidade (PCR-as). MÉTODOS: Trinta voluntários do sexo masculino, assintomáticos, com idade entre 18-56 anos foram genotipados e classificados de acordo com a ausência (TT, n = 15) ou presença (CC, n = 15) do polimorfismo. Eles foram selecionados aleatoriamente para a utilização de placebo e atorvastatina (10 mg/dia por 14 dias). Após cada tratamento foram medidos lípides, lipoproteínas, frações HDL2 e HDL3, atividade da proteína de transferência de colesteril éster (CETP), metabólitos de NO e PCR-as. RESULTADOS: As comparações entre genótipos após a administração de placebo mostraram aumento da atividade da CETP polimorfismo-dependente (TT, 12 ± 7; CC, 22 ± 12, p < 0,05). As análises da interação entre os tratamentos indicaram que a atorvastatina tem efeito sobre colesterol, LDL, nitrito e razões lípides/proteínas (HDL2 e HDL3) (p < 0,001) em ambos os genótipos. É interessante notar as interações genótipo/droga sobre a CETP (p < 0,07) e a lipoproteína (a) [Lp(a)] (p < 0,056), levando a uma diminuição limítrofe da CETP, embora sem afetar a Lp(a). A PRC-as não mostrou alterações. CONCLUSÃO: Os resultados sugerem que o tratamento com estatinas pode ser relevante para a prevenção primária da aterosclerose em pacientes com o polimorfismo T-786C do eNOS, considerando os efeitos no metabolismo lipídico.

Metabolismo dos Lipídeos; Polimorfismo Genético; Reguladores do Metabolismo de Lipídeos; Óxido Nítrico; Proteína C


BACKGROUND: Endothelial nitric oxide synthase (eNOS) activity may be modulated by high-density lipoprotein cholesterol (HDL-C), statins or polymorphisms, such as the T-786C of eNOS. OBJECTIVE: This study aimed at evaluating if the T-786C polymorphism is associated with changes of atorvastatin effects on the lipid profile, on the concentrations of metabolites of nitric oxide (NO) and of high sensitivity C-reactive protein (hsCRP). METHODS: Thirty male volunteers, asymptomatic, aged between 18 and 56 years were genotyped and classified according to absence (TT, n = 15) or presence (CC, n = 15) of the polymorphism. They were randomly selected for the use of placebo or atorvastatin (10 mg/day/14 days). After each treatment lipids, lipoproteins, HDL2 and HDL3 composition, cholesteryl ester transfer protein (CETP) activity, metabolites of NO and hsCRP were evaluated. RESULTS: The comparisons between genotypes after placebo showed an increase in CETP activity in a polymorphism-dependent way (TT, 12±7; CC, 22±12; p < 0.05). The interaction analyses between treatments indicated that atorvastatin has an effect on cholesterol, LDL, nitrite and lipid-protein ratios (HDL2 and HDL3) (p < 0.001) in both genotypes. Interestingly, we observed genotype/drug interactions on CETP (p < 0.07) and lipoprotein (a) (Lp(a)) (p < 0.056), leading to a borderline decrease in CETP, but with no effect on Lp(a). HsCRP showed no alteration. CONCLUSION: These results suggest that statin treatment may be relevant for primary prevention of atherosclerosis in patients with the T-786C polymorphism of eNOS, considering the effects on lipid metabolism.

Lipid Metabolism; Polymorphism, Genetic; Lipid Regulating Agents; Nitric Oxide; Protein C


Efeitos da atorvastatina e do polimorfismo T-786C do gene eNOS sobre parâmetros do metabolismo lipídico plasmático

Vanessa Helena de Souza ZagoI; José Eduardo Tanus dos SantosII; Mirian Regina Gardin DanelonI; Roger Marcelo Mesquita da SilvaI; Natália Baratella PanzoldoI; Eliane Soler ParraI; Fernanda AlexandreI; Vítor Wilson de Moura VirgínioI; Eder Carlos Rocha QuintãoIII; Eliana Cotta de FariaI

IDepartamento de Patologia Clínica – Laboratório de Lípides, Núcleo de Medicina e Cirurgia Experimental – Faculdade de Ciências Médicas – Universidade Estadual de Campinas; Campinas, SP

IIDepartamento de Farmacologia - Faculdade de Ciências Médicas – Universidade de São Paulo; Ribeirão Preto, SP

IIILaboratório de Lípides (LIM10) – Faculdade de Ciências Médicas – Universidade de São Paulo; São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Eliana Cotta de Faria Rua Tessália Vieira Camargo, 126 - Cidade Universitária 13083-887 – Campinas, SP, Brasil E-mail: cotta@fcm.unicamp.br, cottadefaria@gmail.com

RESUMO

FUNDAMENTO: A atividade do óxido nítrico sintase endotelial (eNOS) pode ser modulada pelo colesterol da lipoproteína de alta densidade (HDL-C), estatinas ou polimorfismos, como o T-786C de eNOS.

OBJETIVO: Este estudo teve como objetivo avaliar se o polimorfismo T-786C está associado a alterações nos efeitos da atorvastatina no perfil lipídico, nas concentrações de metabólitos de óxido nítrico (NO) e da proteína C reativa de alta sensibilidade (PCR-as).

MÉTODOS: Trinta voluntários do sexo masculino, assintomáticos, com idade entre 18-56 anos foram genotipados e classificados de acordo com a ausência (TT, n = 15) ou presença (CC, n = 15) do polimorfismo. Eles foram selecionados aleatoriamente para a utilização de placebo e atorvastatina (10 mg/dia por 14 dias). Após cada tratamento foram medidos lípides, lipoproteínas, frações HDL2 e HDL3, atividade da proteína de transferência de colesteril éster (CETP), metabólitos de NO e PCR-as.

RESULTADOS: As comparações entre genótipos após a administração de placebo mostraram aumento da atividade da CETP polimorfismo-dependente (TT, 12 ± 7; CC, 22 ± 12, p < 0,05). As análises da interação entre os tratamentos indicaram que a atorvastatina tem efeito sobre colesterol, LDL, nitrito e razões lípides/proteínas (HDL2 e HDL3) (p < 0,001) em ambos os genótipos. É interessante notar as interações genótipo/droga sobre a CETP (p < 0,07) e a lipoproteína (a) [Lp(a)] (p < 0,056), levando a uma diminuição limítrofe da CETP, embora sem afetar a Lp(a). A PRC-as não mostrou alterações.

CONCLUSÃO: Os resultados sugerem que o tratamento com estatinas pode ser relevante para a prevenção primária da aterosclerose em pacientes com o polimorfismo T-786C do eNOS, considerando os efeitos no metabolismo lipídico.

Palavras-chave: Metabolismo dos Lipídeos, Polimorfismo Genético, Reguladores do Metabolismo de Lipídeos, Óxido Nítrico, Proteína C.

Introdução

O endotélio vascular é um sistema complexo, integrado por diversos mediadores químicos. Entre eles, o óxido nítrico se destaca por ser um potente vasodilatador, entre outros efeitos benéficos1,2. Sua síntese depende da atividade do óxido nítrico sintase endotelial (eNOS)3, que, na membrana plasmática e na cavéola, é modulada principalmente pela tensão de cisalhamento laminar e pela presença de agonistas na superfície da célula4.

No entanto, os mecanismos transcricionais e pós-transcricionais também estão envolvidos5,6. Por exemplo, a lipoproteína de alta densidade (HDL) pode mediar a ativação da eNOS através da interação com a apolipoproteína AI e o receptor sequestrante de classe B de tipo I (SR-BI)7, caracterizando, em parte, a atividade de vasodilatação dessa lipoproteína8.

Além disso, a presença de polimorfismos no gene eNOS pode explicar os diferentes níveis de atividade enzimática, que podem ser associados com o aumento do risco cardiovascular9. O promotor do polimorfismo T-786C é o caso mais extensivamente estudado, no qual a presença do alelo C diminui em cerca de 50% a atividade transcricional10, provavelmente o resultado da ligação da proteína repressora RPA1 à região promotora quando esse alelo está presente11. Ao reduzir a atividade enzimática, o alelo C tem sido associado a diminuição da produção de NO9,10, aumento da disfunção endotelial e doenças cardiovasculares12,13.

As estatinas têm efeitos pleiotrópicos conhecidos, que incluem a regulação da função endotelial reduzindo o estresse oxidativo e a trombogenicidade14. Além disso, são responsáveis pela inibição da proteína Rho e a expressão aumentada de eNOS, além da ativação pós-transcricional da via PI3K/AKT15.

Dada a importância tanto da expressão e atividade de eNOS como da presença de partículas de HDL para a função endotelial e a existência de efeitos pleiotrópicos das estatinas sobre essas duas variáveis, este estudo tem por objetivo determinar se a presença do polimorfismo T-786C e o uso de atorvastatina resulta em interações com alterações metabólicas em lípides, metabólitos de NO e PCR-as.

Métodos

Este estudo foi desenvolvido em parceria entre o Departamento de Farmacologia (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP) e o Departamento de Patologia Clínica (Faculdade de Ciências Médicas – Unicamp), e foi aprovado pelo comitê de ética dessas instituições. Todos os voluntários foram informados sobre a pesquisa e assinaram o termo de consentimento livre e informado.

O número de indivíduos incluídos no estudo foi estimado para permitir um poder estatístico de 80% (β < 0,20; α < 0,05) para detectar diferenças de 30% ou mais entre os dois grupos de genótipos (TT e CC). De acordo com a frequência estimada de genótipos TT (49%) e CC (9%)10,16-18, 200 voluntários do sexo masculino foram selecionados na população local (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil), com idades entre 18-56 anos; eles também eram assintomáticos, caucasianos, não fumantes e não usuários de qualquer medicação. Voluntários do sexo feminino e fumantes foram excluídos.

Esses voluntários foram genotipados para a presença do polimorfismo T-786C do gene eNOS e, para o presente estudo, foram selecionados 15 com o genótipo TT e 15 com o genótipo CC, pareados por idade e pelo índice de massa corporal. Eles se submeteram a um exame clínico minucioso e a testes de laboratório, tendo fornecido um histórico completo de saúde.

O desenho do estudo foi monocego e controlado por placebo. Voluntários com genótipo CC ou TT receberam placebo durante 14 dias, seguido de um tratamento posterior de 14 dias com atorvastatina (Lipitor®, Pfizer, Brasil) na dose de 10 mg/dia, via oral. As amostras de sangue foram colhidas após jejum de 12 horas em tubos contendo EDTA após ambos os tratamentos e foram armazenadas a –70 ºC até a análise.

Genotipagem para o polimorfismo T-786C

O DNA genômico foi extraído a partir de 1 mL de sangue total pelo método salting-out e armazenado a –20 ºC até a análise. As variantes genéticas do polimorfismo T-786C localizado na região 5′ do gene eNOS foram determinadas por amplificação através de reação em cadeia da polimerase, tal como descrito anteriormente16.

Os produtos amplificados foram digeridos com MspI a 37 ºC durante 4 horas, o que produziu fragmentos de 140 e 40 pb para o alelo selvagem (T) ou 90, 50 e 40 pb no caso do alelo polimórfico (C). Os fragmentos foram separados por eletroforese (gel de poliacrilamida a 12%) e visualizados por coloração com prata.

Medidas bioquímicas

Colesterol, triglicérides, ácidos graxos livres, fosfolípides, colesterol livre no plasma e subfrações de HDL foram quantificados através de métodos enzimático-colorimétricos no sistema automático Boehringer Mannheim-Roche Hitachi 917, usando reagentes comerciais da Roche (Mannheim, Alemanha) e Waco (Chemicals Waco, EUA). As proteínas foram determinadas pelo método do ácido bicinconínico.

Os ésteres de colesterol foram calculados pela fórmula (colesterol total – colesterol livre) × 1,67, e o LDL-C pela fórmula de Friedewald (colesterol LDL = CT – (HDL-C) – TG/2,2), enquanto o HDL-C foi calculado por métodos homogêneos diretos19.

As apolipoproteínas AI e B-100, e a lipoproteína (a), foram determinadas por nefelometria através de reações imunoquímicas em BNII/Marburg, utilizando reagentes de Dade-Behring (Mannheim, Alemanha).

HDL2 e HDL3 foram isoladas utilizando o método de microultracentrifugação20.

LDL-C/apoB-100 e triglicérides/HDL-C foram utilizados para determinar o tamanho estimado de LDL21, enquanto os índices de Castelli I e II foram usados para estimar o risco cardiovascular22.

Para determinar a porcentagem relativa de cada componente (lípides e proteínas) das frações HDL2 e HDL3 relacionada com o HDL total, foi usada a fórmula:

Componente * 100/componente HDL2 + HDL3.

A porcentagem relativa de cada componente, em cada subfração, foi determinada pela fórmula:

Componente HDL/massa total HDL * 100.

A atividade da CETP (%) foi determinada utilizando-se o método radiométrico exógeno23.

Os metabólitos do NO (nitrito/nitrato) foram detectados por ensaio de kit comercial (StressGen, Assay Designs, Inc.) de óxido nítrico (NO/NO). A variável NOx foi calculada como a soma das concentrações (µ mole/L) de nitrito e nitrato, e a razão nitrito/nitrato pela relação entre os dois analitos. Os valores de referência para NOx variam entre 11,5-76,4 µ mol/L24.

A proteína C reativa foi determinada por imunoturbidimetria em um método de elevada sensibilidade (PCR-as), usando o PCR Tina-quant (Latex) HS-Roche.

Análises estatísticas

O teste de Mann-Whitney foi utilizado para comparar as variáveis entre os dois grupos de genótipos e o uso de atorvastatina e placebo nos mesmos indivíduos. Análise de variância (ANOVA) para medidas repetidas foi utilizada, seguida pelo teste post-hoc de Tukey, teste de perfil por contrastes ou teste BOX-COX para múltiplas comparações e para detectar interações. O nível de significância para os testes estatísticos foi de 5% ou p < 0,05, e para os valores limítrofes, 5-9% (p > 0,05 e < 0,09).

Este estudo foi parcialmente financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), São Paulo, Brasil, e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Brasil. Nenhum financiamento externo adicional foi recebido para este estudo.

Resultados

Os dados basais bioquímicos e antropométricos (média ± DP) obtidos durante o período de seleção nos genótipos TT e CC foram, respectivamente: idade (anos) 27,6 ± 1,8/31,1 ± 2,1, pressão arterial sistólica (mmHg) 123 ± 3/130 ± 2, pressão arterial diastólica (mmHg) 80 ± 3/81 ± 2, índice de massa corporal (kg/m2) 23,9 ± 0,7/25,1 ± 0,7, colesterol total (mg/dL) 161 ± 10/160 ± 10, triglicérides (mg/dL) 103 ± 13/103 ± 2, HDL-C (mg/dL) 36 ± 2/35 ± 2, LDL-C (mg/dL) 104 ± 10/103 ± 9 e VLDL-C (mg/dL) 21 ± 3/21 ± 2.

Os parâmetros bioquímicos foram avaliados nos grupos TT e CC, após a administração de placebo e atorvastatina, e as diferenças são mostradas na Tabela 1.

Os efeitos benéficos da atorvastatina sobre os parâmetros do metabolismo lipídico foram independentes do genótipo; o mesmo padrão foi observado em relação aos metabólitos de NO. Os ácidos graxos livres foram menores no grupo CC após a atorvastatina em comparação com o grupo TT (Tabela 1).

A atividade da CETP foi significativamente maior no grupo CC após o placebo, mas depois da atorvastatina essa atividade teve um aumento limítrofe no grupo TT e uma redução, embora não significante, no grupo CC.

Foram determinadas as composições químicas de HDL2 após os tratamentos em ambos os genótipos. Não houve diferenças significativas em relação à composição de HDL2 entre TT e CC. No entanto, foram observadas diferenças significativas após a atorvastatina em ambos os genótipos, como o aumento do teor absoluto e relativo das proteínas, a massa total de lipoproteína, o teor absoluto de TAG e a menor proporção relativa da razão CE e lípides/proteínas (Tabela 2). Os mesmos parâmetros foram avaliados para HDL3, como mostrado na Tabela 3.

A subfração HDL3 não apresentou diferenças entre os genótipos TT e CC. Após a atorvastatina, tanto o TT como o CC mostraram aumento significativo na CE relativa, massa de proteínas (absoluta) e lípides, enquanto a razão lípides/proteínas e proteínas (relativa) foram menores.

A fim de medir as alterações induzidas pela atorvastatina em ambos os genótipos e as subfrações HDL2 e HDL3, avaliou-se a porcentagem pelo peso de cada componente após a administração de placebo e atorvastatina (Tabela 4).

Em relação à composição de HDL2, verificou-se que houve uma redução na porcentagem pelo peso de todos os compostos lipídicos dessa subfração e um aumento significativo de proteínas, independentemente do genótipo. A HDL3 mostrou diminuição dos triglicérides e aumento de proteínas, independentemente do genótipo (Tabela 4).

Os resultados significativos e limítrofes obtidos entre os genótipos TT e CC e entre os tratamentos são apresentados na Tabela 5, que também apresenta a análise da interação entre o polimorfismo e a atorvastatina.

O polimorfismo T-786C não foi responsável por qualquer alteração nos parâmetros estudados (Tabela 5). Em relação ao uso de placebo e atorvastatina, é mostrado um efeito claro das estatinas na redução de lípides, apolipoproteínas e nitrito. Ainda assim, houve modificações na HDL2 e HDL3, o que resultou na redução significativa das razões de lipídio/proteína de cada subfracção, com diferentes implicações metabólicas. Finalmente, demonstramos as interações limítrofes entre o polimorfismo e a atorvastatina para CETP e Lp(a).

Discussão

O polimorfismo T-786C do gene eNOS é funcionalmente caracterizado por uma redução da atividade promotora do gene, com consequente influência sobre a produção de NO11,25. Estudos recentes demonstraram que os indivíduos homozigóticos para esse polimorfismo têm sensibilidade reduzida à tensão de cisalhamento laminar26, bem como há aumento de marcadores inflamatórios séricos em pacientes com DAC27 estabelecida, aumento do risco de mortalidade e o desenvolvimento de disfunção renal quando submetidos a cirurgia cardíaca de emergência28.

Embora o efeito das estatinas sobre o genótipo CC tenha sido previamente avaliado, especialmente o efeito anti-inflamatório da atorvastatina25, ainda existem alguns pontos inexplorados, como o impacto da interação entre o polimorfismo e o medicamento no metabolismo lipídico e subfrações de HDL.

O nosso estudo demonstrou que a atorvastatina teve um efeito principalmente genótipo-independente, dadas as reduções nos lípides, razões lípides/proteína (HDL2 e HDL3), índice de Castelli I, ácidos graxos livres e maior tamanho estimado de LDL; esse efeito de redução de lípides está de acordo com estudos anteriores29,30.

Os genótipos TT e CC não foram diferentes em relação à composição química de HDL2 e HDL3; todas as alterações na composição foram determinadas pela atorvastatina. Na HDL2, observamos diminuição em todos os lípides, com aumento significativo nas proteínas. Essa descoberta sugere que a HDL2 tornou-se mais deslipidada, sem qualquer alteração no número de partículas. Além disso, houve enriquecimento de lipídios e proteínas na HDL3 – com a consequente diminuição da razão lipídio/proteína, o que aponta para um aumento do número de partículas da HDL3.

Esse conjunto de alterações sugere um aumento da atividade da lipase hepática, em contraste com estudos que mostram que a atorvastatina seria responsável pela diminuição de sua atividade31. Por outro lado, o aumento das partículas de HDL3 sugere que a atorvastatina promoveu a troca entre os lipídios neutros e as lipoproteínas e tornou as HDL2 enriquecidas em triglicérides, um substrato ideal para a formação de partículas de HDL332,33.

No nosso estudo, não foram observadas interações entre PCR-as e a atorvastatina, apesar da redução de 40% após o tratamento. Gensini e cols.34 demonstraram que o tratamento com atorvastatina, particularmente na dose de 80 mg/dia, reduz eficazmente os níveis plasmáticos de PCR-as, apesar da presença de síndrome metabólica ou diabetes melito.

Observamos que os metabólitos de NO diminuíram significativamente após o tratamento com atorvastatina; os mesmos resultados foram observados em pacientes com doença arterial periférica35. No entanto, a maioria dos estudos aponta para um aumento ou manutenção dos seus níveis36.

Foram observadas interações limítrofes entre atorvastatina e genótipo CC para CETP e Lp(a). A Lp(a), embora não tenha sido diferente entre os grupos, apresentou a tendência de aumentar no grupo CC após a atorvastatina. Além disso, estudos anteriores mostraram que a presença do polimorfismo T-786C em pacientes diabéticos é um fator de risco independente na redução da vasodilatação endotélio-dependente37.

É interessante notar que os voluntários CC mostravam uma atividade da CETP significativamente maior, que diminuiu, embora não significativamente, após o uso de estatina. Por outro lado, depois das estatinas, o grupo TT mostrou um aumento limítrofe. O aumento da atividade da CETP reduz a HDL e aumenta seu catabolismo pela lipase hepática38. Assim, o uso de atorvastatina "corrigiu" a condição inicial da CETP no grupo CC, uma vez que a atorvastatina foi capaz de reduzir a sua atividade15,31. Um estudo realizado na população chinesa mostrou que a presença de T-786C e Taq1B (um polimorfismo do gene CETP) é responsável pela maior predisposição à fibrilação atrial não valvular39, contribuindo para a possibilidade de existência de relações mais complexas entre essas duas variáveis, além do aumento da atividade de CETP.

No genótipo CC, foi demonstrada uma redução significativa de ácidos graxos livres após a utilização de atorvastatina, mas não houve nenhuma alteração no genótipo TT. Isso sugere que o polimorfismo pode ter efeito benéfico através de uma mobilização menor de ácidos graxos livres do tecido adiposo para o plasma e o fígado, facilitando o efeito supressor de estatinas nos ácidos graxos livres do plasma. Os mecanismos envolvidos não estão totalmente elucidados40.

Gostaríamos de comentar alguns pontos do estudo que poderiam ser considerados para estudos futuros, como o fato de que não foram avaliados os efeitos de outras doses de atorvastatina e/ou outras estatinas. Além disso, o estudo foi realizado somente em homens caucasianos saudáveis e em número relativamente pequeno de indivíduos, fato que pode ter limitado a capacidade para detectar diferenças entre os grupos estudados.

Conclusão

Estes resultados em conjunto indicam que o tratamento com estatinas pode ser relevante para a prevenção primária da aterosclerose em pacientes com o polimorfismo T-786C do gene eNOS, considerando os efeitos sobre o metabolismo lipídico.

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer à Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) pelo apoio financeiro para este trabalho.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi financiado pela FAPESP e CNPq.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Vanessa Helena de Souza Zago pela Faculdade de Ciências Médicas – Universidade Estadual de Campinas.

Artigo recebido em 22/05/12

revisado recebido em 17/09/12

aceito em 26/09/12.

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  • Correspondência:

    Eliana Cotta de Faria
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Jan 2013

    Histórico

    • Recebido
      22 Maio 2012
    • Aceito
      26 Set 2012
    • Revisado
      17 Set 2012
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