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Tumores cardíacos em criança: análise retrospectiva

Resumos

FUNDAMENTO: Avanço dos métodos não invasivos de imagem proporcionou o aumento no número de diagnóstico de tumores cardíacos. Apesar disso, a literatura apresenta poucos trabalhos envolvendo tumores cardíacos primários em crianças. OBJETIVO: Avaliar retrospectivamente casos de tumores cardíacos primários em crianças, considerando manifestações clínicas iniciais, exames utilizados para o diagnóstico, indicação cirúrgica, tipos histopatológicos encontrados e evolução pós-operatória imediata. MÉTODOS: O estudo foi retrospectivo, baseado na avaliação de prontuários no período de 1983 a 2011. Incluímos somente casos que foram orientados para tratamento cirúrgico no período. Avaliaram-se a idade na admissão, o diagnóstico pré-natal, a história familial, os sintomas iniciais e os resultados de exames realizados. Foram coletados, ainda, a data e indicação de cirurgia, os achados intraoperatórios, o resultado do exame histopatológico, assim como as complicações imediatas no pós-operatório. RESULTADOS: Dos 18 pacientes estudados, as manifestações clínicas mais encontradas foram dispneia e sopro cardíaco (7 e 6 pacientes, respectivamente); o método de complemento diagnóstico mais usado foi o ecocardiograma (18 pacientes); a obstrução cavitária ou do trato de entrada ou saída ventricular foi a principal indicação de cirurgia (12 casos); o perfil histológico mais encontrado foi rabdomioma (7 pacientes); a maioria dos pacientes apresentou boa evolução clínica. CONCLUSÃO: Neste estudo o diagnóstico por imagem foi basicamente ecocardiográfico, com boa correlação com os achados intraoperatórios. Os achados histopatológicos foram concordantes com a literatura, com o rabdomioma apresentando-se como o tumor mais comum em crianças. A evolução após tratamento cirúrgico mostrou-se favorável na maior parte dos casos.

Neoplasias Cardíacas; Estudos Retrospectivos; Ecocardiografia


BACKGROUND: The advancement of noninvasive imaging methods has resulted in the increase in diagnosis of heart neoplasms. However, the literature has few studies involving primary cardiac neoplasms in children. OBJECTIVE: To retrospectively review cases of primary heart neoplasms in children, considering the initial clinical manifestations, diagnostic tests used, surgical indication, histopathological types and immediate postoperative course. METHODS: The retrospective study was based on the assessment of medical records from 1983 to 2011. Only cases that were referred for surgical treatment during that period were included. Age at admission, prenatal diagnosis, family history, initial symptoms and the results of performed tests were assessed. Moreover, the date and indication of the surgery, intraoperative findings, the result of the histopathological analysis, as well as the immediate postoperative complications were recorded. RESULTS: Of the 18 patients studied, the most frequent clinical manifestations were dyspnea and heart murmur (7 and 6 patients, respectively); the most often used adjunct diagnostic method was echocardiography (18 patients); cavitary obstruction or ventricular inflow or outflow tract obstruction was the main indication for surgery (12 cases); the most common histological profile was rhabdomyoma (7 patients) and most patients showed good clinical outcome. CONCLUSIONS: In this study, imaging diagnosis was basically attained through echocardiography, with good correlation with intraoperative findings. Histopathological findings were consistent with the literature, with rhabdomyoma being the most common neoplasm in children. The evolution after surgical treatment was favorable in most cases.

Heart Neoplasms; Retrospective Studies; Echocardiography


ARTIGO ORIGINAL

Tumores cardíacos em criança: análise retrospectiva

Juliano Gomes Penha; Leina Zorzanelli; Antônio Augusto Barbosa-Lopes; Vera Demarchi Aiello; Vitor Oliveira Carvalho; Luiz Fernando Caneo; Arlindo de Almeida Riso; Carla Tanamati; Edimar Atik; Marcelo Biscegli Jatene

Unidade de Cirurgia Cardíaca Pediátrica do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP (InCor - HCFMUSP), São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Juliano Gomes Penha Serviço de Cirurgia Cardíaca Pediátrica, InCor , HCFMUSP Rua Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44, Bloco 2, 2º andar CEP 05403-900, São Paulo - SP, Brasil Email: juliano.penha@bol.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: Avanço dos métodos não invasivos de imagem proporcionou o aumento no número de diagnóstico de tumores cardíacos. Apesar disso, a literatura apresenta poucos trabalhos envolvendo tumores cardíacos primários em crianças. OBJETIVO: Avaliar retrospectivamente casos de tumores cardíacos primários em crianças, considerando manifestações clínicas iniciais, exames utilizados para o diagnóstico, indicação cirúrgica, tipos histopatológicos encontrados e evolução pós-operatória imediata.

MÉTODOS: O estudo foi retrospectivo, baseado na avaliação de prontuários no período de 1983 a 2011. Incluímos somente casos que foram orientados para tratamento cirúrgico no período. Avaliaram-se a idade na admissão, o diagnóstico pré-natal, a história familial, os sintomas iniciais e os resultados de exames realizados. Foram coletados, ainda, a data e indicação de cirurgia, os achados intraoperatórios, o resultado do exame histopatológico, assim como as complicações imediatas no pós-operatório.

RESULTADOS: Dos 18 pacientes estudados, as manifestações clínicas mais encontradas foram dispneia e sopro cardíaco (7 e 6 pacientes, respectivamente); o método de complemento diagnóstico mais usado foi o ecocardiograma (18 pacientes); a obstrução cavitária ou do trato de entrada ou saída ventricular foi a principal indicação de cirurgia (12 casos); o perfil histológico mais encontrado foi rabdomioma (7 pacientes); a maioria dos pacientes apresentou boa evolução clínica.

CONCLUSÃO: Neste estudo o diagnóstico por imagem foi basicamente ecocardiográfico, com boa correlação com os achados intraoperatórios. Os achados histopatológicos foram concordantes com a literatura, com o rabdomioma apresentando-se como o tumor mais comum em crianças. A evolução após tratamento cirúrgico mostrou-se favorável na maior parte dos casos.

Palavras-chave: Neoplasias Cardíacas / cirurgia, Estudos Retrospectivos, Ecocardiografia.

Introdução

Os tumores cardíacos podem ser primários ou metastáticos e foram primeiramente descritos no século XVI1. Entretanto, a primeira excisão de um tumor cardíaco foi realizada em 1936, quando Beck ressecou um teratoma que abrangia as camadas pericárdica e ventricular1. Em 1955, Crafoord realizou a primeira ressecção de tumor cardíaco com assistência da circulação extracorpórea, sendo esse o método mais utilizado desde então1.

Tumores cardíacos primários são raros, com uma incidência estimada entre 0,0017% e 0,19%2. Apesar disso, houve um aumento considerável no número de tumores cardíacos diagnosticados nos últimos quinze anos, especialmente pelo avanço dos métodos não invasivos de imagem3. Durante o período fetal, o diagnóstico tem sido relatado em torno de 0,14%4. As lesões benignas geralmente predominam, contribuindo com mais de 90% dos tumores na faixa etária pediátrica1. O rabdomioma é o tumor cardíaco mais encontrado no período fetal e infância, representando mais de 60% do total de tumores cardíacos primários pediátricos, sendo sua associação com a esclerose tuberosa já bem estabelecida, com incidência relatada entre 60% e 80% dos casos4.

A literatura apresenta poucos trabalhos envolvendo séries de casos sobre tumores cardíacos primários em crianças1, com o assunto tendo a maior parte de suas publicações sob a forma de relato de caso. A proposta deste trabalho foi avaliar retrospectivamente casos de tumores cardíacos primários em crianças, revisando, dessa forma, manifestações clínicas iniciais, exames utilizados para o diagnóstico, indicação cirúrgica, tipos histopatológicos encontrados e evolução pós-operatória imediata.

Métodos

O presente estudo incluiu pacientes com diagnóstico de tumores cardíacos primários em crianças com idade de até 18 anos, atendidos pela equipe de Cardiologia Pediátrica e Cirurgia Cardíaca Pediátrica, do Instituto do Coração, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. O estudo foi retrospectivo, baseado na avaliação de prontuários no período de 1983 a 2011. Incluímos somente casos que foram orientados para tratamento cirúrgico nesse período. Assim sendo, os pacientes portadores de tumores pequenos, sem repercussão clínica e de localização anatômica não relevante, não causando fenômenos obstrutivos e, portanto, que foram orientados para seguimento clínico apenas (exemplo, alguns rabdomiomas) não foram incluídos no presente estudo.

Foram avaliados a idade na admissão, o diagnóstico pré-natal, a história familial, os sintomas iniciais e os resultados de exames realizados (ecocardiograma, ressonância magnética, tomografia computadorizada e/ou cateterismo cardíaco). Foram ainda coletados a data e a indicação de cirurgia, os achados intraoperatórios, o resultado do exame histopatológico, assim como as complicações imediatas no pós-operatório. Os resultados são apresentados de forma descritiva, procurando-se estabelecer uma relação entre as observações diagnósticas pré-operatórias, os achados intraoperatórios e a avaliação histopatológica.

De uma maneira geral, a circulação extracorpórea foi realizada com canulação de aorta, duas cavas e clampeamento da aorta, a proteção miocárdica foi feita com solução de St. Thomas (2 mL da solução de St. Thomas para cada 100 mL de sangue, sendo infundido 20 mL/kg na primeira infusão; 1 mL para cada 100 mL de sangue, sendo 10 mL/kg a partir da segunda infusão, para crianças até 40 kg. Para os demais pacientes, 1 mL para cada 100 mL de sangue, sendo 10 mL / kg) e a via de acesso utilizada foi a esternotomia mediana.

Resultados

No período entre janeiro de 1983 e dezembro de 2011, 18 pacientes com diagnóstico de tumor cardíaco primário foram orientados para tratamento cirúrgico, em vista das características locais e/ou manifestações clínicas associadas. A idade dos pacientes, na ocasião da admissão, variou entre um dia a 12 anos e 4 meses, com mediana de 18 dias, e 78% dos pacientes apresentavam idade igual ou inferior a 5 meses. Dentre os 18 pacientes, 9 eram do sexo feminino. Os dados individuais encontram-se dispostos na tabela 1.

Em relação aos procedimentos cirúrgicos, realizaram-se ressecção total, ressecção parcial e biopsia do tumor, respectivamente em 8, 8 e 2 casos. Como procedimentos associados, houve biopsia pulmonar em um paciente, plastia da valva tricúspide em um, plastia da valva mitral em outro, e ligadura do canal arterial associada a atriosseptoplastia em 2 pacientes.

As manifestações clínicas encontradas foram: dispneia, sopro cardíaco, aumento da área cardíaca, arritmia e cianose, respectivamente em 7, 6, 3, 3 e 2 pacientes. Em 9 pacientes, a exteriorização se fez através de uma a três dessas manifestações. Em 8 pacientes, a suspeita foi aventada a partir de exame ecocardiográfico, com diagnóstico intraútero (fetal), em 5.

O diagnóstico por imagem foi feito em 18 pacientes através da ecocardiografia (Figuras 1, 2, 3 e 4), e em 6 houve complementação por exame tomográfico ou ressonância magnética. Em 2 pacientes, foi necessária a realização de cateterismo cardíaco para esclarecimento diagnóstico. Em 3 pacientes foi detectado envolvimento de artérias coronarianas, a saber, da artéria descendente anterior em 2 casos, um posteriormente diagnosticado como rabdomioma e outro como fibroma, e da artéria diagonal em outro caso diagnosticado como leiomioma.





Quanto ao número de tumores, foi observada multiplicidade em 5 pacientes, todos posteriormente diagnosticados como portadores de rabdomioma, e tumor único nos demais, havendo concordância em relação aos achados intraoperatórios em 15 casos. Quanto à localização, os ventrículos direito e esquerdo foram os locais mais acometidos (13 casos). Em 2 pacientes, a localização foi atrial esquerda; em 2, foi atrial direita, um deles com aderência tumoral à aorta ascendente, e o outro com comprometimento simultâneo do ventrículo direito. Em um dos pacientes, o tumor foi identificado junto à aorta ascendente apenas (Tabela 2).

A obstrução cavitária ou do trato de entrada ou saída ventricular foi o motivo responsável pela indicação de cirurgia em 12 casos. Outros dois apresentaram como indicação fenômeno obstrutivo associado a derrame pericárdico importante. Um paciente apresentou-se com derrame pericárdico e compressão de veia cava inferior; um outro, com arritmia associada a comprometimento coronariano.

A idade no momento do tratamento cirúrgico variou entre 5 dias e 12 anos e 4 meses, com mediana de 18 dias, e 78% dos pacientes apresentavam idade igual ou inferior a 7 meses. O tempo decorrido entre o diagnóstico e a cirurgia variou de horas a 109 dias, com mediana de 14 dias.

Os tumores foram posteriormente caracterizados do ponto de vista histopatológico como rabdomioma, fibroma, teratoma, mixoma e leiomioma (respectivamente em 7, 5, 3, 2 e 1 casos), conforme ilustrado nas figuras 1, 2, 3 e 4. A localização mais frequente foi ventricular, não havendo associação entre o tipo tumoral e o lado acometido. A localização foi atrial em 2 pacientes com mixoma, e 2 outros com teratoma. Em 2 casos de teratoma, foi observada aderência do tumor à aorta ascendente.

Como complicações relevantes no período pós-operatório imediato, houve bloqueio atrioventricular total em 3 pacientes, hipertensão arterial sistêmica de difícil controle em um, e síndrome de baixo débito em 3 outros: um deles apresentou quadro convulsivo e outro apresentou evolução fatal (fibroma, submetido a ressecção total). O segundo óbito ocorreu em sala operatória por falência ventricular, não tendo sido possível a retirada da circulação extracorpórea (paciente com rabdomioma, submetido a ressecção parcial). Dezesseis pacientes receberam alta hospitalar, 8 deles sem nenhum tipo de complicação no período pós-operatório.

Discussão

Mudanças na prática clínica e avanços nos métodos de imagem têm contribuído para o aumento do número de casos de tumores cardíacos primários diagnosticados em crianças. Neste trabalho foi observada a importância do diagnóstico diferencial de tumor cardíaco em pacientes pediátricos com sintomas cardíacos, muitas vezes inespecíficos. O diagnóstico por imagem foi basicamente ecocardiográfico, com boa correlação com os achados intraoperatórios. Os achados histopatológicos foram concordantes com a literatura, com o rabdomioma apresentando-se como o tumor mais comum em crianças. A evolução após tratamento cirúrgico mostrou-se favorável na maior parte dos casos.

Nos últimos anos, técnicas de imagens não invasivas têm sido utilizadas em substituição à angiografia para o diagnóstico de tumores cardíacos, sendo o ecocardiograma, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética os exames de escolha. Diversos estudos têm mostrado que, desde a introdução do ecocardiograma bidimensional, houve uma melhora significativa na precocidade do diagnóstico. Associa-se também a esse fato a maior experiência dos profissionais capacitados para a realização do exame ecocardiográfico no período pré-natal e em crianças. A ressonância magnética tem sido solicitada a fim de complementar os achados ecocardiográficos, como na diferenciação entre rabdomioma e fibroma (focos de calcificação e/ou degeneração cística, falando a favor de fibroma)2,3. Atualmente a angiografia é pouco utilizada, estando indicada em casos em que há suspeita de comprometimento coronariano ou quando existe dúvida no diagnóstico através de outros exames de imagem não invasivos5.

Os rabdomiomas podem ser únicos, mas em geral são multinodulares, localizando-se, na maior parte dos casos, dentro dos ventrículos. O ecocardiograma geralmente mostra múltiplas massas intramurais, com extensões intracavitárias2,6,7.

Os fibromas apresentam-se como tumores únicos e com localização preferencial no septo ventricular. Calcificações em sua porção central são patognomônicas do fibroma, refletindo o escasso suprimento sanguíneo para o tumor2,4,6.

Os mixomas são geralmente únicos, pediculados e aderidos à fossa oval, com localização no átrio esquerdo em 90% dos casos. Essa localização e esse tipo de aderência são sugestivos do diagnóstico2,4,6.

Os teratomas têm aspecto cístico e são multilobulados, sendo comumente encontrados no pericárdio ou aderidos aos grandes vasos da base6.

O diagnóstico pré-natal dos tumores cardíacos tem sido estimado em torno de 0,14% das gestações6. As alterações intrauterinas encontradas com maior frequência são: arritmia cardíaca, polidrâmnio, presença de massa única ou múltipla, derrame pericárdico, cardiomegalia, retardo de desenvolvimento intrauterino e hidropsia fetal. O rabdomioma é o tipo mais comum de tumor cardíaco identificado intraútero, sendo na maior parte das vezes um achado da ultrassonografia obstétrica de rotina. É importante enfatizar que o diagnóstico fetal do rabdomioma é mais comumente realizado após a 20ª semana de gestação, apresentando-se como múltiplas massas intracardíacas ou manifestando-se sob a forma de arritmias4,7.

Na série de Padalino e cols.6, 38% dos tumores cardíacos foram diagnosticados no período pré-natal. Beghetti e cols.3 apresentaram 56 pacientes com tumores cardíacos comprovados por método ecocardiográfico, e 12 foram diagnosticados intraútero.

Em nosso trabalho, o diagnóstico fetal foi realizado em 5 pacientes, sendo 4 deles confirmados posteriormente com rabdomiomas e um como fibroma.

Os sinais e sintomas dos tumores cardíacos são dependentes da sua localização e tamanho. Os tumores podem se manifestar por sintomas de obstrução ao fluxo cardíaco, falência miocárdica, arritmias, derrame pericárdico, embolização ou morte súbita2,6,8.

Nos rabdomiomas, as manifestações da esclerose tuberosa auxiliam na elucidação diagnóstica9,10. Alterações do ritmo cardíaco, incluindo a síndrome de Wolff-Parkinson-White, são manifestações típicas do rabdomioma9. As arritmias estão presentes em 16% a 47% dos casos de rabdomioma4. Segundo Fenoglio e cols.11, 78% das crianças com rabdomioma, sintomáticas e sem tratamento, evoluíram para óbito antes do primeiro ano de vida. Na vida fetal, as manifestações estão presentes sob a forma de arritmias, insuficiência cardíaca, hidropsia e morte fetal. Neste trabalho, os casos de rabdomioma apresentaram como manifestações sopro cardíaco, cianose, dispneia e arritmia.

Os mixomas geralmente manifestam-se através de obstrução ao fluxo cardíaco e processos embólicos. A liberação de êmbolos ocorre em 40% dos pacientes e são responsáveis por acidentes vasculares cerebrais definitivos ou transitórios. Artralgia, perda de peso e sudorese noturna são outros sintomas que podem ser encontrados. Alterações laboratoriais como anemia normocrômica, elevação da velocidade de hemossedimentação, da proteína C reativa e das globulinas, além da trombocitopenia, podem ocorrer nos mixomas2. Em nossa revisão, as manifestações clínicas iniciais dos mixomas foram cardiomegalia, dispneia e arritmia.

Os teratomas são tumores cardíacos primários raros. Tipicamente, têm como localização a base dos grandes vasos, sendo responsáveis por sinais de compressão extrínseca desses12. Constatamos em nosso levantamento a presença de dispneia, sopro cardíaco, cardiomegalia e cianose como sintomas pré-diagnóstico nos casos de teratoma. Havia aderência à aorta ascendente em 2 dos 3 casos de teratoma.

As indicações para a abordagem cirúrgica dos tumores incluem arritmia intratável, obstrução significante da via de entrada ou saída dos ventrículos, ou a evidência de embolização. Na ausência desses sintomas, a intervenção cirúrgica tem sido contra indicada ou postergada.

Nos rabdomiomas a história natural é favorável. Vários estudos relatam regressão espontânea do tumor, com uma resolução completa em mais de 80% dos casos durante a infância1,4.

Nos fibromas, entretanto, a regressão espontânea é rara, sendo recomendado o tratamento cirúrgico. Os tumores maiores podem ser ressecados de forma subtotal para evitar uma maior perda da massa miocárdica4. No caso da evolução para falência miocárdica ou o comprometimento de uma grande área cardíaca, com a impossibilidade da retirada completa do tumor, o transplante cardíaco deve ser considerado4. O tratamento conservador em pacientes assintomáticos é controverso nesse tipo de tumor. Estudos revelaram a ocorrência de morte súbita em pacientes com fibroma, causada por arritmia3.

A completa excisão cirúrgica dos teratomas é geralmente curativa, sem a necessidade de circulação extracorpórea na maior parte das vezes6. No entanto, a recorrência ou malignização do tumor tem sido relatada4.

Os mixomas devem ser removidos com uma porção do tecido cardíaco adjacente, devido à possibilidade de sua recorrência. Segundo Uzun e cols .4, houve reincidência em 5% dos casos em que não ocorreu a completa ressecção do tumor. Nos casos em que a ressecção foi total, a sobrevida foi de 100% após 16 anos de seguimento pós-cirúrgico6.

Macroscopicamente, os rabdomiomas, em geral, são múltiplos, com uma imagem nodular esbranquiçada envolvendo quase sempre os ventrículos. Microscopicamente, se apresentam como células grandes, vacuoladas e com forma ovoide, carregadas de glicogênio. As spider cells (Figura 4) são células típicas do rabdomioma. O fibroma possui como característica microscópica a proliferação de fibroblastos entremeados por colágeno e fibras elásticas. São sólidos, com lesões esbranquiçadas e demarcadas por tecido miocárdio ao redor. Os mixomas geralmente são pedunculados e gelatinosos, com predileção pela região da fossa oval do átrio esquerdo. Microscopicamente, são células uniformes, pequenas e poligonais, com citoplasma eosinofílico, matriz mixóide rica em polissacarídeos e núcleo irregular. Os teratomas são massas císticas pálidas, lobuladas, preenchidas com fluídos e contêm múltiplos tecidos imaturos (epitélio, pâncreas, músculo esquelético). São encapsulados, únicos e aderidos, na maioria das vezes, aos grandes vasos da base ou localizados entre a aorta e a veia cava superior11,13,14.

Este estudo é limitado pelo seu caráter retrospectivo e por não avaliar a evolução tardia das crianças submetidas ao procedimento cirúrgico.

Discussão

Tumores cardíacos primários são importantes diagnósticos a serem lembrados em pacientes pediátricos. Neste estudo, o diagnóstico por imagem foi basicamente ecocardiográfico com boa correlação com os achados intraoperatórios. Os achados histopatológicos foram concordantes com a literatura, com o rabdomioma apresentando-se como o tumor mais comum em crianças. A evolução após tratamento cirúrgico mostrou-se favorável na maior parte dos casos.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Penha JG, Zorzanelli L, Jatene MB; Obtenção de dados: Penha JG, Zorzanelli L, Aiello VD, Caneo LF, Riso AA, Tanamati C, Jatene MB; Análise e interpretação dos dados: Penha JG, Zorzanelli L, Carvalho VO, Caneo LF, Riso AA, Tanamati C, Atik E, Jatene MB; Redação do manuscrito: Penha JG, Zorzanelli L, Barbosa-Lopes AA, Carvalho VO; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Penha JG, Barbosa-Lopes AA, Aiello VD, Carvalho VO, Atik E, Jatene MB.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 18/06/12; revisado em 10/09/12; aceito em 05/10/12.

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  • Correspondência:
    Juliano Gomes Penha
    Serviço de Cirurgia Cardíaca Pediátrica, InCor , HCFMUSP
    Rua Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44, Bloco 2, 2º andar
    CEP 05403-900, São Paulo - SP, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      18 Jun 2012
    • Aceito
      05 Out 2012
    • Revisado
      10 Set 2012
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