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Relação entre cintilografia miocárdica e angiotomografia na avaliação da doença coronariana

Resumos

FUNDAMENTO: A angiotomografia coronariana por múltiplos detectores (Angio TC) tem demonstrado boa acurácia para detecção de estenose coronariana. Embora essa técnica seja promissora para avaliação da DAC, sua correlação com a manifestação funcional da doença ainda não está bem estabelecida. OBJETIVO: Avaliar se a presença de DAC e o grau de obstrução coronariana avaliados pela Angio TC se associam com alterações no exame de Cintilografia de Perfusão Miocárdica (CPM). MÉTODOS: Estudo observacional, retrospectivo, que incluiu consecutivamente 99 pacientes com DAC conhecida ou suspeita. Realizaram-se exames de CPM e Angio TC. Comparamos a presença de defeitos de perfusão pela CPM com a presença de DAC e grau de obstrução luminal pela Angio TC. Utilizou-se para a análise estatística o teste t de Student, ANOVA, o teste qui-quadrado (ou teste de Fisher para n < 5). Foi realizada análise multivariada por regressão logística e o critério de significância foi o nível de 5%. RESULTADOS: A média de idade foi 62 ± 11,4 anos, sendo 46 (71,7%) homens. A análise das variáveis foi realizada por paciente (n = 99) e por território de irrigação coronariana (n = 297). Dos 67 territórios que apresentaram DAC significativa pela Angio TC, 44,8% apresentaram CPM alterada. Considerando-se o grau de estenose, CPM alterada esteve presente em 18,7% dos territórios com estenose não significativa, 45,28% dos territórios com estenose moderada e 42,8% dos territórios com lesões graves. CONCLUSÕES: A Angio TC é um bom método para exclusão da DAC. No entanto, sua utilização para avaliação da gravidade da estenose e sua repercussão funcional não demonstrou boa correlação.

Doença das Coronárias; Tomografia Computadorizada; Coração


BACKGROUND: Coronary multidetector CT angiography (CTA) has shown good accuracy for detection of coronary stenosis. Although this is a promising technique for the evaluation of CAD, its correlation with the functional expression of the disease is not yet well established. OBJECTIVE: To evaluate whether the presence of CAD and the degree of coronary stenosis assessed by CT angiography are associated with changes in the Myocardial Perfusion Scintigraphy (MPS). METHODS: This is a retrospective observational study, which included 99 consecutive patients with known or suspected CAD. MPS and CTA were conducted. We compared the presence of perfusion defects by MPS with the presence of CAD and the degree of luminal obstruction by CTA. For statistical analysis, Student's t-test, ANOVA, and Chi-square (or Fisher's exact test for n <5) tests were used. Multivariate analysis was performed using logistic regression: the level of significance was 5%. RESULTS: Mean age was 62 ± 11.4 years, with 46 (71.7%) men. The variable analysis was performed per patient (n = 99) and per coronary irrigation territory (n = 297). Of the 67 territories that had significant CAD by CTA, 44.8% had abnormal MPS. Considering the degree of stenosis, abnormal MPS was present in 18.7% of the territories with no significant stenosis, 45.28% of the territories with moderate stenosis, and 42.8% of the territories with severe injuries. CONCLUSIONS: CTA is a good method for exclusion of CAD. However, its use to evaluate the severity of stenosis and its functional impact has not shown good correlation.

Coronary Disease; Computed Tomography; Heart


ARTIGO ORIGINAL

CARDIOLOGIA NUCLEAR

Relação entre cintilografia miocárdica e angiotomografia na avaliação da doença coronariana

Jader Cunha de AzevedoI,II,III; Diógenes de Souza Ferreira JuniorII; Felipe Carvalhinho VieiraII; Laís Santos PrezottiII; Luciana Silveira SimõesII; Marcelo Souto NacifI; Carlos Eduardo RochitteI,IV; Amarino de Carvalho Oliveira JuniorI; Evandro Tinoco MesquitaI,II; Cláudio Tinoco MesquitaI,II

IHospital Pró-Cardíaco, Rio de Janeiro, RJ

IIUniversidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, RJ

IIICentro Universitário de Volta Redonda, Volta Redonda, RJ

IVInstituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Claudio Tinoco Mesquita Av. Almirante Ary Parreiras, 60, Apto 801, Icaraí CEP 24230-322, Rio de Janeiro, RJ - Brasil E-mail: claudiotinocomesquita@gmail.com, ctinocom@cardiol.br

RESUMO

FUNDAMENTO: A angiotomografia coronariana por múltiplos detectores (Angio TC) tem demonstrado boa acurácia para detecção de estenose coronariana. Embora essa técnica seja promissora para avaliação da DAC, sua correlação com a manifestação funcional da doença ainda não está bem estabelecida.

OBJETIVO: Avaliar se a presença de DAC e o grau de obstrução coronariana avaliados pela Angio TC se associam com alterações no exame de Cintilografia de Perfusão Miocárdica (CPM).

MÉTODOS: Estudo observacional, retrospectivo, que incluiu consecutivamente 99 pacientes com DAC conhecida ou suspeita. Realizaram-se exames de CPM e Angio TC. Comparamos a presença de defeitos de perfusão pela CPM com a presença de DAC e grau de obstrução luminal pela Angio TC. Utilizou-se para a análise estatística o teste t de Student, ANOVA, o teste qui-quadrado (ou teste de Fisher para n < 5). Foi realizada análise multivariada por regressão logística e o critério de significância foi o nível de 5%.

RESULTADOS: A média de idade foi 62 ± 11,4 anos, sendo 46 (71,7%) homens. A análise das variáveis foi realizada por paciente (n = 99) e por território de irrigação coronariana (n = 297). Dos 67 territórios que apresentaram DAC significativa pela Angio TC, 44,8% apresentaram CPM alterada. Considerando-se o grau de estenose, CPM alterada esteve presente em 18,7% dos territórios com estenose não significativa, 45,28% dos territórios com estenose moderada e 42,8% dos territórios com lesões graves.

CONCLUSÕES: A Angio TC é um bom método para exclusão da DAC. No entanto, sua utilização para avaliação da gravidade da estenose e sua repercussão funcional não demonstrou boa correlação.

Palavras-chave: Doença das Coronárias / diagnóstico, Tomografia Computadorizada, Coração / cintilografia.

Introdução

A despeito dos importantes avanços no entendimento da fisiopatologia das doenças cardiovasculares e na criação de novos métodos diagnósticos, a Doença Arterial Coronariana (DAC) mantém-se ainda no século XXI como uma das principais causas de morte no Brasil e no mundo1,2. Apesar de a prevenção primária ser prioridade para a medicina moderna, também se faz necessário o desenvolvimento de métodos diagnósticos complementares que auxiliem na identificação precoce da DAC, já que o tratamento rápido é decisivo para a modificação do prognóstico.

Atualmente, a cineangiocoronariografia é o método padrão de referência para o diagnóstico de DAC; entretanto, novos métodos de imagem não invasivos, como a angiotomografia coronariana por tomógrafo com multidetectores (Angio TC), têm se mostrado uma alternativa confiável para o diagnóstico dessa doença. Desde que essa técnica passou a ser utilizada na prática clínica, houve uma rápida evolução na qualidade das imagens obtidas, permitindo a expansão da aplicação clínica desse método cujas acurácia, especificidade e sensibilidade para detectar estenose das artérias coronárias já estão bem estabelecidas na literatura2-7. Contudo, é importante salientar que, assim como a coronariografia invasiva, esse método identifica a estenose anatômica das artérias coronarianas, mas não possibilita avaliação funcional das lesões.

Dentre os métodos que avaliam a repercussão funcional das lesões obstrutivas coronarianas destaca-se a Cintilografia de Perfusão Miocárdica (CPM) que possui grande acurácia para detectar isquemia miocárdica, além de ser uma poderosa ferramenta para prever o risco de eventos coronarianos futuros, possibilitando estratificar os pacientes e orientar para uma melhor conduta terapêutica8,9.

Embora a Angio TC seja uma técnica promissora para avaliar a DAC, sua correlação com a manifestação funcional da doença ainda não está bem estabelecida e necessita ser investigada. Diante disso, o objetivo deste estudo é avaliar se a existência de DAC e o grau de obstrução coronariana avaliados pela Angio TC se associam com alterações no exame de CPM.

Métodos

Foi realizado um estudo observacional, retrospectivo, no qual foram incluídos pacientes consecutivos, com DAC suspeita ou confirmada, que realizaram os exames de Angio TC e CPM no período de agosto de 2006 a setembro de 2009, com intervalo inferior a 90 dias entre os dois exames. A indicação dos exames ficou a critério do médico assistente, não sendo objetivo do estudo a análise das indicações. Utilizamos como fontes de informação as fichas de anamnese do Serviço de Medicina Nuclear do Hospital Pró-Cardíaco e prontuários médicos dos pacientes. Foram excluídos do estudo os pacientes com história de revascularização cirúrgica prévia e aqueles com dados de prontuário incompletos. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Pró-Cardíaco do Rio de Janeiro, sob o registro 412.

Estudamos as características: sexo, idade, fatores de risco para DAC (hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia, tabagismo, sedentarismo, diabetes, história familiar, obesidade) e DAC prévia (infarto agudo do miocárdio, angioplastia coronariana transluminal percutânea, coronariografia com lesões obstrutivas maiores que 50%).

Objetivo

As variáveis cintilográficas avaliadas foram: tipo de estresse utilizado; número de segmentos apresentando defeitos de perfusão reversíveis (isquemia) e defeitos fixos (fibrose) pela análise qualitativa e quantificação desses defeitos por meio de softwares (QPS-Cedars Cinai e Emory Cardiac Toolbox); análise da contratilidade global e segmentar e da fração de ejeção pelo Gated SPECT. O modelo de segmentação utilizado foi o de 17 segmentos10. Os exames cintilográficos classificados como alterados foram aqueles que apresentaram defeitos de perfusão reversíveis ou fixos.

Todos os exames de CPM foram realizados no Serviço de Medicina Nuclear do Hospital Pró-Cardíaco do Rio de Janeiro, em câmara de cintilação do tipo Anger tomográfica digital (Single Photon Emission Computed Tomography) da marca Siemens, modelo E-Cam de detector duplo, com colimador de baixa energia e alta resolução.

Os resultados obtidos por cintilografia foram comparados com a presença de doença coronariana (sendo considerada DAC significativa a presença de obstrução luminal > 50%, e DAC não significativa, < 50%), e grau de estenose (não significativa: < 50%; moderada: 50%-70%; grave: > 70%) avaliados pela Angio TC.

Os exames de Angio TC foram realizados em aparelho LightSpeed VCT 64 GE Healthcare. Os pacientes receberam entre 5 e 20 mg de metoprolol endovenoso para controle da Frequência Cardíaca (FC), obtendo FC média de 70 bpm. Para análise de escore de cálcio foi realizada aquisição convencional com trigger prospectivo e 3 mm de colimação. Na análise angiográfica utilizou-se aquisição helicoidal e trigger prospectivo ou retrospectivo, de acordo com a FC e peso do paciente, com 0,625 mm de colimação e injeção de 80 mL de contraste iodado não iônico com fluxo de 5,0 mL/s. Foram reconstruídas 20 fases cardíacas e selecionada a que apresentava o menor grau de movimento cardíaco no nível das artérias coronárias. Para a análise utilizaram-se imagens axiais fontes, reformatações multiplanares, curvas e reconstruções tridimensionais por volume rendering, em workstation ADW4.3 (GE Healthcare).

A análise foi realizada por paciente (n = 99) e por território de irrigação coronariana (n = 297). Para a análise estatística, foi utilizado o software SPSS versão 17. As variáveis contínuas foram apresentadas no formato de média e desvio padrão da média. Utilizou-se o teste t de Student para as médias dessas variáveis, e ANOVA para a análise de variância. Para as variáveis categóricas foi utilizado o teste qui-quadrado ou teste exato de Fisher para n < 5. Foi realizada análise multivariada por regressão logística e o critério de significância foi o nível de 5%.

Resultados

Foram incluídos no estudo 99 pacientes com idade média de 62 ± 11,4 anos, e 71,7% eram do sexo masculino; 6% tinham história de infarto do miocárdio; 18% apresentavam angioplastia coronariana prévia com implante de stent. Do total da amostra, 47% referiam dor precordial como o principal motivo da realização do exame e a cintilografia de perfusão miocárdica foi o primeiro método em 66% dos pacientes. O intervalo entre a realização dos exames foi de 12,4 ± 17,5 dias. O tipo de estresse empregado na cintilografia foi farmacológico em 52 pacientes e físico em 47 pacientes. As demais características de base da população estudada são demonstradas na tabela 1.

Analisando cada paciente por território coronariano, obtivemos 297 territórios, correspondendo a 297 segmentos. A CPM encontrou-se alterada em 73 segmentos (24,57%). Dos segmentos avaliados, 230 apresentaram DAC não significativa. Desses, 43 (18,7%) apresentaram CPM alterada, como demonstrado no gráfico 1-A. Dos 67 segmentos que apresentaram DAC significativa, 30 (44,8%) apresentaram CPM alterada (gráf. 1-B).


No gráfico 2 observa-se a distribuição das alterações cintilográficas de acordo com a gravidade da estenose coronariana. A CPM alterada esteve presente em 18,7% (n = 43) dos territórios com estenose não significativa, 45,28% (n = 24) dos territórios com estenose moderada e 42,8% (n = 6) dos territórios com lesões graves. Houve associação significativa da presença de CPM alterada em lesões acima de 50% e em lesões acima de 70% de estenose.


O Valor Preditivo Positivo (VPP) da Angio TC para CPM alterada é de 44,8%, e o Valor Preditivo Negativo (VPN) é de 81,3%. A sensibilidade e a especificidade da Angio TC são, respectivamente, 41,1% e 83,5%.

Ao analisarmos as cintilografias por paciente quanto às possíveis variáveis que poderiam explicar a presença de cintilografia alterada, verificamos que, na análise univariada (Tabela 2), a história prévia de hipertensão arterial sistêmica (p = 0,01) e história de angioplastia prévia (p = 0,04) apresentaram associação estatisticamente significativa com CPM alterada. A presença de DAC significativa pela Angio TC (p = 0,01) também demonstrou associação com a presença de CPM alterada. Segundo análise multivariada de regressão logística (Tabela 3), a presença de lesões significativas na Angio TC foi a única variável independente associada à presença de CPM alterada (p = 0,018).

Na figura 1 demonstramos a Angio TC de um dos pacientes da nossa série. Um paciente de 66 anos, assintomático, com teste ergométrico com alterações eletrocardiográficas isoladas no pico do esforço (atingiu 10 METS no protocolo de Rampa) foi encaminhado para Angio TC. As imagens tomográficas (Figura 1) demonstraram a presença de uma lesão obstrutiva na artéria descendente anterior, logo após a emergência da primeira artéria diagonal. Como o paciente apresentava excelente capacidade funcional e era assintomático, foi encaminhado para cintilografia de estresse e repouso a fim de quantificar a área de isquemia. Realizou estresse físico similar ao anterior e na avaliação das imagens perfusionais (Figura 2) observa-se defeito perfusional restrito (< 5% da massa miocárdica do ventrículo esquerdo) no septo interventricular. Não houve alteração contrátil nas imagens cintilográficas do GATED SPECT pós-estresse. O paciente foi conduzido clinicamente e encontra-se com mais de dois anos de acompanhamento, assintomático e sem eventos.



Discussão

A presença de isquemia miocárdica é uma importante informação prognóstica. Os pacientes que têm áreas de isquemia significativas têm um pior prognóstico quando mantidos em tratamento clínico11. Obstruções coronarianas são as principais causas de isquemia miocárdica, e a sua detecção por meio de exames morfológicos é essencial na definição da estratégia terapêutica. Entretanto, diversos estudos têm demonstrado que não existe uma relação binária entre a existência de estenoses coronarianas maiores que 50% de diâmetro e a presença de isquemia12.

No nosso estudo, comparamos os resultados da Angio TC com os da CPM em pacientes com DAC suspeita ou conhecida, e a principal conclusão observada foi que a presença de lesões obstrutivas (> 50%) tem baixo valor preditivo para identificação de isquemia miocárdica à CPM: apenas 44,8% dos territórios com lesão moderada ou grave pela angio TC apresentaram CPM anormal. Esse achado é semelhante ao obtido por Schuijf e cols.12, que demonstraram correspondência entre DAC significativa pela Angio TC e CPM anormal em apenas 45% (33 de 73) dos pacientes analisados. Resultados semelhantes têm sido reproduzidos por outros autores na literatura13-15. Essa discordância entre os métodos é parcialmente atribuída às limitações que a Angio TC possui em demonstrar as repercussões fisiológicas da estenose coronariana. Ao utilizarmos a gravidade da estenose coronariana estamos nos limitando a apenas uma das variáveis da placa aterosclerótica que determinam a resistência coronariana, negligenciando aspectos relevantes como extensão, forma e excentricidade, além da presença de estenoses em série, que afetam de modo importante o fluxo sanguíneo. Além disso, tônus vascular, integridade da microcirculação e circulação colateral, que não são avaliados por métodos morfológicos como a Angio TC, podem contribuir significativamente para os achados cintilográficos e funcionais.

A incidência anual de morte ou infarto em pacientes com cintilografia miocárdica normal é menor que 1%, conforme inúmeros estudos e meta-análises16. Revascularizar pacientes em que não há isquemia presente pode ser pouco benéfico, ou mesmo contraprodutivo, conforme demonstrou o estudo DEFER17; nos pacientes em que não houve significância funcional há segurança em não se realizar intervenção. A discordância anatomofuncional passa então a ter impacto não só no diagnóstico quanto também na tomada de decisão quanto à revascularização. A recente publicação do estudo FAME trouxe bastante atenção para esse assunto neste estudo, a avaliação da significância funcional das lesões coronarianas de modo invasivo pela Reserva Fracionada de Fluxo (FFR), que consegue detectar com muita acurácia a presença de discordância visual funcional18. Os pesquisadores do FAME observaram que de todos os pacientes triarteriais ao cateterismo, somente em 14% desses todas as lesões tinham significância funcional (avaliada pela FFR), e, ainda mais importante, 9% dos pacientes não apresentavam nenhuma estenose com significância funcional. Em um total de 1.329 lesões coronarianas com mais de 50% de estenose (com obstrução significante), apenas 816 lesões (61%) tinham significado funcional, conforme o FFR18.

A Angio TC é excelente método para exclusão da DAC, fato confirmado no nosso estudo, no qual constatamos que a maioria dos territórios coronarianos com lesão não significativa também apresenta CPM normal (VPN: 81%). Resultado semelhante foi encontrado por outros investigadores12-15,19, que constataram essa boa acurácia da Angio TC para excluir isquemia. Isso sugere que em pacientes com estenose coronariana inferior a 50%, não deve ser necessária a realização de teste funcional adicional.

A avaliação da gravidade de estenose coronariana é pouco precisa com a Angio TC, por sua resolução espacial ser inferior à da coronariografia invasiva20,21, o que implica a incapacidade de precisar o grau de estenose de forma similar àquele exame. Esse fato pode ter sido o responsável pela impossibilidade de demonstrarmos diferenças entre a frequência de alterações de perfusão em pacientes com estenose moderada (50%-70%) em comparação aos pacientes com estenose grave (> 70%): 45,3% e 42,8%, respectivamente. Entretanto alguns grupos têm obtido resultados diferentes daqueles encontrados em outros estudos, onde a maioria dos pacientes com estenose grave apresenta CPM anormal. Provavelmente, essa diferença se deve ao reduzido número de pacientes com estenose grave incluídos em nosso estudo (n = 14).

A avaliação dos casos foi retrospectiva, o que pode limitar a capacidade de obtenção de informações clínicas; entretanto, como todos os exames foram feitos na mesma instituição, foi realizada a correlação entre os dados obtidos em ambos os exames. Outra limitação significativa é que os pacientes frequentemente tiveram a indicação clínica do segundo exame a partir do resultado do primeiro, o que pode ter contribuído para o aumento do número de casos discordantes entre as técnicas, visto que os achados clínicos somados aos do primeiro exame ainda poderiam estar associados à dúvida diagnóstica. Os casos de exames fortemente positivos ou claramente normais raramente são encaminhados para novos exames não invasivos como parte da estratégia diagnóstica. Entretanto, um dos méritos do estudo é avaliar o uso dessas estratégias numa situação de mundo real.

Conclusões

A Angio TC demonstrou grande utilidade na exclusão do diagnóstico de DAC, porém sua acurácia para avaliar a gravidade das lesões é insatisfatória. Para esse fim, a CPM já demonstrou em diversos estudos ser bastante acurada. Conclui-se, portanto, que Angio TC e CPM fornecem informações complementares sobre DAC, a primeira sobre os aspectos morfológicos e a segunda sobre os aspectos funcionais. O modo como ambas as técnicas podem ser integradas na prática clínica ainda não está totalmente esclarecido.

Em nosso estudo, ao incluirmos pacientes consecutivamente, obtivemos uma amostra que se assemelha ao observado no cotidiano da prática clínica, o que torna os nossos resultados de grande relevância.

Contribuição dos autores

Conception and design of the research: Azevedo JC, Rochitte CE, Mesquita ET, Mesquita CT; Acquisition of data: Azevedo JC, Ferreira Junior DS, Vieira FC, Prezotti LS, Simões LS, Nacif MS, Oliveira Junior AC, Mesquita CT; Analysis and interpretation of the data: Azevedo JC, Ferreira Junior DS, Vieira FC, Prezotti LS, Simões LS, Nacif MS, Oliveira Junior AC, Mesquita ET, Mesquita CT; Statistical analysis: Azevedo JC, Ferreira Junior DS, Vieira FC, Prezotti LS, Simões LS, Mesquita ET, Mesquita CT; Writing of the manuscript: Azevedo JC, Ferreira Junior DS, Vieira FC, Prezotti LS, Simões LS, Mesquita CT; Critical revision of the manuscript for intellectual content: Azevedo JC, Nacif MS, Rochitte CE, Oliveira Junior AC, Mesquita ET, Mesquita CT.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 12/04/12; revisado em 29/05/12; aceito em 06/06/12.

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  • Correspondência:

    Claudio Tinoco Mesquita
    Av. Almirante Ary Parreiras, 60, Apto 801, Icaraí
    CEP 24230-322, Rio de Janeiro, RJ - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      12 Abr 2012
    • Aceito
      06 Jun 2012
    • Revisado
      29 Maio 2012
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