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Resultados da correção simplificada com enxerto único no defeito septal atrioventricular completo

Resumos

FUNDAMENTO: Desde que Wilcox, em 1997, descreveu uma forma simplificada de correção do Defeito Septal Atrioventricular (DSAV) com enxerto único, diversos estudos têm sido realizados comparando-a à técnica com duplo enxerto. OBJETIVO: Relatar os resultados em médio e longo prazos da correção de DSAV completo pela técnica simplificada de enxerto único. MÉTODOS: Estudo retrospectivo de 16 casos consecutivos arrolados entre janeiro de 2001 e dezembro de 2011. A idade média foi 18,31 ± 34,19 meses (2 meses - 11 anos) e o peso 7,80 ± 6,12 Kg (3,77 - 25,0 Kg); 6 pacientes eram do sexo masculino e 14 eram portadores de Síndrome de Down. O tempo de seguimento médio foi de 54,97 ± 47,79 meses. RESULTADOS: O tempo médio de circulação extracorpórea foi 74,63 ± 18,48 min (49 - 112 min) e o de pinçamento aórtico, de 46,44 ± 11,89 min (34 - 67 min). Foram observados dois óbitos hospitalares (12,5%), ambos por causa cardiovascular. Três pacientes foram reoperados por regurgitação da valva atrioventricular (VA) esquerda e dois apresentaram bloqueio atrioventricular (BAV) completo com necessidade de implante de marca-passo definitivo. Não houve nenhum caso de obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo. Os 14 pacientes sobreviventes permanecem assintomáticos, 10 deles com insuficiência da valva VA esquerda leve (71,42%). CONCLUSÃO: A técnica simplificada com enxerto único para correção de DSAV completo mostrou-se factível, associada à correção adequada dos defeitos e à favorável evolução clínica e ecocardiográfica nos 57,97 meses de seguimento médio avaliados.

Comunicação Interatrial; Comunicação Interatrial; Toracotomia


BACKGROUND: Since Wilcox's description of the simplified single-patch technique for atrioventricular septal defect (AVSD) repair in 1997, several studies have compared that technique with the two-patch technique. OBJECTIVE: To report the mid- and long-term results of the simplified single-patch technique for complete AVSD repair. METHODS: Retrospective study of 16 consecutive cases between January 2001 and December 2011. The patients' mean age was 18.31 ± 34.19 months (2 months - 11 years), and their mean weight, 7.80 ± 6.12 kg (3.77 - 25.0 kg). Six patients were males and 14 had Down syndrome. Mean follow-up duration was 54.97 ± 47.79 months. RESULTS: Mean cardiopulmonary bypass time was 74.63 ± 18.48 min (49 - 112 min), and mean aortic cross-clamp time, 46.44 ± 11.89 min (34 - 67 min). Two patients died during hospitalization (12.5%), both of cardiovascular causes. Three patients underwent reoperation due to left atrioventricular (AV) valve regurgitation, and two had third-degree VA block, requiring permanent pacemaker implantation. No patient had left ventricular outflow tract obstruction. The 14 surviving patients remain asymptomatic, ten of whom with mild left VA valve regurgitation (71.42%). CONCLUSION: The simplified single-patch technique for complete AVSD repair proved to be feasible, providing adequate correction of the defects and favorable clinical and echocardiographic outcome in the mean 57.97-month follow-up.

Heart Septal Defects, Atrial; Heart Septal Defects, Atrial; Thoracotomy


ARTIGO ORIGINAL

TRANSPLANTE CARDÍACO – CIRURGIA

Resultados da correção simplificada com enxerto único no defeito septal atrioventricular completo

Ana Paula TagliariI,II; Daniel Augusto SchröderI; Guaracy Teixeira FilhoI; Paulo Roberto PratesI; João Ricardo M. Sant'AnnaI; Ivo A. NesrallaI; Renato A. K. KalilI

IInstituto de Cardiologia / Fundação Universitária de Cardiologia

IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS - Brasil

Correspondência Correspondência: Renato Abdala Karam Kalil Av. Princesa Isabel, 370, Santana CEP 90620-000, Porto Alegre, RS - Brasil E-mail: kalil.pesquisa@cardiologia.org.br, editoracao-pc@cardiologia.org.br

RESUMO

FUNDAMENTO: Desde que Wilcox, em 1997, descreveu uma forma simplificada de correção do Defeito Septal Atrioventricular (DSAV) com enxerto único, diversos estudos têm sido realizados comparando-a à técnica com duplo enxerto.

OBJETIVO: Relatar os resultados em médio e longo prazos da correção de DSAV completo pela técnica simplificada de enxerto único.

MÉTODOS: Estudo retrospectivo de 16 casos consecutivos arrolados entre janeiro de 2001 e dezembro de 2011. A idade média foi 18,31 ± 34,19 meses (2 meses - 11 anos) e o peso 7,80 ± 6,12 Kg (3,77 - 25,0 Kg); 6 pacientes eram do sexo masculino e 14 eram portadores de Síndrome de Down. O tempo de seguimento médio foi de 54,97 ± 47,79 meses.

RESULTADOS: O tempo médio de circulação extracorpórea foi 74,63 ± 18,48 min (49 - 112 min) e o de pinçamento aórtico, de 46,44 ± 11,89 min (34 - 67 min). Foram observados dois óbitos hospitalares (12,5%), ambos por causa cardiovascular. Três pacientes foram reoperados por regurgitação da valva atrioventricular (VA) esquerda e dois apresentaram bloqueio atrioventricular (BAV) completo com necessidade de implante de marca-passo definitivo. Não houve nenhum caso de obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo. Os 14 pacientes sobreviventes permanecem assintomáticos, 10 deles com insuficiência da valva VA esquerda leve (71,42%).

CONCLUSÃO: A técnica simplificada com enxerto único para correção de DSAV completo mostrou-se factível, associada à correção adequada dos defeitos e à favorável evolução clínica e ecocardiográfica nos 57,97 meses de seguimento médio avaliados.

Palavras-chave: Comunicação Interatrial / mortalidade, Comunicação Interatrial / cirurgia, Toracotomia.

Introdução

Defeito do Septo Atrioventricular (DSAV) ocorre em dois de cada dez mil nascidos vivos, correspondendo a 3% das cardiopatias congênitas. O defeito básico dessa malformação é a ausência do septo atrioventricular, com cinco ou mais folhetos da valva atrioventricular (VA) de tamanhos variados estando usualmente presentes1. Os subgrupos anatômicos podem ser classificados com base na inserção das cordoalhas e na morfologia do folheto ponte anterior da VA comum, a chamada classificação de Rastelli2.

O quadro clínico, em decorrência da alteração anatomofuncional, caracteriza-se por hiperfluxo pulmonar já nas primeiras semanas de vida, acarretando uma sobrevida de 54% aos seis meses de idade e de 15%, aos dois anos3,4. Enquanto a insuficiência cardíaca congestiva é a principal causa de óbitos em lactantes, a doença vascular pulmonar oclusiva predomina a partir do primeiro ano de vida1,3. Síndrome de Down pode ser encontrada em cerca de 75% dos pacientes com defeito completo1.

A técnica cirúrgica mais empregada na correção de DSAV envolve o uso de enxerto duplo - um enxerto atrial e outro ventricular -, respeitando-se a integridade dos folhetos valvares. Essa conduta substituiu a primeira técnica descrita, que consistia em um único enxerto atrioventricular, onde os folhetos eram seccionados e ressuturados ao enxerto.

Em 1997, Wilcox, com apoio do patologista Robert Anderson, descreveu uma forma simplificada de correção de DSAV, na qual não se implantava enxerto no componente ventricular, mas a VA comum era suturada na crista do septo ventricular, utilizando os mesmos pontos de sutura para fixar o enxerto septal5. Em 1999, Nicholson descreveu sua experiência inicial com essa técnica, seguido por Backer em 2007, Dragulescu em 2008, e Jeong em 20096-9. Essa forma de correção, apesar das boas experiências relatadas, está pouco divulgada e praticada, permanecendo relegada à segunda opção por muitos ou até desconhecida em alguns centros. Atualmente índices de mortalidade hospitalar próximos a 5% foram relatados7.

Este trabalho tem por objetivo relatar uma série de casos de correção de DSAV completo pela técnica simplificada com enxerto único e analisar o resultado clínico, cirúrgico e ecocardiográfico em médio e longo prazos.

Pacientes e Métodos

Estudo retrospectivo em série de casos consecutivos, totalizando 16 pacientes com diagnóstico de DSAV completo operados utilizando a técnica simplificada com enxerto único no Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul, entre janeiro de 2001 e dezembro de 2011. A amostra não inclui a totalidade de pacientes operados por DSAV na instituição, mas apenas aqueles tratados por um dos cirurgiões que passou a adotar essa técnica como preferencial, após verificar que sua simplicidade era acompanhada de resultados imediatos anatômicos e funcionais semelhantes aos dos melhores casos submetidos à correção com duplo enxerto. Foram excluídos os pacientes com DSAV parcial ou com outras malformações graves associadas (por exemplo, Tetralogia de Fallot).

Dos 16 pacientes, 6 (37,5%) eram do sexo masculino; 11(68,8%) pertenciam ao tipo A da classificação de Rastelli; 2(12,5%) ao tipo C; e 3 não possuíam a classificação descrita no prontuário. Síndrome de Down esteve presente em 14(87,5%) pacientes. O peso médio no momento da cirurgia foi de 7,80±6,12 Kg (3,77 - 25,0 Kg) e a idade média de 18,31±34,19meses (2meses-11anos). A VA única possuía insuficiência definida como grave em 3(18,75%) pacientes, moderada em 7(43,75%) e leve em 6 (37,50%), segundo ecocardiograma pré-operatório.

Durante o período de seguimento pós-operatório os pacientes foram avaliados para presença de Comunicação Interventricular (CIV) residual com necessidade de cirurgia corretiva, competência da VA esquerda, obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo e Bloqueio Atrioventricular (BAV) completo com necessidade de implante de marca-passo definitivo.

A análise descritiva para as variáveis categóricas foi realizada por meio da distribuição de frequência absoluta e relativa, e para as quantitativas por média, desvio-padrão e mediana, quando indicada.

Técnica cirúrgica

Todos os pacientes foram operados através de toracotomia mediana transesternal, canulação da aorta ascendente e das veias cavas inferior e superior, circulação extracorpórea e cardioplegia hipotérmica cristaloide anterógrada e atriotomia direita oblíqua, com pontos de reparo no átrio direito para visibilização do defeito.

A técnica simplificada com enxerto único, desenvolvida por Wilcox, foi utilizada com pequenas adaptações5. Essa consiste na sutura direta do componente ventricular, com colocação de suturas em pontos separados, em U, de poliéster 5-0 ou 6-0, de acordo com o caso, ancorados em feltros de Dacron na face ventricular direita do septo interventricular. Essas suturas são colocadas logo abaixo da crista do septo para evitar dano ao tecido de condução. As suturas são então passadas através dos folhetos valvares ântero-superior e póstero-inferior em locais apropriados, demarcando os limites das vias de saída atrial direita e esquerda e, assim, determinando o tamanho dos orifícios valvares atrioventriculares direito e esquerdo. Prévias suturas de reparo com fio de polipropileno 6-0 são colocadas na zona de aposição da fenda dos folhetos da VA esquerda, antes das suturas do defeito septal, antecipando o reparo a ser feito. Após amarrar os pontos ventriculares, que servem para fechar o componente ventricular, bem como fixar as VA, a sutura do enxerto em nível atrial é completada, de forma contínua, com polipropileno 5-0 ou 6-0, usualmente deixando o seio coronariano para o lado direito. As valvas atrioventriculares são testadas por instilação de solução fisiológica gelada em cada ventrículo e o reparo de cada valva é ajustado conforme necessário, sendo sempre suturada a "fenda" do neofolheto anterior da VA esquerda com pontos separados de polipropileno 6-0. Em caso de hipertensão pulmonar, cateteres de átrio esquerdo e de artéria pulmonar são colocados para monitorização.

Este estudo não possui fonte de financiamento externa, seu suporte financeiro consiste apenas em bolsa de iniciação científica do CNPq e Fapergs, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição onde foi realizado.

Resultados

As características pré-operatórias dos pacientes estão representados na tabela 1. As doenças associadas podem ser vistas na tabela 2.

O tempo médio de circulação extracorpórea foi 74,63±18,48 min (49 - 112 min) e o de pinçamento aórtico, de 46,44±11,89 min (34 - 67 min).

Em 9 pacientes (56,3%) concomitantemente à correção de DSAV completo realizou-se fechamento de canal arterial patente.

Em 57,97 ± 47,79 meses (1 dia - 10,5 anos) de seguimento médio pós-operatório foram registrados dois óbitos (12,5%), ambos precoces (antes da alta hospitalar referente a internação cirúrgica). O primeiro ocorrido na 16ª hora pós-operatória em um paciente com hipertensão pulmonar grave que desenvolveu choque cardiogênico refratário e, o segundo, em um paciente que necessitou de reoperação no 16º dia de pós-operatório por por insuficiência grave das valvas atrioventricular direita e esquerda e evoluiu com choque cardiogênico no 9º dia após a reoperação. Os 14 pacientes sobreviventes (87,5%) receberam alta hospitalar em boas condições. O tempo médio de internação foi de 12,44±12,22 dias (3-56 dias).

Dois pacientes (12,5%) evoluíram com BAV completo, necessitando de marca-passo definitivo, 3 pacientes (18,75%) desenvolveram insuficiência valvar grave durante o seguimento, sendo submetidos à cirurgia para correção da VA esquerda (um por meio de troca valvar e dois através de plastia valvar): em um caso a reoperação foi precoce (nos primeiros 30 dias de pós-operatório, já citado acima, entre os óbitos), e em 2 casos foi tardia (após a alta hospitalar ou após 30 dias de pós-operatório). À exceção do paciente que evoluiu para óbito, os 2 outros pacientes reoperados apresentaram insuficiência mínima após a correção. Um desses pacientes apresentava concomitantemente à insuficiência valvar atrioventricular, CIV residual importante, que também foi corrigida. Não houve nenhum caso de obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo.

Todos os 14 pacientes sobreviventes permaneciam assintomáticos na última revisão clínica, 10 deles com insuficiência da VA esquerda considerada leve pelo ecocardiograma de acompanhamento (71,42%). Os resultados do período perioperatório e pós-operatório tardio são mostrados na tabela 3 e a comparação entre o grau de insuficiência da VA esquerda no pré e pós-operatório dos pacientes sobreviventes pode ser vista na tabela 4. A tabela 5 mostra as características pré-operatórias e os desfechos pós-operatórios para cada um dos 16 pacientes operados.

Discussão

O Defeito Septal Atrioventricular (DSAV), também chamado de canal atrioventricular persistente, caracteriza-se pela ausência ou deficiência de tecido septal imediatamente acima e abaixo do nível das valvas atrioventriculares (VA)1.

DSAV ocorre em dois de cada dez mil nascidos vivos, correspondendo a 3% das cardiopatias congênitas. Ambos os sexos são afetados, com frequência um pouco maior em meninas (relação mulher/homem: 1,3/1)2,3.

Malformações cardíacas menores ou maiores podem estar associadas, assim como síndrome de Down, presente em cerca de 75% dos pacientes com DSAV completo1.

Os subgrupos anatômicos podem ser classificados com base na inserção das cordoalhas e na morfologia do folheto ponte superior da VA comum. No tipo A, o folheto ponte superior é quase totalmente aderente ao ventrículo esquerdo e é firmemente fixado sobre o septo ventricular por múltiplas inserções de cordoalhas. No tipo B, o folheto ponte superior é maior e pende sobre o septo ventricular mais que no tipo A, anexado sobre ele por um músculo papilar anômalo do ventrículo direito. No tipo C, o folheto ponte superior é maior e não está associado ao septo ventricular (folheto livre-flutuante), provocando assim uma irrestrita CIV2.

O primeiro reparo cirúrgico de defeito de DSAV completo foi relatado por Lillehei e cols.10 em 1955 através de uma sutura da borda atrial do defeito septal na crista do septo ventricular. As primeiras experiências com defeitos completos do septo atrioventricular foram associadas à alta mortalidade hospitalar, frequentemente relacionada a bloqueio cardíaco completo, regurgitação da VA esquerda pós-reparo ou desenvolvimento de estenose subaórtica1. Desde então, várias técnicas para reparo desse defeito foram descritas, envolvendo o uso de enxerto duplo ou único, e os resultados foram melhorando com o entendimento da anatomia da lesão e com avanços no manejo cirúrgico e nos cuidados pós-operatórios, e atualmente índices de mortalidade próximos a 5% já foram relatados7.

A técnica de enxerto único clássica consiste na utilização de um enxerto de pericárdio autólogo suturado nas porções ventricular e atrial e foi descrita pela primeira vez por Maloney e cols.11 em 1962. Em 1976, Trusler e cols.12 introduziram a técnica do duplo enxerto, com material protético separado para o defeito do septo ventricular. Ambas as técnicas resultaram em adequada função da VA após a operação, entretanto a regurgitação da VA esquerda permaneceu como uma importante causa de morbidade pós-operatória em ambas as técnicas, com um índice de reoperação variando de 6% a 15%3,5.

Em 1968, uma nova técnica de reparo de DSAV com enxerto único foi descrita por Rastelli e cols.13, a qual envolvia a divisão dos folhetos anterior e posterior comuns com fixação ao enxerto único, o que requeria a incorporação do tecido dos folhetos na linha de sutura. A eventual deiscência nessa linha de sutura causava incompetência da valva e era importante fator de risco para reoperação e morte.

Mais de duas décadas depois, Merrill e cols.14 relataram os resultados da correção cirúrgica utilizando a técnica de enxerto único clássica em 103 crianças com idade média de 6,2 meses e peso médio de 5,8 kg. Eles obtiveram uma mortalidade pós-operatória de 17,47% (18 óbitos), passando a recomendar a correção definitiva sempre que possível mediante essa técnica.

Em 1997, Wilcox e cols.5 descreveram uma forma simplificada de correção de DSAV, na qual não se implantava enxerto no componente ventricular, mas a valva VA comum era suturada na crista do septo ventricular, utilizando os mesmos pontos de sutura para fixar o enxerto septal, sendo esse colocado apenas no componente atrial5. Neste estudo, os autores fizeram uma análise retrospectiva de 21 pacientes operados entre janeiro de 1992 e julho de 1995, sendo que em 9 foram utilizadas as técnicas de enxerto único ou duplo, consideradas padrão até então, e nos 12 pacientes restantes foi usado o fechamento direto do componente ventricular, com tempos de pinçamento aórtico e de perfusão menores e com resultados, após seguimento de 34 meses, semelhantes às demais técnicas. Cabe ressaltar que neste trabalho não foram incluídos pacientes com componente ventricular muito grande, com intuito de evitar tensão nos folhetos valvares e incompetência na VA após o reparo.

Já em 1999, Nicholson e cols.6 reportaram 47 pacientes consecutivos operados entre maio de 1995 e agosto de 1998 com uma técnica modificada, que incluía sutura direta da VA comum ao lado direito da crista do septo ventricular, independentemente do tamanho do defeito septal ventricular em ecocardiografia pré-operatória. O defeito septal atrial restante (ostium primum) era fechado com enxerto pericárdico e a fenda neomitral era reparada. Neste trabalho a mortalidade foi de 4%, com idade média de reparo aos 5,6meses, e 40% dos pacientes tinham lesões associadas (persistência do canal arterial, CIV muscular, drenagem venosa anômala pulmonar total, coarctação de aorta e estenose pulmonar). Não houve nenhum caso de BAV, nem defeito septal residual ou obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo. Houve incompetência da valva mitral pós-operatória em 28% dos pacientes.

Embora o uso da técnica de enxerto único seja atrativa, com tempos de circulação extracorpórea e pinçamento aórtico menores, defensores das técnicas mais antigas ressaltam o potencial para obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo causado pela retração da VA inferiormente em direção à crista do septo ventricular, fechando parcialmente a via de saída, bem como o potencial para defeito septal ventricular residual e o aumento na insuficiência da VA pelo deslocamento inferior da valva15.

Por sua vez, com a atual tendência em corrigir defeitos septais atrioventriculares em idade cada vez mais precoce, antes da progressão da hipertensão pulmonar, cardiomegalia e insuficiência da VA, a técnica simplificada de enxerto único facilitaria consideravelmente a cirurgia em crianças menores, já que a ausência do enxerto ventricular diminui a dificuldade do procedimento7. Outras vantagens dessa técnica em relação ao duplo enxerto seriam a melhor exposição e visibilização do defeito do septo ventricular e do aparato subvalvar, menor número de suturas próximo ao plano valvar e uma menor possibilidade de lesão do feixe de condução5.

Backer e cols.7, em 2007, apresentaram uma coorte de 55crianças com DSAV completo corrigido de 2000 a 2006, sendo 26 com a técnica simplificada de enxerto único e 29 com técnica clássica de enxerto duplo. O tempo de pinçamento aórtico e de perfusão foram significativamente menores na técnica simplificada (97,3 ± 19,9 vs. 132,3±28,2 min, p<0,0003; 128±25 vs. 157±37 min, p < 0,03), não havendo diferença no grau de insuficiência direita ou esquerda da VA no pós-operatório. Também não houve nenhum caso de BAV completo, reoperações por CIV residual ou obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo com a técnica de enxerto único contra um paciente com BAV completo e um paciente com CIV residual com necessidade de reoperação na técnica de enxerto duplo, o que levou os autores a concluírem que a técnica simplificada é comparável à técnica clássica e diminui significativamente o tempo de pinçamento aórtico e de circulação extracorpórea.

Em revisão publicada em 2009, Backer e cols.16 reafirmaram suas firmes convicções de que a técnica modificada com enxerto único é a melhor técnica disponível para o reparo de pacientes com DSAV completo, baseado no fato de que essa abordagem está associada a uma mortalidade operatória muito baixa, é facilmente aplicada a crianças pequenas e a incidência de reoperação por insuficiência da VA esquerda ou obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo é significativamente menor do que anteriormente relatada16.

Quanto a dados mais recentes referentes às taxas de mortalidade, Dragulescu e cols.8 publicaram em 2008 seus resultados utilizando a técnica descrita por Rastelli com enxerto único em 107 crianças operadas entre 1984 e 2005, obtendo‑se uma sobrevida precoce de 86% ± 3,0%, com 5 casos de reoperação precoce (2 por CIV residual e 3 para reparo da valva mitral)8. Nove pacientes foram submetidos a reoperações tardias: 4 para reparo de estenose subaórtica e 5 para reparo mitral. A sobrevida tardia em 10 e 15 anos foi de 84% ± 3%.

Outro importante estudo comparando a técnica simplicada versus a técnica clássica para correção de DSAV completo foi publicado em 2009 com 61 pacientes, 18 deles no grupo da técnica simplificada com enxerto único e 43 no grupo da técnica clássica com duplo enxerto. Neste trabalho o tempo de pinçamento aórtico foi significativamente menor no grupo da técnica simplicada (110,8 ± 27,5 min vs. 134,4±42,5min, p=0,03). Durante o período de seguimento, dois pacientes necessitaram de reoperação por disfunção da VA no grupo técnica simplificada contra três pacientes do grupo técnica clássica (p = 0,63). Um óbito tardio ocorreu no grupo técnica simplificada e dois óbitos no grupo técnica clássica (p=0,90). Os autores ressaltaram como vantagem da correção com enxerto único, além no menor tempo de pinçamento aórtico, a simplicidade resultante de se evitar o enxerto no defeito do septo ventricular9.

Por fim, um recente trabalho17 foi publicado em janeiro de 2012 visando avaliar os resultados em longo prazo da reoperação por regurgitação valvar atrioventricular esquerda após correção prévia de DSAV. Nessa série, dos 312 pacientes inicialmente corrigidos, 45 (14,42%) necessitaram ser reoperados entre dezembro de 1976 e julho de 2006 com uma mortalidade de apenas 2% em 15 anos de seguimento após o reparo primário de DSAV17.

Figuras com a descrição da técnica simplificada para correção de DSAV completo podem ser encontradas nas referências citadas, como no trabalho de Backer que incluiu desenhos demonstrando cada um dos passos da técnica simplificada com enxerto único, fios utilizados e resultados obtidos7.

Em nossa experiência inicial com a técnica simplificada, apesar das limitações relacionadas ao pequeno número de pacientes, algumas características podem ser observadas, como o tempo de circulação extracorpórea e isquemia miocárdica relativamente pequenos, reforçando os achados da literatura. Não houve nenhum caso de obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo e apenas um caso de CIV residual importante, indicando a segurança da técnica quanto a essas complicações. As complicações relacionadas à VA esquerda e bloqueio cardíaco são possíveis e esperadas com qualquer técnica, e os pacientes que apresentaram essas complicações foram manejados com reoperação para plastia ou troca valvar e implante de marca-passo definitivo, respectivamente. Deve ser observado que o seguimento de alguns pacientes não é de longo prazo, pois a média de seguimento observada foi menor de cinco anos, média essa devida à inclusão de casos recentes ao lado de outros operados há 11 anos.

Nossa mortalidade de 12,5% foi devida a dois casos por complicações pós-operatórias imediatas graves, entre os 16operados. Percentualmente, o impacto de um óbito em série pequena sempre é significativo. Mas, ponderamos que tal mortalidade imediata pode ser considerada dentro de faixa aceitável, nesta amostra, em referência aos dados apresentados pela literatura internacional acima citada. Observação semelhante pode ser feita com relação aos índices de complicações, como CIV residual, BAV completo e insuficiência das valvas atrioventriculares. Deve ser lembrado, em favor da técnica empregada, que não ocorreram óbitos tardios, no período estudado.

Embora alguns centros de excelência nacionais e estrangeiros, conduzidos por cirurgiões de excepcional habilidade possam estar relatando percentuais muito pequenos de mortalidade e complicações, incluindo-se na faixa de menor morbimortalidade dos registros, como da STS e EACTS, a interpretação desses dados devem levar em conta que tais resultados são baseados em grandes casuísticas resultantes da soma de muitas instituições, diferentemente de relatos de séries de casos. Na revisão bibliográfica citada acima, encontramos séries com 12, 47, 26 e 18 casos, respectivamente, em que foi empregada a técnica simplificada5-7,9.

Conclusão

A técnica simplificada com enxerto único para correção de DSAV completo se mostrou factível e com bons resultados clínicos, cirúrgicos e ecocardiográficos de médio e longo prazos, em termos tanto de segurança quanto de sobrevida dos 16 pacientes avaliados. Reconhecemos que, por se tratar de um relato de série de casos, novos estudos são necessários para aprimorar suas indicações e comparações com as demais técnicas disponíveis.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa e Obtenção de dados: Tagliari AP, Schröder DA, Teixeira Filho G, Prates PR, Sant'Anna JRM, Nesralla IA, Kalil RAK; Análise e interpretação dos dados e Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Tagliari AP, Kalil RAK; Análise estatística: Tagliari AP; Redação do manuscrito: Tagliari AP, Schröder DA, Kalil RAK.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 21/03/12, revisado em 15/08/12, aceito em 12/09/12.

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  • Correspondência:

    Renato Abdala Karam Kalil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      21 Mar 2012
    • Aceito
      12 Jul 2012
    • Revisado
      15 Ago 2012
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