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Frequência cardíaca máxima: influência da experiência desportiva na infância e adolescência

Resumos

FUNDAMENTO: A Frequência Cardíaca (FC) alcançada ao final de um teste de exercício (TE) é denominada FC máxima e possui reconhecida relevância clínica e epidemiológica. Para sua medida correta é necessário que o TE seja verdadeiramente máximo. OBJETIVO: Avaliar a influência do histórico de exercício físico intenso e/ou participação desportiva competitiva na juventude sobre a FC máxima (% da prevista pela idade) em um teste cardiopulmonar de exercício (TCPE) clínico. MÉTODOS: Foram selecionados retrospectivamente 600 indivíduos não atletas (65,8% homens) com idade de 46 ± 13,7 anos, em prevenção primária de doenças cardiovasculares, submetidos a um TCPE máximo. O perfil de exercício físico na infância/adolescência (PEFIA) foi classificado em escores crescentes de 0 a 4, com o valor 2 correspondendo aos níveis esperados para a faixa etária. RESULTADOS: Dentre os 20 indivíduos com valores de FC máxima igual ou maior do que 200 bpm, nenhum deles tinha sido inativo ou pouco ativo na infância/adolescência. Houve uma associação significativa entre escores de PEFIA e a FC máxima (% da prevista pela idade) (p = 0,02), com um valor de 7 bpm mais alto para os escores de PEFIA 3-4 (32,9% da amostra) quando comparados com 0-2. CONCLUSÃO: Duas hipóteses surgem para explicar esses resultados nos indivíduos mais ativos na juventude: a) persistência de adaptações crônicas do treinamento sobre o cronotropismo cardíaco ou b) maior capacidade e/ou motivação para alcançar um TCPE verdadeiramente máximo. Questionar sobre o perfil de exercício físico na infância/adolescência pode contribuir para a interpretação da FC máxima no TE.

Frequência Cardíaca; Exercício; Esportes; Esforço Físico; Ergometria; Adolescentes; Criança


BACKGROUND: The heart rate (HR) achieved at the end of an exercise test (ET) is called maximal HR and is known to have clinical and epidemiological relevance. For its correct measurement, it is necessary that the ET be truly maximal. OBJECTIVE: To evaluate the influence of a history of intense physical activity and/or participation in sports competitions during youth on the maximal HR (% of age-predicted HR) on a clinical cardiopulmonary exercise test (CPET). METHODS: A total of 600 non-athlete individuals (65.8% males) with a mean age of 46 ± 13.7 years, under primary prevention of cardiovascular diseases and who underwent maximal CPET, were retrospectively selected. Their physical activity profile during childhood/adolescence (PAPCA) was classified in scores growing from 0 to 4, with value 2 corresponding to their respective age-predicted levels. RESULTS: None of the 20 individuals with maximal HR values equal to or greater than 200 bpm had been inactive or somewhat active during childhood/adolescence. A significant association was observed between PAPCA scores and maximal HR (% of age-predicted HR) (p = 0.02), with a 7-bpm higher value for PAPCA scores 3-4 (32.9% of the sample) in comparison to PAPCA 0-2. CONCLUSION: Two hypotheses exist to explain these results in individuals who had been more active during youth: a) persistence of chronic adaptations to training on the cardiac chronotropism, or b) higher ability and/or motivation to achieve a truly maximal CPET. Information on the physical activity profile during childhood / adolescence may contribute to the interpretation of maximal HR on ET.

Heart Failure; Exercise; Sports; Physical Exertion; Ergometry; Adolescents; Child


Frequência cardíaca máxima: influência da experiência desportiva na infância e adolescência

Débora Helena Balassiano; Claudio Gil Soares de Araújo

Clínica de Medicina do Exercício - CLINIMEX; Programa de Pós-Graduação em Ciências do Exercício e do Esporte - Universidade Gama Filho - Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Correspondência Correspondência: Claudio Gil Soares de Araújo CLINIMEX Rua Siqueira Campos, 93/101 CEP 22031-070, Rio de Janeiro, RJ- Brasil E-mail: cgaraujo@iis.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: A Frequência Cardíaca (FC) alcançada ao final de um teste de exercício (TE) é denominada FC máxima e possui reconhecida relevância clínica e epidemiológica. Para sua medida correta é necessário que o TE seja verdadeiramente máximo.

OBJETIVO: Avaliar a influência do histórico de exercício físico intenso e/ou participação desportiva competitiva na juventude sobre a FC máxima (% da prevista pela idade) em um teste cardiopulmonar de exercício (TCPE) clínico.

MÉTODOS: Foram selecionados retrospectivamente 600 indivíduos não atletas (65,8% homens) com idade de 46 ± 13,7 anos, em prevenção primária de doenças cardiovasculares, submetidos a um TCPE máximo. O perfil de exercício físico na infância/adolescência (PEFIA) foi classificado em escores crescentes de 0 a 4, com o valor 2 correspondendo aos níveis esperados para a faixa etária.

RESULTADOS: Dentre os 20 indivíduos com valores de FC máxima igual ou maior do que 200 bpm, nenhum deles tinha sido inativo ou pouco ativo na infância/adolescência. Houve uma associação significativa entre escores de PEFIA e a FC máxima (% da prevista pela idade) (p = 0,02), com um valor de 7 bpm mais alto para os escores de PEFIA 3-4 (32,9% da amostra) quando comparados com 0-2.

CONCLUSÃO: Duas hipóteses surgem para explicar esses resultados nos indivíduos mais ativos na juventude: a) persistência de adaptações crônicas do treinamento sobre o cronotropismo cardíaco ou b) maior capacidade e/ou motivação para alcançar um TCPE verdadeiramente máximo. Questionar sobre o perfil de exercício físico na infância/adolescência pode contribuir para a interpretação da FC máxima no TE.

Palavras-chave: Frequência Cardíaca, Exercício, Esportes, Esforço Físico, Ergometria, Adolescentes, Criança.

Introdução

É amplamente sabido que o exercício físico regular é um dos principais componentes de um estilo de vida saudável e parece contribuir para a redução da mortalidade cardiovascular1,2. Uma análise recente com mais de 600 mil casos identificou que os indivíduos de meia-idade podem ganhar até quatro anos de sobrevida quando fisicamente ativos3. Em linhas gerais, o hábito de exercício físico deve ser estimulado desde a infância, e, idealmente, ser mantido até o final da vida. Alguns estudos sugerem que crianças e adolescentes fisicamente ativos possuem uma maior probabilidade de manterem hábitos de exercício físico regular na vida adulta4-7. Em tese, pode-se supor que indivíduos adultos que quando jovens experimentaram exercício físico de alta intensidade teriam maior predisposição para realizar um esforço efetivamente máximo caso necessário.

O Teste de Exercício (TE), frequentemente denominado teste ergométrico8,9, é um dos exames complementares mais utilizados em cardiologia8. Durante um TE são avaliadas as respostas cardiorrespiratórias e eletrocardiográficas a um esforço progressivo e programado para levar o indivíduo à exaustão. O desempenho aeróbico em um TE ou TCPE está muito relacionado ao patamar habitual de exercício físico do indivíduo, sendo apreciavelmente melhor naqueles que se mantêm fisicamente ativos. Por outro lado, a FC máxima é inversamente relacionada à idade e parece não depender do grau de treinamento aeróbico atual do indivíduo10. Em realidade, níveis altos de FC máxima em um TE ou TCPE têm se mostrado como indicadores de bom prognóstico clínico em indivíduos de meia-idade11,12.

Em um contexto clínico, é possível que a experiência passada do indivíduo com esforço máximo influencie na sua motivação em completar um TE verdadeiramente máximo. Sendo assim, hipotetizamos que indivíduos com histórico de exercício físico intenso e/ou participação desportiva competitiva na infância/adolescência tenderiam a alcançar uma FC máxima mais alta, quando expressa em percentual do valor máximo previsto pela idade, em um TCPE clínico.

Métodos

Amostra

Foram analisados, retrospectivamente, todos os indivíduos que se submeteram pela primeira vez a uma avaliação em uma clínica privada de Medicina do Exercício, incluindo um Teste Cardiopulmonar de Exercício máximo (TCPE), no período de janeiro de 2010 a março de 2012. Foram excluídos todos os indivíduos que faziam uso regular de medicação de ação cronotrópica negativa ou que possuíam marca-passo cardíaco e aqueles em que o TCPE foi interrompido antes do máximo fisiológico, mais frequentemente por razões clínicas tais como angor ou dispneia relevante e/ou por anormalidades eletrocardiográficas (taquiarritmias supraventriculares e/ou ventriculares e infradesnivelamento de segmento retificado ou descendente superior a 3 mm) ou hemodinâmicas importantes. Foram também excluídos todos os indivíduos que estavam envolvidos em esporte competitivo por ocasião da avaliação. Após a aplicação dos critérios de exclusão, foram identificados 600 indivíduos (65,8% do sexo masculino) com idade entre 11 e 87 anos (46,3 ± 13,6).

Como é rotina nessa clínica desde 1994, todos os indivíduos foram avaliados por indicação dos seus médicos assistentes, ou, em alguns poucos casos, por decisão do médico executante dentro de uma perspectiva clínica como parte de uma avaliação pré-participação desportiva e/ou orientação de exercício físico. Foi obtido e assinado um termo de consentimento livre e informado após esclarecimento de eventuais dúvidas e feita uma autorização formal para a utilização dos dados com finalidades científicas e estatísticas desde que preservado o anonimato do indivíduo. O presente protocolo de avaliação e a análise retrospectiva dos dados foram devidamente aprovados por comitê de ética em pesquisa de acordo com os termos da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Protocolos

Classificação do Perfil de Exercício Físico na Infância/Adolescência (PEFIA)

Mediante uma anamnese detalhada e dirigida foram colhidas informações sobre os exercícios físicos praticados na infância e adolescência e classificados em uma escala ordinal crescente tipo Likert de cinco possibilidades. Para efeito de classificação do PEFIA, os dados foram agrupados em escores de 0 a 4. sendo: 0 - sedentário ou muito pouco ativo; 1 - algo ativo, com padrão de exercício físico inferior ao recomendado para a faixa etária; 2 - ativo ou moderadamente ativo, com padrão de exercício físico dentro do esperado ou compatível com a faixa etária; 3 - mais ou muito ativo, com padrão habitual de exercício físico acima do tipicamente esperado para a faixa etária; 4 - competitivo ou bastante ativo, com padrão regular de exercício físico compreendendo alta intensidade e/ou grande volume (frequência versus duração) ou participação em esporte competitivo. Exemplos para cada um dos escores são apresentados na tabela 1. Quando havia grande variação no perfil de exercício físico regular o escore final contemplava uma ponderação dos períodos de tempo correspondentes. Para a análise retrospectiva do presente estudo, a informação descrita na história clínica padronizada foi classificada independentemente pelos dois autores. Os raros casos de discórdia (menos de 4%) foram posteriormente reavaliados conjuntamente e tomada uma decisão final quanto ao escore na PEFIA. Em nenhum dos casos houve discordância separadas por mais de um nível.

Teste Cardiopulmonar de Exercício Máximo (TCPE)

Após uma consulta médica, com anamnese clínica, exame físico e, integrando uma avaliação mais abrangente, os indivíduos submeteram-se ao TCPE com análise direta dos gases expirados no exercício (VO2000; Medgraphics, Estados Unidos) em ciclo-ergômetro de membros inferiores (CG-04; Inbrasport, Brasil) (76,5%) e/ou esteira rolante (ATL; Inbrasport, Brasil) (23,5%), conforme a experiência prévia do indivíduo e/ou objetivo do procedimento, em um protocolo individualizado de rampa objetivando uma duração ao redor de 10 minutos. Ao longo e especialmente ao final do TCPE, os indivíduos eram estimulados verbalmente a persistir no exercício visando obter um resultado verdadeiramente máximo13-15. Nenhum dos TCPE foi interrompido com base em valores previstos da FC máxima. A natureza máxima do exercício, mais facilmente avaliada pelo TCPE, além de confirmada pelo indivíduo sendo avaliada e pelo laudo do médico supervisor do procedimento, foi corroborada em todos os testes, pela simultaneidade de obtenção de um resultado de Borg de 10, identificação de um limiar anaeróbico e pelo padrão em formato de U dos equivalentes ventilatórios13,14,16.

Durante o TCPE, a FC foi obtida através de um registro eletrocardiográfico em uma derivação (CM5 ou CC5) (Elite Ergo PC 3.1.2.5 ou 3.3.4.3 Micromed, Brasil), iniciando no período de repouso imediatamente pré-teste e prosseguindo a cada minuto no esforço e até, pelo menos, cinco minutos após a finalização do exercício. A partir desse traçado eletrocardiográfico, foi medida a FC pelo software nas mesmas derivações. A FC máxima obtida nos últimos segundos do TCPE foi então expressa como um percentual da FC máxima prevista, calculada pela equação derivada de uma meta-análise17 e que é exatamente a mesma obtida em uma amostra de mil brasileiros saudáveis18 - FC máxima = 208 - 0,7 x (idade). Os 600 TCPE incluídos no presente estudo (período de 27 meses) foram realizados por apenas quatro médicos experientes no procedimento.

Análise estatística

Os principais dados obtidos nos 600 indivíduos foram submetidos a análise descritiva. Para a comparação dos resultados entre os cinco escores do PEFIA foram realizadas duas análises: a) regressão linear entre os resultados dos escores e do percentual obtido da FC máxima prevista; e b) comparação entre os resultados dos percentuais obtidos da FC máxima prevista entre subgrupos de escores de PEFIA por teste-t ou por análise de variância, dependendo do número de médias envolvidas. Foram ainda comparados e analisados os resultados pelos quatro médicos e pelos dois ergômetros para esses conjuntos de escores agrupados. Para comparações nas distribuições das frequências nos escores isolados ou agrupados utilizou-se o teste de qui-quadrado. Em adendo, foi calculada a porcentagem do total de indivíduos da amostra que obtiveram uma FC máxima inferior a <90% e superior a >100% da FC máxima prevista pela fórmula. Admitiram-se 5% como nível de significância estatística e intervalo de confiança de 95%. Para todos os cálculos e para a elaboração das figuras foi utilizado o software Prism 5.04 (Graphpad, Estados Unidos).

Resultados

Metade dos indivíduos tinha entre 36 e 56 anos de idade. A altura foi de (média ± desvio padrão) 171,7 ± 9,2 cm e o peso corporal de 77,5 ± 16,0 kg. Com base nos critérios de exclusão, notadamente a exclusão de indivíduos em uso de medicações de ação cronotrópica negativa, com destaque para os betabloqueadores, a amostra teve um perfil clínico mais de prevenção primária, com muitos casos de hipertensão arterial, obesidade e dislipidemia e apenas 3,54% de indivíduos com doença coronariana conhecida. Apenas 192 (32%) indivíduos da amostra eram aparentemente saudáveis. O perfil clínico da amostra era bastante variado, conforme é detalhado na tabela 2.

Os dados da classificação do PEFIA indicam que 20% dos indivíduos tiveram pouco ou nenhuma experiência desportiva na infância/adolescência, contrastando com apenas 13% com vivência desportiva competitiva ou participação muito importante em exercício físico regular - escore 4. Os indivíduos classificados como escore 4 no PEFIA também eram mais jovens do que aqueles sedentários na juventude - 44 vs. 50 anos de idade. A FC máxima no TCPE variou entre 113 e 214 bpm, correspondendo a 75% e 119% da FC máxima prevista para a idade. Em apenas 12,5% dos TCPE, a FC máxima ficou abaixo de 90% do valor predito, e em 40% excedeu o valor previsto pela equação de idade. Dentre os 16 indivíduos com valores de FC máxima (% da prevista para a idade) superior a 110% do percentual previsto para a idade, 11 tinham PEFIA 0-2 e os outros 5 tinham PEFIA 3-4. Apenas 20 indivíduos (3,3%) igualaram ou excederam 200 bpm no TCPE, nenhum deles com escores de PEFIA 0 ou 1. Os resultados de FC máxima, expressa como percentual da FC máxima prevista para a idade, obtida para os cinco escores de PEFIA, variaram entre 96% e 99%, com uma associação positiva (p = 0,02). Quando os escores eram agrupados, os resultados de FC máxima obtida (% da FC máxima prevista) foram discretamente menores para 0-1 - 97,2% e 2 - 97,7% do que para 3-4 - 98,9%. Quando os resultados são analisados pelos extremos dos escores agrupados (0-2 e 3-4) observa-se uma tendência a percentuais maiores da FC máxima (p = 0,034), conforme é ilustrado na figura 1. O VO2 máximo obtido no TCPE variou entre 34% e 217% do previsto para a idade/gênero, com um valor médio muito próximo ao previsto - 99,3%. Concomitantemente, há um progressivo aumento do VO2 máximo acompanhando a magnitude dos escores agrupados (p < 0,001).


Os principais dados para cada um dos cinco escores de PEFIA são apresentados na tabela 3, sendo possível observar uma tendência para que os TCPE dos indivíduos classificados nos escores 0 e 4 sejam, respectivamente, menos e mais frequentemente feitos em esteira rolante (p = 0,01), contudo, quando os escores foram agrupados em 0-2 e 3-4, essa diferença de ergômetro deixou de existir (p = 0,18). Não houve nenhuma diferença nos resultados de FC máxima obtida (% da FC máxima prevista) entre os TCPE supervisionados pelos quatro diferentes médicos (p = 0,62).

Discussão

No estado atual do conhecimento, ainda não estão completamente elucidados ou consensualmente aceitos os mecanismos fisiológicos e/ou perceptivos que definem o limite de um esforço máximo19-21 e a análise das diversas teorias ou possibilidades extrapola o objetivo do presente artigo. Contudo, para efeito prático e para a quase totalidade das aplicações clínicas, o TE deve ser verdadeiramente máximo para que seja possível aumentar a probabilidade de identificar anormalidades no funcionamento dos sistemas corporais, que são mais frequentemente observadas nos níveis mais intensos e/ou no pico do esforço. Isso é provavelmente ainda mais relevante, com o aumento considerável do número de indivíduos de meia-idade (correspondente a cerca de 50% da nossa amostra) que estão iniciando participações em eventos aeróbicos de massa, tais como meias-maratonas, maratonas, provas ciclísticas de estrada, provas de natação de águas abertas, triatlos e provas cross-country ou corridas de aventura22,23.

Não obstante, a realização de um TE verdadeiramente máximo não é uma tarefa simples e implica que o avaliador e o paciente estabeleçam uma boa interação, com adequada confiança mútua e um alto grau de motivação e de cooperação, condições que nem sempre são facilmente obtidas ou observadas na prática clínica cotidiana. Em realidade, tanto médicos como os pacientes podem, pelas mais variadas razões, evitar o desconforto e o estresse do esforço verdadeiramente máximo. Nesse contexto, a competência e a experiência do médico supervisor (avaliador) do TE parece ser muito importante para assegurar que um esforço máximo seja alcançado. Por exemplo, muito equivocadamente, não é infrequente que TE sejam interrompidos, quando a Frequência Cardíaca (FC) alcança níveis próximos ou idênticos aos valores máximos preditos pela idade, provavelmente prejudicando a interpretação clínica dos resultados. Quando o TE é realizado com a coleta e análise de gases expirados, denominado Teste Cardiopulmonar de Exercício (TCPE), pode ser mais fácil identificar e caracterizar um esforço máximo24, ainda que permaneça sempre algum grau de subjetividade nesse aspecto.

Ao melhor do nosso conhecimento, a hipótese testada no presente estudo é original, não tendo sido objeto de estudos anteriores. A coleta cuidadosa das informações e a posterior classificação do PEFIA, o reduzido número de médicos especializados supervisionando a realização do TCPE e as características da amostra, tanto em tamanho como nos seus perfis demográfico e clínico, são pontos fortes do presente estudo. Vale destacar que, consoante com os critérios de exclusão aplicados, nenhum dos 600 indivíduos da amostra estava regularmente envolvido com esporte competitivo por ocasião da realização do TCPE.

A partir dos resultados encontrados, foi evidenciada uma tendência para uma FC máxima mais alta (% do previsto para idade) com o aumento da quantidade de exercício e esporte praticados na juventude. A FC máxima média foi cerca de 9 bpm mais alta no TCPE para aqueles indivíduos que na infância e adolescência tiveram um histórico desportivo competitivo ou que praticavam exercício físico em níveis acima do esperado para a faixa etária, quando comparado aos demais indivíduos com PEFIA de sedentário, ou seja escore 0 na classificação de exercício físico - 175 vs. 166 bpm. Contudo, deve-se destacar que houve considerável superposição de dados entre todos os subgrupos, de modo que inatividade na infância não deve ser considerada como uma explicação fisiológica regular para uma FC máxima relativamente baixa em um TE ou TCPE. Observa-se também que o VO2 máximo é maior no grupo que praticou exercício físico competitivo ou de alta intensidade durante a infância e adolescência.

Interessantemente, não houve diferença entre os valores de FC máxima (% da prevista para a idade) quando foram comparados os TCPE realizados pelos quatro diferentes médicos, sugerindo que a forma de condução dos procedimentos deve ter sido semelhante e que não introduziu um fator interveniente na análise dos resultados. Como a escolha do ergômetro para a realização do TCPE depende das condições clínicas e dos objetivos da avaliação, é natural que possa ocorrer uma diferença estatística pontual entre determinados subgrupos. Contudo, quando os escores de PEFIA foram analisados entre os subgrupos O-2 vs. 3-4, essa diferença dos ergômetros desapareceu. Na realidade, dados publicados anteriormente pelo nosso laboratório sugerem que, apesar das reconhecidas diferenças fisiológicas, é normalmente possível obter valores máximos de FC tanto em TCPE realizados em cicloergômetro de membros inferiores como em esteira rolante, quando é feita uma escolha individualizada e adequada para um dado indivíduo15. Outra evidência recente18, corroborando a validade de mesclar os resultados dos TCPE máximos nos dois ergômetros, foi obtida em um estudo que determinou a regressão entre FC máxima e idade em mil indivíduos, sendo 613 TCPE em ciclo e 387 TCPE em esteira rolante, encontrando-se uma equação exatamente a idêntica da literatura (FC máxima = 208 - 0,7 x idade (anos)). Isso não teria acontecido se os dados obtidos nos TCPE em ciclo tivessem sistematicamente subestimado a FC máxima.

Há diversas maneiras de medir ou estimar o perfil de exercício físico. O sistema de classificação do PEFIA utilizado no presente estudo foi desenvolvido e vem sendo aplicado em nosso laboratório há cerca de dois anos, sendo este artigo o primeiro em que são analisados os seus dados. Considerando a pequena discordância identificada entre os dois avaliadores - apenas 4% dos casos e nunca por mais de um ponto na escala de escores -, pode-se considerar como promissor esse sistema de classificação dos perfis de exercício físico. Contudo, sua utilização mais ampla e genérica deverá ser previamente validada em estudos futuros específicos.

O delineamento do presente estudo gera, contudo, algumas limitações. A análise retrospectiva e baseada em autorrespostas dos indivíduos testados pode ter introduzido alguns vieses que não puderam ser controlados ou identificados. Em adendo, deve-se destacar que não foi formalmente testada a aplicação dos resultados em amostras ou populações com características distintas daquelas do presente estudo. O estudo não foi mecanístico e, assim, não foi possível caracterizar se essa FC máxima discretamente mais alta nos indivíduos que foram mais ativos na juventude se deve a algum efeito crônico real e que persiste na vida adulta sobre o cronotropismo cardíaco ou se mais simplesmente reflete a motivação e a capacidade de tolerar um esforço verdadeiramente máximo, algo experimentado por esses indivíduos no passado. Por outro lado, o presente estudo abre perspectivas para que estudos futuros avancem na análise da influência de dados de perfis passado remoto ou recente de exercício físico e/ou esporte sobre as variáveis cardiovasculares e respiratórias obtidas durante TE e TCPE.

Conclusão

Os resultados do presente estudo contribuem para o corpo de conhecimento e para a utilização clínica da ergometria ao evidenciar que o histórico desportivo e/ou de exercício físico mais intenso na juventude pode influenciar no valor final da FC máxima (% da prevista para a idade) no TCPE, sugerindo que a inclusão do questionamento sobre esse perfil pode ser útil na realização do procedimento e na interpretação dos resultados a serem obtidos.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa, Obtenção de dados, Análise e interpretação dos dados, Análise estatística, Redação do manuscrito e Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Balassiano DH, Araújo CGS; Obtenção de financiamento: Araújo CGS.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi parcialmente financiado pelo CNPq / FAPERJ.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Débora Helena Balassiano pela Universidade Gama Filho.

Artigo recebido em 22/11/12, revisado em 26/12/12, aceito em 07/01/13.

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  • Correspondência:

    Claudio Gil Soares de Araújo
    CLINIMEX
    Rua Siqueira Campos, 93/101
    CEP 22031-070, Rio de Janeiro, RJ- Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013

    Histórico

    • Recebido
      22 Nov 2012
    • Revisado
      26 Dez 2012
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