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Efeito da plástica mitral nas variáveis do teste cardiopulmonar em pacientes com insuficiência mitral crônica

Resumos

FUNDAMENTO: A plástica valvar mitral é o procedimento cirúrgico de escolha para pacientes com Insuficiência Mitral (IM) crônica. Os bons resultados imediatos e tardios permitem a indicação cirúrgica antes do início dos sintomas. O teste cardiopulmonar de exercício (TCPE) pode avaliar objetivamente a capacidade funcional, mas pouco se conhece o efeito da cirurgia em suas variáveis. OBJETIVOS: Avaliar os efeitos da plástica mitral nas variáveis do TCPE em pacientes com IM crônica. MÉTODOS: Foram selecionados 47 pacientes com IM grave e submetidos plástica da valva mitral, sendo nestes, realizado TCPE ± 30 dias antes da cirurgia, e de seis a 12 meses após a cirurgia. RESULTADOS: Houve predominância da classe funcional I ou II pela NYHA em 30 pacientes (63,8%) e 34 pacientes (72,3%), respectivamente. Após a cirurgia foi observado uma diminuição significativa do consumo de oxigênio (VO2), de 1.719 ± 571 para 1.609 ± 428 mL.min-1, p = 0,036. Houve redução do Oxygen Uptake Efficiency Slope (OUES), de 1.857 ± 594 para 1.763 ± 514, p = 0,073 e o pulso de oxigênio (O2) aumentou após a cirurgia, de 11,1 ± 3,2 para 11,9 ± 3,2 mL.bat-1 (p = 0,003). CONCLUSÃO: A plástica da valva mitral, não determinou aumento do VO2 pico e do OUES apesar do remodelamento cardíaco positivo observado após sete meses de cirurgia. Entretanto, o pulso de O2 aumentou no pós-operatório, sugerindo melhora do desempenho sistólico do VE. O TCPE é uma ferramenta útil, podendo auxiliar na conduta médica em pacientes com IM.

Insuficiência da Valva Mitral; Exercício; Reabilitação


BACKGROUND: Mitral valve repair is the surgical procedure of choice for patients with chronic Mitral Regurgitation (MR). The good early and late results allow surgical indication before symptom onset. The cardiopulmonary exercise test (CPET) can objectively assess functional capacity, but little is known about the effect of surgery on their variables. OBJECTIVE: Evaluate the effects of mitral repair on CPET variables in patients with chronic MR. METHODS: A total of 47 patients with severe MR were selected; these patients underwent mitral valve repair and were submitted to CPET ± 30 days before surgery, as well as six to 12 months after the surgery. RESULTS: There was predominance of functional class I or II NYHA in 30 (63.8%) and 34 patients (72.3%), respectively. A significant decrease in oxygen consumption (VO2) was observed after surgery, from 1,719 ± 571 to 1609 ± 428 mL min-1, p = 0.036. There was a decrease in Oxygen Uptake Efficiency Slope (OUES) from 1,857 ± 594 to 1763 ± 514, p = 0.073 and oxygen pulse (O2) increased after surgery, from 11.1 ± 3.2 to 11.9 ± 3, 2 mL.beat-1 (p = 0.003). CONCLUSION: The mitral valve repair did not increase peak VO2 and OUES despite positive cardiac remodeling observed seven months after surgery. However, O2 pulse increased postoperatively, suggesting improved LV systolic performance. The CPET is a useful tool to assist in the medical management of patients with MR. (Arq Bras Cardiol. 2013; [online].ahead print, PP.0-0)

Mitral Valve Insufficiency; Exercise; Rehabilitation


Efeito da plástica mitral nas variáveis do teste cardiopulmonar em pacientes com insuficiência mitral crônica

Dorival Julio Della Togna; Alexandre Antônio da Cunha Abizaid; Romeu Sérgio Meneghelo; David Costa de Souza Le Bihan; Auristela Isabel de Oliveira Ramos; Samira Kaissar Nasr; Felipe Souza Maia; Zilda Machado Meneghelo; Amanda Guerra de Moraes Sousa

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Dorival Julio Della Togna Rua Correia de Lemos, 525 / 61, Chácara Inglesa CEP 04140-000, São Paulo, SP - Brasil E-mail: dtogna17@yahoo.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: A plástica valvar mitral é o procedimento cirúrgico de escolha para pacientes com Insuficiência Mitral (IM) crônica. Os bons resultados imediatos e tardios permitem a indicação cirúrgica antes do início dos sintomas. O teste cardiopulmonar de exercício (TCPE) pode avaliar objetivamente a capacidade funcional, mas pouco se conhece o efeito da cirurgia em suas variáveis.

OBJETIVOS: Avaliar os efeitos da plástica mitral nas variáveis do TCPE em pacientes com IM crônica.

MÉTODOS: Foram selecionados 47 pacientes com IM grave e submetidos plástica da valva mitral, sendo nestes, realizado TCPE ± 30 dias antes da cirurgia, e de seis a 12 meses após a cirurgia.

RESULTADOS: Houve predominância da classe funcional I ou II pela NYHA em 30 pacientes (63,8%) e 34 pacientes (72,3%), respectivamente. Após a cirurgia foi observado uma diminuição significativa do consumo de oxigênio (VO2), de 1.719 ± 571 para 1.609 ± 428 mL.min-1, p = 0,036. Houve redução do Oxygen Uptake Efficiency Slope (OUES), de 1.857 ± 594 para 1.763 ± 514, p = 0,073 e o pulso de oxigênio (O2) aumentou após a cirurgia, de 11,1 ± 3,2 para 11,9 ± 3,2 mL.bat-1 (p = 0,003).

CONCLUSÃO: A plástica da valva mitral, não determinou aumento do VO2 pico e do OUES apesar do remodelamento cardíaco positivo observado após sete meses de cirurgia. Entretanto, o pulso de O2 aumentou no pós-operatório, sugerindo melhora do desempenho sistólico do VE. O TCPE é uma ferramenta útil, podendo auxiliar na conduta médica em pacientes com IM.

Palavras-chave: Insuficiência da Valva Mitral/cirurgia, Exercício, Reabilitação.

Introdução

Nas últimas décadas, ocorreu notável progresso no entendimento da patofisiologia, manejo clínico e tratamento da insuficiência mitral (IM). Os avanços nos métodos diagnósticos e nas técnicas cirúrgicas, com possibilidade cada vez maior de preservação do aparato valvar e da função ventricular esquerda, vem despertando interesse crescente nessa doença.

A presença de sintomas de insuficiência cardíaca é uma importante ferramenta na avaliação do paciente com IM, sendo um forte marcador da qualidade de vida e de indicação cirúrgica, conforme as diretrizes atuais1-3.

No paciente com IM assintomática e boa função ventricular, a cirurgia pode ser considerada se houver alta probabilidade de plástica mitral com sucesso, porém esta estratégia não é universalmente aceita4.

Entretanto, em pacientes com IM crônica, os sintomas podem aparecer somente nas fases tardias da doença e, por vezes, com comprometimento miocárdico irreversível. Além disso, a avaliação da classe funcional (CF) é subjetiva e prejudicada em diversas situações como no sedentarismo, comum no idoso, na autolimitação ao exercício, na obesidade ou na presença de problemas ortopédicos.

O teste cardiopulmonar de exercício (TCPE) avalia a capacidade de exercício de forma mais objetiva, minimizando os aspectos subjetivos da anamnese. No paciente portador de valvopatia, o TCPE poderia avaliar a presença de sintomas, sua capacidade funcional e a repercussão hemodinâmica.

Poucos estudos foram realizados utilizando o TCPE em pacientes com IM e os efeitos da correção valvar mitral, incluindo a preservação da função ventricular esquerda, na capacidade de exercício5,6.

Objetivos

Avaliar a influência da plástica mitral nas variáveis do teste cardiopulmonar de exercício em pacientes com IM crônica, grave, orgânica e não isquêmica.

Métodos

Foram selecionados pacientes consecutivos, com diagnóstico de IM crônica, grave, não isquêmica e com indicação de correção cirúrgica baseada nas diretrizes da AHA/ACC1, acompanhados no ambulatório de pré-operatório da Seção Médica de Valvopatias do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, no período de agosto de 2008 a janeiro de 2011.

Foram excluídos pacientes com doença coronária, valvopatia associada, cirurgia cardíaca prévia, miocardiopatia dilatada não relacionada a IM e doença pulmonar moderada ou grave.

O TCPE foi realizado em esteira ergométrica da marca Inbramed, e o analisador de gases utilizado foi da marca Medical Graphics Corporation® (Minnesota, EUA) modelo Cardio O2 com medida direta dos gases expirados, utilizando sensores que permitem a análise respiração a respiração (breath-by-breath), com plotagem em tempo real, da média de sete expirações. Os pacientes respiravam somente por meio de um adaptador bucal plástico acoplado a pneumotacômetro de diferença de pressão do tipo Pitot, descartável, não valvulado e com 20 ml de espaço morto, tendo sido a cavidade nasal ocluída com grampo.

O protocolo do exercício em esteira rolante foi o de Bruce, modificado de forma a torná-lo do tipo em rampa, com incrementos mais suaves a cada dois minutos. A fase de recuperação foi ativa nos dois primeiros minutos, com velocidade de 2,7 km/h, sem inclinação, e os quatro restantes, com o paciente sentado em cadeira. A intensidade do esforço foi considerada satisfatória, e o exercício classificado como máximo, se a razão de trocas respiratórias (RER) atingisse valores iguais ou superiores a 1,10 associadas a sintomas de esforço máximo, fadiga ou dispneia.

As seguintes variáveis foram obtidas para análise e expressas em formato tabular ou gráfico: consumo de oxigênio (VO2) no limiar anaeróbico e pico atingido, pulso de oxigênio (VO2/FC), VE/VCO2slope, razão de trocas respiratórias - RER (VCO2/VO2) e a inclinação da curva representativa da relação logarítmica entre a ventilação e o consumo de oxigênio (OUES, Oxygen Uptake Efficiency Slope).

Inicialmente, todas as variáveis foram sujeitas a uma avaliação exploratória, descritiva e gráfica (Box-Plot), com a finalidade de observar o comportamento das medidas e também identificar possíveis erros de digitação e casos outliers. Os resultados foram resumidos em média e desvio padrão (DP), mediana e percentis 25 (Per 25) e 75 (Per 75) para variável quantitativa e em frequências, absolutas (n) e relativas (%), para variável qualitativa.

A distribuição das medidas quantitativas também foi avaliada pelo teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov. Quando a distribuição normal não foi rejeitada o teste t de Student pareado foi aplicado para a comparação antes e após a cirurgia. Quando a normalidade foi rejeitada ou para medida qualitativa ordinal, o teste não paramétrico de Wilcoxon foi utilizado nesta comparação.

A presente investigação foi aprovada pelo Comitê de Ética do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, em reunião de 04.01.2008, conforme o parecer nº 3.596. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Entre agosto de 2008 e janeiro de 2011, 47 pacientes (média das idades de 48,5 e DP = 17,5 anos) e sexo masculino em 30 pacientes (63,8%) foram consecutivamente e prospectivamente avaliados. A etiologia predominante foi a degenerativa (35 pacientes - 74,5%), 34 pacientes (72,3%) estavam em classe funcional I ou II pela NYHA e três pacientes (6,4%) apresentavam FA permanente.

As principais características clínicas pré-operatórias, expressas em frequência (n e %) estão inseridas na tabela 1.

A descrição da técnica cirúrgica realizada nos 47 pacientes do estudo estão sumarizadas na Tabela 2.

Dos 47 pacientes que realizaram a plástica valvar mitral, 33 pacientes (70,2%) evoluíram com refluxo residual ausente, mínimo ou discreto, três pacientes (6,4%) com refluxo residual discreto a moderado, sete pacientes (14,9%) com refluxo residual moderado, dois pacientes (4,3%) com refluxo residual moderado a importante e dois pacientes (4,3%) com refluxo residual importante. Os dois pacientes com IM residual importante não realizaram o TCPE pós-operatório por terem sido reoperados antes e foram excluídos do banco de dados do TCPE. Os demais pacientes com IM residual estão em acompanhamento clínico.

Os estudos ecocardiográficos pré e pós-operatórios foram realizados em média 42,2 (7,8) dias (mediana = 22,5 dias) antes e 218,1 (37,2) dias (mediana = 203,0 dias) após a cirurgia.

Após a cirurgia houve significativas reduções das medidas ecocardiográficas de remodelamento cardíaco, conforme pode ser observado na Tabela 3.

Os TCPE foram realizados em média 31,6 (29,4) dias (mediana = 22,0 dias) antes e 219,1 (38,3) dias (mediana = 201,0 dias) após a cirurgia.

Após a plástica mitral, houve redução significativa do VO2 pico. A variável VE/VCO2slope não apresentou diferença significativa nas médias dos valores pré e pós-operatório e o OUES evoluiu com leve redução após a cirurgia de 1.857 (594) para 1.763 (514), p = 0,073. O pulso de O2 após a cirurgia aumentou de 11,1 (3,2) para 11,9 (3,2) mL.bat-1, p = 0,003. A Tabela 4 mostra as comparações pré e pós-operatórias das variáveis analisadas do TCPE e a Figura 1 apresenta os perfis individuais das medidas pré e pós-operatória do VO2, pulso de O2 e OUES.


Discussão

A IM crônica apresenta patofisiologia complexa e impõe sobrecarga volumétrica ao VE, podendo levar à queda irreversível de sua contratilidade. As condições favoráveis de carga imposta ao VE durante longo período de sua história natural permite que o paciente se mantenha com poucos sintomas ou assintomático, mesmo na presença de disfunção contrátil do VE7,8.

O tratamento definitivo da IM crônica e grave é o cirúrgico e inclui a troca valvar mitral e a plástica mitral. A plástica mitral tem algumas vantagens em relação à troca valvar, incluindo a não obrigatoriedade de terapia anticoagulante em pacientes com ritmo sinusal, preservação da integridade ventrículo-valvar, manutenção da função ventricular esquerda e menor mortalidade no pós-operatório imediato e tardio9,10.

As diretrizes atuais1-3 recomendam a intervenção cirúrgica na IM grave e crônica na presença de sintomas de insuficiência cardíaca ou se houver evidências de disfunção ventricular esquerda, HAP ou aparecimento de fibrilação atrial. Na ausência de sintomas e de marcadores de mau prognóstico o momento ideal de indicação cirúrgica é controverso, mesmo se houver alta probabilidade de plástica mitral com sucesso4. Em estudo de Rosenhek e cols.11, os pacientes com IM assintomática foram seguidos clinicamente e de forma cautelosa, estratégia conhecida como watchful waiting, com bons resultados clínicos até o início dos sintomas ou de evidências de disfunção ventricular esquerda, HAP ou fibrilação atrial.

As diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia3 recomendam o seguimento clínico do paciente assintomático com boa função sistólica do VE, com reavaliações periódicas a cada seis a 12 meses e monitoramento dos parâmetros ecocardiográficos.

Portanto, a presença de sintomas é um importante marcador de indicação cirúrgica. As limitações e as dificuldades de se quantificar a classe funcional de forma adequada, principalmente no indivíduo sedentário, sugerem a necessidade de uma avaliação mais precisa12. O TCPE preenche essa lacuna, pois fornece de forma quantitativa e não invasiva a CF, além de inúmeras variáveis para estratificação prognóstica13. Entretanto, o TCPE permanece pouco entendido e subutilizado na prática clínica atual. Isso se deve, em grande parte, aos custos relacionados à captação e análise dos gases expirados e à falta de proficiência de pessoal habilitado na aplicação do teste e interpretação dos resultados.

A avaliação combinada do teste ergométrico convencional e das medidas diretas do consumo de oxigênio (VO2), produção de gás carbônico (VCO2) e da ventilação (VE), analisadas individualmente ou associadas em diversas combinações, fornecem uma análise detalhada e integrada das respostas ao exercício envolvendo os sistemas cardiovascular, pulmonar, hematopoiético, muscular e neuropsicológico.

Poucos trabalhos têm avaliado a capacidade de exercício após a cirurgia cardíaca, particularmente no paciente portador de doença valvar14-16. Em estudo de Le Tourneau e cols.5 o TCPE, a angiografia por radionuclídeo e amostras de sangue para avaliação do estado neuro-hormonal foram obtidos antes e antes de um ano (216 ± 80 dias) após a cirurgia em 40 pacientes com IM não isquêmica (24 pacientes submetidos ao reparo com sucesso e 16 a troca valvar). Apesar da melhora da classe funcional avaliada pela NYHA, a performance de exercício não se modificou após a correção cirúrgica da IM (VO2 pico de 19,3 ± 6,1 mL . kg-1.min.-1 para 18,5 ± 5,6 mL.kg-1.min.-1 e porcentagem alcançada do VO2 máx. predito de 79,5 ± 18,2% para 76,8 ± 16,9%) em todos os pacientes, independentemente do tipo de cirurgia realizada. Também não houve diferenças entre os grupos, antes e após a cirurgia, na tolerância máxima ao exercício avaliado pelo pulso de O2 pico ou pela porcentagem do VO2 predito, assim como nos pacientes classificados de acordo com a FE pré-operatória (< 60% em 14 pacientes e > 60% em 26 pacientes) com respeito à porcentagem do VO2 máx. predito pós-operatório (74,2 ± 16,5% versus 77,1 ± 17,7%) ou VO2 máx. (18,1 ± 6,9 mL.kg-1 . min.-1 versus 18,1 ± 4,7 mL.kg-1.min.-1). Portanto, não houve melhora da tolerância ao exercício após a cirurgia de correção da IM em pacientes não treinados e o autor considera que esse resultado poderia ser justificado pelo próprio descondicionamento físico induzido pela valvopatia ou pelo curso pós-operatório.

Além disso, no período pós-operatório precoce de uma cirurgia cardíaca, muitos fatores, podem contribuir para uma redução da capacidade de exercício em relação ao nível pré-operatório, dentre eles podemos citar: piora ventilatória (por derrame pleural, atelectasia ou paralisia do nervo frênico), IC congestiva, anemia, mobilidade diminuída das costelas e do esterno, taquicardia sinusal, FA, disfunção ventricular esquerda transitória e fadiga global17-19.

O objetivo principal desse estudo foi avaliar os efeitos da plástica valvar mitral nas variáveis do TCPE em pacientes com IM crônica e isolada. Os resultados pré e pós-operatórios das variáveis do TCPE foram comparados, e o TCPE pós-operatório foi realizado após um período de progressivo e significativo remodelamento cardíaco, conforme comprovado pelo estudo ecocardiográfico realizado em média oito meses após a cirurgia valvar.

Como poderia se esperar, o ecocardiograma pós-operatório revelou expressiva redução dos volumes atrial e ventricular esquerdo, além de redução da pressão em artéria pulmonar. A fração de ejeção apresentou redução significativa após a cirurgia, porém mantendo-se dentro da faixa de normalidade no momento pós-operatório. Essas observações sugerem que os pacientes envolvidos no estudo tiveram sua indicação e intervenção cirúrgica realizada antes do início de disfunção ventricular esquerda irreversível.

Em ambos os momentos pré e pós-operatório a qualidade ou intensidade do esforço foi considerada satisfatória, como demonstrada pela relação de troca gasosa (RER) > 1,10 e, portanto, preenchido os critérios de maximalidade do esforço.

Após a cirurgia o VO2 pico diminuiu significativamente de 1719 ± 571 para 1609 ± 428 mL.min-1 (p = 0,036) e a porcentagem alcançada do VO2 máx. predito diminuiu de 75,5 ± 16,9% no pré-operatório para 70,1 ± 10,8% no pós-operatório (p = 0,017).

O VO2 máx. é uma importante variável do TCPE por ser considerada a métrica que define o limite do sistema cardiopulmonar13 e representa o nível máximo do metabolismo oxidativo envolvendo grandes grupos musculares20. Esta variável, de acordo com a equação de Fick, trata-se do produto do débito cardíaco e da diferença arteriovenosa de oxigênio (Dif. a-v O2). Os principais determinantes do VO2 máx. são fatores genéticos e a quantidade de musculatura envolvida no exercício, e também depende do sexo, idade e superfície corporal, além do nível de treinamento ou condicionamento físico17. O VO2 máx. é considerado reduzido quando abaixo de 80% do valor predito.

Embora tenha havido variação individual em nosso estudo, o não aumento do VO2 pico ou a sua porcentagem predita, já foi observado em poucos trabalhos prévios realizados em pacientes com IM submetidos à cirurgia5,6. Em estudo de Kim HJ e cols.6, com 31 pacientes submetidos à plástica mitral, o TCPE realizado antes e um ano após a cirurgia não mostrou melhora significativa nos valores do VO2 pico (VO2 pico pré-operatório de 23,1 ± 6,2 mL.kg-1.min-1 e pós-operatório de 22,9 ± 6,4 mL .kg-1.min-1, p = 0,82). Os autores desse estudo sugerem que o TCPE pode ser útil em determinar o momento da cirurgia e o valor pré-operatório do VO2 pico de 18,5 mL.kg-1.min-1 poderia ser usado como marcador de melhora do grau funcional.

O pulso de O2 fornece uma estimativa do volume sistólico do VE e reflete a quantidade de O2 transportada e consumida pelo organismo em cada batimento cardíaco. É considerado um forte preditor de mortalidade em pacientes com doença cardiovascular21. Em nosso estudo, o pulso de O2 pico apresentou um significativo aumento após a cirurgia, de 11,1 ± 3,2 para 11,9 ± 3,2 mL. bat-1 (p = 0,003), sugerindo melhora da performance do ventrículo esquerdo.

A variável VE/VCO2slope não apresentou diferença significativa após a cirurgia de plástica mitral, com valor pós-operatório de 34,43 ± 4,61. Essa relação descreve a eficiência ventilatória durante o esforço, mostrando a quantidade de ar que deve ser ventilada para eliminar 1L de CO2 e os valores normais se situam entre 20,00 e 30,0018. No estudo de Arena e cols.22 uma relação VE/VCO2slope superior a 34,00 foi um marcador prognóstico desfavorável em pacientes com IC e disfunção ventricular esquerda. Não encontramos na literatura informações sobre o comportamento dessa variável em pacientes com IM submetidos à plástica mitral, porém os resultados de nossa casuística, revelaram valores pós-operatórios próximo do limiar de mau prognóstico.

Após a cirurgia, o OUES diminuiu de 1857 ± 594 (78,6 ± 15,5% do predito) para 1763 ± 514 (74,7 ± 14,6% do predito). Também não encontramos na literatura o comportamento dessa variável após a cirurgia cardíaca em pacientes com IM, entretanto, uma redução do OUES foi observada em pacientes com doença arterial coronária, submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica, quando comparados aos pacientes submetidos à angioplastia transluminal percutânea, assim como houve uma melhora significativa desta variável após treinamento físico23. A melhora do OUES também tem sido observada após treinamento físico em pacientes com IC,24 sugerindo que um determinado VO2 seja alcançado com um custo ventilatório menor. Estudos prévios sugerem que o OUES é fortemente correlacionado com o VO2 pico25,26.

Em nosso estudo, é provável que a redução do OUES e do VO2 observado sete meses após a cirurgia tenha ocorrido pelo descondicionamento físico e falta de treinamento dos pacientes em programas de reabilitação.

Os benefícios dos programas de recondicionamento físico após a plástica mitral foram observados em estudo multicêntrico prévio, com aumento significativo do VO2 pico de 22% e do limiar anaeróbio de 16%, independentemente de idade, sexo, função ventricular esquerda, presença de FA, concentração de hemoglobina ou uso de medicação (betabloqueador ou inibidor da enzima de conversão da angiotensina27.

Conclusões

Podemos concluir que, neste estudo prospectivo de pacientes com IM crônica submetidos à plástica mitral e que não participaram de programas de reabilitação cardíaca no pós-operatório, não houve melhora da capacidade de exercício avaliada pelo TCPE após sete meses de cirurgia, apesar da expressiva remodelação cardíaca positiva. O pulso de O2 aumentou após a cirurgia, sugerindo melhora do desempenho sistólico do ventrículo esquerdo.

Os resultados deste estudo reforçam a necessidade dos pacientes realizarem reabilitação física após a cirurgia de plástica mitral. Os programas de recondicionamento físico permitiriam uma abordagem mais adequada e completa para os pacientes no seu curso pós-operatório.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de Doutorado de Dorival Julio Della Togna pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.

Artigo recebido em 02/09/12, revisado em 25/11/12, aceito em 21/12/12.

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  • Correspondência:

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013

    Histórico

    • Recebido
      02 Set 2012
    • Aceito
      21 Dez 2012
    • Revisado
      25 Nov 2012
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