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O EcoDopplercardiograma na doença hepática crônica: revisão sistemática

Resumos

FUNDAMENTO: O ecoDopplecardiograma (Eco) tem-se firmado como método não invasivo de excelente acurácia no rastreio de hipertensão portopulmonar (HPP) e pesquisa dos shunts intrapulmonares (SIP) na doença hepática crônica (DHC). Nesta última década, concretizou-se o Eco como de fundamental importância no diagnóstico da cardiomiopatia cirrótica (CMC). OBJETIVO: Realizar uma revisão sistemática envolvendo artigos relevantes sobre a temática: o Eco na DHC. MÉTODOS: Em novembro de 2011, realizou-se uma revisão sistemática a partir das bases de dados da Pubmed, LILACS e SciELO, sendo relatadas as características dos estudos selecionados. RESULTADOS: Foram encontrados 204 artigos a partir da busca de descritores e um termo livre, sendo 179 da Pubmed, 21 da LILACS e 01 da SciELO. Destes, foram selecionados 22 artigos para revisão sistemática, não sendo possível, pois, fazer uma meta-análise devido à heterogeneidade dos mesmos. CONCLUSÃO: O Eco deve fazer parte da estratificação da DHC para o rastreio de HPP, SIP e da CMC, já que a maioria das vezes, o diagnóstico dessas complicações ocorre nos pacientes na fila de transplante hepático.

Ecocardiografia Doppler; Hepatopatias; Síndrome Hepatopulmonar; Esquistossomose; Hipertensão Portal


BACKGROUND: Doppler echocardiography (Echo) is a non-invasive method of excellent accuracy to screen portopulmonary hypertension (PPH) and to assess intrapulmonary shunts (IPS) in chronic liver disease (CLD). In the past decade, Echo proved to play a fundamental role in the diagnosis of cirrhotic cardiomyopathy (CCM). OBJECTIVE: To perform a systematic review of relevant articles on the subject 'Echo in CLD'. METHODS: In November 2011, a systematic review was performed in the PubMed, LILACS and SciELO databases, and the characteristics of the studies selected were reported. RESULTS: The search based on descriptors and free terms obtained 204 articles (179 in Pubmed, 21 in LILACS, and 1 in SciELO). Of those 204 articles, 22 were selected for systematic review. A meta-analysis could not be performed because of the heterogeneity of the articles. CONCLUSIONS: Echo should be part of CLD stratification for screening PPH, IPS and CCM, because, most of the time, such complications are diagnosed only when patients are already waiting for a liver transplant.

Echocardiography, Doppler; Liver Diseases; Hepatopulmonary Syndrome; Schistosomiasis; Portal Hypertension


O EcoDopplercardiograma na doença hepática crônica: revisão sistemática

Vitor Gomes Mota; Brivaldo Markman Filho

Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE - Brasil

Correspondência Correspondência: Brivaldo Markman Filho Av. Visconde de Jequitinhonha, 2544/1902, Boa Viagem CEP 51130-020, Recife, PE - Brasil E-mail: brimark@cardiol.br, brivaldomarkman@uol.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: O ecoDopplecardiograma (Eco) tem-se firmado como método não invasivo de excelente acurácia no rastreio de hipertensão portopulmonar (HPP) e pesquisa dos shunts intrapulmonares (SIP) na doença hepática crônica (DHC). Nesta última década, concretizou-se o Eco como de fundamental importância no diagnóstico da cardiomiopatia cirrótica (CMC).

OBJETIVO: Realizar uma revisão sistemática envolvendo artigos relevantes sobre a temática: o Eco na DHC.

MÉTODOS: Em novembro de 2011, realizou-se uma revisão sistemática a partir das bases de dados da Pubmed, LILACS e SciELO, sendo relatadas as características dos estudos selecionados.

RESULTADOS: Foram encontrados 204 artigos a partir da busca de descritores e um termo livre, sendo 179 da Pubmed, 21 da LILACS e 01 da SciELO. Destes, foram selecionados 22 artigos para revisão sistemática, não sendo possível, pois, fazer uma meta-análise devido à heterogeneidade dos mesmos.

CONCLUSÃO: O Eco deve fazer parte da estratificação da DHC para o rastreio de HPP, SIP e da CMC, já que a maioria das vezes, o diagnóstico dessas complicações ocorre nos pacientes na fila de transplante hepático.

Palavras-chave: Ecocardiografia Doppler, Hepatopatias, Síndrome Hepatopulmonar, Esquistossomose; Hipertensão Portal

Introdução

A doença hepática crônica (DHC) apresenta elevada incidência e prevalência em todo o mundo1. Entre as suas principais causas, destacam-se a ingestão crônica e excessiva de álcool e as hepatites virais1. Os achados ecocardiográficos em pacientes com DHC têm sido estudados desde 19772. Todavia, a associação da doença hepática com o sistema cardiovascular foi descrita há mais de 50 anos3. A relação entre a hepatopatia crônica e o aparelho cardiovascular tem sido definida como cardiomiopatia cirrótica (CMC)3,4. Por outro lado, o comprometimento do sistema respiratório pela DHC tem sido denominada síndrome hepatopulmonar5.

A deterioração da função hepática é marcada pelo aumento do óxido nítrico e outros mediadores inflamatórios, que têm sido implicados na vasodilatação esplâncnica e diminuição da complacência arterial, atuando assim, na fisiopatogenia da CMC e da síndrome hepatopulmonar3-5. Zardi e cols3 e Moller e cols.4 definem, assim, a CMC como uma disfunção cardíaca crônica em pacientes com cirrose hepática e/ou hipertensão portal, caracterizada por brusca queda da resposta contrátil cardíaca ao estresse físico, patológico ou farmacológico, mas com débito cardíaco normal em repouso. Já a síndrome hepatopulmonar é caracterizada como uma tríade de DHC, diferença alvéolo-arterial (DA-aO2) > 15 mmHg ou pressão parcial de oxigênio (PaO2) < 80 mmHg e a ocorrência de shunt intrapulmonar (SIP)5-13.

A atualização sobre esta temática pode auxiliar os profissionais da saúde no diagnóstico precoce e tratamento das complicações cardiopulmonares nos hepatopatas crônicos. Esta revisão sistemática tem por objetivo analisar os artigos publicados sobre a ocorrência de alterações ecocardiográficas em pacientes com DHC.

Métodos

Estratégia de pesquisa

A revisão sistemática da literatura foi elaborada a partir das bases de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MedLine), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Scientific Electronic Libray Online (SciELO), tendo a busca de dados ocorrido em novembro/2011. Executou-se uma estratégia de pesquisa, cruzando-se os descritores (DeCS) - palavras-chaves para recuperação de assunto da literatura científica e termos livres (TL) - Termos não encontrados no DeCS e Mesh, mas de importância para a busca dos dados da temática.

Na Pubmed, foi realizada uma estratégia de busca utilizando a sintaxe: "echocardiography" (Mesh) AND "cirrhotic cadiomyopathy" (termo livre), "echocardiography" (Mesh) AND "schistosomiasis" (Mesh), "echocardiography" (Mesh) AND "hepatopulmonary syndrome" (Mesh), "echocardiography" (Mesh) AND "portal hypertension" (Mesh). Na LILACS e SciELO foram utilizadas as palavras-chave: "ecocardiografia", "cardiomiopatia cirrótica", "esquistossomose", "síndrome hepatopulmonar" e "hipertensão portal".

Critérios de seleção

Os critérios de inclusão dos estudos encontrados pelas buscas nas bases de dados foram: ser artigos originais (excluindo-se editoriais e estudo de caso); ter como sujeitos de pesquisa indivíduos portadores de hepatopatia crônica; abordar as alterações nas funções cardíacas, através do ecoDopplercardiograma (Eco), nesta população. Estar publicado nos idiomas português, inglês e espanhol. Foram excluídos estudos que não referiam as alterações ecocardiográficas na doença hepática crônica no título do manuscrito.

Análise dos dados

A seleção dos artigos encontrados com a busca nas diferentes bases dos dados foi realizada em três etapas. Na primeira, foi realizada a leitura dos títulos dos estudos encontrados. Excluíram-se aqueles que sem dúvida não se adaptavam a qualquer um dos critérios de inclusão deste estudo. Na segunda etapa, foi realizada a leitura dos resumos dos estudos selecionados na primeira etapa. Novamente, rejeitaram-se aqueles que de modo claro não se enquadravam em qualquer um dos critérios de inclusão predeterminados. Na terceira etapa, todos os estudos que não foram retirados nessas duas primeiras etapas, foram lidos por completo para seleção dos que seriam incluídos nesta revisão.

Na base de dados MedLine, via PubMed, cruzando-se as palavras-chave e o termo livre, obtiveram-se 204 artigos, dos quais 120 trabalhos foram excluídos pelo título, 84 resumos foram lidos; e 32 artigos foram selecionados para leitura na íntegra, sendo 22 escolhidos para revisão sistemática (Figura 1).


Nas bases de dados SciELO e LILACS foram encontrados 22 artigos, tendo todos sido excluídos pelo título.

Um único artigo foi excluído por apresentar idioma alemão. Obtiveram-se 7 artigos repetidos (Figura 1).

Resultados

Características gerais dos estudos incluídos (Tabela 1)

Pôde-se observar que a linha de pesquisa da ecocardiografia na DHC, dividiu-se em três áreas de estudo: Hipertensão portopulmonar, síndrome hepatopulmonar e CMC, nesta última, destaca-se a apreciação da disfunção diastólica. A intensificação da produção dos manuscritos pôde ser evidenciada na década de noventa e na primeira década do século XXI.

A distribuição geográfica das publicações foi marcada pela predominância de publicações na Europa (40%), destacando-se a Itália e a Espanha. Em segundo lugar, aparece o Continente Americano (22%), com ressalto para o Brasil, que entre todos os países, foi o que mais produziu artigos sobre o assunto (18%). Houve apenas um manuscrito multicêntrico14.

Vinte e um artigos foram do tipo observacional. Houve apenas um estudo tipo coorte14. A média do tamanho da amostra dos manuscritos foi de 50 pacientes. O artigo15 com menor número de participantes apresentou 15 indivíduos e o com maior número, 13016. Na maioria dos trabalhos, houve um predomínio do sexo masculino, exceto um artigo7. A idade média dos indivíduos incluídos nos estudos ficou em torno dos 50 anos. Apenas dois estudos13,17 tiveram crianças em sua amostra. Um único trabalho15 não apresentou grupo controle e somente dois13,18 tiveram pacientes esquistossomóticos sem outra hepatopatia crônica associada, sendo as amostras dos demais manuscritos compostas por pacientes cirróticos.

A prevalência de SIP variou de 15% a 82%16,19. O ecocardiograma transtorácico contrastado (ETTc) apresentou sensibilidade de 75% e especificidade de 100% na detecção do SIP, em relação ao ecocardiograma transesofágico contrastado (ETEc)6.

Enfatiza-se que todos estudos17,18,20-23 nos quais se avaliaram, concomitantemente, a pesquisa de hipertensão portopulmonar e os parâmetros ecocardiográficos do ventrículo direito (VD), verificou-se a superioridade da acurácia diagnóstica da cateterização das câmaras cardíacas direitas sobre o ecocardiograma transtorácico, assim como aumento das câmaras cardíacas direitas e/ou disfunção do VD em relação ao grupo controle. A variação da prevalência de hipertensão portopulmonar foi de 4 a 15%21,23. O ecocardiograma transtorácico apresentou sensibilidade de 100% e especificidade de 80% na detecção de hipertensão portopulmonar comparando com a cateterização das câmaras cardíacas direitas23.

Cronologia dos estudos

Estudos da década de 80

A avaliação ecocardiográfica da DHC teve seus primeiros artigos publicados na década de 80 do século passado, apesar de relato de avaliação ecocardiográfica desde 1977 em artigo encontrado fora da estratégia desta revisão2. A primeira publicação, seguindo nossos critérios de pesquisa, ocorreu em 198415, seguindo-se com a publicação de dois trabalhos na mesma década, havendo um período de dez anos sem a publicação de artigos sobre esta temática.

Verifica-se que as duas publicações da década de 8015,19, preocuparam-se em atestar a ocorrência de SIP em pacientes com DHC. Sanno e cols.15, em 1984, avaliaram a presença de SIP através do ETTc. Miimidis e cols.19, em 1988, compararam a acurácia diagnóstica do ETTc com a cintilografia pulmonar de perfusão com macroagregados de albumina marcados com o radiofármaco Tecnécio99m (Tc99mMAA), demonstrando a superioridade diagnóstica do ETTc. No final dessa década, Keller e cols.24, coletaram parâmetros do ventrículo esquerdo (VE) e achados sugestivos da CMC começaram a ser elucidados: o aumento dos volumes diastólicos e sistólicos finais do VE após a inserção da derivação percutânea porto-sistêmica intra-hepática24.

Estudos da década de 90

Os estudos da década de 909,10 centralizaram em comparar o ETTc com o ETEc para o diagnóstico de SIP. Vedrinne e cols.9, em 1997, não tiveram amostra significativa para comparar os métodos. Em 1999, Aller e cols.10, demonstraram melhor acurácia diagnóstica do ETEc, assim como correlacionaram graus menores de SIP com menores hipercapnia e capacidade de difusão de monóxido de carbono.

Estudos do século XXI

Na virada do século XXI, surge a tendência do estudo pela hipertensão portopulmonar e parâmetros do VD22. Em avaliação com 83 pacientes, Auletta e cols.22, em 2000, demonstraram alta prevalência de hipertensão portopulmonar (20%) e de disfunção diastólica do VE e maiores diâmetros do átrio direito e VD em pacientes com DHC avançada quando comparados ao grupo sem hipertensão portopulmonar e ao grupo controle. Como limitação, este foi o único estudo, entre aqueles que investigaram hipertensão portopulmonar, em que não se comparou o ecocardiograma transtorácico à cateterização das câmaras cardíacas direitas, considerado exame padrão ouro no diagnóstico de hipertensão portopulmonar. A partir deste último artigo, os trabalhos alternaram-se em focalizar a pesquisa de hipertensão portopulmonar17,20,21,23,25 assim como confrontação diagnóstica do ecocardiograma transtorácico com a cateterização das câmaras cardíacas direitas20,21,23, o rastreio de SIP6,7,11-13,16,26, comparação de acurácia diagnóstica do ETc e ETEc na pesquisa de SIP6,12, comparação da sensibilidade diagnóstica entre a ecocardiografia e a Tc99mMAA na investigação de SIP13,19,26, a avaliação da função diastólica tanto do VD quanto do VE7,11,14,17,25,27,28. Um único estudo28 é citado utilizando a ecocardiografia sob estresse com dobutamina e outro25 avaliando a média de variação do strain do VE. Ressalta-se que alguns dos trabalhos11,14,16,20,21,23,25-28 neste período, analisaram a correlação dos dados dos métodos diagnósticos com os critérios de gravidade da DHC, em especial o Child-Pugh-Turcotte e Model for End-Stage Liver Disease.

Os trabalhos com investigação de SIP foram retomados em 2004, após cinco anos sem artigos sobre o assunto. Kim e cols., em estudo seccional com 130 pacientes16, relataram que 82% apresentaram SIP ao ETTc. Houve correlação do grau de SIP com o score de Child-Pugh-Turcotte. Semelhantemente ao que ocorreu no final da década de 90, outros dois manuscritos6,12 publicados no Brasil confirmaram a superioridade diagnóstica do ETEc sobre o ETTc, embora Pavarino e cols., em 2004, relataram eficácia semelhante entre o ETTc e o ETEc.

Ainda no mesmo contexto, em estudo transversal com 41 pacientes portadores de síndrome hepatopulmonar, Zamirian e cols.7, em 2007, descreveram o aumento do volume atrial esquerdo como preditor desta síndrome7. Em outro manuscrito11, Lenci e cols.11, em 2008, também correlacionaram os shunts de maior gradação com a hipoxemia, assim como, associaram o grau de SIP com um maior grau de descompensação hepática, através da classificação de Child-Pugh-Turcotte. Outro achado importante deste estudo foi que o aumento do grau de SIP na posição vertical não foi estatisticamente superior à posição supina.

Contemplando a investigação dos SIP, El-Shabraw e cols.13 em 2010, fizeram uma análise comparativa entre o ETTc e a Tc99mMAA13. Ao contrário dos dois estudos anteriores19,29, além de ser um dos únicos trabalhos realizados em crianças, o manuscrito demonstrou uma maior prevalência de SIP nos pacientes que realizaram Tc99mMAA, quando comparado ao ETTc. Neste mesmo ano, Fischer e cols.12, utilizando o ETEc, descreveram uma maior A-aO2 nos pacientes com SIP.

A retomada pelos artigos direcionados à CMC, foi realizada por Pozzi e cols.27, em 2005. No trabalho com 100 pacientes, evidenciou-se a presença de hipertrofia excêntrica do VE e presença de disfunção diastólica mais evidente nos cirróticos pelo vírus da hepatite C Child-Pugh-Turcotte classe A, do que os pacientes portadores do vírus da hepatite B e do grupo controle.

Em 2010, Rabie e cols.14, em estudo com 101 pacientes, a única coorte desta revisão, realçaram que a disfunção diastólica leve foi preditiva de baixa depuração de ascite e morte após a instalação da derivação percutânea porto-sistêmica intra-hepática. Neste mesmo ano, Kim e cols. 28, reafirmaram que os pacientes cirróticos que se abstiveram de álcool por um período de seis meses, quando submetidos à ecocardiografia sob estresse, apresentaram mais disfunção diastólica, baixa prevalência de doença arterial coronariana, queda da fração de ejeção, aumento dos volumes diastólicos e sistólicos do VE, do que o grupo controle. O último trabalho25 abordando a CMC inovou. Kazankov e cols, em 2011, verificaram a média de variação do strain reduzida em todos pacientes cirróticos.

Discussão

Observa-se nesta revisão sistemática um levantamento do que foi produzido em relação ao tema "ecocardiografia na doença hepática crônica". Não se pôde fazer um metanálise, devido à elevada heterogeneidade e inconsistência de informações entre os estudos incluídos nesta revisão. Não se têm relatos utilizados para análise da seleção dos sujeitos de pesquisa, assim como o cálculo do tamanho da amostra, ou se esta foi realizada por conveniência.

Outros dados não encontrados na maioria dos trabalhos foram: gravidade da DHC, características clínicas e sócio-demográficas dos pacientes, o tempo decorrido entre o diagnóstico e o período em que o estudo foi realizado. Apenas a faixa etária e sexo pareceram ser propriedades homogêneas. A faixa etária de 40 a 70 como a de maior prevalência para DHC, talvez esteja imbricada no longo período de evolução da doença.

A maioria dos manuscritos tinha como etiologia da DHC a cirrose hepática. Neste grupo de pacientes, houve uma maior tendência à avaliação da função diastólica e a comparação entre os métodos diagnósticos no rastreio do SIP. Nota-se que os estudos, em que os pacientes hepatopatas crônicos tinham como etiologia a EHE, houve uma propensão à pesquisa de hipertensão portopulmonar e estudo do VD. Apenas o Brasil e o Egito publicaram estudos com pacientes portadores de esquistossomose hepatoesplênica, provavelmente pela presença de regiões endêmicas nestes países13,18. Alguns artigos de nossa busca descreveram explicitamente que os pacientes analisados apresentaram doença hepática mista concomitante20-22,28 (Tabela 1).

É importante ressaltar que, atualmente, para definição da CMC, faz-se necessário afastar outras causas de doença cardíaca subjacente (doença coronariana, hipertensão arterial ou doença valvar) e excluir causas de cirrose hepática, como algumas etiologias (ex., sobrecarga de ferro e consumo de álcool), que têm impacto na estrutura e função do miocárdio3,4, o que claramente só foi considerado no trabalho de Kim e cols.28, em 2010. A maioria dos artigos que avaliaram a CMC, nesta revisão, não excluíram os pacientes alcoolistas.

Através de nossa pesquisa e também fora da estratégia de nossa busca, verificamos que a ecocardiografia é o exame padrão ouro no diagnóstico dos SI30, da CMC3,4 e do rastreio de hipertensão portopulmonar31. Embora seja um método sistematizado, padronizado, confiável, de fácil utilização e reprodutibilidade para pesquisa dessas patologias, ainda existe certa heterogeneidade na padronização da gradação e padronização da metodologia da investigação do SIP6,7,9-13,15,16,19,29. Apesar de que, para fins práticos, estas discrepâncias não alteram a presença dos SIP. Porém, faz-se necessária a uniformização universal da técnica de rastreio dos SIP para que futuras metanálises sejam realizadas sobre o tema em questão. Tais resultados remetem à necessidade de estudos mais detalhados nessa população, considerando-se a heterogeneidade encontrada. Por conseguinte, são necessários mais investimentos em métodos sistemáticos e testes padronizados.

Conclusão

Verificamos nesta revisão que a CMC é subdiagnosticada em pacientes com DHC, pois, na maioria das vezes, o diagnóstico só ocorre nas fases terminais da doença. Entre os critérios diagnósticos da CMC, a disfunção diastólica está estabelecida, principalmente, quando avaliada pelo Doppler Tissular e pulsátil, assim como o volume do átrio esquerdo. Quando avalia-se a função sistólica, a utilização da ecocardiografia sob estresse e o strain cardíaco foram pouco estudados.

No contexto do diagnóstico dos SIP, o exame ecocardiográfico com contraste é considerado atualmente o padrão ouro. Faz-se a ressalva de que, quando o ETTc for duvidoso ou a janela acústica insatisfatória, o ETEc é recomendado.

O ecocardiograma deve fazer parte do rastreamento dos pacientes com DHC visto que os pacientes com disfunção sistólica e/ou diastólica e hipertensão portopulmonar têm maior morbimortalidade. Uma melhor compreensão dos achados ecocardiográficos, sobretudo a utilização do strain e da ecocardiografia 3D, nos pacientes com DHC poderão melhorar o manuseio desses pacientes.

Agradecimentos

Ao Prof. Dr. Hilton Justino da Silva pela colaboração e orientação valiosa na construção do artigo.

Co-Investigadores

Liana Gonçalves Macedo (Aluna do Doutorado em Medicina Tropical - UFPE), Mônica Moraes de Chaves Becker (Chefe do setor de Ecocardiografia UFPE), Edmundo Pessoa de Almeida Lopes (Prof. Adjunto UFPE), Ana Lúcia Coutinho Domingues (Prof. Adjunta UFPE).

Potencial de conflitos e interesses

Declaro não haver conflitos de interesse.

Fontes de financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação acadêmica

Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Vítor Gomes Mota pelo Centro de Ciências da Saúde - UFPE.

Artigo recebido em 18/05/12, revisado em 03/08/12, aceito em 09/10/12.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013

    Histórico

    • Recebido
      18 Maio 2012
    • Aceito
      09 Out 2012
    • Revisado
      03 Ago 2012
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