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Medida do consumo máximo de oxigênio: valioso marcador biológico na saúde e na doença

PONTO DE VISTA

Medida do consumo máximo de oxigênio: valioso marcador biológico na saúde e na doença

Claudio Gil Soares de AraújoI,II; Artur Haddad HerdyIII,IV,V; Ricardo SteinVI,VII

IPrograma de Pós-Graduação em Ciências do Exercício e do Esporte - Universidade Gama Filho

IIClínica de Medicina do Exercício (Clinimex), Rio de Janeiro, RJ

IIIInstituto de Cardiologia de Santa Catarina

IVClínica Cardiosport

VUniversidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), Florianópolis, SC

VIDepartamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS

VIIVitta Exercício & Clínica de Saúde, Porto Alegre, RS - Brasil

Correspondência Correspondência: Dr. Claudio Gil S. Araújo CLINIMEX - Clínica de Medicina do Exercício Rua Siqueira Campos, 93/101 22031-070 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil E-mail: cgaraujo@iis.com.br

Palavras-chave: Teste cardiopulmonar de exercício; Ergoespirometria; Ergometria; Condição aeróbica; Aptidão física; Avaliação funcional.

O ser humano depende do oxigênio (O2) atmosférico para sua sobrevivência. Para a realização de um trabalho físico há a necessidade de aumentar a entrada de ar para os pulmões, incrementar a circulação sanguínea e ativar vias metabólicas específicas nos músculos esqueléticos, resultando em uma maior captação e utilização do O2. Respostas integradas dos sistemas respiratório, cardiovascular e muscular em exercícios que envolvam grandes grupos musculares aumentam até um limite que define o consumo máximo de oxigênio (VO2máx) ou condição aeróbica do indivíduo. Considerando que o corpo humano é uma máquina capaz de transformar energia química em trabalho mecânico, ao VO2máx corresponde um desempenho físico, que é definido como Capacidade Funcional Máxima (CFM) e pode ser estimado com bastante acurácia. Excetuando os casos extremos de maior ou menor eficiência mecânica, como atletas muito técnicos no gesto motor ou deficientes físicos com grande redução de funcionalidade, para praticamente todos os demais indivíduos, há, em geral, uma associação significativa entre VO2máx e CFM1. Esse ponto de vista aborda, sucintamente, os principais aspectos históricos e metodológicos e os significados fisiológico, epidemiológico e clínico do VO2máx, além de apontar o seu papel relevante como marcador de saúde e de desempenho físico.

Quando em situações de exercício, mecanismos fisiológicos podem aumentar a ventilação alveolar de 10 a 30 vezes; a frequência cardíaca de 3 a 4 vezes; o débito cardíaco em 5 a 6 vezes; e a extração periférica arteriovenosa de O2 em algumas vezes. Dessa forma, o VO2 aumenta na proporção direta da intensidade do esforço. Enquanto o VO2máx tende a ser maior em homens e a diminuir com o envelhecimento, é na medida do VO2máx que os seres humanos acabam por se diferenciar. Em condições de repouso, um adulto tende a consumir pouco mais de 200 mL de O2 (aproximadamente 1 kcal) por minuto ou algo como 3,5 mL O2.kg-1.min-1. Para simplificar, convencionou-se denominar essa magnitude de gasto energético em repouso como 1 equivalente metabólico (MET). Enquanto alguns cardiopatas, pneumopatas e indivíduos muito idosos podem ser limitados a apenas 3 ou 4 METs ou VO2máx entre 10 e 14 mL O2.kg-1.min-1, homens de meia-idade ativos costumam ter um VO2máx variando entre 25 e 35 mL O2.kg-1. min-1, adolescentes e adultos jovens entre 35 e 55, e atletas de elite em modalidades predominantemente aeróbicas podem até ultrapassar 70 mL O2.kg-1.min-12. Muito embora em um esforço abrupto e de altíssima intensidade um indivíduo jovem e saudável possa alcançar o VO2máx em pouco mais de um minuto, como de fato ocorre em diversas provas desportivas, na prática clínica são utilizados protocolos de teste de exercício com pequenos incrementos ou em rampa lenta, objetivando alcançar um VO2máx ao redor de dez minutos de duração e favorecendo a interpretação das diversas variáveis cardiorrespiratórias e eletrocardiográficas.

Historicamente, sabe-se que os primeiros estudos com medidas de VO2máx foram publicados há mais de uma centena de anos, inclusive contribuindo para que o fisiologista Archibald V. Hill, um dos indivíduos testados e autor desses estudos, viesse a ser laureado com o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 19222. No Brasil, essa medida começou a ser feita primariamente em laboratórios de fisiologia do exercício no início dos anos 1970. Em um passado não tão distante, a avaliação do VO2máx era restrita a alguns centros especializados. No entanto, na atualidade, cresce muito rapidamente o número de locais capazes de efetivamente medir o VO2máx durante um teste cardiopulmonar de exercício máximo (TCPE). Por exemplo, combinando os autores desse ponto de vista, já são mais de 20 mil procedimentos nos últimos 40 anos.

O VO2máx pode ser medido de forma direta através da análise dos gases expirados durante um TCPE ou estimado através de equações baseadas em distância percorridas em um certo tempo - por exemplo, o teste de Cooper - ou na duração de um teste de exercício com determinado protocolo (Bruce ou Ellestad, por exemplo). Mesmo que em algumas circunstâncias a aplicação dessas equações de predição possa resultar em boa associação com os valores obtidos nas medidas diretas, o erro para um dado indivíduo pode ser bastante alto, girando em torno de 15% a 20% e, em raros casos, alcançar ou exceder 30%, uma margem que não é encontrada em outras medidas da área biológica. Desse modo, sempre que possível e consoante com uma tendência atual, é preferível realizar um TCPE verdadeiramente máximo3 e obter medidas diretas e mais precisas do VO2máx.

Em situações nas quais se observa uma limitação no VO2máx ou quando são alcançados valores muito abaixo dos previstos para a idade e sexo, um significado diagnóstico pode advir, especialmente, quando tais resultados passam a ser comparados com testes prévios que apresentaram resultado dentro da normalidade. No entanto, a maior relevância da determinação do VO2máx e da CFM está na sua utilização prognóstica. Estudos clássicos com grandes amostras de indivíduos de meia-idade e idosos de diferentes partes do mundo têm repetidamente encontrado que o risco de mortalidade por todas as causas em seguimentos entre 5 e 20 anos pode variar de uma a cinco vezes para os indivíduos dispostos nos quartis ou quintis mais extremos de VO2máx ou CFM4-6. Para homens adultos de meia-idade, o incremento de 3,5 mL O2.kg-1.min-1 corresponde a um ganho de 12% na expectativa de vida6. Colocando essa informação na devida perspectiva clínica de estratificação de risco individual, pode-se comparar a taxa de mortalidade anual de homens de meia-idade em diferentes condições clínicas e de VO2máx (Tabela 1). Com base nesses dados epidemiológicos, fica claro que possuir um VO2máx (ou CFM) proporcionalmente alto é um forte sinal de saúde e longevidade. Homens que aos 50 anos de idade completam uma corrida de 10 km com tempo inferior a 50 minutos apresentarão um excelente prognóstico no que tange à expectativa de vida nos 5 a 10 anos seguintes7. Por outro lado, "saudáveis" (com avaliação cardiológica normal) com VO2máx inferior a 17 mL O2.kg-1.min-1 (cerca de 50%-60% do previsto para a idade e gênero), apresentam uma taxa de mortalidade anual de aproximadamente 5%6, não muito distinta daquela observada após o diagnóstico de um câncer de intestino, que, de acordo com os dados mais recentes do CDC norte-americano, giram em torno de 7%/ano13.

É interessante notar que um VO2máx elevado ameniza o impacto negativo da presença de outros conhecidos fatores de risco coronariano8. Em paralelo, outras pesquisas com quantificação do padrão de atividade física regular, uma variável também claramente associada ao VO2máx e a CFM, têm encontrado resultados similares e corroborando a impressão clínica9. Nesse sentido, destaca-se um estudo recente envolvendo diversas coortes populacionais compreendendo um total de 650 mil indivíduos com idade entre 21 e 90 anos de idade, que encontrou uma relação fortemente positiva entre realizar atividade física regular e expectativa de vida10.

Posto que o VO2máx é um valioso indicador de saúde e de desempenho físico, vale a pena considerar o papel do exercício aeróbico regular nas diferentes etapas da vida sobre essa variável. Dados recentes indicam que jogadores mais velhos (27 a 36 anos de idade) da elite do futebol profissional mantêm valores de VO2máx similares aos mais jovens (17 a 22 anos de idade), sugerindo que é possível permanecer com níveis bastante altos quando de treinamento apropriado11. Na realidade, esses dados apenas corroboram a observação empírica de que a maior parte dos resultados de excelência em maratonistas, triatletas e ciclistas de estrada de elite ocorre quando eles se encontram na 4ª ou 5ª década de vida. Nesse sentido, é oportuno constatar que evidências recentes sinalizam para uma redução da taxa de mortalidade quando o envelhecimento é acompanhado por um estilo de vida mais ativo e uma queda proporcionalmente menor do VO2máx com a idade12. Pode-se supor que, com a crescente participação de indivíduos de meia-idade e idosos em eventos desportivos de massa (por exemplo, meias-maratonas e maratonas), em um futuro próximo, dados científicos irão identificar ainda mais precisamente os efeitos da desaceleração da redução do VO2máx com a idade sobre a expectativa e a qualidade de vida relacionada à saúde.

Em síntese, ter um VO2máx ou condição aeróbica reduzida, tanto em termos absolutos quanto relativo a idade e sexo, não somente diminui a CFM e prejudica o desempenho físico, como também, o que é mais importante, provoca um enorme impacto negativo sobre a taxa de mortalidade nos anos seguintes. Provavelmente nenhuma outra variável biológica possui tanta relevância para a saúde quanto o VO2máx. Dessa forma, é chegada a hora do cardiologista clínico colocar a mensuração do VO2máx do seu paciente no topo das suas prioridades e decisões, sendo o TCPE o melhor instrumento propedêutico para sua essa medida.

Contribuição dos Autores

Concepção e desenho da pesquisa, Obtenção de dados, Análise e interpretação dos dados, Redação do manuscrito e Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Araújo CGS, Herdy AH, Stein R; Obtenção de financiamento: Araújo CGS.

Potencial Conflito de Interesses

Dr. Claudio Gil Soares de Araújo - Potencial conflito: Auxílios de fabricantes e honorários para palestras - Inbrasport e Micromed.

Dr. Ricardo Stein - Potencial conflito: Auxílio de fabricante e honorários para palestra - Inbrasport.

Fontes de Financiamento

Dr. Claudio Gil Soares de Araújo recebe apoio financeiro do CNPq e da FAPERJ.

Dr. Ricardo Stein recebe apoio financeiro do CNPq e da FAPERGS.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo com dissertações ou teses de programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 29/11/12; revisado em 09/01/13; aceito em 10/01/13.

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  • Correspondência:

    Dr. Claudio Gil S. Araújo
    CLINIMEX - Clínica de Medicina do Exercício
    Rua Siqueira Campos, 93/101
    22031-070 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013
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