Acessibilidade / Reportar erro

Prognóstico da incompetência cronotrópica em idosos diabéticos à ecocardiografia sob estresse físico

Resumos

FUNDAMENTO: A incompetência cronotrópica (IC), definida como a incapacidade de atingir no esforço 80% da frequência de reserva esperada para a idade, é um fator preditor de mortalidade e eventos cardiovasculares e pode conferir pior prognóstico a grupos em expansão devido ao acelerado processo de envelhecimento populacional, como em idosos diabéticos. OBJETIVO: Avaliar o valor prognóstico da IC em idosos diabéticos considerando desfechos com infarto agudo do miocárdio (IAM), doença cerebrovascular (DCV) e óbito geral, e comparar características clínicas e ecocardiográficas entre os que têm IC e os que não têm. MÉTODO: Foram estudados 298 pacientes idosos e diabéticos submetidos a ecocardiografia de estresse sob esforço físico (EF), de janeiro de 2001 a dezembro de 2010. Destes, 109 eram incompetentes cronotrópicos, grupo G1, e foram comparados aos competentes, grupo G2, quanto à ocorrência de eventos cardiovasculares, características clínicas e ecocardiográficas. RESULTADOS: O grupo G1, em relação ao grupo controle, apresentou maior frequência de DCV (9,2% × 3,2; p = 0,027) e maior frequência de óbito para aqueles que sofreram DCV ou IAM. Angina típica e dispneia prévias à realização da EF e sexo masculino foram mais frequentes no G1. A análise das variáveis ecocardiográficas demonstrou que o índice do escore de motilidade do ventrículo esquerdo (IEMVE) de repouso e de esforço, o índice de massa do VE (ventrículo esquerdo) e o diâmetro do AE (átrio esquerdo) foram maiores entre os incompetentes cronotrópicos. CONCLUSÃO: A IC foi associada, de forma independente, à ocorrência de DCV em idosos diabéticos

Envelhecimento da População; Diabetes Mellitus; Ecocardiografia; Estresse Mecânico; Frequência Cardíaca


BACKGROUND: Chronotropic incompetence (CI), defined as failure to achieve less than 80% of age-expected heart rate, is a predictor of mortality and adverse cardiovascular events and may confer a worse prognosis in elderly diabetic individuals. OBJECTIVE: To evaluate the prognostic value of chronotropic incompetence (CI) in elderly diabetic patients considering endpoints with acute myocardial infarction (AMI), cerebrovascular disease (CVD) and overall mortality and compare clinical and echocardiographic characteristics between patients with and without CI. METHOD: A total of 298 elderly diabetic patients undergoing exercise echocardiography (EE) were studied from January 2001 to December 2010. Of these, 109 were chronotropic incompetent (group 1) and were compared with the chronotropic competent ones (group 2) regarding the occurrence of cardiovascular events, clinical and echocardiographic characteristics. RESULTS: Chronotropic incompetents patients showed a higher frequency of cerebrovascular disease (9.2% vs. 3.2, p = 0.027) and higher mortality was observed in those who had cerebrovascular disease or acute myocardial infarction. The presence of typical angina and dyspnea prior to the performance of EE and male gender were more frequent in group 1. Rest and exercise left ventricular wall motion score index, rate of left ventricle mass and left atrium diameter were higher in chronotropic incompetent individuals. CONCLUSION: Chronotropic incompetence was independently associated with the occurrence of cerebrovascular disease in elderly diabetic individuals.

Demographic Aging; Diabetes Mellitus; Echocardiography; Stress, Mechanical; Heart Failure


Prognóstico da incompetência cronotrópica em idosos diabéticos à ecocardiografia sob estresse físico

Juliana Silva SantanaII; José Carlos Sizino Franco FilhoI; Antônio Arestides de Sá NetoI; Enaldo Vieira de MeloI; Nathalie Oliveira de SantanaI; Ana Terra Fonseca BarretoI; Luiza Dantas MeloI; José Augusto Barreto FilhoI,II; Antônio Carlos Sobral SousaI,II; Joselina Luzia Menezes OliveiraI,II

IUniversidade Federal de Sergipe

IIHospital e Clínica São Lucas, Aracaju, SE - Brasil

Correspondência Correspondência: Juliana Silva Santana Av. Jorge Amado, 1500, Edifício Tivoli Residence, apto. 701, Jardins CEP 49025-330, Aracaju, SE - Brasil E-mail: julianasilvasantana@hotmail.com

RESUMO

FUNDAMENTO: A incompetência cronotrópica (IC), definida como a incapacidade de atingir no esforço 80% da frequência de reserva esperada para a idade, é um fator preditor de mortalidade e eventos cardiovasculares e pode conferir pior prognóstico a grupos em expansão devido ao acelerado processo de envelhecimento populacional, como em idosos diabéticos.

OBJETIVO: Avaliar o valor prognóstico da IC em idosos diabéticos considerando desfechos com infarto agudo do miocárdio (IAM), doença cerebrovascular (DCV) e óbito geral, e comparar características clínicas e ecocardiográficas entre os que têm IC e os que não têm.

MÉTODO: Foram estudados 298 pacientes idosos e diabéticos submetidos a ecocardiografia de estresse sob esforço físico (EF), de janeiro de 2001 a dezembro de 2010. Destes, 109 eram incompetentes cronotrópicos, grupo G1, e foram comparados aos competentes, grupo G2, quanto à ocorrência de eventos cardiovasculares, características clínicas e ecocardiográficas.

RESULTADOS: O grupo G1, em relação ao grupo controle, apresentou maior frequência de DCV (9,2% × 3,2; p = 0,027) e maior frequência de óbito para aqueles que sofreram DCV ou IAM. Angina típica e dispneia prévias à realização da EF e sexo masculino foram mais frequentes no G1. A análise das variáveis ecocardiográficas demonstrou que o índice do escore de motilidade do ventrículo esquerdo (IEMVE) de repouso e de esforço, o índice de massa do VE (ventrículo esquerdo) e o diâmetro do AE (átrio esquerdo) foram maiores entre os incompetentes cronotrópicos.

CONCLUSÃO: A IC foi associada, de forma independente, à ocorrência de DCV em idosos diabéticos

Palavras-chave: Envelhecimento da População, Diabetes Mellitus, Ecocardiografia, Estresse Mecânico, Frequência Cardíaca.

Introdução

O envelhecimento populacional acelerado que ocorre, principalmente, em países em desenvolvimento como o Brasil relaciona-se com o aumento de prevalência de doenças crônicas, como diabetes melito (DM) e doenças cardiovasculares1. As principais causas de morte, tanto em idosos como em diabéticos, são a doença arterial coronariana (DAC) e a doença cerebrovascular (DCV)2.

A incompetência cronotrópica (IC) é caracterizada como a incapacidade de atingir no esforço 80% da frequência cardíaca de reserva esperada para a idade e é um fator preditor de mortalidade e eventos cardíacos adversos, mesmo em populações saudáveis3-8. Apesar disso, a IC ainda não é utilizada na prática clínica e suas implicações prognósticas são subestimadas9. Embora seu mecanismo subjacente não seja bem definido, algumas hipóteses vêm sendo propostas, dentre elas a disfunção autonômica10.

Para se obter o diagnóstico e a estratificação de risco de doenças cardiovasculares é necessário o emprego racional de exames complementares de imagem com acurácia comprovada, destacando-se dentre eles a ecocardiografia sob estresse pelo esforço físico (EF)11. A EF, metodologia diagnóstica introduzida em 1979, vem evoluindo progressiva e significativamente nas últimas décadas, e tem importância central no diagnóstico não invasivo da isquemia e viabilidade miocárdicas, estratificação de risco e prognóstico de pacientes com DAC estabelecida12,13. O estresse por esforço físico é indicado como primeira escolha nos pacientes com capacidade física preservada12,14,15.

Vários autores demonstraram que a EF apresenta sensibilidade semelhante à da cintilografia de perfusão miocárdica, mas com maior especificidade, possuindo também maior sensibilidade e especificidade que o teste ergométrico convencional9.

O presente trabalho tem o intuito de observar os idosos diabéticos submetidos à EF com IC e compará-los com os competentes cronotrópicos, com o objetivo de avaliar o valor prognóstico da IC nessa população, considerando como desfecho: infarto agudo do miocárdio, doença cerebrovascular, óbito geral e óbito cardiovascular.

Métodos

Desenho e população

Trata-se de um estudo de coorte retrospectiva de 298 pacientes idosos e diabéticos submetidos à EF, no período entre janeiro de 2001 e dezembro de 2010, no laboratório de ecocardiografia do Hospital São Lucas (Ecolab). O seguimento foi realizado através de contato telefônico a cada dois anos a partir de 2005. Nos casos em que o paciente ou familiar tenha afirmado na ligação telefônica a ocorrência do desfecho, a informação foi ratificada através de resultados de exames e respectivas condutas ou de revisão de prontuário; o óbito foi ratificado no sistema de informação da secretaria estadual de saúde. Foram excluídos os pacientes que apresentavam imagem de má qualidade, doença cardíaca valvar significativa, fibrilação atrial ou impossibilidade de contato telefônico. O banco de dados foi preenchido com informações colhidas de um questionário estruturado contendo dados clínicos, parâmetros ecocardiográficos (resultados da EF) e informações sobre os eventos. O estudo foi realizado por dois observadores do mesmo serviço com larga experiência em EF, seguindo o mesmo protocolo. Para a análise, os 298 pacientes foram divididos em dois grupos: grupo G1, com 109 pacientes que foram incapazes de atingir 80% da FC de reserva estimada para a idade durante a EF e, portanto, preenchiam critério para IC; grupo G2, com 189 pacientes que atingiram 80% da FC de reserva estimada para a idade e, portanto, considerados pacientes do grupo controle. Os grupos foram comparados quanto às características clínicas, ecocardiográficas e ocorrência de eventos cardiovasculares.

Os princípios éticos que regem a experimentação humana foram cuidadosamente seguidos e, previamente à realização da EF, todos os pacientes assinaram termo de consentimento informado, autorizando o uso dos dados contidos no questionário para realização de pesquisas e divulgação posterior dos dados. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe.

Características clínicas

Os dados clínicos foram colhidos e registrados através de entrevistas realizadas antes do procedimento. Foi utilizado um questionário estruturado que investigava peso, altura, sintomas, medicações, fatores de risco para DAC, histórico de cardiopatia. Definiu-se obesidade como índice de massa corpórea maior que 27 kg/m2. Ademais, os resultados de exames laboratoriais prévios foram registrados.

Definiu-se hipercolesterolemia como nível sérico de colesterol total superior a 200 mg/dL (após jejum de 12 h) e hipertrigliceridemia como nível sérico de triglicérides superior a 150 mg/dL (após jejum de 12 h) ou uso de agente antilipidêmico (estatinas e/ou fibratos). Considerou-se hipertensão arterial sistêmica quando os pacientes informavam ter esse diagnóstico (níveis pressóricos aferidos no membro superior, em repouso, maiores ou iguais a 140 × 90 medidos pelo médico assistente) ou quando faziam uso de medicação anti-hipertensiva.

Diabetes melito foi definido pela presença de glicemia em jejum acima de 126 mg/d ou pelo uso de insulina ou agentes hipoglicemiantes orais.

Definiu-se IAM como aumento e diminuição característicos de marcadores específicos para detecção de lesão miocárdica associado a pelo menos uma das condições seguintes: a) sintomas isquêmicos indicativos de isquemia (elevação ou depressão dos seguimento ST); b) desenvolvimento de ondas Q patológicas no eletrocardiograma; c) outras alterações eletrocardiográficas sugestivas. Identificou-se infarto do miocárdio por meio de história clínica, exames complementares prévios (eletrocardiograma, ecocardiograma e/ou cineangiocoronariografia) ou respectivas condutas médicas. Considerou-se infarto antigo se o evento ocorreu previamente à realização da EF, e evento novo o de ocorrência posterior ao exame.

Segundo critérios da Organização Mundial de Saúde, a DCV é uma síndrome clínica que consiste em déficit neurológico de origem vascular de desenvolvimento rápido que persiste por 24 h ou leva à morte, na ausência de outras doenças que poderiam explicar os sintomas. O evento foi confirmado através de revisão de prontuário ou exame complementar de imagem do encéfalo.

Ecocardiografia sob estresse pelo esforço físico

Para registro ecocardiográfico, os pacientes eram acomodados em decúbito lateral esquerdo, para realização da leitura ecocardiográfica em janelas acústicas paraesternais e apicais. As imagens ecocardiográficas foram obtidas através do equipamento Hewlett Packard/Phillips SONOS 5500 com transdutor de 2,5 mHz e gravadas em videocassete ou DVD (Display Video Digital). Adotaram-se técnicas clássicas descritas por Schiller e cols. Todos os pacientes foram submetidos ao protocolo-padrão de Bruce durante o teste ergométrico, a FC foi continuadamente monitorada e os pacientes foram encorajados a alcançar o seu pico máximo de esforço físico. A ocorrência de infradesnivelamento do segmento ST horizontal ou descendente > 1 mm para homens e > 1,5 mm para mulheres a 0,08 s do ponto J foi denominada alteração eletrocardiográfica isquêmica ao exercício.

A motilidade regional da parede do ventrículo esquerdo foi acessada semiquantitativamente por ecocardiografista experiente, com nível III de treinamento, conforme preconizado pela Sociedade Americana de Ecocardiografia. A motilidade no repouso e em exercício foi graduada de 1 a 5 (1 = normal), de acordo com o modelo de 16 segmentos. O índice de escore da motilidade do ventrículo esquerdo (IEMVE) foi determinado em repouso e imediatamente após o exercício, e expresso como a soma do escore dos segmentos dividida pelo número de segmentos visualizados.

A função sistólica ventricular esquerda foi estudada com base na fração de ejeção (pelos métodos de Teicholz e Simpsom), assim como pelo IEMVE em que os pacientes eram classificados como normais (igual a 1), com disfunção ventricular leve (entre 1,01-1,60), com disfunção ventricular moderada (entre 1,6-2,0) e com disfunção ventricular grave (maior que 2,0). O desenvolvimento de alterações de motilidade segmentar induzidas pelo esforço foi considerado indicador de isquemia miocárdica16.

Incompetência cronotrópica

Para evitar vieses de idade e FC de repouso de cada indivíduo, a incompetência cronotrópica foi definida como a incapacidade de atingir 80% da frequência cardíaca de reserva esperada pela idade, calculada pela seguinte equação:

[(FC estágio - FC repouso)/(220 - idade - FC repouso)] × 100

As informações coletadas foram armazenadas no banco de dados construído no software do programa SPSS for Windows. As análises estatísticas foram processadas utilizando-se os programas SPSS 17.0 e STATA 10.0 (versões Trial).

Análise estatística

As variáveis quantitativas foram caracterizadas como média e desvio-padrão, enquanto as variáveis categóricas foram descritas por número de frequência simples e percentual. Na comparação entre os grupos foram utilizados os testes t de Student ou Mann-Whitney para variáveis quantitativas e o teste qui-quadrado (χ2) para variáveis categóricas. A análise multivariada para a identificação dos fatores independentes foi realizada pelo modelo de regressão de Poisson. O nível de significância estatística considerado para todos os testes foi p = 0,05. Para análise de sobrevida livre de eventos foi utilizada a curva de Kaplan Meier.

Resultados

Foram avaliados 298 idosos diabéticos com idade entre 60-91 anos, média de 67,4 anos. Destes, 36,6% (109) foram alocados no grupo G1. A média de seguimento foi de 53,7 ± 32,5 meses.

Na amostra selecionada, os grupos em análise (G1 e G2) eram semelhantes em relação aos fatores de risco cardiovascular (HAS, sedentarismo, etilismo, tabagismo, IMC, história familiar e idade); no entanto, angina típica e dispneia prévias à realização da EF e sexo masculino foram mais frequentes entre os incompetentes cronotrópicos (Tabela 1).

Em relação às variáveis ecocardiográficas, o grupo G1 apresentou maior frequência de dispneia durante a EF, menores frequências cardíacas de repouso, de pico e final, menor pressão arterial sistólica de pico, maior pressão arterial sistólica inicial, maior diâmetro do átrio esquerdo e maior índice de massa do VE. A presença de isquemia miocárdica, traduzida quantitativamente pelo IEMVE, demonstrou que os incompetentes mesmo em repouso são mais isquêmicos do que o grupo controle (Tabela 2).

A observação da ocorrência dos desfechos analisados evidenciou maior frequência de DCV entre os incompetentes cronotrópicos. Não houve diferença entre os pacientes com e sem IC para os desfechos IAM e óbito geral (Tabela 3).

A análise univariada dos fatores em possível associação com a DCV encontrou associação apenas com a variável IC (p = 0,02) (Tabela 4).

Após análise multivariada através da regressão de Poisson para avaliar a associação entre a variável independente DCV e as variáveis dependentes IC, IEMVE de esforço e fração de ejeção (FE), foi observada forte associação da IC com o DCV (p = 0,04) (Tabela 5).

Na comparação entre os pacientes que evoluíram com DCV com os que não evoluíram, verificou-se maior mortalidade no grupo G1 em relação ao G2 (p = 0,004) (Tabela 6). Da mesma forma, ao comparar os pacientes que evoluíram com IAM com os que não evoluíram, verificou-se maior frequência de óbito no grupo dos incompetentes cronotrópicos (p = 0,015) (Tabela 7). Observa-se, portanto, que os incompetentes cronotrópicos apresentam maior mortalidade cardiovascular do que o grupo controle.

O grupo G2 apresentou maior sobrevida livre do desfecho DCV (Figura 1).


Discussão

Na amostra selecionada, os grupos em análise (G1 e G2) eram semelhantes em relação aos fatores de risco cardiovasculares (HAS, sedentarismo, etilismo, tabagismo, IMC, história familiar e idade); no entanto, angina típica e dispneia prévias à realização da EF e sexo masculino foram mais frequentes entre os incompetentes cronotrópicos. A análise das variáveis ecocardiográficas demonstrou que o IEMVE de repouso e de esforço, o índice de massa do VE e o diâmetro do AE foram maiores no grupo G1. A observação da ocorrência dos desfechos analisados evidenciou maior frequência de DCV entre os incompetentes cronotrópicos. Este trabalho não encontrou diferença entre os que têm e os que não têm IC para os desfechos IAM e óbito geral. Entretanto, é notório salientar que, observando-se os pacientes que sofreram DCV ou IAM, foram mais frequentes os óbitos entre os que eram portadores de IC.

Observou-se que os grupos em análise eram semelhantes em relação aos fatores de risco cardiovasculares, o que fortalece o papel da IC por diminuir a influência das outras variáveis e o viés de confusão, na ocorrência dos desfechos cardíacos estudados. A maior presença de angina típica e dispneia prévias à realização da EF e sexo masculino no grupo G1 relaciona a IC a maior prevalência de DAC, semelhante ao encontrado por Travassos e cols.15 segundo os quais os indivíduos que não aumentavam a FC proporcionalmente ao exercício físico eram mais sintomáticos.

Em relação aos parâmetros ecocardiográficos, observou-se que o IEMVE de repouso e de esforço foi maior no grupo dos que apresentavam IC, corroborando achados do trabalho realizado por esse mesmo grupo de estudo, publicado em 20079, em que se avaliou o valor aditivo da IC durante a EF no diagnóstico de DAC, mostrando a associação da IC com doença isquêmica do coração. Semelhantemente, o índice de massa do VE e o diâmetro do AE (átrio esquerdo) foram maiores no grupo dos incompetentes cronotrópicos, sugerindo associação da IC com alterações estruturais cardíacas, o que corrobora estudo recente realizado por Secundo e cols.17, realizado com 1.798 pacientes não idosos, no qual se observou associação da IC com índice de massa do VE, mostrando a importância da atenuação da FC ao exercício físico com anormalidades estruturais do coração, mesmo em pacientes não idosos.

Os resultados relevantes deste estudo consistem na verificação de que os idosos diabéticos com IC apresentaram maior frequência de DCV e maior mortalidade cardiovascular. Especulando-se o porquê de tais achados, o distúrbio autonômico pode ser a resposta. O envolvimento sistêmico do DM, como a neuropatia autonômica cardiovascular, pode desempenhar papel importante no desenvolvimento de complicações cerebrovasculares. A autorregulação cerebral em seres humanos normais acordados é profundamente dependente do tônus vascular e constitui um mecanismo que garante fluxo constante de sangue cerebral (FSC) e, assim, uma fonte de oxigênio suficiente, apesar das variações da pressão arterial. Esse mecanismo é decorrente do funcionamento normal do barorreflexo18,19. Pacientes com diabetes são mais propensos a não manter o fluxo sanguíneo cerebral estável ao longo do dia. Razões para essa associação poderiam ser as perturbações no fluxo sanguíneo cerebral decorrentes da redução da sensibilidade dos barorreceptores por disfunção autonômica19. Hipotetiza-se que a suscetibilidade do cérebro para hipoperfusão e infarto seja uma das explicações para a associação entre neuropatia autonômica e aumento do risco de DCV em pacientes com DM19.

Apesar de não estar bem esclarecida a etiologia da IC, estudos sugerem que esteja relacionada a um distúrbio autonômico6. Pensa-se, pois, que tanto a IC como a ocorrência aumentada de DCV nos idosos diabéticos podem estar relacionadas a uma mesma fisiopatogenia: disfunção autonômica. Precisa-se, no entanto, da realização de estudos metodologicamente bem desenhados para testar essa hipótese.

Diferentemente de outros estudos, não houve diferença entre os que têm e os que não têm IC para o desfecho IAM; possivelmente com uma amostragem população maior essa associação tivesse significância estatística. Anjos-Andrade e cols.8, entre 2000 e 2008, estudando 610 pacientes com isquemia à EF, verificaram que a IC é um marcador de isquemia e DAC grave. Esse achado foi semelhante a um dado prévio de Oliveira e cols.9, mesmo grupo do presente estudo, em que 4.042 pacientes foram seguidos entre 2000 e 2006, e se observou que a IC está associada com maior frequência de isquemia miocárdica durante a EF, reforçando o conceito de que ela é um marcador da gravidade da isquemia miocárdica. Em outro estudo desse mesmo grupo (Oliveira e cols.14, realizado no período de dezembro de 2000 a julho de 2003, com 285 idosos submetidos à EF, demonstrou-se que a IC estava associada a cardiopatia isquêmica e por isso a IC não deve ser subestimada ou considerada fisiológica em idosos.

Diferentemente da maioria das pesquisas, não foi encontrada diferença entre os grupos para o desfecho de óbito geral. Entretanto, é notório salientar que, observando os pacientes que sofreram DCV ou IAM, foram mais frequentes os óbitos entre os que eram portadores de IC, ou seja, houve maior mortalidade cardiovascular nesse grupo. O estudo realizado por Kiviniemi e cols.7 mostrou que a IC é um poderoso preditor de mortalidade cardíaca e fornece informação importante, além da fração de ejeção, em pacientes que sofrem IAM. Sugere, pois, que os pacientes infartados devam ser avaliados durante o seguimento para o comportamento da frequência cardíaca, considerando, portanto, que a IC é importante para estratificação de risco após IAM. Semelhante a uma investigação publicada por Melzer e Dreger em 201020, conclui-se que há associação entre inabilidade de aumentar FC proporcionalmente ao exercício e aumento da mortalidade em pacientes com DAC.

Maior mortalidade cardiovascular e maior frequência de DCV entre os incompetentes cronotrópicos apontam para a necessidade de mais estudos investigando essa associação, bem como para testar hipóteses para possíveis mecanismos relacionados.

Percebe-se que, apesar de a IC já apresentar suas implicações clínicas bem estabelecidas, muitas possibilidades ainda precisam ser investigadas. Este trabalho mostra dados interessantes, abrindo espaço para novos estudos em busca de mais conhecimentos sobre as implicações prognósticas da IC e possível utilização desse fator preditor nos protocolos da prática médica. Apresentou a limitação de ter um número pequeno de desfechos cardiovasculares na população estudada.

Conclusões

A incompetência cronotrópica foi associada de forma independente à ocorrência de doença cerebrovascular em idosos diabéticos e a maior mortalidade cardiovascular nesses pacientes.

Agradecimentos

Agradeço aos pacientes e familiares pela concessão de seus dados clínicos e resultados de exames complementares, fundamentais para a realização desta pesquisa.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa e Análise e interpretação dos dados: Santana JS, Franco Filho JCS, Sá Neto AA, Santana NO, Oliveira JLM; Obtenção de dados: Barreto ATF, Melo LD, Oliveira JLM; Análise estatística: Melo EV; Redação do manuscrito: Santana JS, Franco Filho JCS, Sá Neto AA, Santana NO, Barreto ATF, Melo LD; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Santana JS, Barreto Filho JA, Sousa ACS, Oliveira JLM.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Juliana Silva Santana pela Universidade Federal de Sergipe.

Referências

1. Coeli CM, Ferreira LG, Drbal Mde M, Veras RP, Camargo KR Jr, Cascão AM. Mortalidade em idosos por diabetes mellitus como causa básica e associada. Rev. Saúde Pública. 2002;36(2):135-40.

2. Galon MZ, Meireles GC, Kreimer S, Marchiori GG, Favarato D, Almeida JA, et al. Perfil clínico-angiográfico na doença arterial coronariana: desfecho hospitalar com ênfase nos muito idosos. Arq Bras Cardiol. 2010;95(4):442-9.

3. Vittorio TJ, Lanier G, Zolty R, Sarswat N, Tseng CH, Colombo PC, et al. Association between endothelial function and chronotropic incompetence in subjects with chronic heart failure receiving optimal medical therapy. Echocardiography. 2010;27(3):294-9.

4. Akcakoyun M, Emiroglu Y, Pala S, Kargin R, Guler GB, Esen O, et al. Heart rate recovery and chronotropic incompetence in patients with subclinical hypothyroidism. Pacing Clin Electrophysiol. 2010;33(1):2-5.

5. Magrì D, Palermo P, Cauti FM, Contini M, Farina S, Cattadori G, et al. Chronotropic incompentence and functional capacity in chronic heart failure: no role of β -blockers and β -blocker dose. Cardiovasc Ther. 2010;30(2):100-8.

6. Savonen KP, Lakka TA, Laukkanen JA, Rauramaa TH, Salonen JT, Rauramaa R. Usefulness of chronotropic incompetence in response to exercise as a predictor of myocardial infarction in middle-aged men without cardiovascular disease. Am J Cardiol. 2008;101(7):992-8.

7. Kiviniemi AM, Tulppo MP, Hautala AJ, Mäkikallio TH, Perkiömäki JS, Seppänen T, et al. Long-term outcome of patients with chronotropic incompetence after an acute myocardial infarction. Ann Med. 2010;43(1):33-9.

8. Anjos-Andrade FD, Sousa AC, Barreto-Filho JA, Alves EO, Nascimento-Júnior AC, de Santana NO, et al. Chronotropic incompetence and coronary artery disease. Acta Cardiol. 2010;65(6):631-8.

9. Oliveira JL, Góes TJ, Santana TA, Travassos TF, Teles LD, Anjos-Andrade FD, et al. Chronotropic incompetence and a higher frequency of myocardial ischemia in exercise echocardiography. Cardiovasc Ultrasound. 2007;5:38.

10. Kawasaki T, Kaimoto S, Sakatani T, Miki S, Kamitani T, Kuribayashi T, et al. Chronotropic incompetence and autonomic dysfunction in patients without structural heart disease. Europace. 2010;12(4):561-6.

11. Armstrong WF, Pellikka PA, Ryan T, Crouse L, Zoghbi WA. Stress echocardiography: recommendations for performance and interpretation of stress echocardiography. Stress Echocardiography Task Force of the Nomenclature and Standards Committee of the American Society of Echocardiography. J Am Soc Echocardiogr. 1998;11(1):97-104.

12. Oliveira JL, Góes TJ, Santana TA, Silva IS, Travassos TF, Teles LD, et al. Exercise stress echocardiography in the identification of coronary artery disease in the elderly with chronotropic incompetence. Arq Bras Cardiol. 2007;89(2):100-6,111-8.

13. Campos-Filho O, Zielinsky P, Ortiz J, Maciel BC, Andrade JL, Mathias W Jr, et al. Diretriz para indicações e utilização da ecocardiografia na prática clínica. Arq Bras Cardiol. 2004;82 Suppl 2:11-34.

14. Oliveira JL, Barreto Fº JA, Oliveira GP, Sousa AC. Ecocardiografia sob estresse físico: experiência clínica e ecocardiográfica de uma década. Rev Bras Ecocardiogr Imagem Cardiovasc. 2011;24(1):51-63.

15. Travassos TF, Sousa AC, Barreto Filho JA, Teles DL, Andrade FD, Junior AC, et al. Isquemia miocárdio investigada com ecocardiografia sob estresse físico em pacientes com incompetência cronotrópica em uso de betabloqueador. Rev Bras Ecocardiogr Imagem Cardiovasc. 2010;23(2):22-30.

16. Gardin JM, Adams DB, Douglas PS, Feigenbaum H, Forst DH, Fraser AG, et al. Recommendations for a standardized report for adult transthoracic echocardiography: a report from the American Society of Echocardiography's Nomenclature and Standards Committee and Task Force for a Standardized Echocardiography Report. J Am Soc Echocardiogr. 2002;15(3):275-90.

17. Secundo PF, Santos BF, Secundo Junior JA, da Silva JB, de Souza AR, Faro GB, et al. Parâmetros clínicos e ecocardiográficos associados a baixo índice cronotrópicos em pacientes não idosos. Arq Bras Cardiol. 2012;98(5):413-20.

18. Bentsen N, Larsen B, Lassin NA. Chronically impaired autoregulation of cerebral blood flow in long-term diabetics. Stroke. 1975;6(5):497-502.

19. Mankovsky BN, Piolot R, Mankovsky OL, Ziegler D. Impairment of cerebral autoregulation in diabetic patients with cardiovascular autonomic neuropathy and orthostatic hypotension. Diabet Med. 2003;20(2):119-26.

20. Melzer C, Dreger H. Chronotropic incompetence: a never-ending story. Europace. 2010;12(4):464-5.

Artigo recebido em 6/6/12; revisado em 6/6/12; aceito em 14/2/13.

  • 1. Coeli CM, Ferreira LG, Drbal Mde M, Veras RP, Camargo KR Jr, Cascão AM. Mortalidade em idosos por diabetes mellitus como causa básica e associada. Rev. Saúde Pública. 2002;36(2):135-40.
  • 2. Galon MZ, Meireles GC, Kreimer S, Marchiori GG, Favarato D, Almeida JA, et al. Perfil clínico-angiográfico na doença arterial coronariana: desfecho hospitalar com ênfase nos muito idosos. Arq Bras Cardiol. 2010;95(4):442-9.
  • 3. Vittorio TJ, Lanier G, Zolty R, Sarswat N, Tseng CH, Colombo PC, et al. Association between endothelial function and chronotropic incompetence in subjects with chronic heart failure receiving optimal medical therapy. Echocardiography. 2010;27(3):294-9.
  • 4. Akcakoyun M, Emiroglu Y, Pala S, Kargin R, Guler GB, Esen O, et al. Heart rate recovery and chronotropic incompetence in patients with subclinical hypothyroidism. Pacing Clin Electrophysiol. 2010;33(1):2-5.
  • 6. Savonen KP, Lakka TA, Laukkanen JA, Rauramaa TH, Salonen JT, Rauramaa R. Usefulness of chronotropic incompetence in response to exercise as a predictor of myocardial infarction in middle-aged men without cardiovascular disease. Am J Cardiol. 2008;101(7):992-8.
  • 7. Kiviniemi AM, Tulppo MP, Hautala AJ, Mäkikallio TH, Perkiömäki JS, Seppänen T, et al. Long-term outcome of patients with chronotropic incompetence after an acute myocardial infarction. Ann Med. 2010;43(1):33-9.
  • 8. Anjos-Andrade FD, Sousa AC, Barreto-Filho JA, Alves EO, Nascimento-Júnior AC, de Santana NO, et al. Chronotropic incompetence and coronary artery disease. Acta Cardiol. 2010;65(6):631-8.
  • 9. Oliveira JL, Góes TJ, Santana TA, Travassos TF, Teles LD, Anjos-Andrade FD, et al. Chronotropic incompetence and a higher frequency of myocardial ischemia in exercise echocardiography. Cardiovasc Ultrasound. 2007;5:38.
  • 10. Kawasaki T, Kaimoto S, Sakatani T, Miki S, Kamitani T, Kuribayashi T, et al. Chronotropic incompetence and autonomic dysfunction in patients without structural heart disease. Europace. 2010;12(4):561-6.
  • 11. Armstrong WF, Pellikka PA, Ryan T, Crouse L, Zoghbi WA. Stress echocardiography: recommendations for performance and interpretation of stress echocardiography. Stress Echocardiography Task Force of the Nomenclature and Standards Committee of the American Society of Echocardiography. J Am Soc Echocardiogr. 1998;11(1):97-104.
  • 12. Oliveira JL, Góes TJ, Santana TA, Silva IS, Travassos TF, Teles LD, et al. Exercise stress echocardiography in the identification of coronary artery disease in the elderly with chronotropic incompetence. Arq Bras Cardiol. 2007;89(2):100-6,111-8.
  • 13. Campos-Filho O, Zielinsky P, Ortiz J, Maciel BC, Andrade JL, Mathias W Jr, et al. Diretriz para indicações e utilização da ecocardiografia na prática clínica. Arq Bras Cardiol. 2004;82 Suppl 2:11-34.
  • 14. Oliveira JL, Barreto Fş JA, Oliveira GP, Sousa AC. Ecocardiografia sob estresse físico: experiência clínica e ecocardiográfica de uma década. Rev Bras Ecocardiogr Imagem Cardiovasc. 2011;24(1):51-63.
  • 15. Travassos TF, Sousa AC, Barreto Filho JA, Teles DL, Andrade FD, Junior AC, et al. Isquemia miocárdio investigada com ecocardiografia sob estresse físico em pacientes com incompetência cronotrópica em uso de betabloqueador. Rev Bras Ecocardiogr Imagem Cardiovasc. 2010;23(2):22-30.
  • 16. Gardin JM, Adams DB, Douglas PS, Feigenbaum H, Forst DH, Fraser AG, et al. Recommendations for a standardized report for adult transthoracic echocardiography: a report from the American Society of Echocardiography's Nomenclature and Standards Committee and Task Force for a Standardized Echocardiography Report. J Am Soc Echocardiogr. 2002;15(3):275-90.
  • 17. Secundo PF, Santos BF, Secundo Junior JA, da Silva JB, de Souza AR, Faro GB, et al. Parâmetros clínicos e ecocardiográficos associados a baixo índice cronotrópicos em pacientes não idosos. Arq Bras Cardiol. 2012;98(5):413-20.
  • 18. Bentsen N, Larsen B, Lassin NA. Chronically impaired autoregulation of cerebral blood flow in long-term diabetics. Stroke. 1975;6(5):497-502.
  • 19. Mankovsky BN, Piolot R, Mankovsky OL, Ziegler D. Impairment of cerebral autoregulation in diabetic patients with cardiovascular autonomic neuropathy and orthostatic hypotension. Diabet Med. 2003;20(2):119-26.
  • 20. Melzer C, Dreger H. Chronotropic incompetence: a never-ending story. Europace. 2010;12(4):464-5.
  • Correspondência:

    Juliana Silva Santana
    Av. Jorge Amado, 1500, Edifício Tivoli Residence, apto. 701, Jardins
    CEP 49025-330, Aracaju, SE - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Maio 2013

    Histórico

    • Recebido
      06 Jun 2012
    • Aceito
      14 Fev 2013
    • Revisado
      06 Jun 2012
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br