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Trombose de Stent farmacológico oito anos após sua implantação: relato de caso

RELATO DE CASO

Trombose de Stent farmacológico oito anos após sua implantação - relato de caso

Ana BaptistaI; Catarina FerreiraI; Pedro MateusI; Henrique CarvalhoII,III; Ilídio MoreiraI

ICentro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro - Unidade de Vila Real

IICentro Hospitalar do Porto - Hospital de Santo António

IIIInstituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar - Universidade do Porto

Correspondência Correspondência: Ana Baptista Avenida da Noruega, Vila Real, 5000, Vila Real E-mail: baptista_ana@hotmail.com

Palavras-chave: Infarto do Miocárdio, Stents Farmacológicos, Trombose.

Introdução

A trombose de stent (TS) é uma grande preocupação na era dos stents farmacológicos (SF). Há vários relatos de trombose de stent até cinco anos após sua implantação. Relatamos o caso de uma paciente de 68 anos com TS tardia, que se apresentou como infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST) após interrupção da terapia antiplaquetária, oito anos depois da implantação de SF. O longo tempo para o aparecimento do evento neste caso traz novas questões quanto aos aspectos controversos de tempo de seguimento ótimo e tempo recomendado para a suspensão segura da terapia antiplaquetária em pacientes com SF.

Relato do caso

Apresentamos o caso de uma paciente de 68 anos com história de múltiplos fatores de risco cardiovascular (diabetes, hipertensão e hiperlipidemia) e síndrome coronariana aguda (SCA) prévia em 2003. Naquela época, a coronariografia revelou oclusão total da descendente anterior (DA), extensa estenose suboclusiva da artéria circunflexa (CX) e irregularidades na coronária direita. Dois stents revestidos com sirolimus (2,5*28mm e 2,25*28mm) foram implantados na DA e outros dois (2,25*28mm e 2,25*13mm) na CX, com fluxo coronariano final TIMI (Thrombolysis in Myocardial Infarction) 3. O ecocardiograma mostrou acinesia do segmento apical e preservação da função ventricular esquerda.

Durante o seguimento (2008), aspirina foi trocada por clopidogrel devido a efeitos colaterais gastrointestinais. Desde então, além de clopidogrel, a paciente usava rosuvastatina, lisinopril, carvedilol e hipoglicemiantes orais, tendo permanecido assintomática até dezembro de 2010, quando se queixou de dor torácica relacionada aos esforços. Um teste de esforço foi realizado, não tendo sido observadas alterações no segmento ST, mas a paciente relatou dor torácica no pico do esforço. A cintilografia de perfusão miocárdica mostrou função ventricular esquerda normal (fração de ejeção de 57%) e um extenso defeito anterior, septal e apical, irreversível.

Em julho de 2011, a paciente foi admitida na emergência queixando-se de dor torácica e náusea. Cinco dias antes, ela havia suspendido por iniciativa própria o clopidogrel após prescrição de analgésicos para artralgia. O exame físico não evidenciou nada de anormal, exceto diaforese. O eletrocardiograma evidenciou ritmo sinusal, ondas Q em V2-V4 e supradesnivelamento do segmento ST nas derivações V2-V5, DII, DIII e AVF (figura 1). Foi feito o diagnóstico de IAMCSST anterior, tendo a paciente sido submetida a angioplastia transluminal coronariana (ATC) primária quatro horas após início dos sintomas. A coronariografia revelou trombose do terço médio da DA no local da implantação prévia do stent (figura 2, painel esquerdo), permeabilidade dos stents da CX, e irregularidades de outros segmentos coronarianos. Trombectomia por aspiração foi realizada, obtendo-se um bom resultado com fluxo TIMI 3 (figura 2, painel direito). Iniciou-se infusão de eptifibatide, e, 48 horas mais tarde, a paciente foi submetida a nova coronariografia, que mostrou irregularidades na DA e manutenção de fluxo TIMI 3. A paciente não apresentou eventos adversos durante a hospitalização, tendo recebido alta cinco dias mais tarde com dupla terapia antiplaquetária.



Discussão

Stents intracoronarianos são muito utilizados em pacientes submetidos a ATC. Os SFs reduzem dramaticamente as taxas de re-estenose, com significativa redução das revascularizações de repetição, em comparação aos stents convencionais1. A TS, no entanto, é uma grande preocupação, pois suas consequências clínicas em geral são catastróficas, quase sempre se apresentando como morte ou extenso infarto do miocárdio não fatal, em geral com supradesnivelamento do segmento ST2. A maioria dos casos de TS ocorre nos primeiros 30 dias que se seguem à implantação do stent, mas o risco é contínuo, à taxa de 0.6% ao ano por pelo menos quatro anos após a implantação do stent3. Os mais longos tempos entre a implantação do stent e a ocorrência de TS relatados variaram de quatro a cinco anos4,5. Recentemente, apresentaram-se os resultados do registro DESERT, que incluiu 922 pacientes de mais de 40 centros clínicos submetidos à implantação de SF de primeira geração, principalmente stents Cypher e Taxus, e que apresentaram TS tardia. A maioria das TSs tardias ocorreu após um ano (75%) e continuou a ocorrer até 7,3 anos6, estendendo ainda mais o período de risco. No nosso caso, a TS ocorreu num tempo duas vezes maior do que a de outros casos, apresentando-se ainda mais tarde do que os 7,3 anos do maior registro de trombose de SF (DESERT), o que torna a duração de seguimento ótimo de pacientes com SFs ainda mais incerta.

O principal mecanismo patológico da TS é o retardo da endotelização do stent, caracterizado por endotelização incompleta, como mostrado na análise de 40 autopsias consecutivas de pacientes com stents: endotelização completa de stent convencional ocorreu em seis a sete meses, enquanto a endotelização incompleta persistiu no grupo de SF por mais de 40 meses7. Há evidência sugerindo que neoaterosclerose intra-stent seja outro importante substrato para TS tardia8. Embora os mecanismos precisos do desenvolvimento de neoaterosclerose permaneçam desconhecidos, a incidência de neoaterosclerose é maior nas lesões de SF (31% vs 16% no stent convencional) e ocorre mais cedo [420 dias (361 a 683 dias) vs. 2.160 dias (1.800 a 2.880 dias)]8. A neoaterosclerose pode ser uma explicação para a ocorrência de TS nos primeiros anos após a implantação de SF, sendo, no entanto, provavelmente um mecanismo menos importante neste relato de caso, cujo tempo até a ocorrência do evento foi muito mais longo. Outros fatores de risco para TS incluem aspectos procedurais, tais como implantação de stent em bifurcações e aposição incompleta de stent. Define-se aposição incompleta de stent como a ausência de contato do stent com a parede do vaso subjacente (falta de sobreposição em uma parte do vaso). Aposição incompleta de stent tardia foi observada em 7% a 21% dos SFs9, sendo seu mecanismo mais provável o remodelamento arterial positivo com um aumento da membrana elástica externa desproporcional às alterações na placa e na média9. Nossa paciente recebeu dois stents de 2.25*28mm na DA, o que pode ter correspondido a stents subdimensionados. A implantação de SF ocorreu no contexto de SCA consequente a oclusão trombótica de DA. A redução da placa com dissolução do trombo encarcerado pode ter interferido na escolha do tamanho do stent, com posterior ocorrência de aposição incompleta do mesmo. Além disso, a suspensão da terapia antiplaquetária parece ser um importante fator de risco para TS. O tempo mediano entre a suspensão da terapia antiplaquetária e a ocorrência de evento clínico relacionado a trombose é de sete dias (variação de 3 a 150 dias)4. Na prática clínica, a suspensão da terapia antiplaquetária não é rara devido a cirurgia ou sangramento gastrointestinal. A paciente deste relato de caso usava terapia antiplaquetária única até a ocorrência do evento cinco dias após ter interrompido por iniciativa própria a medicação oito anos após a implantação do stent. Isso levanta questões sobre a segurança da descontinuação da terapia mesmo depois de se cumprirem os tempos recomendados.

Conclusão

Nosso relato de caso chama a atenção para as graves implicações clínicas da TS, reforçando a necessidade de se considerar sua possibilidade muitos anos após a implantação do stent. Sendo um dos mais longos tempos entre implantação e ocorrência do evento, nosso caso mostra que o risco potencial de TS deve ser sempre considerado quando da suspensão da terapia antiplaquetária em pacientes com SF.

Contribuição dos autores

Obtenção de dados: Baptista A, Ferreira C; Análise e interpretação dos dados e Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Baptista A, Ferreira C, Mateus P; Obtenção de financiamento: Carvalho H; Redação do manuscrito: Baptista A.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 06/06/12, revisado em 22/10/12, aceito em 29/10/12.

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  • Correspondência:

    Ana Baptista
    Avenida da Noruega, Vila Real, 5000, Vila Real
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Maio 2013
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