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Disfunção renal e marcadores inflamatórios em hipertensos atendidos em hospital universitário

Resumos

FUNDAMENTO: A doença renal crônica representa hoje um grande desafio para a saúde pública no sentido de se obterem conhecimentos para subsidiar intervenções que possam alterar a velocidade de perda da função renal. OBJETIVO: Avaliar a magnitude do déficit da função renal em hipertensos adultos e sua relação com marcadores inflamatórios: proteína C reativa ultrassensível, velocidade de hemossedimentação e relação neutrófilos/linfócitos. MÉTODOS: Estudo transversal envolvendo 1.273 adultos hipertensos, de ambos os sexos, sendo 1.052 com déficit da função renal e 221 sem déficit, diagnosticados pela equação Modification of Diet in the Renal Disease. A razão de chances (OR) e a razão de prevalência (RP) foram utilizadas para determinar a probabilidade de ocorrência de atividade inflamatória na doença renal. RESULTADOS: O déficit de função renal foi diagnosticado em 82,6% dos avaliados, sendo que a maioria da amostra (70,8%) estava inserida no estágio 2 da doença renal crônica. No modelo de regressão permaneceram independentemente associadas ao déficit da função renal a síndrome metabólica (RPajustada = 1,09 [IC95%: 1,04-1,14]), a proteína C reativa ultrassensível (RPajustada = 1,54 [IC95%: 1,40-1,69]) e a velocidade de hemossedimentação (RPajustada = 1,20 [IC95%: 1,12-1,28]). No entanto, considerando os indivíduos classificados no estágio 2 do déficit da função renal, a chance de alteração dos marcadores inflamatórios foram de OR = 10,25 (IC95%: 7,00-15,05) para a proteína C reativa ultrassensível, OR = 8,50 (IC95%: 5.70-12.71) para a relação neutrófilos/linfócitos e OR = 7,18 (IC95%: 4,87-10,61) para a velocidade de hemossedimentação. CONCLUSÃO: Os resultados mostram associação da atividade inflamatória e da síndrome metabólica com o déficit da função renal.

Hipertensão; Nefropatias; Inflamação; Síndrome Metabólica


BACKGROUND: Today, chronic kidney diseases represent a great challenge to public health as regards the acquisition of knowledge to support interventions that can slow the progression of renal function loss. OBJECTIVE: To analyze the magnitude of the renal function deficit in hypertensive adult patients and its relationship with the following inflammatory markers: high-sensitivity C reactive protein, erythrocyte sedimentation rate, and neutrophil/lymphocyte ratio. METHODS: Cross-sectional study including 1,273 adult hypertensive patients of both genders, of whom 1,052 had renal function deficit, and 221 had no deficit, as diagnosed by the Modification of Diet in Renal Disease equation. The odds ratio (OR) and the prevalence ratio (PR) were used to determine the probability of the occurrence of inflammatory activity in renal disease. RESULTS: Renal function deficit was diagnosed in 82.6% of the patients assessed, and most of the sample (70.8%) was classified as in stage 2 of chronic kidney disease. In the regression model, metabolic syndrome (PRadjusted = 1.09 [95%CI: 1.04-1.14]), high-sensitivity C reactive protein (PRadjusted = 1.54 [95%CI: 1.40-1.69]) and erythrocyte sedimentation rate (PRadjusted = 1.20 [95%CI: 1.12-1.28]) remained independently associated with the renal function deficit. However, considering the individuals classified as in stage 2 of renal function deficit, the chance of abnormalities in inflammatory markers were OR = 10.25 (95%CI: 7.00-15.05) for high-sensitivity C reactive protein, OR = 8.50 (95%CI: 5.70-12.71) for neutrophil/lymphocyte ratio, and OR = 7.18 (95%CI: 4.87-10.61) for erythrocyte sedimentation rate. CONCLUSION: The results show an association of inflammatory activity and metabolic syndrome with renal function deficit.

Hypertension; Kidney Diseases; Inflammation; Metabolic Syndrome


Disfunção renal e marcadores inflamatórios em hipertensos atendidos em hospital universitário

Fátima Lúcia Machado BragaI; Ilma Kruze Grande de ArrudaI; Alcides da Silva DinizI; Poliana Coelho CabralI; Maria da Conceição Chaves de LemosII; Marcus Davis Machado BragaIII; Hilton de Castro Chaves JúniorIV

IPrograma de Pós-Graduação em Nutrição - Universidade Federal de Pernambuco - PE

IIDepartamento de Nutrição - Universidade Federal de Pernambuco - PE

IIIDepartamento de Patologia e Medicina Legal - Universidade Federal do Ceará - CE

IVDepartamento de Medicina - Universidade Federal de Pernambuco - PE, Brasil

Correspondência Correspondência: Ilma Kruze Grande de Arruda Rua Manoel de Almeida Belo, 523, Bairro Novo CEP 53030-030, Olinda, PE - Brasil E-mail: ilmakruze@hotmail.com, ilma_kruze@yahoo.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: A doença renal crônica representa hoje um grande desafio para a saúde pública no sentido de se obterem conhecimentos para subsidiar intervenções que possam alterar a velocidade de perda da função renal.

OBJETIVO: Avaliar a magnitude do déficit da função renal em hipertensos adultos e sua relação com marcadores inflamatórios: proteína C reativa ultrassensível, velocidade de hemossedimentação e relação neutrófilos/linfócitos.

MÉTODOS: Estudo transversal envolvendo 1.273 adultos hipertensos, de ambos os sexos, sendo 1.052 com déficit da função renal e 221 sem déficit, diagnosticados pela equação Modification of Diet in the Renal Disease. A razão de chances (OR) e a razão de prevalência (RP) foram utilizadas para determinar a probabilidade de ocorrência de atividade inflamatória na doença renal.

RESULTADOS: O déficit de função renal foi diagnosticado em 82,6% dos avaliados, sendo que a maioria da amostra (70,8%) estava inserida no estágio 2 da doença renal crônica. No modelo de regressão permaneceram independentemente associadas ao déficit da função renal a síndrome metabólica (RPajustada = 1,09 [IC95%: 1,04-1,14]), a proteína C reativa ultrassensível (RPajustada = 1,54 [IC95%: 1,40-1,69]) e a velocidade de hemossedimentação (RPajustada = 1,20 [IC95%: 1,12-1,28]). No entanto, considerando os indivíduos classificados no estágio 2 do déficit da função renal, a chance de alteração dos marcadores inflamatórios foram de OR = 10,25 (IC95%: 7,00-15,05) para a proteína C reativa ultrassensível, OR = 8,50 (IC95%: 5.70-12.71) para a relação neutrófilos/linfócitos e OR = 7,18 (IC95%: 4,87-10,61) para a velocidade de hemossedimentação.

CONCLUSÃO: Os resultados mostram associação da atividade inflamatória e da síndrome metabólica com o déficit da função renal.

Palavras-chave: Hipertensão, Nefropatias, Inflamação, Síndrome Metabólica.

Introdução

As alterações no perfil de morbimortalidade da população mundial evidenciaram aumento da doença renal crônica (DRC), considerada um dos maiores desafios da saúde pública deste século, com todas as suas implicações econômicas e sociais1. Segundo os critérios da National Kidney Foundation/Kidney Disease Outcomes Quality Iniciative2, a DRC é definida como lesão do parênquima renal e/ou diminuição da taxa de filtração glomerular (TFG) por período igual ou superior a três meses, evidenciada por marcadores de lesão renal, incluindo alterações sanguíneas/urinárias, exames de imagem ou histopatológicos2. Nos Estados Unidos, Europa e Ásia estima-se que 11-33% da população geral sejam portadores de DRC, a maioria nos estágios iniciais da doença3.

De acordo com a literatura, hipertensão arterial sistêmica (HAS) associada a DRC eleva o risco cardiovascular e, à medida que a disfunção renal evolui, aumenta a prevalência de HAS, atingindo cerca de 90% dos nefropatas. Portanto, a detecção, o tratamento e o controle da HAS são fundamentais para a redução de eventos renais e cardiovasculares2,4,5.

A hipertensão reflete um estado de inflamação endotelial, assim como a DRC5. De acordo com as recomendações europeias e japonesas, a utilização de marcadores de inflamação, como a proteína C reativa ultrassensível (PCRus), a velocidade de hemossedimentação (VHS) e a relação neutrófilos/linfócitos (R N/L) em pacientes com DRC melhora o diagnóstico e a terapêutica, reduzindo dessa forma a mortalidade cardiovascular6,7.

No Brasil, há escassez de estudos sobre a relação entre a DRC e os marcadores inflamatórios PCRus, R N/L e VHS. De acordo com vários autores, tanto a PCRus quanto a VHS podem ser usadas na identificação da DRC, aumentando a sensibilidade e a especificidade desse diagnóstico7-9. Kocyigit e cols.10 referiram que R N/L < 1 pode ser indicativa de estado inflamatório subjacente e predizer a taxa de progressão da DRC estágio 4, indicando a necessidade de procedimento dialítico.

Desse modo, o objetivo deste estudo foi avaliar a magnitude da disfunção renal e sua relação com três potenciais marcadores inflamatórios (PCRus, R N/L e VHS), utilizados na prática clínica, em pacientes hipertensos.

Métodos

Desenho do estudo e amostra

Estudo transversal de cunho analítico, constituído por 2.122 indivíduos hipertensos de ambos os sexos, com quatro anos de atendimento na Clínica de Hipertensão do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco. Foram excluídos os portadores de hipertensão secundária (n = 5), arritmias cardíacas (n = 26), insuficiência cardíaca (n = 7), infarto do miocárdio prévio (n = 9), dislipidemias com uso de medicação hipolipemiante (n = 46), diabetes melito (n = 203) e aqueles com dados incompletos no prontuário (n = 553). O tamanho amostral final foi de 1.273 indivíduos. Todos os pacientes tinham esquema de fármacos anti-hipertensivos entre 1-4 drogas (betabloqueador, hidroclorotiazida, inibidor da enzima de conversão da angiotensina, betabloqueador do canal de cálcio, hidralazina, metildopa).

A taxa de filtração glomerular (TFG) foi estimada segundo os critérios da National Kidney Foundation/Kidney Disease Outcomes Quality Initiative2, a partir da equação proposta por Levey e cols.11. O déficit da função renal (DFR) foi definido como TFG < 89 mL/min/1,73m2 e classificado em cinco estágios: 1 = TFG > 90 mL/min/1,73m2; 2 = 60-89,9 mL/min/1,73m2; 3 = 30-59,9 mL/min/1,73m2; 4 = 15-29,9 mL/min/1,73m2; 5 = < 15 mL/min/1,73m2. Considerou-se DFR agregando os estágios 2, 3 e 4. O estágio 1 foi considerado nos pacientes sem déficit da função renal2.

Variáveis do estudo

As variáveis consideradas foram as sociodemográficas (idade, sexo e escolaridade), laboratoriais (PCRus, VSH e R N/L), antropométricas (índice de massa corpórea [IMC] e circunferência da cintura [CC]) e clínicas (síndrome metabólica [SM] e hipertensão arterial sistêmica [HAS]).

Todos os participantes foram esclarecidos sobre os objetivos do estudo e, após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarcido, responderam a um questionário com informações socioeconômicas, demográficas e clínicas. Além disso, foram aferidas as medidas antropométricas e coletada amostra de sangue para análise laboratorial.

A escolaridade foi avaliada em termos de anos de estudo, estratificando-se a amostra em < 4 anos e > 4 anos. A PCRusfoi mensurada pelo método de Automação Cobas C 501, considerando-se como normal o valor de referência < 0,5 mg/dL, para homens e mulheres. Na avaliação da VHS na primeira hora, utilizou-se o método de fotometria por capilaridade, referenciada por valores de 0-15 mm para homens e 0-20 mm para mulheres, com ponto de corte nos limites superiores da normalidade. A inversão da R N/L, no hemograma, foi avaliada utilizando o método ABX Pentra DX 120, com revisão de lâmina, considerando-se como alterada quando > 1.

As medidas de peso e altura foram tomadas segundo as técnicas preconizadas12. O peso foi aferido em uma balança da marca Filizola®, com capacidade de 150 kg, e a altura medida em antropômetro acoplado à balança com capacidade para 1,90 m. O diagnóstico do excesso de peso foi realizado pelo IMC, classificado de acordo com os pontos de corte da Organização Mundial de Saúde (OMS), considerando-se excesso de peso o IMC > 25 kg/m2,13. No caso de idosos, foi utilizada a classificação proposta por Lipschitz14, utilizando-se o ponto de corte de IMC > 27 kg/m2. A CC foi obtida no ponto médio entre o último arco costal e a crista ilíaca, utilizando fita métrica flexível e inelástica, sem comprimir os tecidos. O paciente foi mantido em posição ereta, com o abdome relaxado, braços ao lado do corpo e pés unidos. A cintura foi considerada elevada considerando os pontos de corte > 94 cm (homem) e > 80 cm (mulher)13.

Na aferição da pressão arterial (PA) foi utilizado o método auscultatório, com esfigmomanômetro de coluna de mercúrio, marca Takaoka, modelo 203, devidamente calibrado, e estetoscópio marca Littmann, obedecendo à técnica preconizada. Foram consideradas as medidas da PA aferidas na primeira consulta e na ausência de tomada de medicação anti-hipertensiva. A classificação da hipertensão seguiu as recomendações da VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão4.

A SM foi identificada segundo os critérios da International Diabetes Federation (IDF)15, sendo baseada na presença das seguintes características: obesidade abdominal (circunferência da cintura > 94 cm, homens, e > 80 cm, mulheres), associada a pelo menos dois dos seguintes fatores: lipoproteína de alta densidade (HDL - colesterol) < 40 mg/dL, homens, e < 50 mg/d, mulheres; triglicérides > 150 mg/dL; glicemia de jejum > 100 mg/dL; HAS, classificada segundo as VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão4.

Análise e processamento dos dados

A construção do banco de dados e a análise estatística foram realizadas nos programas Epi-info versão 6.04 e SPSS versão 13.0. Os dados foram digitados com dupla entrada e verificados com o Validate, para checar a consistência e a validação dos mesmos. Os dados foram descritos como medianas + intervalos interquartílicos para variáveis contínuas. As proporções foram usadas para expressar variáveis dicotômicas. O melhor ajuste para distribuição normal foi avaliado utilizando o teste de Kolmogorov-Smirnov.

Investigou-se a influência dos fatores de risco estudados sobre a função renal utilizando o modelo de regressão de Poisson e, na composição do modelo consideraram-se as variáveis que obtiveram significância < 0,20 na análise bivariada não ajustada, e aquelas que não atenderam a essa definição entraram no modelo pela sua importância clínica (SM). Na análise ajustada foi utilizado o método stepwise (seleção de variáveis por passos) com eliminação retrógrada. Permaneceram no modelo final apenas as variáveis associadas a um valor de p < 0,05. Os testes analisados foram aplicados com 95% de intervalo de confiança e nível de significância de 5%.

Para verificar a existência de associação entre a disfunção renal e os marcadores selecionados, foram utilizados os testes de qui-quadrado com correção de Yates ou teste exato de Fisher quando os critérios para aplicação do primeiro não foram atingidos, de Mann-Whitney U, e a força da associação foi avaliada pela razão de prevalência (RP) e pela razão de chances (odds ratio - OR), considerando-se um intervalo de confiança de 95%.

Aspectos éticos

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco (CEP/CCS/UFPE), registro CEP/CCS/UFPE n.343/09 e no SISNEP FR - 300564, de acordo com a Resolução n.196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados

Dos 1.273 pacientes hipertensos incluídos no estudo, a maioria (73,1%, IC95%: 0,95-1,07) era do sexo feminino. A mediana da pressão arterial foi de 138 mmHg pressão arterial sistólica (PAS) e 86 mmHg pressão arterial diastólica (PAD), e a mediana de idade foi de 59 (intervalo interquartílico [IQ]: 52-67), com idade mínima de 41 e máxima de 92 anos. Cerca de 60% dos pacientes faziam uso de medicação combinada de duas drogas, enquanto 12% faziam uso de 3-4 medicações. O DFR foi diagnosticado em 82,6% dos avaliados, sendo que a maioria da amostra (70,8%) estava inserida no estágio 2 da DRC. O déficit moderado (estágio 3) ocorreu em 28,2% dos avaliados, enquanto a lesão renal acentuada (estágio 4) associada a sinais e sintomas da uremia foi observada em cerca de 1% dos pacientes; não houve registro de casos no estágio 5.

O DFR foi mais elevado com o aumento da idade (p < 0,05), com risco de 1,22 nos idosos, quando comparados aos adultos; no sexo feminino, com risco 1,07 vez maior do que no sexo masculino. Pacientes com menor escolaridade apresentaram maior risco para redução da TFG (RP = 1,10, IC95%: 1,04-1,17). Em relação à HA, indivíduos com hipertensão sistólica isolada apresentaram chance 15% maior de apresentar DFR, quando comparados aos do estágio 2. Os marcadores inflamatórios se mostraram associados ao DFR, com maior ênfase para os indivíduos com elevação da PCRus. No que se refere à SM e às variáveis antropométricas, não foram encontradas associações estatisticamente significantes com o DFR (Tabela 1).

Na Tabela 2 observa-se que, após o ajuste para os potenciais fatores de risco para o DFR, apenas três variáveis se mantiveram no modelo, demonstrando associação independente com o DFR, sendo a PCRus elevada o fator mais fortemente associado à ocorrência de DFR (RP ajustada = 1,54, IC95%: 1,40-1,69).

Todos os marcadores inflamatórios isolados ou agregados apresentaram associação estatisticamente significante com o DFR, embora indivíduos com DFR apresentassem marcadores inflamatórios dentro da faixa de normalidade (Tabela 3).

Em relação aos marcadores inflamatórios, a PCRus foi mais prevalente na fase inicial da doença (estágio 2), com chance 10,25 (IC95%: 7,00-15,05) maior de se apresentar alterada na comparação entre os estágios 2 e 1 da DFR (Tabela 4).

As comparações dos estágios de DFR com os marcadores inflamatórios estão expressas na Tabela 5. Os valores da PCRus e da VHS ficaram mais elevados à medida que progredia o DFR dos indivíduos estudados.

Discussão

No Brasil, ainda são escassos os trabalhos sobre a prevalência de alterações dos marcadores inflamatórios nas nefropatias crônicas. É importante ressaltar que, apesar de se tratar de uma população atendida em ambulatório de hipertensão, com pacientes classificados em diferentes estágios de HAS e principalmente com hipertensão sistólica isolada, a ausência de pacientes com DFR no estágio final de doença renal (estágio 5) e o número reduzido de pacientes (10 indivíduos) no estágio 4 poderiam ser atribuídos ao fato de que o processo hipertensivo estaria controlado provavelmente devido à abordagem multidisciplinar realizada na clínica16,17.

O fato de cerca de 70% dos pacientes apresentarem pressão arterial controlada com o uso de 2-3 classes distintas de anti-hipertensivos não é um achado surpreendente. Possível explicação para esse resultado seria o reduzido percentual de adesão às modificações do estilo de vida observado em qualquer programa de hipertensão, mesmo naqueles que atuam de forma disciplinar. É verdade que o uso cada vez mais crescente de combinações de fármacos anti-hipertensivos e a adesão efetiva a essas medicações de forma regular e ininterrupta tendem a propiciar maior controle da hipertensão. É importante ressaltar que, no presente estudo, cerca de 48% da população em questão foi classificada no estágio 3 da HAS e 46,9% tinham 60 anos ou mais, duas condições favoráveis às doenças cardiovasculares, o que o percentual de 70% utilizando 2-3 drogas, neste caso, reflete um grande e importante controle da pressão naquele grupo submetido a atendimento multiprofissional.

A elevada prevalência de DFR encontrada neste estudo é um fato preocupante, principalmente por sua ocorrência estar associada a alteração dos biomarcadores inflamatórios. Sabe-se que o processo inflamatório é altamente prevalente em pacientes com DRC, e está associado com morbidade e mortalidade cardiovascular, e que taxas de eventos clínicos (obesidade e dislipidemias) ocorridos neste estudo poderiam explicar o declínio da função renal e a ativação da resposta inflamatória de fase aguda ou crônica. Nossos achados estão em concordância com Shankar e cols.18, em estudo com 4.926 pacientes que investigou a relação entre vários biomarcadores inflamatórios, incluindo a PCRus e o risco de desenvolver DRC, encontrando associação positiva e independente, predizendo assim o risco de desenvolvimento dessa patologia.

A associação encontrada entre a baixa escolaridade e o DFR é concordante com a literatura. Os achados observados no estudo podem refletir a dificuldade de compreensão, contribuindo para a não adesão ao tratamento da doença. A maior prevalência do sexo feminino confirma a maior longevidade das mulheres, aspecto também observado em outros estudos19-21,22.

Um dado que chama a atenção é a elevada ocorrência de alteração da PCRus entre os marcadores estudados. Sabe-se que as proteínas inflamatórias de fase aguda são assim chamadas por apresentarem níveis mais elevados nessa fase inflamatória, mas que continuam sendo produzidas, ainda que em menores níveis, nas inflamações persistentes crônicas. Em trabalhos muito recentes, a inflamação crônica tem sido apontada como fator de risco e alvo de terapia para DRC, e, dentre vários biomarcadores inflamatórios, a PCRus tem demonstrado prever a mortalidade, de forma independente, em portadores de DRC23-25. As causas do estado altamente prevalente de inflamação em DRC são múltiplas, mas ainda não plenamente esclarecidas, e parecem incluir, entre outros fatores, sobrecarga de volume, comorbidades, intercorrências clínicas, fatores metabólicos e genéticos, bem como a doença renal per se com suas várias inter-relações etiopatogênicas26.

Os níveis plasmáticos de fibrinogênio que, quando aumentados, desencadeiam aumento da VHS, também têm sido sugeridos como marcadores de doenças cardiovasculares27. Na prática clínica, a taxa de VHS, por ser um teste simples e de baixo custo, é utilizada frequentemente como marcador inespecífico de doenças e condições patológicas. Collares e Vidigal28 referem que condições fisiológicas como o sexo e a idade, e patológicas, como processos inflamatórios crônicos, insuficiência renal crônica, diabetes melito, obesidade, infecções, anemia, neoplasias, lesões teciduais (infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral) e doenças do tecido conjuntivo, aumentam os valores da VHS28.

A elevada prevalência da SM e a sua permanência no modelo após o ajuste pela regressão de Poisson demonstram a forte associação independente com o DFR em conjunto com a PCRus e a VHS. Uma possível explicação seria o fato de que, na amostra estudada, todos os indivíduos eram hipertensos, associando-se a isso a elevada prevalência de alteração da CC, dois componentes da SM. Os achados deste estudo são concordantes com a literatura29.

A SM tem emergido como importante preditor de complicações metabólicas, tendo como consequência efeitos adversos à saúde, e está relacionada não só com o aumento do risco cardiovascular e metabólico em idosos como também se apresenta bem estabelecida como fator predisponente para patologias vasculares, especialmente aterosclerose e HAS23. Estudos prospectivos demonstraram que a SM e a inflamação possuem efeitos sinergéticos e aditivos em processos ateroscleróticos30,31. Inversamente, a inflamação tem sido envolvida na patogênese da SM, especialmente como mecanismo de resistência à insulina31. Ridker e cols.30 encontraram associação significativa entre níveis elevados da PCRus e predição de SM, além de aumento do risco para doenças cardiovasculares (DCV). A SM também tem sido apontada em estudos epidemiológicos como fator de risco para o desenvolvimento da DRC29,32,33. Lee e cols.29, investigando a relação entre PCRus, SM e DRC em 9.586 indivíduos sem diabetes melito ou HAS, verificaram associação entre SM e altos níveis de PCRus com o aumento da prevalência de DRC29.

A prevalência elevada dos marcadores inflamatórios isolados ou agregados na amostra estudada é um achado já bem estabelecido na literatura, demonstrando que os elementos de uma inflamação crônica parecem permear a doença renal hipertensiva, contribuindo de forma mais objetiva para o processo degenerativo arteriolar renal34.

A elevada ocorrência observada de pacientes com lesão renal e leve queda da função renal não evoluindo para a gravidade da doença poderia ser em decorrência do acompanhamento sistemático da equipe multidisciplinar a que todos são submetidos, mantendo assim, em sua maioria, níveis pressóricos dentro dos limites adequados, de forma a evitar ou reduzir lesões em órgãos-alvo, comuns em indivíduos hipertensos. Esses dados permitem sugerir que é possível relacionar pacientes hipertensos com insuficiência renal crônica, portanto acometidos de alterações arteriolares, com a presença de um fator etiológico comum, possivelmente a inflamação persistente e crônica, expressa pelos exames PCRus, R N/L e VHS, sinalizadores de processos inflamatórios agudos ou crônicos.

Alguns pontos poderiam ser considerados como limitações no presente estudo. O primeiro seria o desenho utilizado, considerando que o período de observação (quatro anos) possibilitaria a inclusão na população estudada de pessoas com história de hipertensão diferenciada (início, mediano e avançado), o que poderia influenciar nos marcadores inflamatórios. O segundo foi a não utilização de um grupo controle (pacientes não hipertensos), pareados por sexo e idade, para verificação da associação entre as variáveis dependentes/independentes. No entanto, mesmo com todo o rigor metodológico na coleta dos dados, por questões operacionais não foi possível constituir o referido grupo.

Embora o aumento da mortalidade cardiovascular só possa ser demonstrado em estudos longitudinais, os dados aqui trabalhados em estudo transversal sugerem, em hipertensos, a inclusão como rotina do processo de triagem de pacientes atendidos no serviço público, a determinação tanto da PCRus (já reconhecida como importante marcador de risco cardiovascular) como da VHS, ao lado da microalbuminúria, na detecção da nefropatia incipiente que, associados à avaliação dos componentes da SM na prática clínica poderão detectar precocemente os riscos aumentados de DCV nessa população, com menor custo operacional e visão multidisciplinar dos profissionais envolvidos.

Conclusão

Os resultados mostram associação da atividade inflamatória e da síndrome metabólica com o déficit da função renal.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de Doutorado de Fátima Lúcia Machado Bragapela Universidade Federal de Pernambuco.

Artigo recebido em 06/08/12; revisado em 06/09/12; aceito em 13/02/13.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      06 Ago 2012
    • Aceito
      13 Fev 2013
    • Revisado
      06 Set 2012
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