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Adaptação e aplicabilidade de um algoritmo de diurético para pacientes com insuficiência cardíaca

Resumos

FUNDAMENTO: Estados congestivos podem ser identificados e manejados através de algoritmos como o Diuretic Treatment Algorithm (DTA) para ajuste de diurético por telefone, com enfoque na avaliação clínica. Porém, o DTA está disponível somente em língua inglesa. OBJETIVO: Adaptar o DTA e testar sua aplicabilidade para uso no Brasil em pacientes ambulatoriais com IC. MÉTODOS: Seguiram-se as etapas de tradução, síntese, retrotradução, avaliação por comitê de especialistas e pré-teste (aplicabilidade clínica por meio de ensaio clínico randomizado). O DTA foi denominado, na versão para o Brasil, algoritmo de ajuste de diurético (AAD). Os pacientes foram randomizados para grupo intervenção (GI) - ajuste de diurético conforme o AAD - ou grupo controle (GC) - ajuste convencional. Foi avaliado o escore clínico de congestão (ECC) e o peso para ambos os grupos. RESULTADOS: Foram realizadas 12 modificações no DTA. Incluíram-se 34 pacientes. Para aqueles congestos, o aumento de diurético guiado pelo AAD resultou em maior resolução da congestão, com redução de dois pontos no ECC para 50% da amostra -2 (-3,5; -1,0), enquanto a mediana para o GC foi 0 (-1,25; -1,0), (p < 0,001). A mediana de variação de peso foi maior no GI -1,4 (-1,7; -0,5) quando comparado ao GC 0,1 (1,2; -0,6), p = 0,001. CONCLUSÕES: O ADD mostrou-se aplicável na prática clínica após adaptação e parece resultar em melhor controle da congestão em pacientes com IC. A efetividade clínica da ferramenta merece ser testada em amostra maior de pacientes visando sua validação para uso no Brasil (Universal Trial Number: U1111-1130-5749) (Arq Bras Cardiol. 2013; [online]. ahead print, PP.0-0).

Insuficiência Cardíaca; Diuréticos; Algoritmos


BACKGROUND: Congestive states can be identified and managed through algorithms such as the Diuretic Treatment Algorithm (DTA) to adjust the diuretic over the telephone, focused on the clinical evaluation. However, the DTA is currently available only in English. OBJECTIVE: To adapt the DTA and test its applicability for Brazil in outpatients with heart failure. METHODS: The stages of translation, synthesis, back-translation, review by an expert committee, and pre-test (clinical applicability by means of a random clinical trial) were followed. The Brazilian version of the DTA was called algoritmo de ajuste de diurético (AAD; as per its acronym in Portuguese, standing for diuretic adjustment algorithm). Patients were randomized to the intervention group (IG) - diuretic adjustment according to the AAD - or control group (CG) - conventional adjustment. The clinical congestion score (CCS) and weight values were obtained for both groups. Results: A total of 12 changes were made to the DTA. Thirty-four patients were included. For those with congestion, the increase in the diuretic as guided by the AAD solved their condition, reducing the CCS by two points for 50% of the sample -2 (-3.5; -1.0), while the median for the CG was 0 (-1.25; -1.0), (p < 0.001). The median for weight variation was greater in IG -1.4 (-1.7; -0.5) compared to the CG 0.1 (1.2; -0.6), p = 0.001. CONCLUSIONS: The AAD proved applicable in clinical practice after adaption and appears to result in better congestion management in patients with heart failure. The clinical effectiveness of the tool should be tested in a larger patient sample aiming at validating the instrument for Brazil (Universal Trial Number: U1111-1130-5749) (Arq Bras Cardiol. 2013; [online].ahead print, PP.0-0).

Heart Failure; Diuretics; Algorithms


Adaptação e aplicabilidade de um algoritmo de diurético para pacientes com insuficiência cardíaca

Maria Karolina Echer Ferreira FeijóI,II; Andreia BioloII; Eneida Rejane Rabelo-SilvaI,II

IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul - Escola de Enfermagem: Programa de Pós-graduação, Porto Alegre, RS - Brasil

IIHospital de Clínicas de Porto Alegre - Serviço de Cardiologia: Grupo de Insuficiência Cardíaca, Porto Alegre, RS - Brasil

Correspondência Correspondência: Eneida Rejane Rabelo Av. Para, 1165, apto 03, São Geraldo CEP 90240-592, Porto Alegre, RS - Brasil E-mail: eneidarabelo@gmail.com

RESUMO

FUNDAMENTO: Estados congestivos podem ser identificados e manejados através de algoritmos como o Diuretic Treatment Algorithm (DTA) para ajuste de diurético por telefone, com enfoque na avaliação clínica. Porém, o DTA está disponível somente em língua inglesa.

OBJETIVO: Adaptar o DTA e testar sua aplicabilidade para uso no Brasil em pacientes ambulatoriais com IC.

MÉTODOS: Seguiram-se as etapas de tradução, síntese, retrotradução, avaliação por comitê de especialistas e pré-teste (aplicabilidade clínica por meio de ensaio clínico randomizado). O DTA foi denominado, na versão para o Brasil, algoritmo de ajuste de diurético (AAD). Os pacientes foram randomizados para grupo intervenção (GI) - ajuste de diurético conforme o AAD - ou grupo controle (GC) - ajuste convencional. Foi avaliado o escore clínico de congestão (ECC) e o peso para ambos os grupos.

RESULTADOS: Foram realizadas 12 modificações no DTA. Incluíram-se 34 pacientes. Para aqueles congestos, o aumento de diurético guiado pelo AAD resultou em maior resolução da congestão, com redução de dois pontos no ECC para 50% da amostra -2 (-3,5; -1,0), enquanto a mediana para o GC foi 0 (-1,25; -1,0), (p < 0,001). A mediana de variação de peso foi maior no GI -1,4 (-1,7; -0,5) quando comparado ao GC 0,1 (1,2; -0,6), p = 0,001.

CONCLUSÕES: O ADD mostrou-se aplicável na prática clínica após adaptação e parece resultar em melhor controle da congestão em pacientes com IC. A efetividade clínica da ferramenta merece ser testada em amostra maior de pacientes visando sua validação para uso no Brasil (Universal Trial Number: U1111-1130-5749) (Arq Bras Cardiol. 2013; [online]. ahead print, PP.0-0).

Palavras-chave: Insuficiência Cardíaca / terapia, Diuréticos / administração & dosagem, Algoritmos.

Introdução

Na insuficiência cardíaca (IC), a principal causa de descompensação e consequentes visitas às emergências e readmissão hospitalar é a congestão, caracterizada, na maioria das vezes, por fadiga, edema e intolerância às atividades1. A importância de identificar sinais e sintomas precocemente se dá pela possibilidade de interromper a exacerbação progressiva, com impacto direto na redução dos custos, hospitalizações e mortalidade. Uma das estratégias já comprovadas é o acompanhamento através de monitoração por telefone e visita domiciliar de forma intensiva e sistemática. Esses programas têm obtido sucesso, especialmente com avaliação clínica e identificação de quadros congestivos, possibilitando a tomada de decisão através de condutas individualizadas de atendimento2.

Nessa perspectiva foi desenvolvido o Diuretic Treatment Algorithm (DTA) para ajuste de diurético por telefone realizado por enfermeiros norte-americanos, com enfoque na avaliação farmacológica e não farmacológica, e no manejo domiciliar de pacientes com IC. Esse algoritmo demonstrou ser uma ferramenta efetiva para prevenção da descompensação, diminuindo significativamente em 30 dias as taxas de readmissões e em 50% as hospitalizações relacionadas à IC3. A implementação de um protocolo de diurético pode contribuir para a ação imediata frente a sinais precoces de congestão, através de seguimento intensivo durante o ajuste, maior autonomia para o enfermeiro e garantia da manutenção da segurança dos pacientes por meio da monitoração por telefone2-4. Mesmo que conduzido por enfermeiros, o instrumento não se restringe a esses profissionais, uma vez que se trata de um algoritmo de titulação de doses de diuréticos associado ao manejo não farmacológico embasado na avaliação clínica presencial e por telefone, através do relato de sinais e sintomas de congestão. Dessa forma, a equipe assistencial, especialmente médicos e enfermeiros, tem à disposição um instrumento objetivo para nortear possíveis ajustes do tratamento na sua prática diária. Entretanto, antes de ter seu uso avaliado e instituído, essa ferramenta deve ser traduzida e validada para a língua portuguesa. Além disso, por se tratar de um algoritmo que envolve intervenções específicas de acordo com os diversos cenários clínicos, sua aplicabilidade e utilidade precisam ser avaliadas na prática clínica. Dessa forma, neste estudo buscamos: 1) realizar a adaptação transcultural do DT; 2) avaliar sua aplicabilidade clínica por meio de ensaio clínico randomizado.

Métodos

Tipo de estudo e pacientes

Estudo metodológico5 desenvolvido para adaptar transculturalmente e testar a aplicabilidade clínica por meio de um ensaio clínico randomizado desenvolvido em clínica de IC de um hospital universitário do sul do Brasil. O estudo foi conduzido de março a dezembro de 2011. Foram incluídos pacientes de ambos os sexos, com idade > 18 anos, diagnóstico de IC sistólica, em condições de verificar o peso corporal no domicílio, em uso de furosemida e que no momento da avaliação necessitassem de ajuste do diurético. Aqueles sem possibilidade de retorno ou contato telefônico e em terapia de substituição renal foram excluídos. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da instituição.

Instrumento utilizado - Diuretic Treatment Algorithm (DTA)

O DTA contempla etapas de avaliação, diagnóstico e tratamento para IC descompensada de acordo com a apresentação clínica do paciente. Utiliza-se de um método passo a passo para a investigação de sinais e sintomas sugestivos de descompensação detectáveis através de contato telefônico realizado pelo enfermeiro3. A etapa inicial prevê a orientação ao paciente sobre o reconhecimento dos sinais e dos sintomas de piora do seu estado clínico. É necessário, para isso, avaliação diária do peso corporal, reavaliação em 24 horas e disponibilidade para telefonemas, ocasiões em que o enfermeiro realizará por telefone a avaliação verbal das manifestações clínicas relatadas pelos pacientes. As situações de hipovolemia são identificadas através do relato de quadros de tontura, fraqueza e diminuição do peso corporal. Nesses casos, causas subjacentes são investigadas, como a ocorrência de quadros de diarreia ou anorexia, antes da alteração na dose do diurético. Quando o paciente retorna ao peso usual, a medicação deve ser reiniciada em dose inferior, se necessário. Nos casos em que existe ganho de peso sem sintomas ou perda de peso em pacientes com sintomas de descompensação, a abordagem deve priorizar a investigação de outras possíveis causas, como ingesta excessiva de sódio, não adesão ao tratamento e outras doenças. Nessas ocasiões, muitas vezes, é necessário agendar uma consulta presencial dentro de 48 horas para realização de exame clinico, coleta de exames laboratoriais e revisão das medicações em uso.

Previamente ao início das etapas iniciais do estudo foi solicitada autorização ao autor do DTA para a sua adaptação e utilização no Brasil. Após o aceite, foram realizadas, de acordo com a literatura, as seguintes etapas metodológicas para a adaptação de instrumentos: tradução, síntese, retrotradução, formação do comitê de especialistas, pré-teste e disponibilização da versão final6.

Após as etapas de tradução, síntese, retrotradução, formação do comitê de especialistas, foi testada a aplicabilidade clínica por meio de um ensaio clínico randomizado que constituiu a etapa de pré-teste. Esse estudo foi planejado para ser aplicável na prática clínica a pacientes alocados no grupo intervenção (aumento de diurético pelo AAD) se, como desfecho primário, alcançassem redução no escore clínico de congestão maior ou igual a dois pontos.

Adaptação transcultural

A tradução inicial do DTA para o português brasileiro foi realizado por dois tradutores independentes, brasileiros natos, e com características distintas (um conhecia os aspectos do estudo, e o outro, não). Após, foi desenvolvida a síntese das duas traduções, quando os dois tradutores e os pesquisadores reuniram-se produzindo uma versão sem qualquer concessão. A versão foi submetida a retrotradução (português-inglês) posteriormente6.Essa etapa foi realizada por outros dois tradutores, nativos de países de língua inglesa, que desconheciam os conceitos explorados no estudo e não eram profissionais da área da saúde. A etapa seguinte se referiu à formação do comitê de especialistas, fundamental para a obtenção de um instrumento que contemple todas as características do instrumento original adaptado à cultura em que está sendo inserido. Fizeram parte do comitê os tradutores, quatro enfermeiras, uma médica e um profissional de linguística. O comitê avaliou todos os itens do instrumento quanto à equivalência semântica, idiomática, experimental e conceitual. Após, as versões foram enviadas ao autor para seu conhecimento e aprovação.

A versão final foi denominada algoritmo de ajuste de diurético (AAD) e aplicada no pré-teste a 34 pacientes ambulatoriais. Conforme o referencial teórico adotado, a amostra do pré-teste deve compreender 30-40 sujeitos de pesquisa6.

Randomização

Os pacientes que preencheram os critérios de inclusão, que concordaram em participar do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foram alocados aleatoriamente para o grupo intervenção (GI) ou grupo controle (GC). A randomização foi realizada imediatamente após a indicação da necessidade de alteração da dose de diurético pelo médico, utilizando o software do site http://www.randomization.com. Todas as intervenções foram realizadas pelo pesquisador (enfermeiro), entretanto as avaliações inicial e final foram realizadas por profissional cego quanto à alocação ao GG ou GI.

Protocolo do estudo e intervenção

A intervenção do estudo foi realizada pelo enfermeiro de forma sistemática. No GI, foram realizados telefonemas (duração média de 15 minutos) em 48 h, 96 h, 10 dias, 14 dias, 21 dias e 28 dias. Na ocasião eram investigados sinais e sintomas de congestão, revisadas as medicações, fornecidas orientações não farmacológicas e reforçado o aspecto educativo de forma individualizada. De acordo com o DTA, alterações no peso em ± 1 kg eram indicativas de alteração da dose de diurético com o acréscimo ou diminuição de um comprimido de furosemida. No GC, os pacientes não receberam ligações telefônicas, e a dose de diurético foi ajustada de acordo com o critério médico durante a consulta inicial. Ao final de 30 dias, todos deveriam retornar para a avaliação final. Para ambos os grupos foram identificados o grau de congestão através da avaliação da ausculta pulmonar, a presença de terceira bulha cardíaca, distensão jugular, edema de membros inferiores, ortopneia, refluxo hepatojugular e classe funcional, determinando o escore clínico de congestão (ECC). Escore > 5 pontos equivale à presença de congestão2.

Dados coletados e variáveis mensuradas

Foram obtidos dados demográficos e clínicos de todos os pacientes. Dentre os dados clínicos foram coletadas as informações referentes a internações prévias, comorbidades, medicações em uso, dados ecocardiográficos e valores de exames laboratoriais (níveis de potássio, sódio, ureia e creatinina) no momento da inclusão e na avaliação final em 30 dias, quando disponíveis. Para a avaliação clínica inicial e final foi utilizado o ECC, que contempla ausculta pulmonar, ausculta cardíaca, avaliação de distensão da veia jugular, refluxo hepatojugular, edema de membros inferiores, ortopneia ou dispneia paroxística noturna e classe funcional. O peso também era registrado e avaliado.

Análise estatística

As variáveis contínuas foram descritas como média e desvio-padrão para aquelas com distribuição normal ou mediana e intervalo interquartil para as assimétricas. As variáveis categóricas foram descritas como número absoluto e frequências relativas. Conforme a distribuição dos dados, as características basais dos grupos e o efeito da intervenção foram comparados pelo teste t de Student, Mann-Whitney e qui-quadrado de Pearson. Os testes t de Student e de Mann-Whitney foram utilizados para a variação do ECC e do peso de ambos os grupos do período basal para os 30 dias. P < 0,05 bicaudal foi considerado estatisticamente significativo.

Resultados

Adaptação transcultural do DTA

Foram realizadas ao todo 12 modificações do instrumento para a sua adaptação à nossa cultura. Nas Tabelas 1, 2 e 3 são demonstradas as adaptações realizadas e as justificativas para cada alteração.

Sujeitos da pesquisa - etapa do pré-teste

Do total de 1.440 pacientes elegíveis, 1.406 foram excluídos por não preencherem os critérios de inclusão ou outras causas descritas adiante. Foram randomizados 17 pacientes para o GI e 17 para o GC. Após um mês de seguimento, 17 pacientes do GI e 14 do CG foram analisados (Figura 1).


Participaram do estudo 34 pacientes, com idade média de 65,3 (± 10,6) anos, predominantemente do sexo masculino (23 [67,6%]) e brancos (25 [73,5%]). A etiologia de IC mais prevalente foi a isquêmica (44,1%), seguida da hipertensiva (32,4%), e a FEVE foi de 31,4 ± 8,8. Mais da metade dos pacientes (64,7%) apresentava uma ou mais internações prévias. A mediana para o número de internações prévias foi de 1 (1-2) e 2 (1-3) para GI e GC, respectivamente, e 15 (44,1) apresentaram ao menos uma internação no último ano. As variáveis laboratoriais foram semelhantes entre os dois grupos, à exceção da creatinina, que foi superior no GC (Tabela 4).

Variação do ECC e peso corporal

Quando avaliado o ECC no período basal e em 30 dias para ambos os grupos, observou-se redução significativa para o GI alocado para aumento de diurético guiado pelo AAD (6,3 ± 2,4 e 3,6 ± 1,1) quando comparado ao GC, que também aumentou o diurético do período basal para 30 dias (6,9 ± 3,7 e 5,2 ± 3,0). Os demais grupos que reduziram o diurético com ou sem AAD não apresentaram escores significativos. No GI com redução de diurético guiado pelo AAD, o ECC foi de (2,3 ± 1,1 e 3,3 ± 2,5), comparado ao GC, que também diminuiu o diurético (3,8 ± 1,6 e 4,2 ± 0,8) basal e final, respectivamente.

A mediana da variação do ECC final para o basal foi superior no GI para aumento de diurético -2 (-3,5; -1,0) quando comparado ao GC com aumento do diurético 0 (-1,25; -1,0), p < 0,001. De forma semelhante, a mediana da variação de peso corporal, também na comparação desses grupos, foi significativamente maior no GI -1,4 (-1,7; -0,5) em relação ao GC 0,1 (-1,2; -0,6), p = 0,001. Na Figura 2 podem ser observadas essas variações.


Discussão

Este é o primeiro estudo que realiza a adaptação transcultural de um algoritmo de ajuste de diurético para uso no Brasil em pacientes com IC através de ensaio clínico randomizado conduzido por enfermeiro. Além da adaptação transcultural, o ensaio clínico randomizado nos permitiu avaliar a aplicabilidade desse algoritmo, e seu uso parece ser superior ao ajuste ambulatorial convencional para controle e reversão da congestão clínica.

No processo de adaptação transcultural foram modificados 12 itens que compõem o algoritmo. Entre as maiores modificações estão a avaliação da adesão ao tratamento (não farmacológico), o aumento da quantidade de ligações telefônicas (de três para seis) e a inclusão de consulta e coleta de exames para pacientes que persistissem com sintomas na vigência de dois aumentos da dose de diurético. Essas modificações foram necessárias e identificadas pelo comitê de especialistas objetivando a segurança da intervenção instituída a distância7,8.

O GI guiado pelo AAD apresentou redução significativa no valor do ECC em 30 dias, p < 0,001. De igual forma, o peso corporal também foi reduzido significativamente no período, p = 0,001. Em estudo que adotou a titulação de diurético como ferramenta para diminuição de morbidade e mortalidade em pacientes ambulatoriais, a orientação de verificação de peso foi diária, porém os autores não apresentaram resultados de variação. Uma crítica pertinente a esse estudo diz respeito à inexistência de uma avaliação especializada do enfermeiro, e a única intervenção é a alteração na dosagem de diurético, se necessário9.

Na prática clínica, a maior proporção da necessidade de ajuste de diurético se dá em casos de congestão. Quanto às flutuações de peso em curto período, elas também são utilizadas como parâmetros para avaliar a sobrecarga hídrica na IC2,10-12. Existem evidências de que essas modificações estão correlacionadas com sintomas e aumento nos parâmetros hemodinâmicos, como a pressão da veia jugular2. Estudo recente demonstrou que pacientes com IC, quando comparados a indivíduos hígidos, apresentam aumento gradual de peso no mês anterior à admissão hospitalar. Quando acompanhados por um período de 18 meses, utilizando a estratégia de monitoração domiciliar de peso, identificou-se que as modificações mais importantes ocorreram nos sete dias anteriores à internação. Os autores concluíram que, para a maioria dos casos, as admissões por IC são precedidas por ganho de peso13.

Atualmente, existem dois algoritmos semelhantes disponíveis na literatura que foram utilizados para avaliar desfechos de readmissões e óbitos por IC em uma amostra de pacientes ambulatoriais por ensaio clínico randomizado. O primeiro, que utilizou a estratégia de ajuste de diurético, incluiu 123 pacientes e levava em consideração prioritariamente a variação de peso, em detrimento de outras variáveis que normalmente compõem o quadro de congestão. Também foram realizados contatos telefônicos como forma de reforçar a orientação inicial. Os resultados encontrados foram favoráveis à redução da mortalidade e de hospitalizações para o grupo intervenção, bem como para a melhora do autocuidado. O segundo incluiu 62 pacientes ambulatoriais que recebiam idênticas orientações sobre IC, manual de orientações, balança e diário para registro do peso. Somente para os pacientes do grupo intervenção foram fornecidas instruções de como realizar o autoajuste do diurético. No seguimento, os pacientes foram contatados em 72 horas, e após duas, quatro, oito e 12 semanas para a avaliação do desfecho de readmissão. Embora os autores desses estudos não tenham realizado comparações entre congestão e peso no início e no final do estudo, ressalta-se que a estratégia de ajuste de diurético utilizada contribuiu para a estabilidade clínica dos pacientes9,14.

O AAD é o único algoritmo disponível para ajuste de diurético baseado na condição clínica vigente do paciente sem doses previamente estabelecidas. O AAD não se restringe somente à abordagem farmacológica, mas ao cuidado global, envolvendo o tratamento não farmacológico e a adesão ao tratamento. Além disso, propicia a orientação sistemática, no mínimo, semanal. Somado a isso, é inegável o vínculo estabelecido entre o profissional e o paciente, envolvendo a família e redes de apoio no processo do autocuidado. Ainda existem lacunas a serem respondidas, principalmente sobre a relação entre a adesão ao tratamento e as intervenções realizadas. No presente estudo, os resultados não podem ser julgados unicamente pelo efeito da utilização do AAD por telefone, mas também pelo reforço de orientações sempre que elas se fizeram presentes na necessidade dos pacientes durante o contato.

Um potencial limitador do estudo se refere à dificuldade por vezes encontrada nos contatos telefônicos, seja pela dificuldade de verbalização de sinais e sintomas pelo paciente, seja pela diminuição da acuidade auditiva ou até mesmo de entendimento das orientações repassadas.

Conclusões

Os resultados demonstram que a versão adaptada do AAD manteve a equivalência semântica, idiomática, experimental e conceitual, segundo a avaliação do comitê de especialistas. O AAD demonstrou, na etapa pré-teste, através de ensaio clínico randomizado, ser mais efetivo do que o manejo convencional na redução do ECC e do peso para pacientes que necessitaram de aumento de diurético. Para que essa ferramenta possa ser recomendada na prática clínica, sua efetividade deve ser testada em estudos maiores e com avaliação de desfechos clínicos, como a prevenção de hospitalizações.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi parcialmente financiado pelo FIPE.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Maria Karolina Echer Ferreira Feijó pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Artigo recebido em 17/06/12, revisado em 01/11/12, aceito em 19/11/12.

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  • Correspondência:

    Eneida Rejane Rabelo
    Av. Para, 1165, apto 03, São Geraldo
    CEP 90240-592, Porto Alegre, RS - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      17 Jun 2012
    • Aceito
      19 Nov 2012
    • Revisado
      01 Nov 2012
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