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Aspectos metodológicos na utilização da análise de regressão logística múltipla

CARTA AO EDITOR

Aspectos metodológicos na utilização da análise de regressão logística múltipla

Davi Jorge Fontoura SollaI,II; Nivaldo Menezes Filgueiras-FilhoI; Anibal Silvany-NetoII

IServiço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU)

IIFaculdade de Medicina, Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA - Brasil

Correspondência Correspondência: Davi Jorge Fontoura Solla Rua Marechal Floriano, 41, apto. 101, Canela CEP 40110-010, Salvador, BA - Brasil E-mail: davisolla@hotmail.com, davisolla@gmail.com

Palavras-chave: Análise de regressão, Análise multivariada, Modelos logísticos.

Prezado editor,

Gostaríamos de tecer algumas considerações quanto à análise estatística dos preditores de óbito no artigo de Caluza e cols.1, mesmo observando sua natureza de projeto inicial/piloto.

Não ficou claro quais variáveis foram incluídas no modelo inicial e qual método foi utilizado para selecionar aquelas significantes no modelo ajustado final (backward, forward, full model ou variantes).

Em razão da boa evolução dos pacientes (mortalidade intra-hospitalar de 6,8%) e do tamanho amostral relativamente pequeno (n = 205), o número de óbitos foi baixo (n = 14). É um excelente resultado clínico, mas impõe cuidados na regressão logística. O modelo final apresentou seis variáveis significantes (talvez o modelo inicial contivesse ainda mais covariáveis), com uma relação Eventos Por Variável (EPV) de, no máximo, 2,3 (14/6). Uma baixa relação EPV resulta num modelo instável, com aumento de viés, variabilidade e superestimativa dos coeficientes de regressão e Intervalos de Confiança (IC) inverossímeis2,3. O pior cenário4 seria justamente com 2 a 4 EPV, < 30 desfechos e baixas prevalência/incidência (< 10%) das variáveis preditoras (Acidente Vascular Cerebral - AVC - prévio [7,8%], Bloqueio Atrioventricular Total - BAVT - [6,8%], balão intra-aórtico - BIA - [5,8%] e choque cardiogênico [7,3%]).

A artéria relacionada ao infarto ocluída e o índice de fluxo tecidual (blush) zero na injeção inicial na artéria relacionada ao infarto foram variáveis inseridas paralelamente no modelo. Foi verificada multicolinearidade entre estas? Exceto no enchimento por colaterais, toda artéria ocluída terá índice de fluxo tecidual zero, resultando numa alta redundância, com redução da confiabilidade dos coeficientes de regressão e amplificação dos erros-padrão5.

O uso de BIA comporta-se muito mais como marcador de risco que propriamente fator de risco, não estando na via causal do desfecho analisado. Sua inclusão na análise dos preditores de óbito é questionável, dado o potencial para influenciar as demais covariáveis.

Ainda quanto ao BIA, considerando a presença da variável choque cardiogênico no modelo multivariável, seria interessante verificar se também não houve considerável redundância, uma vez que essa complicação é das principais indicações ao BIA.

Por fim, não foi feito (ou relatado) o diagnóstico (análise de resíduos e de influência) da regressão logística bem como os IC das Odds Ratio (OR ), itens fundamentais para avaliar o ajuste do modelo e que facilitariam a elucidação dos questionamentos acima.

Conforme colocado em outra Carta ao Editor, qualquer crítica à análise estatística desse trabalho não diminui a relevância da implementação de uma rede regionalizada de atenção ao Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnível do Segmento ST (IAMCSST). Trata-se de um modelo de organização do cuidado, que merece ser replicado pelo Brasil.

Artigo recebido em 21/12/12; revisado em 21/12/12; aceito em 21/02/13.

Carta-resposta

Agradecemos as perguntas feitas1 sobre a análise estatística do artigo2, apropriadamente formuladas, e concordamos que a sistematização do tratamento do Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) com supra, em redes, é indiscutivelmente uma solução para propiciar melhora imediata nos resultados brasileiros em geral.

As preocupações colocadas são as mesmas que tivemos porque, como também inferido no próprio artigo, uma amostra de 205 casos não proporciona dados indiscutivelmente confiáveis. Exatamente por isso não detalhamos nem citamos pontos específicos da análise multivariada e da regressão logística. Utilizamos o programa SPSS-20 , bicaudado, backward, sabendo que amostra pequena, pontos fora da curva, modelo inapropriado e múltiplos pontos para análise podem eventualmente distorcer resultados nessa situação. O número de Eventos Por Variável (EPV) pode também influenciar os resultados obtidos; obtivemos Intervalos de Confiança (IC) muito variáveis, como, por exemplo, fração de ejeção com Odds Ratio (OR) de 0,90 e IC de 0,35 a 0,94, e blush com OR de 9,45 e IC de 1,21 a 59,45. Também concordamos, como colocado, que, quando estamos falando de Killip avançado e choque cardiogênico (balão intra-aórtico como marcador ) ou fluxo TIMI baixo e blush miocárdico, há superposição de colinearidade e interação, cabendo ao condutor do estudo escolher qual item se aplica melhor à situação, de modo a obter o que possui menor variabilidade e, portanto, maior confiabilidade, sempre havendo alguma interação nessa ordem de variáveis. Discordamos completamente (e respeitosamente), entretanto, da colocação de que houve baixa prevalência de eventos: como um registro com pacientes não selecionados, tivemos, nesta população, 31,7% de diabéticos, 7,8% de Acidente Vascular Cerebral (AVC) prévio, 11,2% de disfunção renal preexistente; nesta população ocorreu 6,8% de Bloqueio Atrioventricular Total (BAVT) e 7,3% de choque cardiogênico, proporção maior de problemas e complicações do que em muitos dos estudos de IAM com supra, como referido em textos de diretrizes3-6, condizente com a amostra de um registro. Ocorreu, isso sim, que a amostra era pequena e a proporção de óbitos também.

Um fato suplementar, importante, e que nos deixa confiantes em relação ao publicado, é que hoje, com 620 casos (três vezes o tamanho da amostra dos Arquivos) no registro, os dados de mortalidade e da análise estatística do artigo continuam, de modo geral, muito próximos do publicado. Um novo artigo, envolvendo os riscos relacionados com mortalidade e com análise mais detalhada, que segue o sugerido nas perguntas acima, já está pronto e prestes a ser enviado para publicação.

Atenciosamente,

Ana Christina Vellozo Caluza

Antonio Carlos Carvalho

Pelos demais autores do artigo

Referências

  • 1. Caluza AC, Barbosa AH, Gonçalves I, Oliveira CA, Matos LN, Zeefried C, et al. Rede de infarto com supradesnivelamento de ST: sistematização em 205 casos diminui eventos clínicos na rede pública. Arq Bras Cardiol. 2012;99(5):1040-8.
  • 2. Peduzzi P, Concato J, Kemper E, Holford TR, Feinstein AR. A simulation study of the number of events per variable in logistic regression analysis. J Clin Epidemiol. 1996;49(12):1373-9.
  • 3. Harrel FE Jr, Lee KL, Mark DB. Multivariable prognostic models: issues in developing models, evaluating assumptions and adequacy, and measuring and reducing errors. Stat Med. 1996;15(4):361-87.
  • 4. Vittinghoff E, McCulloch CE. Relaxing the rule of ten events per variable in logistic and Cox regression. Am J Epidemiol. 2007;165(6):710-8.
  • 5. Kleinbaum DG, Kupper LL, Nizam A, Muller KE. Applied regression analysis and other multivariable methods. 4th ed. Belmont: Thomson Brooks/cole; 2008.
  • 1. Solla DJ, Figueiras NM, Silvany-Neto A. Aspectos metodológicos na utilização da análise de regressão logista múltipla. Análise de regressão logística múltipla. Arq Bras Cardiol. 2013;xx(xx):xx.
  • 2. Caluza AC, Barbosa AH, Gonçalves I, Oliveira CA, Matos LN, Zeefried C, et al. Rede de infarto com supradesnivelamento de ST: sistematização em 205 casos diminui eventos clínicos na rede pública. Arq Bras Cardiol. 2012;99(5):1040-8.
  • 3. Steg G, James SK, Atar D, Badano LP, Blömstrom-Lundqvist C, Borger MA, et al; Task Force on the management of ST segment elevation acute myocardial infarction of the European Society of Cardiology (ESC). ESC Guidelines for the Management of acute myocardial infarction in patients presenting with ST-segment elevation. Eur Heart J. 2012;33(15):2-51.
  • 4. O'Gara PT, Kushner FG, Ascheim DD, Casey DE Jr, Chung MK, de Lemos JA, et al; American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. 2013 ACCF/AHA guideline for the management of ST-elevation myocardial infarction: a report of the American College of Cardiology Foundation / American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. Circulation. 2013;127(4):e-362-425.
  • 5. Goldstein P, Wiel E. Management of prehospital thrombolytic therapy in ST segment elevation acute coronary syndrome (<12 hours). Minerva Anestesiol. 2005;71(6):297-302.
  • 6. El Khoury C, Sibellas F, Bonnefoy E. Is There Still A Role For Fibrinolysis in ST-elevation myocardial infarction? Curr Treat Options Cardiovasc Med. 2013;15(1):41-60.
  • Correspondência:

    Davi Jorge Fontoura Solla
    Rua Marechal Floriano, 41, apto. 101, Canela
    CEP 40110-010, Salvador, BA - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013
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