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Deslocamento de stent no tratamento de dissecção do tronco da coronária esquerda

RELATO DE CASO

Deslocamento de stent no tratamento de dissecção do tronco da coronária esquerda

Gilberto Guilherme Ajjar MarchioriI,II; George César Ximenes MeirelesI; Sérgio KreimerI; Micheli Zanoti GalonI,II

IHospital do Servidor Público Estadual - IAMSPE

IIInstituto do Coração da FMUSP, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: George César Ximenes Meireles Rua Sena Madureira, 1265/102, Vila Clementino CEP 04021-051, São Paulo, SP - Brasil E-mail: gcxm@cardiol.br, george.ximenes@terra.com.br

Palavras-chave: Artérias Coronárias, Dissecção, Angioplastia Coronária com Balão, Stents.

Introdução

A dissecção acidental do tronco da artéria coronária esquerda (TCE) é uma das complicações mais temidas pelo cardiologista intervencionista, cuja ocorrência pode ter consequência grave se não diagnosticada e tratada prontamente com a revascularização miocárdica. A incidência da dissecção ocasionada pelo cateter é menor que 0,1%, elevando-se para 1,05% em pacientes com lesão obstrutiva do TCE1-4.

A realização de intervenção percutânea imediata com implante de stent parece ser a medida apropriada para tratamento de dissecção acidental do TCE de moderada/grande extensão, como demonstrado no presente caso.

Relato do caso

Mulher de 72 anos é atendida no pronto-socorro com história de cansaço aos esforços moderados, com início há uma semana, e dor precordial opressiva, em repouso, sem irradiação, com duração de 10 minutos. A pressão arterial era de 110/70 mmHg, a frequência cardíaca de 90 bpm e a saturação de oxigênio 91%. A ausculta cardiopulmonar estava normal. Apresentava como fator de risco para doença arterial coronária: dislipidemia. Relata tratamento cirúrgico para melanoma e uso de sertralina 50 mg ao dia para tratamento de depressão.

O eletrocardiograma de repouso revelou ritmo sinusal e inversão de onda T de V4-V6. O ecocardiograma transtorácico mostrou alteração do relaxamento do ventrículo esquerdo (VE) e fração de ejeção de 68%. O teste de esforço, submáximo, realizado há três meses da internação, foi sugestivo de isquemia miocárdica. Foi, então, indicada a coronariografia.

A coronariografia foi realizada pela técnica radial (introdutor e cateteres 6F) e na primeira injeção de contraste não foram observadas lesões obstrutivas (Figura 1A). Na segunda injeção de contraste se observou imagem de dissecção na porção inicial e média do TCE (Figura 1B). A paciente não referiu queixas. Foi medicada com 600 mg de clopidogrel e, devido ao aspecto da dissecção, optou-se pelo implante de stent DRIVER (Medtronic-AVE, Santa Rosa, CA, USA) 4,0x12 mm, liberado com 20 atm, seguido de pós-dilatação com balão não complacente (Quantum, Bostom Scientific Inc, Natick, USA) 4,5x12 mm com 20 atm (Figuras 1 C, D e E). No controle angiográfico imediato pós-implante verificou-se que o stent expandido migrou para o corpo do cateter-guia (Figura 1F). Foi então realizado o implante de outro stent DRIVER (Medtronic-AVE) 4,0x18 mm no TCE com 20 atm, seguido de pós-dilatação com balão semicomplacente 5,0x12 mm (Quantum, Bostom Scientific Inc, Natick, USA) com 12 atm. O controle angiográfico final mostrou stent com aspecto de implante ótimo no TCE (Figuras 2 A, B e C).


 





 




O stent expandido no corpo do cateter-guia migrou até a artéria braquial direita, onde foi implantado com sucesso com balão 5,0x12 mm com 8 atm (Figuras 2 D e E). A arteriografia braquial direita pós-implante mostrou aspecto de implante ótimo, sem sinais de dissecção e fluxo TIMI 3 (Figura 2 F). Após o término do procedimento foram realizadas coronariografia direita, que mostrou artéria isenta de obstruções, e ventriculografia esquerda, que mostrou ventrículo esquerdo normal.

A paciente foi transferida para a Unidade Coronária (Uco) e medicada com ácido acetilsalicílico, 100 mg ao dia, clopidogrel, 75 mg ao dia, atorvastatina, 20 mg ao dia, atenolol, 50 mg ao dia, e enoxaparina, 60 mg subcutânea de 12 em 12 horas. A paciente evoluiu sem complicações e recebeu alta da Uco no quarto dia de internação. No processo de desenvolvimento não apresentou elevação de marcadores de necrose nem alterações eletrocardiográficas. Foi transferida para a enfermaria, onde permaneceu assintomática, e recebeu alta hospitalar após três dias.

A paciente foi reavaliada clinicamente após dois meses do implante de stent no TCE e permanecia assintomática.

Discussão

O presente caso se diferencia dos casos relatados de dissecção do TCE na literatura médica devido ao deslocamento do stent implantado no TCE para o cateter-guia na pós-dilatação, assim como pela solução de implante do stent deslocado para o cateter-guia na artéria braquial direita.

A hipertensão arterial, extensa aterosclerose, síndrome de Marfan, valva aórtica bicúspide ou unicúspide e necrose cística da média são condições clínicas que predispõem à dissecção do TCE. A ulceração de placa aterosclerótica pode servir como ponto de entrada para o fluxo sanguíneo pulsátil5.

A dissecção acidental do TCE resulta de lesão da parede arterial durante: manipulação excessiva e descuidada do cateter; troca de cateteres por outros de curvatura maiores ou de diferentes formas (Amplatz), para superar dificuldades na cateterização do TCE pela sua localização não usual na raiz da aorta; injeção vigorosa de contraste com o cateter em posição não coaxial; utilização de cateteres com ponta dura e entubação profunda do cateter1,4.

O presente caso foi realizado por um cardiologista intervencionista experiente, via radial, com cateter diagnóstico 6F com ponta macia (Merit Medical Systems, South Jordan, Utah), sem dificuldades na cateterização da artéria coronária esquerda, que se apresentava sem aterosclerose aparente, e o provável mecanismo da dissecção foi a injeção de contraste com a ponta do cateter em posição não coaxial.

Ocorreu um deslocamento do stent implantado no TCE na pós-dilatação com balão curto (12 mm) não complacente para o corpo do cateter-guia. O deslocamento pode ser secundário a angulação coronária acentuada, calcificação coronária, subdimensionamento do stent, pré-dilatação coronária inadequada e stent direto. No caso atual, a provável explicação para o deslocamento foi a utilização de stent com relação diâmetro do stent/diâmetro do vaso < 1, por indisponibilidade de medida maior, não se obtendo aposição total do stent às paredes do vaso com consequente deslizamento do stent durante a pós-dilatação para o corpo do cateter-guia. O implante do stent deslocado na artéria braquial direita evitou a necessidade de retirada cirúrgica do stent, uma vez que o mesmo estava expandido, impossibilitando sua retirada via introdutor radial.

Na dissecção acidental do TCE o quadro clínico pode variar, na dependência do fluxo anterógrado, de pacientes assintomáticos com fluxo TIMI 3 hemodinamicamente estáveis a choque cardiogênico com oclusão total da artéria coronária esquerda. A estratégia de tratamento pode ser conservadora, com intervenção coronária percutânea ou cirurgia de revascularização miocárdica, de acordo com o quadro clínico5. A princípio, nos pacientes hemodinamicamente estáveis, com dissecção de pequena extensão e sem comprometimento do fluxo coronário, pode ser tomada uma conduta expectante5. Ao contrário, em pacientes com instabilidade hemodinâmica e nos quais ocorreu envolvimento da aorta de 40 mm ou mais a partir do óstio coronário, há indicação de intervenção5,6,7. No entanto, mesmo em pacientes assintomáticos, hemodinamicamente estáveis e com fluxo TIMI 3, pode ocorrer deterioração rápida do quadro clínico pela progressão da dissecção com comprometimento do fluxo ou formação de trombo local, situação que exige revascularização rápida via intervenção percutânea ou cirúrgica. O uso do balão intra-aórtico pode servir para estabilizar o paciente em situações de choque, mas é obviamente contraindicado na presença de dissecção aórtica concomitante8.

A intervenção coronária percutânea imediata com implante de stent parece ser uma alternativa apropriada à cirurgia de revascularização miocárdica em caso de dissecção iatrogênica do TCE pela sua rapidez e eficácia no tratamento3,9. Não temos dados na literatura médica para inferir a vantagem do stent farmacológico sobre o convencional nessa situação, principalmente nos casos em que a coronariografia mostra aspecto normal das artérias coronárias.

A evolução tardia, 12 a 30 meses, em pequenas séries de pacientes com dissecção iatrogênica do TCE, mostrou taxas de sobrevida de aproximadamente 90% e de reestenose aos seis meses variando de 0 a 30%3,9,10. Ressaltamos a importância de controle clínico rigoroso e a realização de controle angiográfico aos seis meses pós-implante de stent convencional, devido à possibilidade de a manifestação clínica da reestenose em TCE ser a morte súbita.

Conclusão

O implante de stent coronário é uma alternativa apropriada para o tratamento de dissecção acidental do TCE e o seu subdimensionamento em relação ao diâmetro do TCE pode levar ao deslocamento do stent na pós-dilatação.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Marchiori GGA; Obtenção de dados: Marchiori GGA, Galon MZ; Redação do manuscrito: Meireles GCX; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Meireles GCX, Galon MZ, Kreimer S; Imagens: Kreimer S.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 17/09/12, revisado em 21/12/12, aceito em 08/01/13.

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  • Correspondência:

    George César Ximenes Meireles
    Rua Sena Madureira, 1265/102, Vila Clementino
    CEP 04021-051, São Paulo, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013
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