Acessibilidade / Reportar erro

Correlação da composição de placas à histologia virtual com proteína C-reativa

Resumos

FUNDAMENTOS: Estudos prévios demonstram que o principal determinante de vulnerabilidade da placa aterosclerótica é a sua composição. Recentemente, diversos métodos de imagens e marcadores laboratoriais têm sido investigados visando identificar lesões vulneráveis. O ultrassom com Histologia Virtual® (HV) permite a diferenciação e quantificação dos componentes da placa. Por sua vez, a proteína C-reativa (PCR) é apontada como importante preditor de eventos adversos. A correlação entre este marcador e as características da placa não é bem estabelecida. OBJETIVOS: Avaliar a constituição da lesão culpada em pacientes com síndrome coronária aguda (SCA) - conforme caracterizada pela HV - e investigar a relação dos componentes da placa com o marcador inflamatório PCR. MÉTODOS: Cinquenta e dois pacientes com SCA e com indicação de intervenção coronária percutânea foram submetidos a dosagens de PCR de alta sensibilidade antes e 24 horas após a ICP. Análise por ultrassom HV da lesão-alvo foi realizada antes da ICP. RESULTADOS: A média de idade foi de 55,3 ± 4,9 anos, sendo 76,9% homens, 67,3% hipertensos e 30,8% diabéticos. A área luminal mínima foi de 3,9 ± 1,3 mm², e a carga de placa de 69 ± 11,3%. Os componentes da placa foram assim identificados: fibrótico (59,6 ± 15,8%), fibrolipídico (7,6 ± 8,2%), cálcio (12,1 ± 9,2%), necrótico (20,7 ± 12,7%). Não observamos correlação entre os níveis basais de PCR ou a variação dentre os valores pré e pós-ICP com os componentes da placa. CONCLUSÃO: Neste estudo, a composição das placas pela HV foi predominantemente fibrótica, com alto conteúdo necrótico. Não foi encontrada correlação entre a PCR e os componentes da lesão culpada em pacientes com SCA.

Síndrome Coronariana Aguda; Placa Aterosclerótica; Proteína C-Reativa; Técnicas Histológicas; Diagnóstico por Imagem


BACKGROUND: Previous studies have shown that coronary plaque composition plays a pivotal role in plaque instability, and imaging modalities and serum biomarkers have been investigated to identify vulnerable plaque. Virtual histology IVUS (VH-IVUS) characterizes plaque components as calcified, fibrotic, fibrofatty, or necrotic core. C-reactive protein (hsCRP) is an independent risk factor and a powerful predictor of future coronary events. However, a relationship between inflammatory response indicated by CRP and plaque characteristics in ACS patients remains not well established. OBJECTIVE: To determine, by using VH-IVUS, the relation between coronary plaque components and plasma high-sensitivity CRP levels in patients with acute coronary syndromes (ACS). METHODS: 52 patients with ACS were enrolled in this prospective study. Electrocardiographically-gated VH-IVUS were performed in the culprit lesion before PCI. Blood sample was drawn from all patients before the procedure and after 24 hours, and hs-CRP levels were determined. RESULTS: Mean age was 55.3±4.9 years, 76.9% were men and 30.9% had diabetes. Mean MLA was 3.9±1.3 mm², and plaque burden was 69±11.3%, as assessed by IVUS. VH-IVUS analysis at the minimum luminal site identified plaque components: fibrotic (59.6±15.8%), fibrofatty (7.6±8.2%), dense calcium (12.1±9.2%) and necrotic core (20.7±12.7%). Plasma hs-CRP (mean 16.02±18.07 mg/L) did not correlate with necrotic core (r=-0.089, p = 0.53) and other plaque components. CONCLUSIONS: In this prospective study with patients with ACS, the predominant components of the culprit plaque were fibrotic and necrotic core. Serum hs C-reactive protein levels did not correlate with plaque composition.

Acute Coronary Syndrome; Plaque, Atherosclerosis; C-Reactive Protein; Histological Techniques; Diagnostic Imaging


Correlação da composição de placas à histologia virtual com proteína C-reativa

Dimytri Alexandre de Alvim Siqueira; Amanda Guerra Moraes R. Sousa; José de Ribamar Costa Junior; Ricardo Alves da Costa; Rodolfo Staico; Luis Fernando Leite Tanajura; Marinella Patrizia Centemero; Fausto Feres; Alexandre Antonio Cunha Abizaid; J. Eduardo Moraes R. Sousa

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Dimytri Alexandre de Alvim Siqueira Rua Maestro Callia, 271 Apto. 114, Vila Mariana CEP 04012-100, São Paulo, SP - Brasil E-mail: dimytri@cardiol.br, dimytrisiqueira@gmail.com

RESUMO

FUNDAMENTOS: Estudos prévios demonstram que o principal determinante de vulnerabilidade da placa aterosclerótica é a sua composição. Recentemente, diversos métodos de imagens e marcadores laboratoriais têm sido investigados visando identificar lesões vulneráveis. O ultrassom com Histologia Virtual® (HV) permite a diferenciação e quantificação dos componentes da placa. Por sua vez, a proteína C-reativa (PCR) é apontada como importante preditor de eventos adversos. A correlação entre este marcador e as características da placa não é bem estabelecida.

OBJETIVOS: Avaliar a constituição da lesão culpada em pacientes com síndrome coronária aguda (SCA) - conforme caracterizada pela HV - e investigar a relação dos componentes da placa com o marcador inflamatório PCR.

MÉTODOS: Cinquenta e dois pacientes com SCA e com indicação de intervenção coronária percutânea foram submetidos a dosagens de PCR de alta sensibilidade antes e 24 horas após a ICP. Análise por ultrassom HV da lesão-alvo foi realizada antes da ICP.

RESULTADOS: A média de idade foi de 55,3 ± 4,9 anos, sendo 76,9% homens, 67,3% hipertensos e 30,8% diabéticos. A área luminal mínima foi de 3,9 ± 1,3 mm2, e a carga de placa de 69 ± 11,3%. Os componentes da placa foram assim identificados: fibrótico (59,6 ± 15,8%), fibrolipídico (7,6 ± 8,2%), cálcio (12,1 ± 9,2%), necrótico (20,7 ± 12,7%). Não observamos correlação entre os níveis basais de PCR ou a variação dentre os valores pré e pós-ICP com os componentes da placa.

CONCLUSÃO: Neste estudo, a composição das placas pela HV foi predominantemente fibrótica, com alto conteúdo necrótico. Não foi encontrada correlação entre a PCR e os componentes da lesão culpada em pacientes com SCA.

Palavras-chave: Síndrome Coronariana Aguda, Placa Aterosclerótica, Proteína C-Reativa, Técnicas Histológicas, Diagnóstico por Imagem.

Introdução

A síndrome coronária aguda abrange amplo espectro de apresentações clínicas e evolução prognóstica, estando relacionada na maior parte dos casos a um mesmo substrato fisiopatológico: a rotura ou a erosão de uma placa vulnerável1,2. Estudos histopatológicos prévios demonstram que o principal determinante de vulnerabilidade da placa aterosclerótica é a sua composição. Desta forma, lesões caracterizadas por um grande núcleo lipídico, pela presença de células inflamatórias - em detrimento de células musculares lisas e tecido fibroso - e por uma capa fibrosa fina estariam mais sujeitas à instabilização3,4.

Postula-se que a detecção precoce de fibroateromas de capa fina teria profundo impacto clínico na prevenção de eventos cardíacos adversos. Nos últimos anos, diversos métodos de imagens cardiovasculares e marcadores laboratoriais têm sido investigados com este propósito5,6. O ultrassom intracoronário com radiofrequência, também denominado Histologia Virtual® (Volcano Therapeutics, EUA), complementa as informações anatômicas providas pelo ultrassom intracoronário convencional em escala de cinzas, permitindo não só a avaliação das dimensões da placa, mas ainda uma pormenorizada caracterização tecidual da lesão aterosclerótica7-9.

Quatro componentes básicos da placa (tecidos fibrolipídico e fibroso, cálcio, áreas de atividade inflamatória e necrose) são determinados por esse método. Na reconstrução das imagens (Figura 1), tais elementos são caracterizados por diferentes cores: verde claro (tecido fibrolipídico), verde escuro (tecido fibrótico), branco (cálcio) e vermelho (núcleo necrótico), que podem ainda ser quantificados em relação às suas áreas correspondentes ou ao porcentual ocupado por cada componente do volume total da placa10. Dentre os métodos laboratoriais investigados, a proteína C-reativa (PCR) é um reagente de fase aguda e sensível marcador de estado inflamatório sistêmico, sendo apontada como um importante preditor de eventos cardíacos adversos11,12. Contudo, a sua correlação com as características da placa de ateroma não é bem estabelecida.


O presente estudo tem como objetivos avaliar a constituição da lesão aterosclerótica culpada em pacientes com síndrome coronária aguda - conforme caracterizada pelo ultrassom com radiofrequência - e investigar a relação dos componentes da placa com o marcador inflamatório proteína C-reativa.

Métodos

Estudo prospectivo, constituído por 52 pacientes consecutivos com síndrome coronária aguda com ou sem supradesnivelamento do segmento ST, admitidos no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, no período de setembro de 2008 a novembro de 2009, tendo sido submetidos à cinecoronariografia conforme indicação clínica e candidatos à intervenção percutânea. A pesquisa foi aprovada pela Comissão de Ética em Pesquisa da Instituição, estando de acordo com a declaração de Helsinki. Todos os pacientes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.

Constituíam critérios de inclusão: idade igual ou superior a 18 anos; quadro clínico de síndrome coronária aguda, ocorrido até 30 dias antes da realização da intervenção percutânea; lesão coronária primária caracterizada por: a) obstrução > 50 % da luz vascular pela avaliação visual, com extensão < 18 mm e localização em vasos maiores que 2,5 mm, sendo considerada a lesão responsável ("culpada") pelo quadro clínico apresentado. Foram excluídos os pacientes com IAM a menos de 72 h de evolução, com angina refratária, instáveis hemodinamicamente ou com fluxo coronário TIMI (Trombolysis in Myocardial Infarction) < 3 - que exigissem intervenção coronária imediata -, e portadores de lesões obstrutivas (> 50%) no tronco da coronária esquerda, com oclusões totais e com lesões com trombo no sítio da intervenção (conforme demonstrado pela angiografia). Pacientes em vigência de infecção, portadores de patologias do tecido conjuntivo ou outras doenças inflamatórias crônicas ou ainda em uso de corticosteroides foram também excluídos, uma vez que tais condições poderiam influenciar nos resultados laboratoriais de dosagem da proteína C-reativa.

Protocolo de aquisição das imagens com ultrassom intracoronário com radiofrequência

Após a cateterização do vaso culpado e antes da intervenção coronária, procedeu-se ao posicionamento de guia metálico 0,014" distalmente à lesão a ser tratada. O cateter de ultrassom com radiofrequência Eagle Eye® (Volcano Therapeutics, EUA) foi avançado sobre o guia metálico, e posicionado inicialmente em segmento livre de doença aterosclerótica significativa; após a conexão a um console específico (InVision Gold®, Volcano Corporation Inc., Rancho Cordova, EUA), realizou-se a calibração das imagens. O cateter de ultrassom foi então posicionado em segmento distal à lesão culpada, e, com o auxílio de dispositivo automático (R-100®, Volcano Corporation Inc., Rancho Cordova, EUA), foi tracionado à velocidade de 0,5 mm / segundo para a realização das sequências das imagens.

Ao término da realização do ultrassom com radiofrequência, seguiu-se o tratamento percutâneo da lesão culpada. De importância, a pré-dilatação da lesão foi realizada somente após a obtenção das imagens de ultrassom com Histologia Virtual®, a fim de que as características da placa refletissem seu estado natural, antes de qualquer intervenção mecânica.

A análise das imagens da Histologia Virtual® foi realizada por meio de programa específico (pcVH 2.2®, Volcano Corporation Inc.®, Rancho Cordova, EUA). Tal programa permite o contorno da membrana elástica externa e do lúmen, fornecendo, de forma automática, a classificação dos quatro componentes da placa presentes na região de interesse (tecido fibroso, fibrolipídico, cálcio e núcleo necrótico). A análise pelo ultrassom com radiofrequência foi delimitada a um segmento de 10 mm da lesão aterosclerótica a ser tratada. Tal segmento deveria abranger o ponto de maior obstrução do lúmen: assim, tomando-se a área mínima da luz como referência, eram determinados os 5 mm proximais e distais à mesma. Baseado ainda na composição porcentual da placa e na localização dos conteúdos necrótico e de cálcio em relação à luz vascular, procedeu-se à seguinte classificação das lesões pela Histologia Virtual®:

• placa fibrótica: tecido fibrótico predominante, sem áreas confluentes de tecido necrótico ou de cálcio;

• fibroateroma calcificado: presença de áreas confluentes de cálcio (> 10% do porcentual de área da placa) em três ou mais cortes consecutivos;

• fibroateroma: presença de áreas confluentes de tecido necrótico (> 10% do porcentual de área da placa) em três ou mais cortes consecutivos;

• fibroateroma de capa fina (FACF): presença de áreas confluentes de tecido necrótico (> 10% do porcentual de área da placa) em três ou mais cortes consecutivos e em direto contato com o lúmen (Figura 2).


Coleta de amostras e dosagem de proteína C-reativa

Antes da intervenção coronária, todos os pacientes foram submetidos à avaliação clínica, eletrocardiográfica e laboratorial. As amostras de sangue periférico para dosagens do marcador inflamatório proteína C-reativa de alta sensibilidade pré-intervenção foram obtidas do acesso arterial (por meio dos introdutores femoral ou radial), no momento anterior ao procedimento de revascularização percutânea. As amostras para as dosagens pós-procedimento foram obtidas 24 horas após a intervenção. A análise sorológica com a dosagem de proteína C-reativa de alta sensibilidade foi realizada por teste de quimioluminescência automatizado IMMULITE® (DPCMedLab®, Brasil). A variação entre o nível basal deste marcador inflamatório e o observado 24 horas após a intervenção foi definida como Δ (delta) de PCR, sendo calculada em cada paciente.

Análise estatística

As variáveis categóricas foram expressas em números absolutos e porcentagens, e apresentadas em tabelas de frequência absoluta e relativa. A análise de diferenças entre as variáveis categóricas foi realizada com o teste do qui-quadrado de Pearson ou com teste exato de Fisher, quando necessário. As variáveis contínuas foram expressas como média e desvio-padrão. Diferenças entre as variáveis contínuas foram determinadas pelo teste t de Student. Nas situações nas quais a normalidade foi rejeitada, aplicou-se a comparação das variáveis por meio do teste não paramétrico de Mann-Whitney. As correlações entre as variáveis quantitativas eram apresentadas segundo o coeficiente de correlação de Person. Para todos os testes, foi considerado um nível de significância de 5% (α = 0,05). O programa PAWS Statistics (SPSS)® (SPSS Inc, EUA) foi empregado para a análise estatística.

Resultados

Características clínicas e angiográficas

A média de idade dos pacientes foi de 55,3 ± 4,9 anos, sendo 76,9% do sexo masculino, 67,3% hipertensos, 30,8% diabéticos e 50% tabagistas. O quadro clínico predominante que motivou a intervenção coronária percutânea foi o IAM com supra de ST, em sua fase mais tardia (intervenção eletiva pós-IAM). Na Tabela 1, encontram-se discriminadas as características clínicas gerais dos pacientes selecionados.

Todos os pacientes foram medicados com aspirina 100-200 mg/dia; clopidogrel em bolus de 300-600 mg e manutenção de 75 mg/dia; e enoxaparina em dose plena (1 mg/kg 2x/dia), por pelo menos 24 horas antes da intervenção coronária.

As características angiográficas dos pacientes incluídos são mostradas na Tabela 2. A maioria apresentava obstrução coronária uniarterial, e a artéria mais frequentemente tratada foi a descendente anterior. Em relação à complexidade anatômica, 57,7% das lesões foram classificadas como do tipo B2 ou C pela classificação do ACC/AHA. A função ventricular esquerda, avaliada pela fração de ejeção global, foi de 57,8 ± 5,3%.

A média do período decorrido entre a apresentação clínica inicial da síndrome coronária aguda e a realização da cinecoronariografia foi de 6,1 ± 1,8 dias, e de 8,2 ± 2,5 dias para a intervenção coronária percutânea. Em relação às características técnicas do procedimento, 38% das lesões foram pré-dilatadas previamente ao implante de stents. A pós-dilatação dos stents foi realizada em 90% dos pacientes.

Resultados hospitalares e aos 30 dias

Todos os 52 pacientes incluídos foram submetidos à intervenção coronária com sucesso clínico e angiográfico, recebendo alta hospitalar após período médio de 1,32 ± 0,86 dias. Ao completarem trinta dias de evolução pós-procedimento, os pacientes foram submetidos às avaliações clínica, laboratorial e eletrocardiográficas planejadas. Não ocorreram casos de trombose de stent, eventos cardíacos maiores (óbito, infarto ou acidente vascular cerebral) ou mesmo recidiva dos sintomas de isquemia miocárdica neste período.

Avaliação pelo ultrassom com Histologia Virtual®

Os resultados do ultrassom com radiofrequência (Histologia Virtual®) estão na Tabela 3. Conforme a classificação proposta, predominaram as lesões do tipo fibroateroma e fibroateroma calcificado (61,5% do total). Nove (17,3%) lesões foram definidas com fibroateromas de capa fina.

Em relação à média dos porcentuais dos componentes das placas, o tecido fibrótico foi o componente predominante (59,6 ± 15,8% do volume total das placas analisadas); cerca de 20% do volume total das lesões era composto por núcleo necrótico. Na Figura 3, estão representados a mediana e os intervalos interquartis do porcentual volumétrico de cada um dos quatro componentes da placa aterosclerótica.


Associação entre as características da lesão aterosclerótica à Histologia Virtual® com os níveis da proteína C-reativa

O valor basal da proteína C-reativa nos pacientes incluídos neste estudo foi de 16,02 ± 18,07 mg/l (valor de referência < 5 mg/l). Não foi observada associação entre os porcentuais dos componentes da lesão aterosclerótica, conforme os achados da Histologia Virtual®, e o marcador inflamatório proteína C-reativa de alta sensibilidade, dosado antes da intervenção coronária percutânea. Na Figura 4, encontram-se os gráficos de correlação entre os diferentes componentes da placa e os níveis da proteína C-reativa pré-procedimento.


A variação média entre o nível basal deste marcador inflamatório e o observado 24 horas após a intervenção [Δ de PCR] foi de 3,18 ± 6,26 mg/L. Da mesma forma que a dosagem pré-intervenção, não foi detectada correlação entre as variações individuais da proteína C reativa e os componentes das placas tratadas (Figura 5).


Discussão

Em nosso estudo prospectivo com pacientes com síndrome coronária aguda, a composição das placas conforme o ultrassom com Histologia Virtual® foi predominantemente fibrótica, com alto percentual de componente necrótico. Não foi encontrada correlação entre os níveis basais do marcador inflamatório proteína C-reativa, ou mesmo entre a variação de seus níveis pré e pós-intervenção, e a composição da placa aterosclerótica culpada nesta casuística.

Estudos patológicos demonstram que a rotura de placa com grande núcleo inflamatório e necrótico e a trombose subsequente são os principais mecanismos que determinam a ocorrência da síndrome coronária aguda. Tais achados têm encontrado correspondência com os resultados da Histologia Virtual®. Utilizando o método, Pundziute e cols.13 observaram que a média dos porcentuais do núcleo necrótico das lesões coronárias observadas era significativamente maior em portadores de síndrome coronária aguda do que em pacientes com angina estável (11,2 ± 6,1% versus 9,1 ± 4,6%, p = 0,02). Em análise com 318 casos, Hong e cols.14 relatam que a morfologia das placas culpadas de pacientes com quadro instável é distinta das lesões-alvo de pacientes estáveis: o núcleo necrótico no ponto de maior redução luminal é maior (33% versus 29%, p = 0,015) e o porcentual de tecido fibrolipídico é menor (5% versus 7%, p = 0,020), respectivamente. Rodriguez-Granillo e cols.15 demonstraram maior média porcentual de conteúdo necrótico nas lesões não culpadas de pacientes com síndrome instável do que nas placas ateroscleróticas de pacientes estáveis (12,26% ± 7,0% versus 7,4 ± 5,5%), p < 0,006), sugerindo que estado pró-inflamatório sistêmico possa influenciar não só a instabilização das lesões culpadas, mas também a ativação de lesões quiescentes em outros sítios coronários. Surmely e cols.16 relatam que, ao menos no local com menor diâmetro luminal, a área do componente fibrótico pode ser maior nas placas de pacientes com síndrome aguda do que em indivíduos estáveis (6,0 ± 10,7 versus 61,4 ± 8,9%, p = 0,034). Em nosso estudo, a maior parte das lesões culpadas foram classificadas como fibroateromas ou fibroateromas calcificados; grande variação de tipos de placa foi observada, sendo 17,3% definidas com fibroateromas de capa fina. Houve predomínio do componente fibrótico (59,6% ± 15,8%) e grande porcentual de núcleo necrótico (20,7% ± 12,7%) nas lesões analisadas.

Marcador laboratorial de estado inflamatório sistêmico, a proteína C-reativa é também sintetizada no local da placa aterosclerótica e refletiria o processo de instabilização7,8. Diversos estudos procuraram avaliar a associação entre os níveis de proteína C-reativa com as características das placas ateroscleróticas ao ultrassom intracoronário monocromático. Em estudo com pacientes pós-IAM, Sano e cols.17 encontraram maior prevalência de lesões com achados ultrassonográficos de rotura, de remodelamento positivo ou com lagos lipídicos nos indivíduos que apresentavam níveis elevados de proteína C-reativa, quando comparados a pacientes com níveis normais deste marcador. Hong e cols.18, por sua vez, em estudo com ultrassom intracoronário realizado nos três vasos principais, encontraram que níveis elevados de proteína C-reativa foram os únicos preditores de placas com rotura. Em nossa investigação com o ultrassom intracoronário com radiofrequência, contudo, não foi demonstrada associação dos porcentuais de componentes da placa culpada com os níveis séricos de proteína C-reativa. É possível que, ao analisarmos apenas as lesões que já tenham sofrido erosão ou rotura, parte do núcleo necrótico já tenha sido embolizada; por conseguinte, a observação de um menor porcentual deste componente pode ter resultado na classificação de determinadas lesões como fibróticas e influenciado na correlação com os níveis de proteína C-reativa.

Sabe-se que a embolização distal de conteúdo necrótico e de debris da placa aterosclerótica, ocorrida durante a intervenção coronária percutânea, associa-se a desfechos clínicos e angiográficos adversos. Neste cenário, tem-se investigado a utilidade da Histologia Virtual® em identificar lesões com maior risco de complicações. Diversos estudos com pacientes com IAM com supra de ST demonstram que um maior porcentual do núcleo necrótico nas placas tratadas associa-se ao surgimento de sinais eletrocardiográficos sugestivos de não reperfusão19, à ocorrência de no-reflow20 e ao aparecimento de sinais transitórios e de alta frequência ao Doppler intracoronário21 - indicativos de embolização distal. Tais complicações podem acompanhar-se de aumento dos níveis de proteína C-reativa. Em nossa casuística, não ocorreram complicações isquêmicas relacionadas ao procedimento de revascularização, não sendo também detectada qualquer associação entre os porcentuais dos componentes da lesão culpada com a magnitude de elevação de proteína C-reativa. O tratamento farmacológico instituído antes da intervenção (dupla terapia antiplaquetária, antitrombínicos e estatinas) pode explicar a discordância entre os achados de nosso estudo e aqueles previamente relatados.

Limitações

Algumas das limitações deste estudo dizem respeito ao próprio método de imagem utilizado. Primeiramente, por tratar-se de tecnologia baseada nos princípios do ultrassom, a Histologia Virtual® apresenta resolução axial de 100 µm e resolução lateral de 250 µm, o que impede a detecção de placas com capa fibrótica ainda mais fina (< 65 µm), apontadas como precursoras de eventos isquêmicos agudos. Ademais, nem todos os componentes da placa são identificados pelo método: a presença de trombo intraluminal, por exemplo, não é contemplada pelos algoritmos de classificação contemporâneos. Assim, o tecido trombótico é classificado automaticamente como componente fibrótico ou fibrolipídico12. Por este motivo, a observação de imagens sugestivas de trombo à angiografia (comuns nos pacientes com síndromes agudas) constitui um dos critérios de exclusão de nosso estudo. De forma similar ao ultrassom intracoronário convencional, a deposição não confluente de cálcio não acarreta dificuldades na avaliação de tecidos mais profundos da placa. Por outro lado, devido ao surgimento de sombra acústica, a sua disposição confluente e organizada pode reduzir a acurácia do método em reconhecer outros componentes.

Naturalmente, os achados desta investigação não eliminam a potencial indicação deste método de imagem nas inúmeras outras possibilidades em que vem sendo estudado, dentre as quais se destacam: o melhor entendimento da evolução natural da doença coronária22,23; os efeitos de terapias farmacológicas que visam à regressão ou estabilização de placas ateroscleróticas24-26; e a correlação entre o tipo e a composição das lesões com os resultados das intervenções percutâneas19-21,27.

Conclusões

Em nosso estudo, a composição das placas obtidas com o ultrassom com a Histologia Virtual® foi predominantemente fibrótica e com grande conteúdo de núcleo necrótico. Não foi observada correspondência entre os níveis basais do marcador inflamatório proteína C-reativa - ou mesmo entre a variação de seus níveis pré e pós-intervenção - com a composição da placa aterosclerótica culpada em pacientes com síndrome coronária aguda.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa e Análise estatística: Siqueira DAA, Costa Junior JR; Obtenção de dados: Siqueira DAA, Costa Junior JR, Costa RA, Staico R, Tanajura LFL, Centemero MP, Feres F, Abizaid AAC; Análise e interpretação dos dados: Siqueira DAA, Sousa AGMR, Costa Junior JR; Obtenção de financiamento: Siqueira DAA, Sousa AGMR, Abizaid AAC; Redação do manuscrito: Siqueira DAA; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Siqueira DAA, Sousa AGMR, Costa RA, Staico R, Tanajura LFL, Abizaid AAC, Sousa JEMR.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi parcialmente financiado pela CAPES.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de doutorado de Dimytri Alexandre de Alvim Siqueira pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, entidade associada da Universidade de São Paulo - USP

Artigo recebido em 19/11/12; revisado em 10/12/12; aceito em 14/02/13.

  • 1. Davies MJ. The pathophysiology of acute coronary syndromes. Heart. 2000;83(3):361-6.
  • 2. Libby P. Current concepts of the pathogenesis of the acute coronary syndromes. Circulation. 2001;104(3):365-72.
  • 3. Falk E, Shah PK, Fuster V. Coronary plaque disruption. Circulation. 1995;92(3):657-71.
  • 4. Virmani R, Burke AP, Kolodgie FD, Farb A. Vulnerable plaque: the pathology of unstable coronary lesions. J Interv Cardiol. 2002;15(6):439-46.
  • 5. Naghavi M, Libby P, Falk E, Casscells SW, Litovsky S, Rumberger J, et al. From vulnerable plaque to vulnerable patient. A call for new definitions and risk assessment strategies: Part I. Circulation. 2003;108(14):1664-72.
  • 6. Maehara A, Mintz GS, Weissman NJ. Advances in intravascular imaging. Circ Cardiovasc Interv. 2009;2(5):482-90.
  • 7. Nair A, Kuban BD, Tuzcu EM, Schoenhagen P, Nissen SE, Vince DG. Coronary plaque classification with intravascular ultrasound radiofrequency data analysis. Circulation. 2002;106(17):2200-6.
  • 8. Nasu K, Tsuchikane E, Katoh O, Vince DG, Virmani R, Surmely JF, et al. Accuracy of in vivo coronary plaque morphology assessment: a validation study of in vivo virtual histology compared with in vitro histopathology. J Am Coll Cardiol. 2006;47(12):2405-12.
  • 9. Garcia-Garcia HM, Gonzalo N, Regar E, Serruys PW. Virtual histology and optical coherence tomography: from research to a broad clinical application. Heart. 2009;95(16):1362-74.
  • 10. García-García HM, Mintz GS, Lerman A, Vince DG, Margolis MP, Morel MA, et al. Tissue characterisation using intravascular radiofrequency data analysis: recommendations for acquisition, analysis, interpretation and reporting. EuroIntervention. 2009;5(2):177-89.
  • 11. Ridker PM. Clinical application of C-reactive protein for cardiovascular disease detection and prevention. Circulation. 2003;107(3):363-9.
  • 12. Sabatine MS, Morrow DA, de Lemos JA, Gibson CM, Murphy AS, Rifai N, et al. Multimarker approach to risk stratification in non-ST elevation acute coronary syndromes: simultaneous assessment of troponin I, C-reactive protein, and B-type natriuretic peptide. Circulation. 2002;105(15):1760-3.
  • 13. Pundziute G, Schuijf JD, Jukema JW, Decramer I, Sarno G, Vanhoenacker PK, et al. Evaluation of plaque characteristics in acute coronary syndromes: non-invasive assessment with multi-slice computed tomography and invasive evaluation with intravascular ultrasound radiofrequency data analysis. Eur Heart J. 2008;29(19):2373-81.
  • 14. Hong MK, Mintz GS, Lee CW, Lee JW, Park JH, Park DW, et al. A three-vessel virtual histology intravascular ultrasound analysis of frequency and distribution of thin-cap fibroatheromas in patients with acute coronary syndrome or stable angina pectoris. Am J Cardiol. 2008;101(5):568-72.
  • 15. Rodriguez-Granillo GA, McFadden EP, Valgimigli M, van Mieghem CA, Regar E, de Feyter PJ, et al. Coronary plaque composition of nonculprit lesions, assessed by in vivo intracoronary ultrasound radio frequency data analysis, is related to clinical presentation. Am Heart J. 2006;151(5):1020-4.
  • 16. Surmely JF, Nasu K, Fujita H, Terashima M, Matsubara T, Tsuchikane E, et al. Coronary plaque composition of culprit/target lesions according to the clinical presentation: a virtual histology intravascular ultrasound analysis. Eur Heart J. 2006;27(24):2939-44.
  • 17. Sano T, Tanaka A, Namba M. C-reactive protein and lesion morphologyin patients with acute myocardial infarction. Circulation. 2003;108(3):282-5.
  • 18. Hong MK, Mintz GS, Lee CW, Kim YH, Lee SW, Song JM, et al. Comparison of coronary plaque rupture between stable angina and acute myocardial infarction: a three-vessel intravascular ultrasound study in 235 patients. Circulation. 2004;110(8):928-33.
  • 19. Kawaguchi R, Oshima S, Jingu M, Tsurugaya H, Toyama T, Hoshizaki H, et al. Usefulness of virtual histology intravascular ultrasound to predict distal embolization for ST-segment elevation myocardial Infarction. J Am Coll Cardiol. 2007;50(17):1641-6.
  • 20. Nakamura T, Kubo N, Ako J, Momomura S. Angiographic no-reflow phenomenon and plaque characteristics by virtual histology intravascular ultrasound in patients with acute myocardial infarction. J Interv Cardiol. 2007;20(5):335-9.
  • 21. Kawamoto T, Okura H, Koyama Y, Toda I, Taguchi H, Tamita K, et al. The relationship between coronary plaque characteristics and small embolic particles during coronary stent implantation. J Am Coll Cardiol. 2007;50(17):1635-40.
  • 22. Stone GW, Maehara A, Lansky AJ, de Bruyne B, Cristea E, Mintz GS, et al for the PROSPECT Investigators. A prospective natural-history study of coronary atherosclerosis. N Engl J Med. 2011;364(3):226-35.
  • 23. Virmani R, Kolodgie FD, Burke AP, Farb A, Schwartz SM. Lessons from sudden coronary death: a comprehensive morphological classification scheme for atherosclerotic lesions. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2000;20(5):1262-75.
  • 24. Nasu K, Tsuchikane E, Katoh O, Tanaka N, Kimura M, Ehara M, et al. Effect of fluvastatin on progression of coronary atherosclerotic plaque evaluated by virtual histology intravascular ultrasound. JACC Cardiovasc Interv. 2009;2(7):689-96.
  • 25. Hong MK, Park DW, Lee CW, Lee SW, Kim YH, Kang DH, et al. Effects of statin treatments on coronary plaques assessed by volumetric virtual histology intravascular ultrasound analysis. JACC Cardiovasc Interv. 2009;2(7):679-88.
  • 26. Samady H, McDaniel MC. Can statins alter coronary plaque composition assessed by radiofrequency backscatter intravascular ultrasound? JACC Cardiovasc Interv. 2009;2(7):697-700.
  • 27. Sangiorgi GM, Clementi F, Cola C, Biondi-Zoccai G. Plaque vulnerability and related coronary event prediction by intravascular ultrasound with virtual histology: "it's a long way to tipperary"? Catheter Cardiovasc Interv. 2007;70(2):203-10.
  • Correspondência:

    Dimytri Alexandre de Alvim Siqueira
    Rua Maestro Callia, 271 Apto. 114, Vila Mariana
    CEP 04012-100, São Paulo, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jul 2013

    Histórico

    • Recebido
      19 Nov 2012
    • Aceito
      14 Fev 2013
    • Revisado
      10 Dez 2012
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br