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Angioplastia coronariana via transeptal em paciente com doença vascular periférica grave

RELATO DE CASO

Angioplastia coronariana via transeptal em paciente com doença vascular periférica grave

Ricardo WangI,II; Newton Stadler Souza FilhoII; Augusto Lima FilhoI; Marcos Vinícius de Freitas MoreiraI

ISanta Casa de Belo Horizonte, Belo Horizonte, MG

IISanta Casa de Curitiba, Curitiba, PR - Brasil

Correspondência Correspondência: Ricardo Wang Rua Córrego da Mata, 343, apto. 202, Horto CEP 31030-030, Belo Horizonte, MG - Brasil E-mail: rwang@cardiol.br, rwang@terra.com.br

Palavras-chave: Sindrome Coronariana Aguda, Angioplastia Coronária, Doença Arterial Periférica.

Introdução

Estima-se que são realizados seis mil cateterismos cardíacos diagnósticos, e duas mil angioplastias coronarianas por milhão de habitantes por ano1, todos por via retrograda. Aproximadamente, para cada seis mil procedimentos, um paciente apresenta lesão do sistema arterial difusa, com acometimento das quatro extremidades2. Apesar da dificuldade do acesso arterial, o diagnóstico anatômico da doença arterial coronariana hoje não constitui mais uma barreira. Atualmente é possível o estudo anatômico sem a necessidade de estudo invasivo, especialmente decorrente da melhora na qualidade das imagens da angiotomografia de coronárias. Entretanto, a intervenção coronariana ainda constitui uma barreira, pelo uso de cateteres de perfil maior e necessidade da anticoagulação plena.

Relato do Caso

Paciente de 65 anos, com história de doença vascular grave, com diagnóstico em 2005 de aneurisma de aorta abdominal e oclusão de ilíaca bilateral. Na ocasião foi tentada angiografia dos membros inferiores, visando a programação cirúrgica, sem sucesso, em razão da falta de acesso arterial, já que as artérias subclávias também se encontravam ocluídas. Em 2006 o paciente foi submetido a correção cirúrgica do aneurisma e colocação de prótese aortobifemoral e a partir disso passa a registrar evolução estável da doença vascular periférica.

Em Junho de 2011, evoluiu com quadro de infarto sem supradesnivelamento do segmento ST, com TIMI Risk de 5, internado em outro hospital, na qual optou-se por realização de angiotomografia de coronárias em razão de doença vascular periférica, que revelou: lesão moderada no segmento médio da artéria descendente anterior, lesão crítica do primeiro ramo marginal, e lesão crítica no segmento proximal da coronária direita. Em razão da falta de acesso arterial optou-se por tratamento clínico com betabloqueador, nitrato, inibidor de enzima conversora de angiotensina, estatina, aspirina e clopidogrel. Paciente evoluiu com recorrência da angina, com dor aos pequenos esforços, limitante. Foi encaminhado para o nosso serviço por causa do quadro clínico refratário, quando optou-se por tentativa de revascularização percutânea via anterograda, via transseptal da coronária direita e artéria circunflexa.

A via de acesso foi a veia femoral direita, com passagem de bainha 7F, com auxílio de cateter multipurpose, visando posicionamento em cava superior para realização da punção transseptal; contudo o paciente apresentava forame oval patente, o que possibilitou acesso ao átrio esquerdo sem a necessidade da punção do septo; nesse momento foi administrado 8.000 UI de heparina não fracionada endovenosa. Na sequência, passou-se guia hidrofílico 0,035" 300 cm com acesso ao ventrículo esquerdo e aorta ascendente, com posicionamento do cateter MP em aorta descendente. Retirado o guia hidrofílico e passagem de guia 0,035" stiff 300 cm, realizou-se a troca do cateter. Como descrito em caso anterior3,4, foi utilizado inicialmente cateter Amplatzer Left 1 (Launcher®, Medtronic Inc.), sem sucesso na cateterização da coronária esquerda. A cateterização foi possível com o cateter Amplatzer Right 2 (Launcher®, Medtronic Inc.). A coronariografia revelou: lesão grave de 70% na artéria descendente anterior no segmento proximal; artéria diagonal com lesão de 90% no segmento médio, mas a artéria é de fino calibre; e lesão grave em segundo ramo marginal avaliada em 90% (Figura 1).


Em razão da gravidade da lesão da artéria descendente anterior, mudou-se a estratégia para revascularização da artéria descendente anterior e primeira marginal esquerda. Foi realizada a passagem do guia 0,014" 180 cm (Fielder®, Asahi Inc., Japan) na artéria circunflexa e um na descente anterior. Na artéria descendente anterior realizou-se implante direto de stent Driver® 3,0 x 12 mm (Medtronic Inc, Ireland). Na artéria circunflexa houve a necessidade de predilatação por causa da gravidade da lesão, com cateter balão 2,0 x 15 mm (Sprinter, Meditronic), seguido de implante de stent Driver® 2,75 x 14 mm (Medtronic Inc. Ireland). Angiografia de controle com bom aspecto angiográfico, sem lesão residual. No procedimento foram utilizados 200 mL de contraste iônico. O tempo total do procedimento foi de 90 minutos. Em razão do volume de contraste e tempo de exposição a radiação, optou-se pela não realização doo estudo da coronária direita.

O período intra-hospitalar transcorreu sem intercorrências, e não houve alteração da creatinina sérica e das enzimas cardíacas. No acompanhamento clínico, paciente referiu melhora dos sintomas anginosos, atualmente em classe funcional I da Canadian Cardiology Society, na cintilografia miocárdica de controle sem isquemia miocárdica (Figura 2), optando-se então por tratamento clínico da coronária direita.


Discussão

Pacientes com quadro de síndrome coronariana aguda com TIMI Risk alto (>4) estão associados com maior risco e complicações isquêmicas e morte5. Nesse grupo de pacientes, a estratégia invasiva está associado com melhora do prognóstico6. Além do mais, insuficiência vascular periférica associa-se também com pior prognóstico. Mesmo com pior prognóstico, esse paciente foi mantido em tratamento clínico apenas, por causa da limitação do acesso arterial.

Para esse grupo de pacientes, as alternativas de acesso são especialmente a punção translombar e o acesso anterógrado via transseptal. A via translombar foi descrita em 1929 por Santos e foi bem utilizada nas décadas subsequentes. A partir da década de 1960, com o aperfeiçoamento da técnica braquial e femoral, associada a melhora das guias e cateteres, a técnica foi abandonada. Como em nossa instituição não temos experiência com essa técnica, optamos pela técnica anterógrada.

A cateterização da coronária esquerda foi realizada com cateter Amplatz Right em razão do diâmetro menor da aorta. Apesar de alta especificidade da angiotomografia de coronária, ela não teve sensibilidade para diagnosticar a lesão grave na artéria descendente anterior, alterando o planejamento inicial. Até o momento não há relato de angioplastia coronariana via anterógrada. A grande dificuldade foi a cateterização da coronária, com cateter de maior perfil associado ao loop gerado pela passagem no septo interatrial e passagem do VE para aorta; existe facilidade na fratura do cateter. No caso, para evitar-se o "kinking", foi deixada a guia 0,035" até a cateterização coronariana. A passagem da guia 0,014" ocorreu sem grandes dificuldades. Apesar do loop, a navegabilidade do stent não foi prejudicado.

Não realizamos a angiografia da coronária direita por causa do tempo de procedimento e do volume de contraste. Farah e cols. relataram dificuldade técnica na cateterização dessa coronária, conseguindo somente contrastar com o cateter Judkins Left e com a injeção no seio coronário, sem cateterização seletiva da coronária. Relato contrasta com o achado de Pearce e cols., podendo ser explicado pela saída anterior da coronária direita, que permitiu a cateterização seletiva.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa, Obtenção de dados, Análise estatística, Redação do manuscrito: Wang R; Análise e interpretação dos dados: Wang R, Souza Filho NS; Obtenção de financiamento: Wang R, Souza Filho NS, Lima Filho A; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Wang R, Souza Filho NS, Lima Filho A, Moreira MVF.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 14/10/12; revisado em 23/10/12; aceito em 05/02/13.

  • 1. Ultramari FT, Bueno Rda R, da Cunha CL, de Andrade PM, Nercolini DC, Tarastchuk JC, et al. Contrast media-induced nephropathy following diagnostic and therapeutic cardiac catheterization. Arq Bras Cardiol. 2006;87(3):378-90.
  • 2. Grollman JH Jr. Back to our roots. Cathet Cardiovasc Diagn. 1996;38(2):205.
  • 3. Farah B, Prendergast B, Garbarz E, Makita Y, Iung B, Louvard Y, et al. Antegrade transseptal coronary angiography: An alternative technique in severe vascular disease. Cathet Cardiovasc Diagn. 1998;43(4):444-6.
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  • 5. Wright RS, Anderson JL, Adams CD, Bridges CR, Casey DE Jr, Ettinger SM, et al. 2011 ACCF/AHA focused update incorporated into the ACC/AHA 2007 Guidelines for the Management of Patients with Unstable Angina/Non-ST-Elevation Myocardial Infarction: a report of the American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines developed in collaboration with the American Academy of Family Physicians, Society for Cardiovascular Angiography and Interventions, and the Society of Thoracic Surgeons. J Am Coll Cardiol. 2011;57(19):e215-367.
  • 6. Levine GN, Bates ER, Blankenship JC, Bailey SR, Bittl JA, Cercek B, et al. 2011 ACCF/AHA/SCAI Guideline for Percutaneous Coronary Intervention. A report of the American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the Society for Cardiovascular Angiography and Interventions . J Am Coll Cardiol. 2011;58(24):e44-122.
  • Correspondência:

    Ricardo Wang
    Rua Córrego da Mata, 343, apto. 202, Horto
    CEP 31030-030, Belo Horizonte, MG - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jul 2013
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