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Choques inapropriados em portadores de CDI VR versus DR: meta-análise de ensaios clínicos randomizados

Resumos

FUNDAMENTO: Apesar da evolução tecnológica do cardiodesfibrilador implantável, uma das questões que permanece em aberto é sobre o eventual benefício do cardiodesfibrilador implantável de dupla câmara comparativamente ao de câmara única, para diminuir os choques inapropriados. OBJETIVO: Avaliar, em pacientes com cardiodesfibrilador implantável, qual é o tipo de dispositivo que proporciona menor número de choques inapropriados (câmara dupla versus câmara única). MÉTODOS: Meta-análise da literatura publicada, de estudos randomizados, comparando cardiodesfibrilador implantável de câmara dupla ao de câmara única, que tenham, como endpoint avaliado, a ocorrência de choques inapropriados. RESULTADOS: O cardiodesfibrilador implantável de câmara dupla não mostrou benefícios na redução do número de pacientes com choques inapropriados. Pelo contrário, na análise de efeitos fixos, a associação foi tendencialmente favorável ao cardiodesfibrilador implantável de câmara única (OR = 1,53; IC95%: 0,91-2,57), não obstante a ausência de significado estatístico (p = 0,11). Merece destaque a heterogenia observada nos resultados (I2 = 53%), o que motivou a replicação da análise utilizando um modelo de efeitos aleatórios. No entanto, as diferenças significativas permaneceram na ocorrência de choques inapropriados em ambos os grupos (OR = 1,1; IC95%: 0,37-3,31; p = 0,86). Para complementar a análise, procedeu-se à análise de sensibilidade, na qual se verificou que a exclusão de um estudo resultava na mais baixa heterogenia observada (I2=24%) e na associação com os choques inapropriados significativamente favorável ao cardiodesfibrilador de câmara única (OR = 1,91; IC95%: 1,09-3,37; p = 0,27). CONCLUSÕES: Verificou-se a não existência de evidência clara de superioridade de qualquer um dos dispositivos avaliados.

Desfibriladores Implantáveis; Choque; Metanálise


BACKGROUND: Despite the technological evolution of the implantable defibrillator, one of the questions that remains is the possible benefit of the dual chamber versus single chamber implantable cardioverter defibrillator (ICD) in reducing inappropriate shocks. OBJECTIVE: To evaluate which type of device provides fewer inappropriate shocks (dual chamber versus single chamber) in patients with implantable cardioverter defibrillators (ICDs). METHODS: Meta-analysis of randomized studies published in the literature comparing dual-chamber implantable cardioverter defibrillators to single chamber devices which have been known to cause, as an evaluated endpoint, inappropriate shocks. RESULTS: The dual-chamber implantable cardioverter showed no benefit in reducing the number of inappropriate shocks. In fact, the opposite was shown. In the analysis of fixed effects, the association tended to favor single-chamber implantable cardioverter defibrillators (OR = 1.53, CI 95%: 0.91-2.57), despite the absence of statistical significance (p = 0.11). We highlight the heterogeneity observed in the results (I² = 53%), which motivated a replication of the analysis using a model of random effects. However, significant differences remained in the occurrence of inappropriate shocks in both groups (OR = 1.1, 95% CI: 0.37-3.31; p = 0.86). To complement the analysis, we proceeded to perform sensitivity analysis, which showed that the exclusion of a study resulted in the lowest heterogeneity observed (I²=24%) and the association with inappropriate shocks significantly favored the single chamber cardiodefibrillator (OR = 1.91; 95% CI: 1.09-3.37; p = 0.27). CONCLUSIONS: It was determined that there was no clear evidence of superiority of any of the devices evaluated.

Implantable Defibrillators; Shock; Meta-Analysis


Choques inapropriados em portadores de CDI VR versus DR - meta-análise de ensaios clínicos randomizados

Juliana GonçalvesI; Telmo PereiraI,II

IDepartamento de Cardiopneumologia - Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra

IIDepartamento de Cardiopneumologia - Faculdade de Ciências da Saúde - Universidade Metodista de Angola

Correspondência Correspondência: Juliana Figueiredo Gonçalves Estrada Nacional 102, nº 53, Artesanato 'O Tear' CEP 5150-644, Vila Nova de Foz Côa, Guarda, Portugal E-mail: ju.gon@hotmail.com

RESUMO

FUNDAMENTO: Apesar da evolução tecnológica do cardiodesfibrilador implantável, uma das questões que permanece em aberto é sobre o eventual benefício do cardiodesfibrilador implantável de dupla câmara comparativamente ao de câmara única, para diminuir os choques inapropriados.

OBJETIVO: Avaliar, em pacientes com cardiodesfibrilador implantável, qual é o tipo de dispositivo que proporciona menor número de choques inapropriados (câmara dupla versus câmara única).

MÉTODOS: Meta-análise da literatura publicada, de estudos randomizados, comparando cardiodesfibrilador implantável de câmara dupla ao de câmara única, que tenham, como endpoint avaliado, a ocorrência de choques inapropriados.

RESULTADOS: O cardiodesfibrilador implantável de câmara dupla não mostrou benefícios na redução do número de pacientes com choques inapropriados. Pelo contrário, na análise de efeitos fixos, a associação foi tendencialmente favorável ao cardiodesfibrilador implantável de câmara única (OR = 1,53; IC95%: 0,91-2,57), não obstante a ausência de significado estatístico (p = 0,11). Merece destaque a heterogenia observada nos resultados (I2 = 53%), o que motivou a replicação da análise utilizando um modelo de efeitos aleatórios. No entanto, as diferenças significativas permaneceram na ocorrência de choques inapropriados em ambos os grupos (OR = 1,1; IC95%: 0,37-3,31; p = 0,86). Para complementar a análise, procedeu-se à análise de sensibilidade, na qual se verificou que a exclusão de um estudo resultava na mais baixa heterogenia observada (I2=24%) e na associação com os choques inapropriados significativamente favorável ao cardiodesfibrilador de câmara única (OR = 1,91; IC95%: 1,09-3,37; p = 0,27).

CONCLUSÕES: Verificou-se a não existência de evidência clara de superioridade de qualquer um dos dispositivos avaliados.

Palavras Chave: Desfibriladores Implantáveis/utilização, Choque, Metanálise.

Introdução

Embora o Cardiodesfibrilador Implantável (CDI) apresente eficácia no diagnóstico e no tratamento de taquidisritmias ventriculares, choques inapropriados continuam a ser o principal problema clínico para os pacientes que o portam1. Cerca de um quarto a um terço dos portadores de CDI experienciam esse tipo de choque2, cujas consequências podem ser dor, ansiedade, desconforto, graves complicações psicológicas, taquidisritmias ventriculares induzidas pelo choque inapropriado e depleção precoce da bateria3,4. A importância clínica desse problema fez com que fosse necessário desenvolver novos algoritmos de discriminação, com o objetivo de aumentar a especificidade da detecção de arritmias, mantendo a sensibilidade5.

Em teoria, o CDI de Câmara Dupla (DR) seria capaz de discriminar as taquidisritmias de forma mais eficaz do que o CDI de Câmara Única (VR) uma vez que a adição do eletrocateter auricular fornece informação complementar sobre o ritmo e a frequência auricular, bem como sobre a sincronia aurículo-ventricular. Estudos demonstram benefício claro do CDI DR sobre o CDI VR na discriminação de taquidisritmias, conseguindo, assim, uma diminuição de choques inapropriados3,6,7. No entanto, outros estudos com o mesmo objetivo evidenciam pouca ou nenhuma vantagem por parte dos CDI DR8-10.

Desse modo, torna-se necessário aferir se a inclusão de algoritmos discriminatórios nos CDI DR diminui significativamente o número de choques inapropriados quando comparado aos CDI VR.

Para tal, realizaram-se aqui uma revisão sistemática e uma meta-análise de estudos randomizados que comparam o desempenho dos CDI DR aos CDI VR, no que se refere à discriminação de taquidisritmias que terminem na aplicação de choques inapropriados.

Métodos

Desenho do estudo

Realizaram-se uma revisão sistemática e um meta-análise da literatura publicada, relacionando a quantidade de choques inapropriados entregues pelo CDI, sendo estes randomizados em CDI DR ou CDI VR. A descrição dos métodos é baseada no trabalho do grupo de PRISMA11.

Estratégia de pesquisa

No intuito de localizar todos os estudos que relacionassem CDI VR versus DR, no que diz respeito a choques inapropriados, foram desenvolvidos vários procedimentos. Começou-se por realizar uma pesquisa por palavras-chave, sem restrição de datas, em bases de dados eletrônicas, como: PubMed, B-On, Elsevier Science, Science Direct e Web of Science. A busca empregou o filtro de pesquisa em humanos, com os seguintes termos: ("Implantable Cardioverter defibrillator" OR "ICD" OR "Implantable Cardioverter-defibrillators" OR "implantable defibrillator") AND ("Dual-chamber ICD" OR "dual-chamber ICD" OR "dual-chamber device" OR "dual-chamber marcapassos defibrillator" OR "DC-ICD device") AND ("single-chamber ICD" OR "Single-chamber ICD" OR "single-chamber device" OR "SC-ICD device") AND ("Inappropriate shocks" OR "Inappropriate ICD interventions" OR "Inappropriate therapies" OR "Inappropriate implantable cardioverter-defibrillator discharges" OR "inappropriate therapy" AND "Clinical Trial[ptyp]" OR "Randomized Controlled Trial[ptyp]"). A busca foi realizada no mês de outubro de 2011.

Os artigos identificados por esse meio foram seguidamente analisados, procurando-se novas referências neles constantes que pudessem ser pesquisadas. Também foram utilizadas como fonte de artigos as referências dos artigos lidos na íntegra.

Adicionalmente, realizou-se uma busca direta em revistas da especialidade: Europace, New England Journal of Medicine, Journal of the American College of Cardiology, Circulation, European Heart Journal, Journal of Cardiovascular Electrophysiology e Heart Rhythm.

Seleção dos estudos

A seleção dos estudos compreendeu duas fases: a primeira foi a análise do título e do resumo dos potenciais estudos encontrados durante a pesquisa nas bases de dados. Para isso, utilizou-se um formulário padronizado (Figura 1). Dois revisores independentes classificaram os estudos, incluindo-os ou não. Quando o resumo do estudo não forneceu informação suficiente para decidir sobre a inclusão ou exclusão, o estudo passou para a fase seguinte. A segunda fase foi a análise completa do estudo integral. Novamente, dois revisores independentes classificaram os estudos como incluídos ou não.


Tratamento estatístico e análise de dados

A análise estatística foi realizada utilizando-se o módulo MetaView, do programa estatístico Review Manager Version 5.0 (Copenhagen, The Nordic Cochrane Centre, The Cochrane Collaboration, 2008), por meio de modelos de efeitos fixos e aleatórios. A heterogeneidade foi avaliada pelo teste Q de Cochran, e complementada com o I2 (este indica a proporção da variabilidade entre os estudos, proporcionando uma medida de heterogeneidade).

Os resultados foram analisados como variáveis dicotómicas. Para estas, foram calculados Odds Ratio (OR) e Intervalos de Confiança de 95% (IC95%). O critério de significância estatística utilizado foi valor de p < 0,05. Para variáveis contínuas, foi calculada a diferença de médias ponderadas (modelo de efeitos aleatórios), com o IC95% correspondente. Caso necessário, os dados originais foram transformados em bases logarítmicas que seguissem uma distribuição normal ou em escalas que apresentassem propriedades similares. Se necessário, as variáveis contínuas poderiam ser subdivididas para análise dicotómica.

Resultados

Estudos incluídos

Após pesquisa nas bases de dados selecionadas, foram recolhidos, para análise, 1.330 estudos, dos quais 403 permaneceram após exclusão de estudos duplicados. Destes, 370 estudos foram excluídos após análise do título e do resumo. Em seguida, analisaram-se os 33 artigos restantes integralmente, embora não tenha sido possível obter dois desses artigos (um deles por ainda não ter sido publicado). No final, foram selecionados cinco artigos para análise, embora apenas um deles apresentasse os valores necessários para a realização da meta-análise. Contactaram-se os outros quatro autores, no intuito de que fossem fornecidos os dados em falta nos artigos; apenas um dos autores não respondeu aos contatos. Assim, foram incluídos quatro estudos. O fluxograma da revisão da literatura é mostrado na Figura 2.


Resultados qualitativos

Esta meta-análise incluiu quatro estudos randomizados que comparam a ocorrência de choques inapropriados em CDI VR versus CDI DR. Os estudos são o DATAS12, o Detect Supra Ventricular Tachycardia (Detect SVT)7, o Prevention of INAPPropriate Therapy (PINAPPs)10, e o estudo de Deisenhofer e cols.8.

As caraterísticas e o desenho dos estudos incluídos estão resumidos na Tabela 1.

Esta meta-análise representa um total composto de 886 pacientes. Destes, 17,6% implantaram CDI VR e 82,4% implantaram CDI DR; dentre os 730 pacientes que implantaram CDI DR, 53,6% foram randomizados para permanecer com a programação DR e 46,4% com a programação de CDI VR. As caraterísticas clínicas dos estudos incluídos encontram-se na Tabela 2.

A média de idades foi entre 59 e 65 anos e mais de 78% eram homens. Todos os estudos incluíram pacientes com Fração de Ejeção (FE) > 30% e a maioria dos pacientes apresentava doença coronária. Não foram encontradas diferenças nas caraterísticas clínicas basais entre os pacientes randomizados para CDI VR ou CDI DR.

A programação média para detecção de arritmias foi idêntica em ambos os grupos (392 ± 24 ms para CDI VR versus 413 ± 57 ms para CDI DR). Todos os estudos incluídos eram randomizados. Na maioria dos estudos, o objetivo principal foi a comparação da incidência de terapias inapropriadas nos pacientes portadores de CDI VR e CDI DR8,10 ou parte de um objetivo combinado6,12. O estudo The Detect STV teve como objetivo principal detecções inapropriadas, o qual foi o segundo objetivo no estudo PINAPP. Todos os estudos excluíram pacientes com Fibrilação Auricular (FA) permanente, disfunção do nódulo SA, bloqueio atrioventricular ou outra qualquer indicação para implantação de marca-passos permanente.

Considerando a distribuição de choques inapropriados incluídos na meta-análise, elaborou-se a Tabela 3.

Do ponto de vista de representatividade, os dois grupos de randomização eram equivalentes, com 56% de doentes randomizados no grupo de CDI VR e 44% no grupo de CDI DR. A prevalência global de choques inapropriados foi de 7,4%, sendo ligeiramente superior no grupo de CDI DR (9,7%) em relação ao grupo de CDI VR (5,6%).

Choques inapropriados segundo análise por paciente

Quando os dados de todos os estudos foram agrupados usando o modelo de efeito-fixo (Figura 3), verificou-se não existir diferença estatisticamente significativa no risco de ocorrência de choques inapropriados entre os CDI DR e os CDI VR (OR = 1,53; IC95%: 0,91-2,57; p = 0,11), não obstante a identificação de uma tendência de associação a maior número de doentes com choques inapropriados nos CDI DR. Da análise de heterogenia, chama atenção a heterogenia nos resultados, com I2 de 53%. A análise gráfica da distribuição dos resultados dos estudos incluídos é bem expressiva dessa heterogeneidade, reforçando a necessidade de prudência na leitura do resultado global obtido.


Para minimizar o efeito dessa heterogenia, procedeu-se à análise de efeitos aleatórios, demonstrada na Figura 4. Como se pode observar, não se encontraram diferenças significativas na ocorrência de choques inapropriados em ambos os grupos. A heterogenia permaneceu importante na análise, com I2 de 53% e distribuição assimétrica dos estudos, em termos gráficos.


Para avaliar o impacto da heterogeneidade estatística, com foco no impacto da exclusão de cada estudo, analisou-se a sensibilidade dos dados (Tabela 4).

Observou-se que a heterogenia permaneceu importante (I2 > 20%) em todas as análises efetuadas com exclusão do estudo DATAS, que fica no limiar da heterogeneidade (I2 = 24%), acompanhando-se de OR = 1,91 (IC95%: 1,09-3,37; p < 0,05) e revelando uma associação estatisticamente significativa do CDI DR a um maior risco de choques inapropriados. Esta foi, aliás, uma tendência presente em todas as análises parciais, com exceção da reanálise com exclusão do estudo Detect STV, que produziu OR = 0,7 (IC95%: 0,28-1,75) sem significado estatístico.

Discussão

Como resultado fundamental, não se verificou benefício em termos de redução do número de pacientes com choques inapropriados nos CDI DR em comparação aos com CDI VR, contrariamente à previsão inicialmente delineada. Aliás, foi possível demonstrar ligeira tendência ao aumento de choques inapropriados nos CDI DR em relação ao que foi verificado no grupo de comparação. Nos estudos incluídos, 9,7% dos pacientes portadores de CDI DR receberam choques inapropriados, comparados a 5,6% de pacientes portadores de CDI VR ou programado como tal. Dessa forma e considerando a análise de modelos fixos, a OR correspondente à comparação da ocorrência de choques inapropriados entre os CDI DR e VR foi de 1,53 (IC95%: 0,91-2,57; p = 0,11), indicando tendência de benefício do CDI VR, embora sem significado estatístico. Atendendo à elevada heterogenia documentada nesta análise, replicou-se a avaliação, recorrendo a um modelo de efeitos aleatórios, resultando numa OR de 1,10 (IC95%: 0,37-3,31; p = 0,86), e não havendo associação significativa entre o tipo de CDI e a ocorrência de choques inapropriados. Merece ressalva o fato de que, apesar da ausência de significado estatístico, em ambas as análises, o OR manteve algum favorecimento ao CDI VR, mediante as devidas cautelas que a estatística impõe na leitura desse resultado. Não obstante, os resultados são claros na demonstração da ausência de benefício do CDI DR em relação ao CDI VR, neste contexto específico.

A principal justificativa para a falha de superioridade do CDI DR em alguns estudos incluídos nesta meta-análise deve-se a problemas com o sensing auricular, sendo esta a causa predominante de detecções erradas nos CDI DR, resultando em choques inapropriados13,14. No estudo de Deisenhofer e cols.8, por exemplo, problemas com o sensing auricular foram a causa de 38 das 51 terapias inapropriadas que ocorreram no grupo de pacientes com CDI DR. Problemas de sensing auricular representam de 41% a 75% das terapias inapropiadas nos estudos mais antigos incluídos na meta-análise8,10. No estudo Detect SVT7, a importância dada ao sensing auricular resultou em sensing far-field da onda R ou oversensing da onda R com valor inferior a 3% nos CDI programados como DR. De todos os erros de discriminação nos CDI programados como DR, apenas 5% foram contabilizados como erros de sensing auricular7.

Verificou-se que os estudos mais recentes não apresentam número tão elevado de choques e terapias inapropriadas causadas por problemas com o sensing auricular, talvez pelos melhoramentos dos filtros de sensing realizados pelos fabricantes de CDI, tal como alertava Deisenhofer e cols.8 em seu estudo em 2001.

Um aspecto curioso que resultou desta análise de sensibilidade e que foi preconizado, no sentido de perceber a elevada heterogenia assinalada na análise estatística global, foi que a exclusão do estudo DATAS da análise produziu o menor coeficiente de heterogenia (I2 = 24%) e associou-se a uma OR de 1,91 (IC95%: 1,09-3,37; p < 0,05), claramente favorável ao CDI VR, indicando, dessa forma, um risco de choque inapropriado 91% maior no grupo de CDI DR. Essa homogeneidade nos resultados decorrente da exclusão do DATAS poderá traduzir o contexto temporal em que os ensaios clínicos foram desenvolvidos bem como o estado de evolução tecnológica dos CDI contemporaneamente ao desenrolar de cada estudo. De fato, sendo o DATAS o estudo mais recente de todos, ele enquadra dispositivos num patamar de desenvolvimento tecnológico mais atual, o que pode, de alguma forma, explicar seu contributo para a heterogenia identificada nos vários modelos de análise empreendidos. Por outro lado, há que considerar que, no estudo DATAS, todos os CDI implantados possuíam algoritmos de prevenção de Taquicardia Auricular (TA) e FA que, como se sabe, são a principal causa de choques inapropriados. Atualmente, os pacientes portadores de CDI têm mostrado elevada prevalência de taquidisritmias auriculares. Tem sido demonstrado que 20% deles apresenta FA antes da implantação de CDI e que, durante a longevidade do CDI, 50% dos pacientes desenvolve FA15. As funções de antitaquicardia auricular (algoritmos de prevenção e ATP auricular) disponíveis nos CDI implantados no estudo DATAS têm se demonstrado eficazes para prevenir e tratar rapidamente as taquidisritmias auriculares, como relatado no estudo de Ricci e cols.16, que demostraram eficiência no término de TA > 71% e 36% de FA, num follow-up de 1 ano. É de realçar, ainda, o fato de, no estudo DATAS, ter se definido como evento "choque inapropriado" a presença de dois ou mais episódios de choques inapropriados", justificando-se que o primeiro choque inapropriado poderia apenas significar a necessidade de reprogramação, para, em seguida, poder impedir subsequentes choques inapropriados12. Assim, a proporção total de choques inapropriados registados não é a reportada, encontrando-se, dessa forma, subvalorizada, o que poderá ter influência direta nos resultados obtidos, numa direção imprevisível.

Considerou-se que uma das falhas para que se demonstrasse a superioridade do CDI DR em relação ao CDI VR foi a programação não optimizada para cada paciente. Vários estudos já demonstraram esse fato17,18, nomeadamente melhorias da detecção auricular e em algoritmos de morfologia. Nos estudos incluídos nesta meta-análise não se conseguiu determinar se a programação para cada doente foi apropriada, embora se reportassem alterações e ajustes de programação em razão de variações clínicas do paciente.

Em algumas marcas presentes no mercado, os algoritmos de discriminação não se aplicam durante a redetecção da taquidisritmia, o que pode provocar aumento dos choques inapropriados. Contudo, nos estudos incluídos na meta-análise, não houve informação sobre esse tipo de caraterísticas presentes em algumas marcas, ou se estão ligados também na redetecção.

Limitações do estudo

Esta meta-análise incluiu um grande número de pacientes, contudo,o registou heterogeneidade significativa entre os estudos incluídos. Essa heterogeneidade pode ser em razão das diferenças tecnológicas dos dispositivos usados nos diferentes estudos, atendendo, inclusive aos diferentes períodos temporais em que cada estudo foi realizado. Alguns dos algoritmos utilizados pelas diferentes marcas de fabricantes na altura dos diferentes estudos incluídos na meta-análise foram, entretanto, aperfeiçoados. Os CDI mais recentes, por exemplo, podem discriminar as taquidisritmias com o algoritmo morfológico conjuntamente de algoritmos com base nos intervalos atriventriculares, embora alguns dos algoritmos utilizados nesta análise ainda sejam os utilizados nos atuais CDI de algumas marcas. A inclusão de estudos realizados em anos diferentes (2001, 2004, 2006 e 2008) acarretou diferenças tecnológicas nos CDI, que poderão explicar o fato de o estudo DATAS (estudo mais recente) ser o único a demonstrar uma clara evidência da diminuição de choques inapropriados nos CDI DR, ao contrário do que se verificou com os outros estudos. No entanto, a definição dos choques inapropriados neste estudo pode ter resultado numa subvalorização dos mesmos, com consequências imprevisíveis para a análise.

Outra possível limitação foi a influência de viés de publicação. Não é possível eliminar por completo esse tipo de viés, embora, uma extensiva procura, seu efeito possa ser minimizado. Apesar do fato de se ter utilizado a análise visual de funnel plots, sua utilidade é limitada, devido ao número limitado de estudos incluídos.

Outra limitação foi a impossibilidade de se obterem os dados do estudo 1+1, o que poderia reforçar os resultados obtidos na meta-análise, tendo em conta o grande número de pacientes que participou daquele estudo (n = 102).

Conclusão

A conclusão geral dessa meta-análise é a não existência de uma evidência clara de superioridade de qualquer uma das alternativas terapêuticas analisadas, apesar de ter sido documentada uma tendência consistente de menor número de choques inapropriados nos CDI VR. Esta questão deve ser reanalisada em futuros estudos prospetivos randomizados e de maiores dimensões. Por outro lado, a proporção de pacientes com choques inapropriados persiste ainda em valores inaceitáveis, apesar de todos os algoritmos sofisticados, e do constante avanço e da melhora da tecnologia. Estes achados suscitam a premência de se desenvolverem estratégias de minimização desse evento, face ao impacto dramático que ele pode ter na qualidade de vida dos doentes portadores de CDI.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa, Obtenção de dados, Análise e interpretação dos dados, Análise estatística, Redação do manuscrito e Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Gonçalves JF, Pereira T.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Juliana Figueiredo Gonçalves pela Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra.

Artigo recebido em 24/07/12; revisado em 21/09/12; aceito em 18/03/13.

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  • Correspondência:

    Juliana Figueiredo Gonçalves
    Estrada Nacional 102, nº 53, Artesanato 'O Tear'
    CEP 5150-644, Vila Nova de Foz Côa, Guarda, Portugal
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 2013

    Histórico

    • Recebido
      24 Jul 2012
    • Aceito
      18 Mar 2013
    • Revisado
      21 Set 2012
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