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Avaliação por ressonância magnética de massas cardíacas

Resumos

FUNDAMENTO: Tumores cardíacos são extremamente raros; no entanto, quando há suspeita clínica, é necessária a correta avaliação diagnóstica, para planejar o tratamento mais adequado. Nesse contexto, a ressonância magnética cardiovascular tem um papel importante, permitindo uma abrangente caracterização de tais lesões. OBJETIVO: Revisar os casos encaminhados a um Serviço de Ressonância Magnética para investigação de massas cardíacas e paracardíacas. Descrever a série de casos positivos, juntamente de uma breve revisão da literatura para cada tipo de lesão e sobre o papel da ressonância magnética cardiovascular em sua avaliação. MÉTODOS: Entre agosto de 2008 e dezembro de 2011, foram revistos todos os casos de pacientes encaminhados a ressonância magnética com suspeita de neoplasia envolvendo o coração. Foram selecionados aqueles com confirmação histopatológica, evolução ou resposta terapêutica compatíveis com a suspeita clínica e achados de imagem. RESULTADOS: Entre os 13 pacientes incluídos neste estudo, oito (62%) tiveram confirmação histopatológica. Foram descritas cinco neoplasias benignas (mixomas, rabdomioma e fibromas), cinco neoplasias malignas (sarcoma, linfoma, síndrome de Richter cardíaca e doença metastática) e três lesões não neoplásicas (cisto pericárdico, trombo intracardíaco e vegetação infecciosa). CONCLUSÃO: A informação disponível sobre essa questão é escassa. Estudos prospectivos adicionais são necessários para elucidar o papel desses nutrientes no risco cardiovascular de pacientes com diabetes.

Neoplasias Cardíacas; Imagem por Ressonância Magnética; Mixoma; Sarcoma


BACKGROUND: Cardiac tumors are extremely rare; however, when there is clinical suspicion, proper diagnostic evaluation is necessary to plan the most appropriate treatment. In this context, cardiovascular magnetic resonance imaging (CMRI) plays an important role, allowing a comprehensive characterization of such lesions. OBJECTIVE: To review cases referred to a CMRI Department for investigation of cardiac and paracardiac masses. To describe the positive case series with a brief review of the literature for each type of lesion and the role of cardiovascular magnetic resonance imaging in evaluation. METHODS: Between August 2008 and December 2011, all cases referred for CMRI with suspicion of tumor involving the heart were reviewed. Cases with positive histopathological diagnosis, clinical evolution or therapeutic response compatible with the clinical suspicion and imaging findings were selected. RESULTS: Among the 13 cases included in our study, eight (62%) had histopathological confirmation. We describe five benign tumors (myxomas, rhabdomyoma and fibromas), five malignancies (sarcoma, lymphoma, Richter syndrome involving the heart and metastatic disease) and three non-neoplastic lesions (pericardial cyst, intracardiac thrombus and infectious vegetation). CONCLUSIONS: CMRI plays an important role in the evaluation of cardiac masses of non-neoplastic and neoplastic origin, contributing to a more accurate diagnosis in a noninvasive manner and assisting in treatment planning, allowing safe clinical follow-up with good reproducibility.

Heart Neoplasms; Magnetic Resonance Imaging; Myxoma; Sarcoma


Avaliação por ressonância magnética de massas cardíacas

Maria Fernanda Braggion-SantosI,III; Marcel Koenigkam-SantosII,III; Sara Reis TeixeiraII; Gustavo Jardim VolpeI,IV; Henrique Simão TradII; André SchmidtI

IDivisão de Cardiologia do Departamento de Clínica Médica - Hospital das Clínicas - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP

IICentro de Ciências das Imagens e Física Médica - Hospital das Clínicas - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP - Brasil

IIIHospital Universitário - Universidade de Heidelberg, Heidelberg, Alemanha

IVDivisão de Cardiologia - Universidade Johns Hopkins, Baltimore, Estados Unidos

Correspondência Correspondência: Maria Fernanda Braggion Santos Neuenheimer Feld 370 69120 Heidelberg, Germany E-mail: ferbraggion@yahoo.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: Tumores cardíacos são extremamente raros; no entanto, quando há suspeita clínica, é necessária a correta avaliação diagnóstica, para planejar o tratamento mais adequado. Nesse contexto, a ressonância magnética cardiovascular tem um papel importante, permitindo uma abrangente caracterização de tais lesões.

OBJETIVO: Revisar os casos encaminhados a um Serviço de Ressonância Magnética para investigação de massas cardíacas e paracardíacas. Descrever a série de casos positivos, juntamente de uma breve revisão da literatura para cada tipo de lesão e sobre o papel da ressonância magnética cardiovascular em sua avaliação.

MÉTODOS: Entre agosto de 2008 e dezembro de 2011, foram revistos todos os casos de pacientes encaminhados a ressonância magnética com suspeita de neoplasia envolvendo o coração. Foram selecionados aqueles com confirmação histopatológica, evolução ou resposta terapêutica compatíveis com a suspeita clínica e achados de imagem.

RESULTADOS: Entre os 13 pacientes incluídos neste estudo, oito (62%) tiveram confirmação histopatológica. Foram descritas cinco neoplasias benignas (mixomas, rabdomioma e fibromas), cinco neoplasias malignas (sarcoma, linfoma, síndrome de Richter cardíaca e doença metastática) e três lesões não neoplásicas (cisto pericárdico, trombo intracardíaco e vegetação infecciosa).

CONCLUSÃO: A informação disponível sobre essa questão é escassa. Estudos prospectivos adicionais são necessários para elucidar o papel desses nutrientes no risco cardiovascular de pacientes com diabetes.

Palavras-chave: Neoplasias Cardíacas / diagnóstico, Imagem por Ressonância Magnética, Mixoma, Sarcoma.

Introdução

As massas cardíacas e paracardíacas podem ser neoplásicas ou não neoplásicas. As neoplasias cardíacas primárias são raras, com prevalência estimada de 0,001 a 0,03% em estudos realizados com necrópsias1. Dentre os tumores primários, 75% são benignos, sendo os mixomas os mais frequentes, os quais correspondem a mais da metade dos casos. Os tumores primários malignos mais prevalentes são os sarcomas cardíacos. A doença metastática para o coração é 20 a 40 vezes mais comum que a neoplasia primária, sendo que 15% dos pacientes que possuem qualquer tipo de câncer podem apresentar metástases cardíacas2,3. Dentre os diagnósticos diferenciais de neoplasia, destaca-se o trombo intracardíaco4. No entanto, uma ampla variedade de lesões pode representar diagnóstico diferencial com os tumores cardíacos, como processos infecciosos, variações anatômicas, hipertrofias miocárdicas focais e os cistos pericárdicos5.

O exame de imagem mais utilizado atualmente para a avaliação de uma lesão cardíaca suspeita é o Ecocardiograma Transtorácico (ETT)6,7. Nos últimos anos, porém, a Ressonância Magnética Cardiovascular (RMC) estabeleceu-se como uma importante ferramenta na identificação e na caracterização das massas cardíacas e paracardíacas8. A RMC é um exame não invasivo, não utiliza radiação ionizante, possui amplo campo de visão e alta resolução de contraste. O meio de contraste paramagnético (gadolínio) é mais seguro e eficaz quando comparado ao contraste iodado da Tomografia Computadorizada (TC). A Ressonância Magnética (RM) permite ainda a avaliação morfológica e funcional cardíaca em um único exame9.

Neste trabalho, foram revisados os casos encaminhados ao nosso serviço de RM para investigação de massas cardíacas e paracardíacas. Os casos com confirmação diagnóstica foram selecionados para apresentação; a série é descrita juntamente de uma breve revisão da literatura para cada tipo de tumor e do papel da RMC em sua avaliação.

Métodos

Entre agosto de 2008 e dezembro de 2011 foram realizados, em nosso serviço, 593 exames de RMC. Todos os exames e dados clínicos de pacientes encaminhados para investigação de massas cardíacas foram retrospectivamente revistos. Foram selecionados os casos de massas cardíacas de origem neoplásica, benignas ou malignas, primárias ou metastáticas, assim como as lesões não neoplásicas, desde que adequados aos seguintes critérios: 1) exames clinicamente adequados e com imagens de boa qualidade; 2) lesões com confirmação histopatológica; ou 3) lesões com resposta terapêutica e/ou evolução clínica compatível com a suspeita clínica e os achados de imagem. Todos os pacientes ou responsáveis receberam as informações necessárias sobre o procedimento a ser realizado, assim como a possível utilização das imagens em trabalhos científicos, e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) antes da realização do exame.

Os exames foram realizados em aparelho de RM de 1,5 Tesla (Achieva, Philips Medical Systems, the Netherlands), utilizando bobina de superfície com arranjo de fase, sincronização cardíaca (eletrocardiograma - ECG vetorial) e respiratória. Quelato de Gadolínio (Gd) foi utilizado como meio de contraste endovenoso, administrado por bomba de infusão e dose adequada ao peso do paciente (0,1 a 0,2 mmol/kg). Para todos os casos, foi utilizado protocolo dedicado à avaliação de massas cardíacas, incluindo sequências morfológicas, de caracterização tecidual e funcional. Integraram este protocolo sequências estáticas Turbo Spin-Echo (TSE) de sangue escuro ponderadas em T1 e T2, sem e com supressão de gordura, sequências dinâmicas (cineRM) gradient-echo balanceadas com sangue brilhante (bSSFP, sigla do inglês Balanced Steady State Free Precession), sequências de perfusão cardíaca dinâmica pós-contraste e as imagens de Realce Tardio pelo Gadolínio (RTG), sendo obtidas imagens nos planos cardíacos convencionais e complementares quando necessário, sempre sob a orientação de um médico dedicado a imagem cardíaca durante a realização dos exames (Tabela 1).

Resultados

No total, 13 casos (2,2% de todos os exames realizados no período) foram incluídos neste trabalho, sendo nove homens com idade média de 45 anos. A Tabela 2 resume os principais dados clínicos de todos os pacientes. Oito (62%) pacientes possuíam confirmação histopatológica da lesão, sendo: um sarcoma indiferenciado, um rabdomioma, um fibroma cardíaco, dois mixomas atriais e três casos de envolvimento neoplásico secundário, sendo uma metástase cardíaca (carcinoma de paratireóide), uma extensão direta intravascular (carcinoma de células renais à direita) e um caso de acometimento miocárdico por linfoma de células B. Não possuíam estudo histopatológico cinco (38%) pacientes: um fibroma, um cisto pericárdico, um caso de síndrome de Richter cardíaca, um trombo intra-atrial em paciente com amiloidose cardíaca e uma vegetação infecciosa. Esses pacientes foram incluídos no estudo por apresentarem lesões com resposta terapêutica e/ou evolução clínica compatível com a suspeita clínica e os achados de imagem. Em relação à etiologia, seis (46%) lesões eram neoplasias primárias cardíacas; destas, cinco (83%) benignas e apenas uma maligna. Ainda, dentre os cinco casos de neoplasias malignas envolvendo o coração, quatro (80%) não eram primárias. Em três (23%) casos, o exame de RMC diagnosticou lesões não neoplásicas.

Tumores benignos

Foram encontrados dois mixomas cardíacos em pacientes diferentes (Figura 1), sendo um caso com grande massa ovalada no átrio direito aderida ao septo atrial (Figuras 1A a 1D) e outro com uma lesão menor e mais irregular, esta aderida ao folheto anterior da valva mitral (Figuras 1E a 1H). Ambas as lesões apresentaram sinal heterogêneo e áreas de realce melhor evidenciadas nas sequências de RTG, sendo que, na lesão maior, foi possível observar ainda o componente de trombo hemático aderido a superfície da lesão. Foram descritos dois pacientes com fibromas cardíacos (Figuras 2A a 2F), identificando em ambos os casos uma massa ovalada bem delimitada na parede do Ventrículo Esquerdo (VE), com sinal semelhante ao miocárdio, mas intenso e homogêneo hipersinal nas sequências de RTG. No caso de rabdomioma cardíaco (Figuras 2G a 2I) também foi encontrada uma massa bem delimitada na parede do VE, mas com proeminente hipersinal em T2 e sem realce significativo pós-contraste.


 





 




Tumores malignos

No paciente com sarcoma cardíaco primário indiferenciado (Figura 3), observa-se uma lesão infiltrativa parcialmente delimitada, envolvendo, principalmente, o septo interventricular, com discreto hipersinal em T2 e realce heterogêneo pós-contraste, obliterando de maneira importante as cavidades ventriculares. A RMC evidenciou o comprometimento funcional do tumor, com redução das frações de ejeção ventriculares. São descritos também dois pacientes: um com envolvimento cardíaco por linfoma difuso de grandes células B (Figura 4) e outro com síndrome de Richter (Figura 5). Em ambos, observam-se lesões infiltrativas com sinal e realce heterogêneo no miocárdio, no primeiro envolvendo principalmente a parede anterolateral do VE e, no segundo, o septo atrial com extensão ao pericárdio. No caso da síndrome de Richter, foi possível identificar, ainda, as artérias coronárias envolvidas pela massa, com forma e calibre preservados, aspecto comumente descrito nos linfomas mediastinais. São descritos ainda outros dois casos de envolvimento neoplásico secundário no coração (Figura 6). No paciente com metástase de carcinoma de paratireoide, observa-se uma lesão irregular heterogênea, envolvendo a parede posterior do átrio esquerdo e as veias pulmonares. No paciente com invasão por carcinoma de células renais, identifica-se uma massa renal direita invadindo a veia cava inferior, com trombo tumoral que se estende pelo átrio direito, passando através das valvas tricúspide e pulmonar, alcançando a artéria pulmonar direita, na qual se associa a outra lesão de aspecto trombótico.





Lesões pseudotumorais

Em um paciente com amiloidose cardíaca (Figuras 7A a 7C), identifica-se um trombo no interior do átrio esquerdo, aderido à parede, com baixo sinal em meio ao sangue brilhante e sem qualquer área de realce pós-contraste. Nesse caso, foi possível observar, ainda, o espessamento difuso miocárdico com realce tardio heterogêneo, relacionado à amiloidose cardíaca. Um paciente apresentou uma vegetação infecciosa no interior do VE (Figuras 7D a 7F), caracterizada, na RMC, como lesão irregular de baixo sinal, intracavitária, aderida à parede septal do VE, sem áreas de realce após a injeção de Gd. No caso de cisto pericárdico (Figuras 7G a 7I), observa-se o aspecto característico da lesão, lobulada e com fina septacão incompleta, com hipersinal homogêneo em T2 e sem realce pós-contraste, localizada adjacente ao átrio direito e em contato com o saco pericárdico.


 






Discussão

Foi descrita aqui uma série de 13 casos de massas cardíacas e paracardíacas, estudados por RMC. Os achados deste estudo assemelham-se aos descritos na literatura médica, em relação à incidência e às características das lesões. Dentre as lesões primárias, encontrou-se a maior parte como lesões benignas, sendo apenas um caso de neoplasia maligna primária do coração, um sarcoma, o tipo mais comum. Em três casos, a RMC identificou lesões não neoplásicas, auxiliando assim a instituição de tratamento específico adequado.

Tumores benignos

Nesta casuística, duas lesões foram diagnosticadas como mixomas por meio do exame de RMC, com confirmação histopatológica após ressecção cirúrgica. Entre os tumores benignos, o mixoma cardíaco representa o tumor primário do coração mais comum. Trata-se de uma massa endocárdica, geralmente móvel e ligada ao septo interatrial por uma base estreita, mais comumente junto à fossa ovalis, sendo que 75% dos mixomas se localizam no átrio esquerdo, 20% no átrio direito e uma pequena porcentagem pode ser encontrada nos ventrículos10. Em imagens de RM, os mixomas são visibilizados como massas bem delimitadas, esféricas ou ovoides, lobuladas, com sinal de intensidade heterogênea, geralmente isointensos em relação ao miocárdio adjacente, em sequências ponderadas em T1, e hiperintensos, em sequências ponderadas em T2, dependendo do conteúdo da lesão, que, além do material mixoide pode conter trombos, material necrótico, cístico, calcificação, áreas de hemorragia aguda ou subaguda11. Após a injeção de Gd, observa-se um realce heterogêneo, que auxilia na diferenciação dessa lesão, em relação ao trombo cardíaco, principalmente nas sequências de realce tardio. As sequências de cineRM permitem demonstrar a precisa localização e a mobilidade do tumor, que pode, inclusive, prolapsar através da valva atrioventricular, mais comumente a mitral12.

Entre os três pacientes menores de 20 anos incluídos neste estudo, foram diagnosticados um rabdomioma e dois fibromas, que correspondem às duas neoplasias benignas mais comuns em crianças e adolescentes.

O rabdomioma é o tumor primário cardíaco mais comum em crianças e corresponde a mais de 60% de todas as neoplasias primárias do coração nessa faixa etária. A neoplasia origina-se no miocárdio, acomete principalmente os ventrículos, pode ser única ou múltipla e ter localização intramiocárdica ou intracavitária, ligada ao músculo cardíaco13. Em imagens de RM, a lesão tem aparência sólida e homogênea, isointensa ao miocárdio, em sequências ponderadas em T1, e hiperintensa, nas sequências ponderadas em T2. As sequências de RTG não evidenciam um realce importante da lesão14,15.

Os fibromas cardíacos correspondem à segunda neoplasia mais comum em crianças e pacientes jovens. Originam-se também no miocárdio e, tipicamente, apresentam-se como lesão única bem delimitada, de localização intramiocárdica, mais comumente no septo interventricular13. Em imagens de RM, a lesão se caracteriza por ser isointensa ou discretamente hiperintensa, em relação ao miocárdio, nas sequências ponderadas em T1, e hipointensa, nas sequências ponderadas em T214. Nas sequências de RTG, os fibromas apresentam um realce intenso e homogêneo, explicado pelo extravasamento e pela retenção do meio de contraste no amplo espaço extracelular, que entremeia o tecido fibrótico do tumor15. Às vezes, a lesão apresenta componente central de baixo sinal, que pode estar associado a calcificações16. As características de sinal T2 (hipointenso) e de RTG (proeminentemente hiperintenso) são as mais específicas na diferenciação com o rabdomioma cardíaco14,15.

Outras neoplasias benignas encontradas no coração são os lipomas, fibroelastomas papilares e hemangiomas. Apesar de não descritas nesta casuística, o conhecimento das principais características, ao exame de RMC, é importante para realização do diagnóstico diferencial entre as lesões.

Os lipomas são lesões encapsuladas, geralmente localizadas no subendocárdio, caracterizadas em imagens de RM como hiperintensas em sequências ponderadas em T1 e T2, apresentando evidente queda de sinal nas sequências com supressão de gordura. Os fibroelastomas papilares localizam-se preferencialmente nas superfícies valvares mitral e aórtica, podendo ser pedunculados. Em imagens de RM, podem se apresentar como lesões com grande mobilidade nas sequências de cineRM, com intensidade de sinal intermediária em sequências ponderadas em T1 e hiperintensas em sequências ponderadas em T2. Os hemangiomas localizam-se geralmente nos ventrículos, apresentam intensidade de sinal intermediária em sequências ponderadas em T1 e são hiperintensos em sequências ponderadas em T2. As imagens de RTG mostram intenso realce pelo meio de contraste, podendo ser heterogêneo pela presença de calcificações e septos fibrosos no interior do tumor14.

A RMC não somente tem alta acurácia na caracterização dos tumores benignos, mas também é capaz de fornecer informações importantes quanto ao comprometimento funcional cardíaco e detalhes da anatomia, para o planejamento cirúrgico, no tratamento dessas lesões9.

Tumores malignos

A única neoplasia maligna primária cardíaca encontrada neste estudo foi um sarcoma indiferenciado. Os sarcomas são neoplasias de origem mesenquimal, que apresentam caráter agressivo, com evolução geralmente fatal. Todos os tipos de sarcoma podem ser encontrados no coração, sendo o angiossarcoma o mais frequente em adultos (37%), localizando-se, preferencialmente, no átrio direito. Em seguida, encontram-se o sarcoma indiferenciado (24%), o leiomiossarcoma (8%), o fibrossarcoma (5%) e o osteossarcoma (3-9%), estes mais comumente localizados no átrio esquerdo17. No exame de RMC, há, geralmente, massas grandes, heterogêneas, com bordas mal delimitadas, ocupando, frequentemente, quase toda a câmara cardíaca afetada ou múltiplas câmaras. Pode-se identificar invasão do pericárdio, de estruturas extracardíacas ou destruição valvar. O acometimento pericárdico pode ser evidenciado pela presença de derrame, espessamento ou nodulações na membrana. A intensidade de sinal, nesses tipos de tumores, é heterogênea, geralmente, intermediária nas sequências ponderadas em T1 e hiperintensa nas sequências ponderadas em T2, e o realce após a administração de Gd também é heterogêneo11. Há descrição ainda de linfomas primários cardíacos, porém estes são extremamente raros e acometem principalmente indivíduos imunodeprimidos. São, em sua maioria, do tipo não Hodgkin de células B e envolvem preferencialmente o átrio direito, com invasão de estruturas contíguas e derrame pericárdico volumoso11.

Nos quatro casos restantes de malignidades envolvendo o coração, observaram-se diferentes neoplasias com acometimento cardíaco secundário, sendo esse achado compatível com os dados descritos na literatura2.

A síndrome de Richter é uma complicação rara da Leucemia Linfoide Crônica (LLC) de células B, ocorrendo em 2 a 8% dos casos, quando esta cursa com a formação de uma massa de crescimento rápido, constituindo geralmente um linfoma não Hodgkin de alto grau. Essa síndrome tem prognóstico muito ruim, e os sinais e sintomas clínicos são pouco específicos, tornando o diagnóstico difícil, principalmente em um estágio inicial da transformação. Novos exames têm sido pesquisados na detecção da síndrome de Richter em pacientes com LLC, incluindo os de imagem18.

As metástases cardíacas tem o derrame pericárdico como manifestação mais comum do envolvimento cardíaco. As neoplasias que mais acometem secundariamente o coração são as pulmonares, porém outros tumores primários que podem metastatizar para o coração são: carcinoma de mama, rim, esôfago, melanomas, linfomas e leucemias2,3. O comprometimento cardíaco pode ocorrer de diversas formas, como invasão direta, acometimento linfático, disseminação por via hematogênica ou extensão transvenosa do tumor. As neoplasias pulmonares geralmente invadem diretamente o coração. Os linfomas, leucemias e melanomas normalmente acometem o coração por disseminação hematogênica, enquanto o carcinoma de células renais acomete mais comumente o átrio direito, por meio da disseminação de um trombo tumoral pela veia cava inferior. As metástases não apresentam um aspecto específico nas imagens de RMC, mas a maior parte apresenta hipossinal, nas sequências ponderadas em T1, e hipersinal, nas sequências ponderadas em T2, com exceção dos melanomas, que podem apresentar hipersinal em T1, por causa das propriedades paramagnéticas da melanina. Quase todos os tipos de lesões metastáticas apresentam realce pós-contraste14.

Apesar da menor especificidade da RMC na diferenciação dos tipos de neoplasia maligna que envolvem o coração, o exame é capaz de fornecer importantes informações para o estadiamento local da lesão (localização precisa, dimensões nos diferentes eixos, presença de invasão de estruturas adjacentes e comprometimento funcional cardíaco), além de permitir o seguimento no curso do tratamento de maneira não invasiva e sem a utilização de radiação ionizante ou meio de contraste iodado15.

Lesões pseudotumorais

Finalmente, três lesões não neoplásicas foram diagnosticadas por meio do exame de RMC: um trombo intracardíaco, um cisto pericárdico e uma vegetação infecciosa.

As lesões que mais se confundem com as neoplasias cardíacas são os trombos. Geralmente, estes localizam-se no átrio esquerdo, são relacionados à presença de fibrilação atrial ou, quando no VE, ocorrem em pacientes com sequela de infarto do miocárdio, miocardiopatia chagásica com aneurisma de ponta do VE ou com disfunção ventricular grave de qualquer etiologia. Nas imagens de RMC, a intensidade de sinal dos trombos varia de acordo com sua "idade" e a fase de degradação da hemoglobina. Trombos agudos apresentam-se com hipersinal nas sequências ponderadas em T1 e T2, enquanto trombos subagudos brilham em sequências ponderadas em T1, porém com hipossinal em T2. Trombos crônicos organizados apresentam baixa intensidade de sinal em imagens ponderadas em T1 e T2, em razão da presença de hemossiderina19,20. As imagens de perfusão e RTG são as mais importantes na diferenciação de tumores e trombos, já que as lesões neoplásicas apresentam componente tecidual vascularizado, que realça após o contraste, enquanto não há realce nos trombos hemáticos. Muito raramente, os trombos antigos organizados podem realçar por presença de componente de tecido fibrótico, porém as demais características morfológicas e de sinal identificadas na RM auxiliam na diferenciação com os tumores9.

Os cistos pericárdicos são malformações congênitas benignas, raras, localizadas, em sua maioria, no ângulo costofrênico à direita (70% dos casos). São, em geral, diagnosticados como achado incidental em radiografias simples de tórax ou ecocardiogramas. O exame de RMC mostra uma estrutura paracardíaca, homogênea, bem definida, com intensidade de sinal baixa ou intermediária em imagens ponderadas em T1 e hipersinal em imagens ponderadas em T2. O sinal T1 do cisto depende de seu conteúdo, que, quando "denso" ou altamente proteico, pode apresentar alto sinal T1. O cisto pericárdico não apresenta realce após a administração de Gd e a RM é o melhor exame na caracterização da natureza cística da lesão, além de fornecer informações detalhadas quanto a sua localização, dimensões e relação com o coração e demais estruturas vizinhas21.

Os exames mais utilizados para a confirmação do diagnóstico de endocardite infecciosa são o ETT e o transesofágico. A RMC pode ser útil em pacientes com imagens de qualidade limitada no ecocardiograma e naqueles em que não é possível realizar o exame transesofágico. As imagens de RMC complementam a avaliação das vegetações infecciosas na medida em que permitem identificar a extensão perivalvar das lesões, localizar abscessos e caracterizar lesões em localizações em que não foi possível avaliação adequada pelo ecocardiograma22.

Conclusão

Os tumores cardíacos são raros, no entanto, a diferenciação com uma lesão não neoplásica e uma correta identificação do tipo de lesão é essencial para o planejamento terapêutico adequado. Nesse aspecto, a RMC assume grande importância, já que é um exame não invasivo, oferece amplo campo de visão e superior caracterização tecidual, sem utilização de meio de contraste iodado ou radiação ionizante. Além do importante papel diagnóstico e no auxílio da escolha do tratamento, muitas vezes dispensando a realização de biópsia, a RMC pode ser indicada para seguimento dos pacientes com neoplasias cardíacas, representando método seguro e de alta reprodutibilidade.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Braggion-Santos MF, Koenigkam-Santos M, Volpe GJ, Trad HS, Schmidt A; Obtenção de dados: Braggion-Santos MF, Koenigkam-Santos M, Teixeira SR, Volpe GJ, Trad HS; Análise e interpretação dos dados: Braggion-Santos MF, Koenigkam-Santos M, Teixeira SR, Volpe GJ, Trad HS, Schmidt A; Redação do manuscrito: Braggion-Santos MF, Koenigkam-Santos M, Teixeira SR; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Koenigkam-Santos M, Schmidt A.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 01/10/12; revisado em 15/10/12; aceito em 23/04/13.

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  • Correspondência:

    Maria Fernanda Braggion Santos
    Neuenheimer Feld 370
    69120 Heidelberg, Germany
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      01 Out 2012
    • Aceito
      23 Abr 2013
    • Revisado
      15 Out 2012
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