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Prevalência de dislipidemia em população infantil com cardiopatia congênita

Resumos

A dislipidemia é um dos grandes fatores de risco associados a doenças cardiovasculares. Poucos são os dados relacionados ao impacto da cardiopatia congênita na prevalência da dislipidemia na população pediátrica. O objetivo deste estudo foi avaliar o perfil lipídico de crianças portadoras de cardiopatia congênita seguidas em um centro de referência. Foram incluídos 52 pacientes pediátricos que tiveram perfil lipídico, metabólico e clínico determinados entre janeiro de 2011 e julho de 2012. Com média de idade de 10,4 ± 2,8 anos e predominância do sexo masculino (1,38:1), nossa população apresentou 53,8% de pacientes com aumento no colesterol total e 13,4% (IC 95% de 6,6-25,2%) de crianças que também apresentavam LDL > 130 mg/dL, caracterizando dislipidemia. Dos pacientes com dislipidemia, só doisforam classificados como obesos. Concluímos que a presença de cardiopatia congênita não confere risco aumentado associado à presença de dislipidemia, devendo o rastreamento nessa população seguir as mesmas diretrizes da população pediátrica normal, as quaistambém independem do estado nutricional da criança.

Dislipidemias; Criança; Cardiopatias Congênitas


Dyslipidemia is one of the main risk factors associated with cardiovascular diseases. Few data on the impacts of congenital heart diseases are available with regard to the prevalence of dyslipidemia in children. Our study evaluated the lipid profile in children with congenital heart disease at a referral center. From January 2011 to July 2012, 52 pediatric patients had their lipid, metabolic and clinical profiles traced. The mean age was 10.4 ± 2.8 years and male/female rate of 1.38:1. Our population had 53.8% patients with high levels of total cholesterol and 13.4% (CI 95 %, from 6.6 to 25.2%) of them also presenting LDL levels > 130 mg/dL, which characterizes dyslipidemia. The group of dyslipidemic patients presented only two obese individuals. Our data show that the presence of congenital heart disease does not lead to higher risk associated with the prevalence of dyslipidemia. Therefore, the screening of this specific population should follow the regular pediatric guidelines, which are also independent of the nutritional status of the children tested.

Dyslipidemia; Child; Congenital Heart Disease


COMUNICAÇÃO BREVE

Prevalência de dislipidemia em população infantil com cardiopatia congênita

Gabriela FuenmayorI; Ana Carolina Costa RedondoI; Karen Saori ShiraishiI; Rogerio SouzaI,II; Patrícia Figueiredo EliasI; Ieda Biscegli JateneI

IHospital do Coração - Associação do Sanatório Sírio, São Paulo, SP - Brasil

IIInstituto do Coração, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Ieda Biscegli Jatene Rua Des. Eliseu Guilherme, 123, Paraíso CEP 04004-020, São Paulo, SP - Brasil E-mail: ijatene@hcor.com.br

RESUMO

A dislipidemia é um dos grandes fatores de risco associados a doenças cardiovasculares. Poucos são os dados relacionados ao impacto da cardiopatia congênita na prevalência da dislipidemia na população pediátrica. O objetivo deste estudo foi avaliar o perfil lipídico de crianças portadoras de cardiopatia congênita seguidas em um centro de referência. Foram incluídos 52 pacientes pediátricos que tiveram perfil lipídico, metabólico e clínico determinados entre janeiro de 2011 e julho de 2012. Com média de idade de 10,4 ± 2,8 anos e predominância do sexo masculino (1,38:1), nossa população apresentou 53,8% de pacientes com aumento no colesterol total e 13,4% (IC 95% de 6,6-25,2%) de crianças que também apresentavam LDL > 130 mg/dL, caracterizando dislipidemia. Dos pacientes com dislipidemia, só doisforam classificados como obesos. Concluímos que a presença de cardiopatia congênita não confere risco aumentado associado à presença de dislipidemia, devendo o rastreamento nessa população seguir as mesmas diretrizes da população pediátrica normal, as quaistambém independem do estado nutricional da criança.

Palavras-chave: Dislipidemias / epidemiologia; Criança; Cardiopatias Congênitas.

Introdução

A doença cardiovascular (DCV) é a maior causa de morbimortalidade, tanto em países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento, sendo responsável por 31,8% das causas de óbito em adultos no Brasil1. São vários os fatores de risco associados ao desenvolvimento das doenças cardiovasculares, como tabagismo, obesidade e dislipidemia2. Especificamente, a dislipidemia constitui o maior fator de impacto no desenvolvimento da doença aterosclerótica, em particular a presença de concentrações aumentadas de lipoproteína de baixa densidade (LDL)2.

A aterosclerose e a doença cardiovascular têm sua origem na infância e apresentam evolução lenta e subclínica, reforçando portanto a importância de ações preventivas para o seu controle. Na população pediátrica, a prevalência de níveis séricos elevados de LDL, por exemplo, situa-se em 6-13%3-5. Existem várias condições clínicas que podem levar a taxas ainda mais altas, como diabetes melito e insuficiência renal crônica6. Embora as cardiopatias congênitas possam estar relacionadas com ativação do eixo neuro-hormonal e com diferentes fenômenos inflamatórios7, pouco se sabe sobre seu impacto na prevalência de alterações no metabolismo lipídico. O objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência de dislipidemia em um centro de referência em cardiopatias congênitas.

Métodos

Foram incluídos no estudo pacientes menores de 18 anos, acompanhados no ambulatório de cardiopatias congênitas do Hospital do Coração, que tiveram perfil lipídico determinado entre janeiro de 2011 e julho de 2012.

Foram avaliadas as características clínicas (idade, peso, altura, índice de massa corpórea [IMC]), além da dosagem sérica de colesterol total (CT) e frações, triglicérides, TSH e T4 livre. Os exames laboratoriais foram dosados por meio de coleta de sangue periférico no laboratório do Hospital do Coração. O método usado para análise do lipidograma foi o de eletroforese em gel de agarose e enzimáticos colorimétricos (Orto Johnson Modelo Fusion 5.1). O HDL-colesterol foi determinado diretamente, após precipitação das outras lipoproteínas. O LDL-colesterol foi calculado usando a fórmula de Friedewald7.

Os critérios utilizados para classificação laboratorial dos pacientes foram os preconizados pela Sociedade Brasileira de Cardiologia, conforme a I Diretriz de Prevenção da Aterosclerose na Infância e na Adolescência7, considerando colesterol total desejável quando menor que 150 mg/dL, limítrofe entre 150-170 mg/dL e aumentado quando maior que 170 mg/dL. Foi considerada dislipidemia a presença de níveis séricos de triglicerídeos acima de 150mg/dL e/ou LDL acima de 130 mg/dL4.

A classificação nutricional dos pacientes foi baseada nas tabelas de crescimento da Organização Mundial da Saúde8, considerando: desnutrição com Z-score< 2 DS (desvios-padrão); normal com Z-score entre -2 e +1 DS; sobrepeso com Z-score entre +1 e +2 DS;obesidade com Z-score maior ou igual a 2 DS.

Os dados contínuos foram descritos sob a forma de média e DP, enquanto os dados categóricos foram apresentados sob a forma de proporção com intervalo de confiança de 95% quando adequado.

Resultados

As características clínicas e laboratoriais dos 52 pacientes incluídos no estudo encontram-se na Tabela 1. Observa-se a média de idade de 10,4 ± 2,8 anos, com predominância do sexo masculino, na proporção de 1,38:1. Com relação ao estado nutricional, sete pacientes apresentavam critérios de obesidade (13,4% da população total). Nenhum paciente apresentou alteração nos níveis de glicemia ou de triglicérides; contudo, dois pacientes estavam em tratamento para hipotireoidismo com reposição oral de hormônio tireoidiano, mantendo níveis séricos normais, como os demais pacientes.

Dos pacientes analisados, 53,8% apresentavam colesterol total (CT) > 150 mg/dL e 13,4% (IC 95% de 6,6-25,2%) também apresentavam LDL > 130 mg/dL, caracterizando dislipidemia. É interessante notar que,entre os pacientes que tinham CT limítrofe ou normal, nenhum apresentou dosagem de LDL acima de 130 mg/dL, reforçando a adequação desse nível de corte (Gráfico 1A). Do subgrupo de pacientes com dislipidemia, apenas dois foram classificados como obesos (Gráfico 1B).


 




Discussão

Nosso estudo foi o primeiro a avaliar a prevalência de dislipidemia especificamente na população pediátrica portadora de cardiopatia congênita, evidenciando taxas semelhantes às encontradas na população pediátrica normal. Ao avaliar estudos anteriores que possibilitam o cálculo do intervalo de confiança de seus resultados3,4, podemos estimar a prevalência de elevação de LDL entre 8-15% da população pediátrica. Tal intervalo apresenta sobreposição com os dados de nosso estudo (13,4%), sugerindo que a presença de cardiopatia congênita per se não caracteriza fator de risco para a elevação de LDL, reforçando que as diretrizes atuais para prevenção de aterosclerose devem ser consideradas sem particularidades nesse subgrupo específico.

A obesidade caracteriza-se como fator de risco importante para o desenvolvimento de doenças cardiometabólicas, seja diretamente seja por predispor ao aumento de resistência à insulina4,9. Contudo, em nosso estudo, apenas dois dos sete pacientes com dislipidemia (28%) apresentavam obesidade, mostrando ser esse um fator importante, mas não determinante para o diagnóstico. Na amostra de outros trabalhos feitos no Brasil e internacionalmente, o excesso de peso foi o fator de risco mais fortemente associado à dislipidemia3-5,9,10.Todavia, a maior parte dos pacientes portadores de dislipidemia não apresenta obesidade como fator de risco, como observado em nosso trabalho, reforçando que o rastreamento na população pediátrica não deve ser guiado pela presença ou não de obesidade ou de outras alterações do estado nutricional.

Nosso estudo apresenta limitações que merecem ser ressaltadas, como o tamanho da amostra e seu caráter retrospectivo. Ainda assim, trata-se do primeiro estudo especificamente conduzido na população pediátrica portadora de cardiopatia congênita, apresentando intervalo de confiança bastante superponível com estudos anteriores.

Conclusão

Podemos concluir que a presença de cardiopatia congênita não confere risco aumentado associado à presença de dislipidemia, devendo o rastreamento nessa população seguir as mesmas diretrizes da população pediátrica normal, as quais também independem do estado nutricional da criança.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Fuenmayor G, Redondo ACC, Souza R, Elias PF, Jatene IB; Obtenção de dados: Fuenmayor G, Elias PF; Análise e interpretação dos dados, Redação do manuscrito e Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Fuenmayor G, Shiraishi KS, Souza R, Elias PF, Jatene IB; Análise estatística: Fuenmayor G, Souza R.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 06/03/2013; revisado em 04/06/2013; aceito em 07/06/2013.

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  • Correspondência:

    Ieda Biscegli Jatene
    Rua Des. Eliseu Guilherme, 123, Paraíso
    CEP 04004-020, São Paulo, SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Set 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      06 Mar 2013
    • Aceito
      07 Jun 2013
    • Revisado
      04 Jun 2013
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