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Realce tardio miocárdico pela ressonância magnética cardíaca na Hipertensão Arterial Pulmonar: um marcador da gravidade da doença

EDITORIAL

Realce tardio miocárdico pela ressonância magnética cardíaca na Hipertensão Arterial Pulmonar: um marcador da gravidade da doença

Carlos Eduardo RochitteI; Susana HoetteII; Rogério SouzaII

IInstituto do Coração, InCor, Setor de Ressonância Magnética e Tomografia Computadorizada Cardiovascular

IIUnidade de Circulação Pulmonar, Pneumologia, Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Carlos Eduardo Rochitte Instituto do Coração, InCor, HCFMUSP - Setor de Ressonância Magnética e Tomografia Computadorizada Cardiovascular Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 - Andar AB, Cerqueira César CEP 05403-000, São Paulo, SP - Brasil E-mail: rochitte@gmail.com

Palavras-chave: Espectroscopia de Ressonância Magnética/métodos; Hipertensão Pulmonar; Miocárdio, Fibrose Endomiocárdica.

O estudo de Bessa e cols.1, publicado neste número do Arquivo Brasileiro de Cardiologia, estudou 30 pacientes com Hipertensão Pulmonar (HP) com ressonância cardíaca. Eles avaliaram a presença e a extensão de realce tardio nesses pacientes e correlacionaram o percentual da massa de realce tardio com marcadores de gravidade na hipertensão pulmonar. O realce tardio foi encontrado em 93% dos pacientes com HP nos septos anterior e inferior, nas áreas de inserção da parede livre do VD no septo, comumente chamado de realce tardio de padrão junção ventricular. A massa de realce tardio foi corrigida para a massa do ventrículo esquerdo, sendo então utilizado o percentual de realce tardio para análise. O presente estudo conseguiu mostrar maior percentual de fibrose miocárdica nos pacientes com sinais de Insuficiência Cardíaca Direita (IVD), Classe Funcional (CF) IV, Teste de Caminhada de 6 Minutos (TC6M) < 300 m, índice cardíaco (IC) < 2,0 e pressão de átrio direito > 15. A presença de IVD, o comprometimento da CF e da distância percorrida no TC6M e o IC baixo são marcadores clássicos de prognóstico na HP. O percentual de fibrose foi capaz de identificar os pacientes com IVD (avaliação clínica), CF IV, TC6M < 300 m e IC < 2,0 L/min.m2 com boa acurácia.

Apesar dos avanços no conhecimento da fisiopatologia da doença e na descoberta de novos tratamentos nas últimas décadas, a hipertensão pulmonar continua sendo uma doença com prognóstico sombrio2. Marcadores não invasivos que avaliem melhor a gravidade da doença e que possam ajudar a determinar os pacientes que necessitem de tratamento mais agressivo são necessários. O realce tardio é uma ferramenta que foi inicialmente utilizada para a avaliação de áreas de fibrose miocárdica em pacientes que tiveram infarto do miocárdio. O contraste injetado é rapidamente lavado em áreas normais, mas quando existe aumento do tecido extracelular, como ocorre na fibrose, o contraste fica retido e tem eliminação mais lenta desses locais. Quando imagens são adquiridas tardiamente (5 a 10 min após a injeção do contraste), as áreas que têm miocárdio intacto não retêm contraste, mas as áreas que têm fibrose retêm o contraste, por isso o termo realce tardio.

Em pacientes com HP, três estudos demonstraram a presença de realce tardio na maioria dos pacientes avaliados, e o realce tardio foi encontrado principalmente na região da inserção do VD no septo e na parede septal3-5. A fibrose nessas áreas também pode ser encontrada frequentemente também na miocardiopatia hipertrófica6,7, diferentemente de outras cardiomiopatias como a chagásica8, com predomínio da fibrose na parede inferolateral basal e apical do Ventrículo Esquerdo (VE), ou a miocardite viral, com padrão difuso9, entre outros padrões sugestivos de etiologias específicas de cardiomiopatias. Na maioria dessas doenças a presença de realce tardio parece estar associada ao maior risco de arritmias e pior prognóstico. O realce tardio miocárdico (fibrose) de padrão junção ventricular parece estar associado a sobrecarga do Ventrículo Direito (VD). A hipótese para essa localização preferencial do realce tardio está na sobrecarga sofrida pelo septo com o aumento da pós-carga do VD. Conforme aumenta a sobrecarga do VD esse dilata e empurra o septo em direção ao VE sobrecarregando as áreas de inserção do VD no septo e o próprio septo. Shehata e cols demonstraram a relação inversa da massa de realce tardio com o Índice de Excentricidade (IE), ou seja, quanto maior o abaulamento septal em direção ao VE, e consequentemente menor o IE, maior era a massa de realce tardio10. Em estudos experimentais, essas são as áreas que são submetidas a estresse máximo numa contração ventricular normal, e também são essas áreas as primeiras a produzir peptídeo natriurético do tipo A em modelos de HP, refletindo maior estresse mecânico. O presente estudo de Bessa e cols. demonstrou que a maioria dos pacientes com HP tinha realce tardio e de padrão junção ventricular, confirmando os dados da literatura1. Em estudo com ecocardiografia em pacientes com HP de etiologia específica, associada a esquistossomose, demonstrou-se também uma relação do aumento de pressão pulmonar com a gravidade da doença, sugerindo que em várias etiologias de HP possa haver realce tardio de padrão semelhante11.

Um ponto forte desse estudo foi que todos os pacientes tiveram um cateterismo cardíaco direito realizado em até 72 horas da realização da ressonância cardíaca. Estudos prévios demonstraram a relação da massa de realce tardio com disfunção do VD e variáveis hemodinâmicas, mas o presente estudo foi o primeiro a demonstrar relação da fibrose miocárdica com marcadores clínicos, hemodinâmicos e funcionais.

A avaliação da função ventricular direita vem surgindo como um marcador prognóstico independente na HP e o estudo de Shehata e cols10. também demonstrou correlação inversa da massa de realce tardio com a fração de ejeção do VD10. Infelizmente, o presente estudo não avaliou o percentual de massa de fibrose em relação à disfunção do VD.

Apesar de esse estudo ter avaliado um número pequeno de pacientes com HP e ser um estudo transversal, não sendo possível mostrar o papel prognóstico do realce tardio, o fato de o percentual de fibrose estar aumentado em pacientes que têm os marcadores de pior prognóstico sugere que o realce tardio possa vir a ser um marcador prognóstico não invasivo importante em pacientes com HP. Seria interessante se os autores fizessem o seguimento em longo prazo desses pacientes, para que o papel prognóstico do realce tardio seja confirmado e a fibrose venha a mostrar seu papel prognóstico na HP, ajudando na tomada de decisões clínicas. O estudo de Bessa e cols. abre também a possibilidade de se comparar outras formas de HP, como as pertencentes aos demais grupos da classificação (secundária a disfunção ventricular esquerda, a doenças do parênquima pulmonar, ao tromboembolismo pulmonar crônico, por exemplo), a fim de se analisar a existência ou não de diferentes padrões de fibrose.

Apesar dessas limitações, o artigo de Bessa e cols. é mais uma contribuição científica original indicando que a fibrose miocárdica detectada pela ressonância cardíaca se correlaciona diretamente com a gravidade da doença e, possivelmente, com o prognóstico. Portanto, reafirma-se mais um marcador de gravidade da cardiomiopatia associada a hipertensão pulmonar que pode ser identificado pela ressonância magnética. A avaliação da fibrose miocárdica intersticial pelo mapeamento T1 do miocárdico por ressonância poderá no futuro trazer ainda maiores informações sobre o estado do miocárdio e prognóstico nesse importante e desafiador cenário clínico.

Artigo recebido em 23/10/13; revisado em 23/10/13; aceito em 23/10/13.

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  • Correspondência:

    Carlos Eduardo Rochitte
    Instituto do Coração, InCor, HCFMUSP - Setor de Ressonância Magnética e Tomografia Computadorizada Cardiovascular
    Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 - Andar AB, Cerqueira César
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      Nov 2013
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