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Eventos esportivos e Síndrome Coronariana Aguda: possíveis fatores de confusão e viés

CARTA AO EDITOR

Eventos esportivos e Síndrome Coronariana Aguda: possíveis fatores de confusão e viés.

Mauro Felippe Felix Mediano; Andrea Silvestre de Sousa; Alejandro Marcel Hasslocher-Moreno

Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas - Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Correspondência Correspondência: Mauro Felippe Felix Mediano Rua Antônio Basílio, 519, cobertura 01, Tijuca CEP 20511-190, Rio de Janeiro, RJ, Brasil E-mail: mffmediano@gmail.com

Palavras-chave: Síndrome coronariana aguda; Futebol; Alcoolismo; Tabaco; Transtornos relacionados ao uso de substâncias.

Prezado Editor,

A relação entre eventos esportivos e Síndrome Coronariana Aguda (SCA) tem sido alvo de alguns trabalhos na literatura, com resultados controversos, e foi recentemente abordada por Borges e cols.1 no manuscrito intitulado "Copa do Mundo de Futebol como Desencadeador de Eventos Cardiovasculares", publicado no volume 6 de 2013 dos ABC. Os autores observaram maior incidência de Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) em dias de jogos da Copa do Mundo de futebol e, em especial, em dias de jogos do Brasil, concluindo que esse evento esportivo pode atuar como um "gatilho" no desencadeamento de IAM em brasileiros. Entretanto, considerações sobre possíveis fatores de confusão e viés devem ser feitas, com intuito de possibilitar, aos leitores, uma melhor interpretação dos dados apresentados. Primeiro, é descrito, na literatura, que, durante eventos esportivos, expectadores tendem a apresentar inúmeros comportamentos de risco para doenças cardiovasculares, como ingestão de grandes quantidades de álcool, consumo de comidas gordurosas, uso de drogas ilícitas e fumo2,3.

Esses fatores também têm sido descritos como possíveis gatilhos para SCA4,5, tornando a associação entre Copa do Mundo de Futebol e SCA estabelecida no trabalho de Borges e cols.1 sujeita a inúmeros fatores de confusão e dificultando a interpretação dos resultados. Não é possível definir, como pretendem os autores, se a Copa do Mundo é responsável por um "gatilho" direto para SCA ou se apenas propicia inúmeras condições de risco já bem descritas na literatura. Além disso, o uso de conclusões de estudos por meio da observação de grupos de pessoas para se inferirem relações causais em indivíduos pode resultar em falácia ecológica5, dado que não é possível afirmar que todos os indivíduos que tiveram o evento foram expostos da mesma maneira. Portanto, o desenho de estudo apresentado por Borges e cols.1 não permite estabelecer uma associação direta entre a ocorrência de SCA e Copa do Mundo de Futebol, e a interpretação dos resultados do estudo deve ser feita de forma cuidadosa, levando em consideração os potenciais fatores de confusão e viés de estudo ecológico.

Artigo recebido em 22/06/13; revisado em 26/06/13; aceito em 25/07/13.

Carta-resposta

Gostaríamos de agradecer aos colegas que enviaram essa carta, que nos permitiu possibilidade de maior discussão sobre um assunto tão complexo1. Primeiro, concordamos com as afirmações de que, durante eventos esportivos, espectadores tendem a apresentar inúmeros comportamentos de risco para doenças cardiovasculares, como ingestão de grandes quantidades de álcool, consumo de comidas gordurosas, uso de drogas ilícitas e fumo, sendo que as limitações associadas à análise que realizamos contemplam essa limitação em nossa discussão. No entanto, é importante destacar que a mensuração de todos os possíveis fatores de confusão apontados é difícil (drogas ilícitas, por exemplo), mesmo em estudos prospectivos, pois podem estar sujeitas à viés de observação2. Salientamos as limitações de nossos dados, que foram obtidos de uma base pública, o que limitou a disponibilidade dos dados ou inexistência dos mesmos para proteger o sigilo do indivíduo. Outro aspecto a ser levantado é que esses possíveis fatores de confusão não disponíveis no nosso estudo podem apresentar colinearidade com a exposição de interesse (assistir a Copa do Mundo e aos jogos do Brasil) e seria necessário um desenho prospectivo de elevado custo para excluir todos os fatores levantados3,4.

Com relação ao segundo comentário, que diz respeito aos problemas associados a estudos ecológicos, acreditamos que estão também devidamente apontados em nossa discussão, pois inclusive se pode observar que "... a exposição pode não ser uniforme (uma parte da população pode não estar assistindo ao jogo)".

No entanto, mesmo com as considerações levantadas e esclarecidas acima, embora não possamos confirmar definitivamente uma associação causal entre os jogos e a ocorrência de eventos cardiovasculares, ainda podemos assumir que esses dois fatores estão associados, apesar da correção dos fatores de confusão disponíveis. Além disso, uma associação simples, facilmente identificável e que pode ser utilizada de imediato pode ser mais útil para o planejamento em saúde do que o estabelecimento de relação-causa e efeito do ponto de vista fisiopatológico. Até que se disponha de informações mais detalhadas e considerando tudo que já foi estudado na literatura, essa informação nos parece consistente com a maioria dos demais estudos e julgamos que nossas conclusões devem ser mantidas.

Atenciosamente,

Antonio Pazin Filho

Daniel Guilherme Suzuki Borges

Rosane Aparecida Monteiro

André Schmidt

Referências

  • 1. Borges DG, Monteiro RA, Schmidt A, Pazin-Filho A. Copa do mundo de futebol como desencadeador de eventos cardiovasculares. Arq Bras Cardiol. 2013;100(6):546-52.
  • 2. Leeka J, Schwartz BG, Kloner RA. Sporting events affect spectators' cardiovascular mortality: it is not just a game. Am J Med. 2010;123(11):972-7.
  • 3. Merlo LJ, Hong J, Cottler LB. The association between alcohol-related arrests and college football game days. Drug Alcohol Depend. 2010;106(1):69-71.
  • 4. Roerecke M, Rehm J. Irregular heavy drinking occasions and risk of ischemic heart disease: a systematic review and meta-analysis. Am J Epidemiol. 2010;171(6):633-44.
  • 5. Mittleman MA, Mostofsky E. Physical, psychological and chemical triggers of acute cardiovascular events: preventive strategies. Circulation. 2011;124(3):346-54.
  • 1. Borges DGS, Monteiro RA, Schmidt A, Pazin-Filho A. World soccer cup as a trigger of cardiovascular events. Arq Bras Cardiol. 2013;100(6):546-52.
  • 2. Levine M, Walter S, Lee H, Haines T, Holbrook A, Moyer V. How to use an article about Harm. JAMA.1994;27(20):1615-9.
  • 3. Sorlie P, Wei GS. Population-based cohort studies: still relevant? J Am Coll Cardiol.2011;58(19):2010-3.
  • 4. Sauerbrei W, Royston P, Binder H. Selection of important variables and determination of functional form for continuous predictors in multivariable model building. Stat Med.2007;26(30):5512-28.
  • Correspondência:

    Mauro Felippe Felix Mediano
    Rua Antônio Basílio, 519, cobertura 01, Tijuca
    CEP 20511-190, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      Nov 2013
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