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Anormalidades cromossômicas entre pacientes com cardiopatia congênita

Resumos

FUNDAMENTO: As anormalidades cromossômicas (ACs) representam importante causa de cardiopatia congênita (CC). OBJETIVO: Determinar a frequência, os tipos e as características clínicas de ACs identificadas em uma amostra prospectiva e consecutiva de pacientes com CC. MÉTODO: Nossa amostra foi composta por pacientes com CC avaliados em sua primeira hospitalização em uma unidade cardíaca de tratamento intensivo de um hospital pediátrico de referência do sul do Brasil. Todos os pacientes foram submetidos à avaliação clínica e citogenética, através do cariótipo de alta resolução. Os defeitos cardíacos foram classificados segundo Botto e cols. Na análise estatística utilizou-se o qui-quadrado, o teste exato de Fisher e odds ratio (p < 0,05). RESULTADOS: Nossa amostra foi composta de 298 pacientes, 53,4% do sexo masculino, com idades variando de um dia a 14 anos. Anormalidades cromossômicas foram observadas em 50 pacientes (16,8%), sendo que 49 deles eram sindrômicos. Quanto às ACs, 44 delas (88%) eram numéricas (40 pacientes com +21, dois com +18, um com triplo X e um com 45,X) e seis (12%) estruturais [dois pacientes com der(14;21), +21, um com i(21q), um com dup(17p), um com del(6p) e um com add(18p)]. O grupo de CCs mais associado a ACs foi o do defeito de septo atrioventricular. CONCLUSÕES: ACs detectadas pelo cariótipo são frequentes entre pacientes com CC. Assim, os profissionais - especialmente aqueles que trabalham em serviços de cardiologia pediátrica - devem estar cientes das implicações que a realização do cariótipo pode trazer, tanto para o diagnóstico, tratamento e prognóstico desses pacientes como para o seu aconselhamento genético.

Cardiopatias Congênitas; Aberrações Cromossônicas; Sindrome de Down; Cariótipo; Metáfase


BACKGROUND: Chromosomal abnormalities (CAs) are an important cause of congenital heart disease (CHD). OBJECTIVE: Determine the frequency, types and clinical characteristics of CAs identified in a sample of prospective and consecutive patients with CHD. METHOD: Our sample consisted of patients with CHD evaluated during their first hospitalization in a cardiac intensive care unit of a pediatric referral hospital in Southern Brazil. All patients underwent clinical and cytogenetic assessment through high-resolution karyotype. CHDs were classified according to Botto et al. Chi-square, Fisher exact test and odds ratio were used in the statistical analysis (p < 0.05). RESULTS: Our sample consisted of 298 patients, 53.4% males, with age ranging from 1 day to 14 years. CAs were observed in 50 patients (16.8%), and 49 of them were syndromic. As for the CAs, 44 (88%) were numeric (40 patients with +21, 2 with +18, 1 with triple X and one with 45,X) and 6 (12%) structural [2 patients with der(14,21), +21, 1 with i(21q), 1 with dup(17p), 1 with del(6p) and 1 with add(18p)]. The group of CHDs more often associated with CAs was atrioventricular septal defect. CONCLUSIONS: CAs detected through karyotyping are frequent in patients with CHD. Thus, professionals, especially those working in Pediatric Cardiology Services, must be aware of the implications that performing the karyotype can bring to the diagnosis, treatment and prognosis and for genetic counseling of patients and families.

Heart Defects; Congenital; Chromosome Aberrations; Down Syndrome; Karyotype; Metaphase


Anormalidades cromossômicas entre pacientes com cardiopatia congênita

Patrícia TrevisanI; Tatiana Diehl ZenI; Rafael Fabiano Machado RosaI,II,III; Juliane Nascimento da SilvaI; Dayane Bohn KoshiyamaI; Giorgio Adriano PaskulinI,III; Paulo Ricardo Gazzola ZenI,III

IPrograma de Pós-Graduação em Patologia da Universidade Federal e Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Porto Alegre, RS - Brasil

IIGenética Clínica, Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas (HMIPV), Porto Alegre, RS, - Brasil

IIIGenética Clínica, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre (CHSCPA), Porto Alegre, RS - Brasil

Correspondência Correspondência: Paulo Ricardo Gazzola Zen Rua Sarmento Leite, 245/403, Centro CEP 90050 170, Porto Alegre, RS - Brasil E-mail: paulozen@ufcspa.edu.br

RESUMO

FUNDAMENTO: As anormalidades cromossômicas (ACs) representam importante causa de cardiopatia congênita (CC).

OBJETIVO: Determinar a frequência, os tipos e as características clínicas de ACs identificadas em uma amostra prospectiva e consecutiva de pacientes com CC.

MÉTODO: Nossa amostra foi composta por pacientes com CC avaliados em sua primeira hospitalização em uma unidade cardíaca de tratamento intensivo de um hospital pediátrico de referência do sul do Brasil. Todos os pacientes foram submetidos à avaliação clínica e citogenética, através do cariótipo de alta resolução. Os defeitos cardíacos foram classificados segundo Botto e cols. Na análise estatística utilizou-se o qui-quadrado, o teste exato de Fisher e odds ratio (p < 0,05).

RESULTADOS: Nossa amostra foi composta de 298 pacientes, 53,4% do sexo masculino, com idades variando de um dia a 14 anos. Anormalidades cromossômicas foram observadas em 50 pacientes (16,8%), sendo que 49 deles eram sindrômicos. Quanto às ACs, 44 delas (88%) eram numéricas (40 pacientes com +21, dois com +18, um com triplo X e um com 45,X) e seis (12%) estruturais [dois pacientes com der(14;21), +21, um com i(21q), um com dup(17p), um com del(6p) e um com add(18p)]. O grupo de CCs mais associado a ACs foi o do defeito de septo atrioventricular.

CONCLUSÕES: ACs detectadas pelo cariótipo são frequentes entre pacientes com CC. Assim, os profissionais - especialmente aqueles que trabalham em serviços de cardiologia pediátrica - devem estar cientes das implicações que a realização do cariótipo pode trazer, tanto para o diagnóstico, tratamento e prognóstico desses pacientes como para o seu aconselhamento genético.

Palavras-chave: Cardiopatias Congênitas; Aberrações Cromossônicas; Sindrome de Down; Cariótipo; Metáfase

Introdução

As malformações cardíacas são defeitos encontrados com incidência que varia de 4-50 por 1.000 nascimentos1,2. Elas são definidas como um conjunto de alterações que acometem o coração e os grandes vasos2. Dependendo do tipo e da severidade da alteração, os pacientes poderão necessitar de diferentes intervenções3, sendo que a necessidade de hospitalização em unidades de tratamento intensivo é frequente entre os mesmos4. Além disso, estudos demonstram o grande impacto que os defeitos cardíacos congênitos apresentam com relação à mortalidade em crianças5.

A etiologia das malformações cardíacas ainda é pouco compreendida6, sendo que sua determinação é um fator bastante importante para o adequado manejo e tratamento dos pacientes. Entre as causas conhecidas de cardiopatia congênita destacam-se as anormalidades cromossômicas7. Foi a partir da segunda metade do século XX, com o desenvolvimento de novas técnicas de cultivo celular associadas à utilização da colchicina e de soluções hipotônicas no tratamento das metáfases, que a citogenética, que é o estudo dos cromossomos, difundiu-se. Em 1970, Caspersson e cols.8 desenvolveram uma técnica de coloração que proporcionou a identificação mais precisa de cada cromossomo através do seu padrão único de regiões de coloração mais ou menos intensa (bandas). Além disso, com o surgimento de técnicas de alta resolução cromossômica por Yunis9, em 1981, os cromossomos puderam ser estudados em uma etapa mais precoce da mitose (pró-metáfase), fazendo com que as bandas cromossômicas pudessem ser mais detalhadas10.

Vários estudos foram desenvolvidos nas últimas décadas, com o objetivo de avaliar a frequência e os tipos de alterações cromossômicas identificadas através do cariótipo entre pacientes com cardiopatia congênita. Os índices observados usualmente variam entre 3-18%. Contudo, esses trabalhos são retrospectivos na sua maioria e baseados em bancos de dados3,6,11-22. Além disso, chama a atenção a quase inexistência de estudos relacionados desenvolvidos na América Latina20.

Assim, o nosso estudo teve como objetivo determinar a frequência, os tipos e as características clínicas de anormalidades cromossômicas identificadas através do cariótipo de alta resolução em uma amostra prospectiva e consecutiva de pacientes com cardiopatia congênita.

Métodos

Pacientes

Nossa amostra foi composta pelos pacientes pertencentes aos estudos de Rosa e cols.23 e Zen e cols.24. Eles consistiram em uma coorte prospectiva e consecutiva de pacientes com cardiopatia congênita hospitalizados em uma unidade cardíaca de tratamento intensivo de um hospital pediátrico de referência do sul do país. Foram incluídos apenas aqueles pacientes em sua primeira hospitalização. O período total de avaliação foi de 1,5 ano. Este estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa do hospital e da universidade. Somente foram incluídos pacientes cujos familiares consentiram em participar do estudo.

Protocolo clínico

Para cada paciente foi preenchida uma ficha de avaliação por geneticistas clínicos participantes do estudo. Isso foi realizado através de entrevista direta com os familiares, revisão do prontuário hospitalar e avaliação clínica dos pacientes. Em nosso estudo, foram utilizados dados gerais, como sexo, idade dos pacientes, motivo da internação, procedência e aspecto sindrômico. Quanto à procedência, os pacientes foram divididos em procedentes de Porto Alegre (cidade onde foi desenvolvido o estudo), Grande Porto Alegre, restante do Rio Grande do Sul e outros estados. O diagnóstico sindrômico foi realizado antes do resultado da análise citogenética e definido com base exclusivamente no exame físico, levando-se em consideração tanto dados quantitativos (número de dismorfias menores e maiores) quanto qualitativos (tipos e padrão das dismorfias, presença de alterações neurológicas)25.

O diagnóstico cardiológico foi obtido a partir dos resultados dos exames ecocardiográficos, cirurgia e/ou cateterismo cardíaco. As cardiopatias congênitas foram então definidas e classificadas de acordo com Botto e cols.26. Além disso, as cardiopatias congênitas foram classificadas em complexas e cianóticas.

Estudo citogenético através do cariótipo de alta resolução

Uma amostra de sangue foi coletada de cada paciente, sendo realizado o cariótipo de alta resolução (> 550 bandas) conforme a técnica modificada de Yunis9. Essa técnica, diferentemente do cariótipo convencional, permite que os cromossomos possam ser analisados em uma etapa mais precoce da mitose, na pró-metáfase, quando os cromossomos estão menos condensados. Assim, ela permite a melhor identificação de anormalidades cromossômicas estruturais menores, como pequenas deleções. Em resumo, essa técnica se baseia no procedimento de cultivo celular de linfócitos estimulados com fito-hemaglutinina por 72 horas, sincronização com o uso de metotrexato/timidina e coloração por bandamento GTG. A análise das lâminas para cada caso foi realizada em microscópio Axioskop Zeiss utilizando uma contagem de 25 placas metafásicas, a qual exclui um grau de mosaicismo de até 12% para limite de confiança de 95%27.

Análise estatística

O processamento e a análise dos dados foram realizados através dos programas SPSS para Windows (versão 18.0), Microsoft® Excel 2002 e PEPI (versão 4.0). Os testes estatísticos utilizados foram o qui-quadrado e o teste exato de Fisher bicaudado, para comparação de frequências, e o odds ratio para avaliar a associação entre defeitos cardíacos e anormalidades cromossômicas. Foram considerados como significantes valores de p < 0,05.

Resultados

Dados gerais da amostra

Em um período de um ano e seis meses, 333 pacientes portadores de cardiopatia congênita preencheram o critério de inclusão no estudo. Porém, 31 deles não participaram do mesmo, por terem ido a óbito (n = 12) ou por terem tido alta hospitalar antes da aplicação do termo de consentimento informado (n = 4), ou porque os pais não consentiram em participar (n = 15). Dos 302 pacientes com consentimento, o cariótipo foi realizado com sucesso em 298, sendo que estes compuseram a nossa amostra final. Desses 298 pacientes, 159 (53,4%) eram do sexo masculino, com idade variando de um dia de vida até 14 anos, sendo que pouco mais da metade (58,7%) encontrava-se no primeiro ano de vida. O principal motivo de internação foi a cirurgia cardíaca (76,2%); entre os demais pacientes, cerca de metade ali estava para avaliação cardiológica e metade para realização de cateterismo cardíaco.

Quanto à procedência, 13,8% eram de Porto Alegre, 21,1% da Grande Porto Alegre, 55% do restante do Rio Grande do Sul e 10,1% de outros estados. Quanto ao exame físico, 29,5% dos pacientes foram classificados como sindrômicos. Destes, 70,5% possuíam fenótipo de uma síndrome clássica.

Os tipos anatômicos de malformação cardíaca observados encontram-se expostos na Tabela 1. Comunicação interventricular (CIV) e interatrial (CIA) foram as alterações mais frequentes, observadas cada uma em 14,8% dos casos. Segundo a classificação de Botto e cols.26, o principal grupo de defeitos cardíacos observado foi o septal (29,5% - Tabela 1). Cardiopatia complexa foi observada em 34,6% dos casos, e cianótica, em 35,2%.

Alterações cromossômicas

Anormalidades cromossômicas foram observadas em 50 indivíduos (16,8%), sendo a trissomia livre do cromossomo 21 a mais frequente delas (n = 40). Dos demais casos, quatro apresentavam alterações numéricas, e seis, alterações estruturais (Figura 1, Tabelas 1 e 2). Apesar de a maioria dos pacientes com alterações cromossômicas ser originária do interior do estado, não verificamos diferença estatisticamente significante (p = 0,998) quando avaliamos a presença ou não dessas alterações em relação à procedência.


A maioria dos pacientes com anormalidades cromossômicas foi hospitalizada na UTI para realização de cirurgia cardíaca (76,2%) e avaliação cardiológica (11,7%). As principais características clínicas dos 50 pacientes com alterações cromossômicas encontram-se expostas nas Tabelas 1 e 2. Segundo a classificação de Botto e cols.26, o grupo de defeitos cardíacos de nossa amostra mais associado a alterações cromossômicas foi o do defeito de septo atrioventricular (66,7%, OR: 16,929; IC95%: 7,434-38,55; p < 0,001). As malformações septais foram frequentes (19,3%), contudo, não chegaram a apresentar associação estatisticamente significante (OR: 1,284; IC95%: 0,673-2,452; p = 0,448). Os grupos dos defeitos cardíacos obstrutivos direitos e esquerdos, por outro lado, apresentaram associação inversa, ou seja, foram estatisticamente não associados a alterações cromossômicas. Quando se avaliaram os tipos anatômicos pertencentes aos grupos classificados conforme Botto e cols.26, de forma separada, verificou-se que os defeitos de septo atrioventricular (66,7%; OR: 16,929; IC95%: 7,434-38,55; p < 0,001) e os defeitos de septo ventricular (31,8%; OR: 2,826; IC95%: 1,368-5,839; p = 0,005) foram os mais associados com as anormalidades cromossômicas (Figura 2). Todos os casos de alteração cromossômica associados ao defeito de septo atrioventricular foram compostos de pacientes com síndrome de Down. Por outro lado, a D-transposição das grandes artérias foi estatisticamente não associada a alterações cromossômicas (nenhum dos casos desse defeito era portador da mesma; p = 0,0310 - Tabela 1). Ao exame físico, 49 dos 50 pacientes com anormalidades cromossômicas foram considerados sindrômicos (somente a paciente com triplo X era não sindrômica - Tabela 2).


Discussão

Em nossa revisão da literatura, utilizando os bancos de dados PubMed e SciELO identificamos 14 estudos similares ao nosso, que avaliaram a frequência e os tipos de anormalidades cromossômicas identificadas através do cariótipo entre pacientes com cardiopatia congênita3,6,11-22. Estudos como o de Schellberg e cols.28, que excluíram pacientes com alterações cromossômicas frequentes (como a trissomia do cromossomo 21) da amostra, não foram incluídos na nossa análise. A grande maioria dos estudos similares foi desenvolvida nos Estados Unidos e na Europa. Apenas um deles (Amorim e cols.20) foi realizado na América Latina e no Brasil. Contudo, chama a atenção que, diferentemente de nós, a maior parte dos estudos (incluindo o de Amorim e cols.20) foi realizada de forma retrospectiva, a partir, principalmente, de bancos de dados. Devido a isso, em muitos estudos o cariótipo não foi realizado de forma padronizada (a sua testagem muitas vezes pareceu se limitar, principalmente, àqueles casos com suspeita de anormalidade cromossômica)12,18. Além disso, o nosso estudo foi o único no qual um geneticista examinou e realizou a classificação sindrômica dos pacientes com base nos dados do exame físico e dismorfológico (Tabela 2).

A frequência das cromossomopatias identificadas através do cariótipo em nosso estudo (16,8%) foi similar à dos trabalhos de Ferencz e cols.11, Pradat13, Harris e cols.19 e Amorim e cols.20, que encontraram índices de 12,9-23,1%. Diferenças significativas foram verificadas em relação aos trabalhos de Stoll e cols.12, Hanna e cols.14, Goodship e cols.15, Grech e Gatt3, Meberg e cols.16, Roodpeyma e cols.6, Bosi e cols.17, Calzolari e cols.18, Dadvand e cols.21 e Hartman e cols.22, que apresentaram índices de 3-12,1% (p < 0,05). Estes se caracterizaram por possuir amostras distintas, tanto pelo número como pelas características clínicas de seus pacientes. Em nossa amostra, a frequência de anormalidades cromossômicas não diferiu quanto à procedência dos pacientes, sugerindo que talvez não tenha havido uma seleção associada às cromossomopatias. Isto é, não houve diferença entre a frequência de pacientes com alteração grave advinda da capital em relação ao interior do estado.

A síndrome de Down, especialmente através da trissomia livre do cromossomo 21, foi a anormalidade cromossômica mais observada em nossa série de pacientes (14,4%), o que é concordante com a literatura. A trissomia livre do cromossomo 18 constituiu a segunda alteração mais frequente e recorrente entre os pacientes com cardiopatia congênita. Outra condição frequentemente descrita nos estudos, mas ausente em nossa amostra, foi a trissomia do cromossomo 1311-13,16-22. Quanto às alterações estruturais, somente a deleção do braço curto do cromossomo 6 foi observada também em outro estudo22. O paciente com duplicação do braço curto do cromossomo 17 foi descrito em detalhes por Paskulin e cols.29. A frequência de alterações estruturais observada em nossa amostra (12%) foi similar à da maioria dos demais estudos (4,2-16,7%), diferindo apenas em relação a Ferencz e cols.11 que encontrou frequência inferior (4,4%). Chama a atenção que esse estudo foi o mais antigo, desenvolvido no início da década de 1980, em uma época em que a técnica de alta resolução estava sendo descrita10. Em nossa série, apesar da contagem de 25 placas metafásicas (a qual exclui grau de mosaicismo de até 12% para um limite de confiança de 95%)27, não observamos casos de mosaicismo. Estes foram descritos em baixa frequência apenas nos estudos de Goodship e cols.15 e Hartman e cols.22. Apesar disso, a frequência total de alterações cromossômicas foi inferior à de nosso estudo.

Quanto à relação das cromossomopatias com os tipos de defeitos cardíacos, observamos, de acordo com Botto e cols.26 uma associação bastante significativa com o defeito do septo atrioventricular, à custa, principalmente, dos pacientes com síndrome de Down (nossa frequência foi de 66,7%). Esse achado é concordante com a literatura, que descreve índices de 40-50%30. Assim, quando estamos diante de um paciente com defeito de septo atrioventricular, existe grande probabilidade (que chega a ser de cerca de um em dois) de que ele tenha síndrome de Down.

Chamou-nos a atenção a ausência de associação de cromossomopatias com alguns grupos de defeitos, no caso, obstrutivos direitos e esquerdos (que incluem defeitos como a estenose pulmonar e a coarctação de aorta). Isoladamente, observamos isso apenas em relação a um defeito de via de saída, a D-transposição das grandes artérias. Apesar de não termos observado associação entre cromossomopatias e defeitos septais, separadamente encontramos uma relação com defeitos do septo ventricular. Na literatura, anormalidades cromossômicas foram descritas em cerca de 4,6-18,2% dos pacientes com defeitos do septo ventricular11,18,19 e, em nossa amostra, essa frequência foi de 31,8%.

Apesar de o nosso estudo ser o único a ter descrição de classificação sindrômica por um geneticista clínico, com base apenas nos achados do exame físico dismorfológico dos pacientes, nossa frequência de pacientes síndrômicos (29,5%) foi similar à descrita por Calzolari e cols.18 e Amorim e cols.20. Diferentemente do nosso, nesses estudos os pacientes foram retrospectivamente divididos em sindrômicos ou não, após o conhecimento do resultado da avaliação cariotípica e da presença de outras anormalidades em órgãos internos. Alterações cromossômicas são frequentes entre indivíduos sindrômicos. Em nossa amostra, somente um dos 50 pacientes com anormalidades cromossômicas foi considerado não sindrômico, sendo um indivíduo com triplo X. Esse achado é condizente com a literatura, uma vez que indivíduos com triplo X muitas vezes passam despercebidos em meio à população em geral, pois usualmente não apresentam achados maiores associados. Em nosso caso, não podemos descartar a possibilidade de que a associação com cardiopatia congênita possa ter sido mera coincidência, uma vez que ambas as condições são relativamente frequentes (o triplo X ocorre em um em 1.000 nascidos vivos do sexo feminino)31.

Apesar dos avanços ocorridos na citogenética nas últimas décadas, com o desenvolvimento de técnicas moleculares, como a hibridização in situ fluorescente (FISH) e a hibridização genômica comparativa (CGH), o cariótipo continua sendo uma ferramenta fundamental e básica dentro da avaliação genética10. Em nosso meio, ele constitui um dos poucos exames disponíveis para a avaliação de pacientes atendidos pelo Sistema Único de Saúde, o sistema de saúde público do Brasil. Apesar de suas limitações na detecção de pequenos rearranjos cromossômicos, como microdeleções ou microduplicações, é marcante a frequência de anormalidades cromossômicas detectadas através do cariótipo entre pacientes portadores de cardiopatia congênita. Assim, os profissionais, especialmente aqueles que trabalham em serviços de cardiologia pediátrica, devem estar cientes das implicações que a realização do cariótipo pode trazer, tanto para o diagnóstico, tratamento e prognóstico desses pacientes como para o aconselhamento genético de suas famílias.

Agradecimentos

Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e ao Programa de Iniciação Científica da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (PIC-UFCSPA) pelas bolsas de estudo recebidas.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa, Obtenção de dados, Análise e interpretação dos dados, Análise estatística, Obtenção de financiamento e Redação do manuscrito: Trevisan P, Zen TD, Rosa RFM, da Silva JN, Koshiyama DB, Paskulin GA, Zen PRG; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Trevisan P, Rosa RFM, Paskulin GA, Zen PRG.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi financiado pela CAPES e PIC-UFCSPA.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de dissertação de Mestrado de Patrícia Trevisan, Rafael Fabiano Machado Rosa e Paulo Ricardo Gazzola Zen pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.

Artigo recebido em 30/1/13; revisado em 19/6/13; aceito em 24/6/13.

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  • Correspondência:

    Paulo Ricardo Gazzola Zen
    Rua Sarmento Leite, 245/403, Centro
    CEP 90050 170, Porto Alegre, RS - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      30 Jan 2013
    • Aceito
      24 Jun 2013
    • Revisado
      19 Jun 2013
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